Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
5585/12.6TBOER.L1.S2
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: TOMÉ GOMES
Descritores: CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
SISTEMA DE ALARME
HOMICÍDIO
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
NEXO DE CAUSALIDADE
OBRIGAÇÕES DE MEIOS E DE RESULTADO
ÓNUS DA PROVA
PRESUNÇÃO DE CULPA
Data do Acordão: 09/27/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / PROVAS / ÓNUS DA PROVA – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / NÃO CUMPRIMENTO / FALTA DE CUMPRIMENTO E MORA IMPUTÁVEIS AO DEVEDOR / CONTRATOS EM ESPECIAL / PRESTAÇÃO DE SERVIÇO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / JULGAMENTO DO RECURSO.
Doutrina:
- Antunes Varela, Das obrigações em Geral, Volume I, p. 900 ; Obrigações em Geral, Volume II, Almedina, 7.ª Edição, 1997, p. 101;
- Ribeiro Faria, Direito das Obrigações, Volume II, Almedina, Coimbra, 1990, p. 398 e ss..
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 342.º, N.º 1, 563.º, 798.º, 799.º, N.º 1, 1154.º, 1155.º E 1156.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 682.º, N.º 3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 04-05-2017.
Sumário :  
I. No âmbito de um contrato de prestação de serviço de instalação e manutenção de um sistema de alarme em habitação, nos termos do qual a entidade prestadora garantiu a emissão de sinais de alarme para a sua central, bem como o subsequente acionamento de um plano de ação, em caso de intromissão de estranhos nesse local, tais obrigações assumem a natureza de obrigações de resultado.    

II. Assim, no quadro de tais obrigações, para efeitos de responsabilidade civil por incumprimento contratual, incumbe ao credor o ónus de provar, em primeira linha, que o resultado garantido pelo devedor não se verificou, enquanto facto típico ilícito por este praticado em sede de inexecução da obrigação assumida e causal do prejuízo invocado, nos termos dos artigos 342.º, n.º 1, e 798.º do CC. Feita esta prova, recairá então sobre o devedor o ónus de ilidir a presunção da sua culpa nesse incumprimento, nos termos do art.º 799.º do mesmo Código.

III. A falta de emissão dos sinais de alarme nos termos contratualmente garantidos é suscetível de ser equacionada como causa adequada à ocorrência de um evento que tal emissão visasse prevenir, de modo a fazer incorrer a entidade prestadora em responsabilidade contratual pelos danos daí decorrentes.   

IV. Porém, no caso dos autos, em que a autora não provou sequer que a desmontagem do detetor fotovolumétrico, sem emissão de sinais de alarme conforme o contratualmente previsto, tivesse ocorrido no contexto do cometimento de homicídio, por um intruso, sobre o habitante da casa onde se encontrava instalado o sistema de alarme, não se torna viável estabelecer qualquer nexo de causalidade entre essa falta de emissão dos sinais de alarme e o referido evento. 

Decisão Texto Integral:
Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:



      I – Relatório


1. AA (A.) intentou, em 2012, ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra as sociedades BB Portugal, Lda (1.ª R.), e CC, S.A. (2.ª R.), alegando, no essencial, que:  

     . A A. é a única filha e herdeira de DD, que faleceu, na noite de 6 para 7 de maio de 2011, em consequência de homicídio;

      . DD celebrou com a 1.ª R. um contrato de prestação de serviço de instalação e manutenção dum sistema de vigilância mediante o qual lhe foi fornecido e instalado um equipamento com vista à prevenção de homejacking;

      . Por via desse equipamento, mesmo com o alarme desligado, em caso de ser danificado o detetor fotovolumétrico por ação de intruso, o sistema emitiria um sinal de alarme na central da 1.ª R.;

      . Além disso, o utilizador dispunha de um comando para situações de emergência, que bastava premir para emitir o sinal na referida central;

      . Para tal efeito, foi definido um plano de ação que compreendia, em tais casos, o contato imediato do utilizador com os funcionários da 1.ª R. e/ ou com as autoridades policiais, bombeiros e INEM;

      . No dia 0605/2011, um indivíduo estranho introduziu-se na casa de DD, onde fora instalado aquele equipamento, e assassinou-o, após luta com o intruso;

      . Verificou-se então que o detetor fotovolumétrico fora arrancado da parede e desmontado, encontrando-se em cima da mesa da cozinha, sem que tivesse emitido qualquer sinal de sabotagem para a central da 1.ª R.;

      . O não funcionamento do sistema alarme deveu-se ao facto de o detetor fotovolumétrico estar montado pelas R.R. de forma deficiente, tendo assim incumprido o objetivo principal do contrato, que era a segurança da vida de DD.

      Concluiu a A. a pedir que as R.R. fossem condenadas, solidariamente, a pagar-lhe, na qualidade de única filha e herdeira de DD, pela perda da vida deste e pelo sofrimento que lhe foi infligido, uma indemnização no valor de € 275.000,00, acrescida de juros de mora desde a citação.


     2. Ambas as R.R. apresentaram contestação, em que, além de impugnar o alegado pela A., sustentaram o seguinte:

        2.1. A 1.ª R., dizendo que:

       . Não tendo o alarme sido ativado na sua central na altura em que DD foi assassinado, por se encontrar desligado, nunca seriam recebidos quaisquer sinais nesta central, não podendo assim ser acionado o plano de ação;

       . No contrato celebrado, a 1.ª R. apenas assumiu a obrigação de meios de vigilância, que cumpriu, e não a garantia da vida de DD, pelo que não existe nexo de causalidade entre essa obrigação e a morte deste.

       2.2. A 2.ª R., invocando a sua ilegitimidade por não ser parte no contrato celebrado e pelo facto de o referido sistema de vigilância não estar direta ou indiretamente ligado à sua central de alarmes, mas sim à central da 1.ª R.

       3. Findos os articulados, realizou-se a audiência prévia, sendo proferido despacho saneador a julgar improcedente a exceção de ilegitimidade invocada pela 2.ª R., procedendo-se depois à identificação do objeto do litígio e à enunciação dos temas da prova.

      4. Realizada a audiência final, foi proferida a sentença de fls. 1281-1321, datada de 29/02/2016, a julgar a ação parcialmente procedente:

a) – Condenando-se a 1.ª R. a pagar à A., a título de danos não patrimoniais, a quantia de € 80.000,00 acrescida de juros de mora vencidos desde a data da sentença e vincendos;

b) – E absolvendo-se a 2.ª R. do pedido.

       5. Inconformada, a 1.ª R. interpôs recurso para a Relação de …, em sede de impugnação de facto e de direito, tendo sido proferido o acórdão de fls. 1426-1431, datado de 10/11/2016, a julgar procedente a apelação, revogando a sentença recorrida e, em sua substituição, julgando a ação improcedente com a consequente absolvição da 1.ª R. do pedido.

       6. Desta feita, veio a A. pedir revista, no âmbito da qual foi proferido o acórdão de fls. 1527-1537, de 04/05/2017, em que se determinou, ao abrigo do art.º 682.º, n.º 3, do CPC, a ampliação da matéria de facto em ordem a se fazer o confronto do relatório pericial de fls. 998 e seguintes com os factos alegados pela A. sob os artigos 86.º, 87.º, 92.º e 93.º da petição inicial com vista a apurar a causa do não funcionamento do alarme.

      7. Tendo o processo baixado à Relação, foi proferido o acórdão de fls. 1624-1629, de 11/01/2018, no qual foi considerado que, eliminado o facto 19 dado por provado na 1.ª instância e uma vez que a ele respeitavam as conclusões constantes do relatório pericial junto a fls. 998 e segs., resultava assim indemonstrado o alegado sob os artigos 86.º, 87.º, 92.º e 93.º da petição inicial, no tocante à incorreta instalação do dispositivo de deteção de intrusão, concluindo-se, em sede de direito, nos mesmos termos do precedente acórdão da mesma Relação, de 10/11/2016, referido em 5.

      8. Vem, novamente, a A. pedir revista, formulando as seguintes conclusões: 

1.ª - Seguindo a regra da causalidade adequada, que se encontra prevista no artigo 563.º do CC e que é adotada pela jurisprudência maioritária como forma de determinar o nexo de causalidade entre o facto ilícito perpetrado pelo devedor e o dano ocorrido, e tendo por base as regras da experiência, a omissão de emissão de um sinal de sabotagem, a consequente ausência de comunicação para dentro do imóvel, o não accionamento da polícia e dos contactos fornecidos pela vítima aquando a celebração do contrato de prestação e manutenção de serviços de segurança e de videovigilância com a Recorrida, são objetivamente adequados a causar o dano morte ocorrido;

2.ª - A luz das regras da experiência - que consubstanciam o princípio da causalidade adequada - o correto funcionamento do sistema de alarme (que não ocorreu por culpa da Recorrida, que incumpriu de forma grosseira a sua obrigação contratual de assistência, não ilidindo a presunção de culpa do artigo 799.º do CC), no dia do homicídio, ou em dia anterior, seria sempre adequado a evitar a intromissão do homicida em propriedade alheia e os demais actos ilícitos subse-quentes.

3.ª - O mau funcionamento do sistema de segurança, à luz da jurisprudência do STJ, do TRC e do TRL é, nos termos do artigo 563.º do CC, causa adequada à ocorrência de intromissão indevida em propriedade alheia e à prática dos actos ilícitos daí derivados.

4.ª - O Tribunal “a quo”, para além de escamotear a importância que a inoperacionalidade do sistema de segurança/alarme assumiu na produção deste dano morte, não deu cumprimento ao pedido de averiguação das causas que presidiram a esta avaria efetuado pelo STJ, limitando-se a fazer um copy-passe do primeiro acórdão de 18-11-2016, que proferiu em sede deste mesmo processo, sem apurar os motivos que originaram esta anomalia fatal.

5.ª - A doutrina da perda de chance propugna, em tese geral, a concessão de uma indemnização quando fique demonstrado, não o nexo causal entre o facto e o dano final, mas simplesmente que as probabilidades de obtenção de uma vantagem, ou de evitar um prejuízo, foram reais, sérias, consideráveis.

Sustenta-se que, para efeitos de verificação do nexo de causalidade, se deve colocar o acento tónico não no resultado final, mas nas possibilidades de ele ser atingido (é necessário que o ato ilícito e culposo seja a causa jurídica da perda da chance). Trata-se de uma técnica a que se recorre, pois, para ultrapassar as dificuldades de prova do nexo causal, pretendendo-se com a mesma evitar-se a solução drástica, e em muitos casos injusta, a que conduz o modelo tradicional do tudo ou nada.

6.ª - A perda de chance apresenta-se assim como que um dano de não saber, de não conseguir objetivamente demonstrar o nexo causal entre o facto do agente e o dano final, quando foi precisamente o facto do agente que causou a situação de incerteza quanto àquele nexo causal.

Pede a Recorrente que seja revogada a decisão recorrida e substituída por outra que julgue a ação procedente e condene a 1.ª R. no pedido.

9. A Recorrida apresentou contra-alegações, a pugnar pela confirmação do julgado.


Cumpre apreciar e decidir.


II – Delimitação do objeto do recurso


Atento o teor das conclusões da Recorrente, em função dos quais se delimita o objeto do recurso, as questões a resolver consistem em:

i) – Primeiramente, saber se o acórdão ora recorrido respeitou a determinação de ampliação da matéria de facto ordenada no acórdão deste Supremo Tribunal proferido a fls. 1527-1537, de 04/05/2017, ao abrigo do art.º 682.º, n.º 3, do CPC;

ii) – Subsidiariamente, ajuizar se, em face à factualidade provada, é imputável à 1.ª R. violação contratual, relativamente ao não funcionamento do sistema de alarme em referência, que tenha concorrido para a morte de DD provocada por homicídio.   


III – Fundamentação


1. Factualidade dada por provada


       Vêm dados como provados pela 1.ª instância os factos que aqui se reordenam nos seguintes moldes:

1.1. A A. é filha única de DD, este falecido no estado de viúvo no dia 7/5/2011, na sua residência sita na Urbanização …, Rua …, lote 9, …, Setúbal, e nessa qualidade, cabeça de casal e herdeira universal de seu pai – ponto 1 dos factos provados na sentença correspondente à matéria dos artigos 1.º a 3.º da p.i.;

1.2. A residência referida em 1.1 é constituída por uma moradia para habitação de r/c e 1.º andar, garagem, um espaço em alvenaria com gaiolas, um canil, tudo circundado com muros e gradeamentos, ajardinamento do logradouro envolvente e plantação de um pequeno pomar, situando-se o lote na Rua …, à Rua …, lote …, … - Quinta do …, …, pelo que a entrada principal era por uma das ruas e a entrada da garagem pela outra rua das traseiras da moradia – ponto 2 dos factos provados na sentença correspondente à matéria dos artigos 9.º a 13.º da p.i.;  

1.3. À data do seu falecimento DD tinha 82 anos, trabalhou até à idade da reforma, e apesar de doente cardíaco, era ativo - ponto 3 dos factos provados na sentença correspondente à matéria do art.º 21.º p.i.;

1.4. Desde pelo menos o ano de 2009 que DD passou a viver na residência sita em 1.º, primeiro na companhia da sua esposa, e após o falecimento desta em 19/4/2010, sozinho – ponto 4 dos factos provados na sentença correspondente à matéria dos artigos 23.º a 28.º p.i.);

1.4. Por força da sua idade avançada, e por residir sozinho, vivendo a A. em L…, DD colocou a possibilidade de acionar um sistema de alarme que pudesse proteger quer o exterior quer o interior do lote de terreno e habitação referido em 1.1 - ponto 4 dos factos provados na sentença correspondente à matéria dos artigos 29.º e 30.º p.i.;  

1.5. DD era doente cardíaco, querendo salvaguardar a hipótese de sentir necessidade de chamar apoio médico, em caso de emergência - ponto 5 dos factos provados na sentença correspondente à matéria do art.º 30.º p.i.;

1.6. Em maio de 2009 surge um catálogo denominado "CAMPA-NHA DE PREVENÇÃO", da R. BB, conforme doc. 4 junto à p.i., nele se exarando:

   “CAMPANHA … (válida até ao final do mês) (conforme prospecção) através de especialista de segurança na zona, na pessoa de EE, especialista de segurança Tlm: 96…5 e 7…3 1…3 - 24 horas;

  E ainda: "PROTEJA A SUA FAMÍLIA com um sistema de prevenção homejacking

   Verificação de disparos de alarme com gravação de imagem (foto volumétrico)

   Funciona sem linha telefónica (Módulo GMSM7GPRS7SMS)

   Em caso de disparo de alarme ou SOS, possibilita a verificação por voz e imagem directamente para o local (comunicação directa)”

Mais constando da aludida promoção, além da divulgação das imagens de aparelhagem, constituída por sete elementos, que seriam tecnicamente a demonstração visual do que seria instalado para o sistema de alar-me, quanto ao valor “160€, acrescidos de +36 quotas mensais de 10€ = a 520€”

E ainda:

   “PROMOÇÃO EXCLUSIVA, na sua localidade, até ao final do mês, a tranquilidade sente-se”

 - ponto 6 dos factos provados na sentença correspondente à matéria dos artigos 31.º e 34.º a 38.º da p.i.;

1.7. No seguimento de tal campanha, em 14/5/2009, DD preencheu o formulário e assinou a proposta de venda conforme doc. de fls. 73, cujo teor se dá aqui por reproduzido, através do vendedor 1105IT CC 130, onde se inclui a descrição do “kit básico do equipamento”, e a oferta da instalação – ponto 7 dos factos provados na sentença correspondente à matéria dos artigos 40.º e 41.º p.i.;

1.8. Em 20/5/2009, DD assinou com a R. BB Portugal, Lda, o contrato denominado de "Contrato de Instalação /Serviços" n.º 2…4, conforme doc. de fls. 74, cujo teor se dá aqui por reproduzido, e onde se discriminou quer a localização dos quartos e salas onde iriam ser colocados os equipamentos constantes do kit, quer o básico, quer as ampliações - ponto 8 dos factos provados na sentença correspondente à matéria do art.º 42.º p.i.;

1.9. Por força do contrato n.º 2…4 foi pela 1.ª R. emitido o recibo n.º 71674, conforme doc. de fls. 75 que aqui se dá por reproduzido - ponto 9 dos factos provados na sentença correspondente à matéria do art.º 43.º p.i.;  

1.10. Faz parte do sistema de alarme referente à casa de DD o seguinte equipamento: 1 painel central de alarme microprocessadora; 1 teclado de controlo de rádio; 1 detetor foto volumétrico; 2 detetores volumétricos; sirene exterior, 1 comando à distância e chaves encriptadas - ponto 15 dos factos provados na sentença correspondente à matéria do art.º 53.º p.i.;

1.11. O sistema de alarme de DD não se encontrava ligado à central de alarmes da R. CC, SA, mas à central de alarmes da R. BB Portugal, Lda – ponto 25 dos factos provados na sentença correspondente à matéria dos artigos 1.º da contestação da 1.ª R. e 3.º da contestação da 2.ª R.;

1.12. Para a efetivação do plano de ação do sistema de alarme acordado, foram fornecidos dados específicos, como os nomes e telefones das pessoas a contatar em caso de emergência, no caso a A., o genro FF e DD – ponto 10 dos factos provados na sentença correspon-dente à matéria do dos artigos 44.º e 45.º p.i.;  

1.13. No mesmo plano de ação era indicado, em “actuações especiais”, como seriam acionados os meios, quer através de botões, com corte de corrente em uma hora, quer através de outros meios como o aviso às autoridades GNR, Bombeiros e INEM - ponto 11 dos factos provados na sentença correspondente à matéria do art.º 46.º p.i.;

1.14. No mesmo plano de ação é explicado com detalhe quando dispara o alarme - ponto 12 dos factos provados na sentença correspondente à matéria do art.º 47.º p.i.;

1.15. No referido plano de ação é indicado que a central recetora de alarmes da 1.ª R., nos casos aí especificados, efetuará a verificação do alar-me, ligando para o telefone da instalação e ou intercomunicador do cliente, mesmo com o sistema de alarme desligado, tendo o utilizador uma chave de acesso – ponto 13 dos factos provados na sentença correspondente à matéria dos artigos 48.º e 49.º p.i.;

1.16. Perante um sinal de intromissão, a central de alarmes da 1.ª R. emitirá, consoante o caso, e sempre precedido do contato, primeiro com o utilizador e depois com as pessoas indicadas em 1.10, um sinal de SOS que avisa ou as forças policiais, ou os Bombeiros ou INEM, aos quais solicita a intervenção e ida ao local - ponto 14 dos factos provados na sentença correspondente à matéria dos artigos 50.º e 51.º p.i.;

1.17. Perante o sinal de disparo do alarme na sua central de alarmes, a 1.ª R. verifica os sinais do local, ligando para os telefones da instalação através do módulo fala/escuta - ponto 26 dos factos provados na sentença correspondente à matéria do art.º 23.º da contestação da 1.ª R.;

1.18. Se ninguém atender é observado o plano de ação, sendo os contatos efetuados pela ordem prevista, ou imediatamente contatadas as autoridades policiais para o envio de um carro patrulha ao local - ponto 27 dos factos provados na sentença correspondente à matéria do art.º 24.º contestação;

1.19. Quando contatadas as autoridades policiais, a 1.ª R. repete os procedimentos, contatando as pessoas do plano de ação para as informar da situação - ponto 28 dos factos provados na sentença correspondente à matéria do art.º 25.º contestação;

1.20. Não sendo possível, a 1.ª R contata novamente, decorridos 30 a 45 minutos, as autoridades policiais para obter informações - ponto 29 dos factos provados na sentença correspondente à matéria do art.º 26.º contestação;

1.21. A ocorrência só é fechada após o contato com pessoa autorizada, com palavra-chave correta - ponto 30 dos factos provados na sentença correspondente à matéria do art.º 27.º contestação;

1.22. Sob o n.º de ordem 2…3, em 11/1/2011, a 1.ª R. efetuou uma revisão aos aparelhos e substituição do D.V. - ponto 16 dos factos provados na sentença correspondente à matéria do art.º 54.º p.i.;

1.23. Sob o n.º de ordem 2…2, em 19/04/2011, a 1.ª R. efetuou uma revisão aos aparelhos para substituição de pilhas e códigos do comando e teclado – ponto 17 dos factos provados na sentença correspondente à matéria dos artigos 55.º da p.i. e 32.º da contestação da 1ª R.;

1.24. Na noite de 6 para 7 de maio de 2011, a residência de DD sita na Urbanização …, Rua …, lote 9, …, com este no seu interior, foi objeto de intrusão por GG, sem que o sistema de alarme tivesse sido ativado na central de alarmes da 1.ª R. - ponto 18 dos factos provados na sentença correspondente à matéria do art.º 58.º p.i.;

1.25. Perante a presença de GG, DD tentou afastá-lo com a sua bengala, envolvendo-se ambos em luta que se desenrolou até perto da entrada da casa de banho, acabando por ser empurrado por aquele, e caído, para o interior do poliban, após o que lhe desferiu múltiplos socos e pontapés na parte superior do corpo, com incidência na zona da cabeça. GG só cessou a sua conduta quando verificou que DD estava totalmente imobilizado e coberto de sangue, momento em que o abandonou inanimado e sem vida - ponto 21 dos factos provados na sentença correspondente à matéria do art.º 64.º p.i.;

1.26. No referido período de 6 para 7 de maio de 2011, o detetor foto volumétrico foi removido da parede onde estava fixado, sem que qualquer sinal de sabotagem tivesse sido acionado na central de alarmes da 1ª R. - ponto 19 dos factos provados na sentença correspondente à matéria do art.º 59.º p.i., mas dado como não provado pela Relação;

1.27. No dia 07/05/2011, quando as autoridades policiais compareceram no local alertadas por terceiros, o detetor foto volumétrico estava desmontado em cima da mesa da cozinha e havia sangue espalhado pela casa, estando o corpo de DD já cadáver, não tendo a central de alarmes da 1.ª R. emitido qualquer sinal de aviso nomeadamente ao Posto da GNR – ponto 20 dos factos provados na sentença correspondente à matéria dos artigos 60.º a 63.º p.i.;

1.28. À data do descrito em 1.26 a 1.27, o sistema de alarme de DD encontrava-se desligado - ponto 31 dos factos provados na sentença correspondente à matéria do art.º 35º contestação;

1.29. No dia 08/05/2011, a A. contatou os serviços da 1.ª R., dando conta do falecimento de seu pai, e que, aquando da ocorrência, o alarme estava desligado - ponto 32 dos factos provados na sentença correspondente à matéria do art.º 49.º contestação;

1.30. No dia 12/05/2011, a 1.ª R. efetuou intervenção ao sistema de alarme de DD, através do serviço de assistência n.º 2…9, constando da folha de obra ou de serviço que:

   «É indicado revisão. Coloquei foto que tinha sido retirado da parede. Sinais e Modulo OK. Troca de código do teclado. Senhora pede para que sirene passe a estar inactiva»

- ponto 22 dos factos provados na sentença correspondente à matéria dos artigos 72.º e 73.º p.i.;

1.31. O descrito em 1.30 (ponto 22 da sentença) ocorreu porque sempre que ocorre uma situação de assalto é realizada uma revisão ao equipamento do sistema através de testes que visam certificar a boa captação de movimentos e transmissão dos sinais - ponto 33 dos factos provados na sentença correspondente à matéria do art.º 52.º contestação;

1.32. O detetor fotovolumétrico, quando retirado da parede, não emitiu qualquer sinal para a central de alarmes da 1.ª R. - ponto 23 dos factos provados na sentença correspondente à matéria do art.º 74.º p.i.;

1.33. A A. e marido solicitaram no dia 27/10/2011 uma peritagem ao Instituto da Soldadura e Qualidade, o qual emitiu o relatório que constitui o doc. 13. de fls. 998 e segs., subscrito pelos engenheiros HH e II, cujo teor se dá por integralmente reproduzido – ponto 24 dos factos provados na sentença correspondente à matéria dos artigos 76.º e 84.º p.i.;

1.34. Pelos factos descritos em 1.24 a 1.26, GG foi julgado e condenado, no âmbito do processo-crime n.º 231/11.8GESTB, da Vara de Competência Mista da Comarca de Setúbal, por acórdão de 10/7/2013 transitado em julgado, pela prática de um crime de homicídio qualificado p. e p. pelos arts. 131º, 132º, nº1 e 2 g) do C. Penal, na pena de vinte anos de prisão; pela prática de um crime de furto qualificado p. e p. pelos arts. 203º, nº1 e 204º, nº1 f), na pena de três anos de prisão, e em cúmulo na pena única de vinte e dois anos de prisão, acrescida da expulsão do arguido do território nacional após cumprimento da pena, ficando-lhe vedado o acesso a território nacional pelo período de dez anos, conforme certidão do acórdão de fls. 982 e segs. cujo teor se dá aqui por reproduzido.


Sendo esta a matéria dada por provada na sentença da 1.ª instância, todavia, a Relação, apreciando a impugnação deduzida pela R. apelante sobre o juízo probatório contido no ponto 19 dos factos provados daquela sentença, correspondente ao ponto 1.26 da factualidade acima consignada, concluiu pela “eliminação” desse facto, por considerar que da análise da prova produzida não resultava a demonstração de tal facto, como se colhe do acórdão proferido em 10/11/2016 (vide fls. 1430), solução mantida no acórdão ora recorrido (vide fls. 1628).

Tem-se, pois, por não provado o facto constante do ponto 1.26 da factualidade supra transcrita correspondente ao ponto 19 da sentença.  

      

         2. Factos dados como não provados pela 1.ª Instância


     Foi dado especificamente como não provado pela 1.ª Instância que:

  2.1. As intervenções no equipamento de 11-01-2011 e 19-04-2011 tivessem sido realizados a coberto das Condições de Participação de Serviço/Ampliação nos termos do documento 10 de fls. 505, e que a 1.ª R. deveria enviar um piquete a casa de DD 4 vezes ao ano, o que não fez – alínea a) dos factos dados por não provados na sentença correspondente ao alegado nos artigos 56.º e 57.º da p.i.;

2.2. O sinal de sabotagem que deveria ter sido acionado com a remoção do detetor fotovolumétrico estivesse ligado à central de alarmes da R. CC, S.A.- alínea b) dos factos dados por não provados na sentença correspondente ao alegado no art.º 59.º da p.i.;

2.3. A A. só viesse a reagir perante a 1.ª R. após as exéquias funerárias dos restos mortais de seu pai, que demorou vários dias - alínea c) dos factos dados por não provados na sentença correspondente ao alegado no art.º 71.º da p.i.;

2.3. O detetor fotovolumétrico, mesmo depois da revisão e recolocação em 12-05-2011, não funcionou e não acionou o alarme na central da R. no dia 6-05-2011 por estar mal instalado, e os 2 detetores volumétricos continuam sem estar em funcionamento – alínea d) dos factos dados por não provados na sentença correspondente ao alegado nos arti-gos 90.º, 91.º e 92.º da p.i.;

2.4. Estando o sistema de alarme desligado, não seriam recebidos quaisquer sinais na central de alarmes da 1.º R. – alínea e) correspondente ao alegado no art.º 42.º da contestação da 1.ª R.;

2.5. Os sinais de sabotagem transmitidos no dia 12-05-2011 para a central de alarmes da 1.ª R. não tivessem sido acionados pela revisão ao equipamento feito nesse mesmo dia por técnico seu – alínea f) correspondente ao alegado nos artigos 57.º a 61.º da contestação da 1.ª R..


3. Do mérito do recurso


3.1. Enquadramento prévio


Com a presente ação, no que aqui releva, a A., na qualidade de única filha e herdeira do falecido DD, pretende obter a condenação da 1.ª R. a pagar-lhe uma indemnização, a título de danos por perda a vida de seu pai e pelos sofrimentos nele infligidos através do ato de homicídio que o vitimou na noite de 6 para 7 de maio de 2011, ocorrido durante a intrusão, na sua residência, de GG.

E alicerça tal pretensão no facto de não ter funcionado o sistema de alarme fornecido e ali montado pela mesma R., imputando a esta tal anomalia, a título de falta de cumprimento, presumidamente culposo, do denominado “Contrato de Instalação/Serviços" n.º 2…4, por ela celebrado com DD, em 20/5/2009, mormente quanto às obrigações daquela de instalar de forma adequada o referido sistema e de garantir o seu correto funcionamento e a sua manutenção.       

Nessa base, sustenta a A. que a anomalia do sobredito sistema, verificada aquando do cometimento do homicídio que vitimou seu pai DD, ao não ter permitido a emissão dos sinais de alarme para a central da 1.ª R, tal como se encontrava garantido pelo contrato, constitui causa adequada ao desfecho do homicídio, na medida em que o não preveniu como seria de presumir.      


Na 1.ª instância, foi considerado que, muito embora não se tivesse provado que a falha do sinal de sabotagem se devesse “a má ou deficiente montagem do detetor foto volumétrico”, por parte dos técnicos da 1.ª R., ainda assim a responsabilidade civil contratual desta não se encontrava afastada, porquanto caberia à mesma R. provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso não procedia de culpa sua, nos termos do art.º 799.º do CC, prova que não lograra fazer.

Foi ainda considerado que aquele incumprimento culposo presumido se apresentava como causa adequada da perda da vida de DD e dos sofrimentos a ele infligidos através do ato de homicídio, à luz do artigo 563.º do CC, segundo a doutrina da formulação negativa e as regras da experiência.

Nessa base, concluiu-se ali pela condenação da 1.ª R. a pagar à A. a indemnização de € 80.000,00, dos quais € 50.000,00 pela perda do direito à vida e € 30.000,00 pelo sofrimento infligido na vítima antes da morte, acrescida de juros de mora desde a data da sentença.


Porém, a Relação, no acórdão proferido a fls. fls. 1426-1431, datado de 10/11/2016, no âmbito da apelação interposta pela 1.ª R., depois de dar como não provado o facto constante do ponto 19 da sentença, considerou, em sede de direito, o seguinte:

«Funda-se o pedido formulado na presente acção em alegado incumprimento, por parte da apelante, do dever de bom funcionamento do sistema de vigilância, cuja instalação, na respectiva residência, foi com aquela contratada pelo falecido DD, pai da A., ora apelada - de tal incumprimento se fazendo decorrer o evento que conduziu à morte do mesmo.

Dispõe o art. 563º do C.Civil - aplicável quer se trate de responsabilidade de natureza contratual ou extracontratual - que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.

“Deste modo, para que um dano seja reparável pelo autor do facto, é necessário que o facto tenha actuado como condição do dano. Mas não basta a relação de condicionalidade concreta entre o facto e o dano. É preciso ainda que, em abstracto, o facto seja uma causa adequada (hoc sensu) desse dano” (A. Varela, Das obrigações em geral, vol. I, pág. 900).

No caso concreto, assente que o sistema de vigilância, aí instalado, não foi accionado, não emitindo sinal de intrusão na respectiva residência, de forma alguma, todavia, se provou que o seu correcto funcionamento tivesse obstado à ocorrência da intromissão e subsequente agressão, que vitimou o pai da apelada.

Ou seja, não resultou demonstrado que o facto imputado à apelante (falha no sistema de vigilância), concretamente, haja sido - sendo que, em termos abstractos, não teria essa virtualidade - causa adequada do dano verificado (morte da vítima).»

    E ali se concluiu pela improcedência da ação com a consequente absolvição da 1.ª R. do pedido.

     Tendo a A. interposto recurso de revista dessa decisão, foi proferido o acórdão deste Supremo Tribunal de fls. 1524-1527, de 04/05/2017, no qual foi entendido que, em face do enunciado do ponto 24 da factualidade dada por provada na sentença, ao dar como reproduzido o relatório pericial junto a fls. 998 e segs., não era apreensível quais os factos que, através daquele enunciado, se tinham afinal por provados por remissão para o teor do referido relatório, o que se impunha clarificar e confrontar com os factos dados como não provados sobre a matéria alegada sob os artigos 86.º, 87.º, 92.º e 93.º da petição inicial, em ordem a apurar a causa do não funcionamento do alarme.

     Nessa decorrência, foi então decidido, ao abrigo do artigo 682.º, n.º 3, do CPC, determinar a ampliação da matéria de facto de modo a que fossem especificados tais factos, de modo a constituir base suficiente sobre a causa do invocado não funcionamento do sistema de alarme.


      Remetido o processo ao Tribunal da Relação, foi proferido o acórdão de fls. 1624-1629, de 11/01/2018, em que, sobre o ponto em foco, se considerou que, tendo sido “eliminado” o facto constante do ponto 19 da sentença da 1.ª instância, uma vez que a ele respeitavam as conclusões constantes do relatório pericial de fls. 998 e segs., daí resultava indemonstrado o alegado sob os artigos 86.º, 87.º, 92.º e 93.º da petição inicial, no tocante à incorreta instalação do dispositivo de deteção de intrusão, no mais, se concluindo, em sede de direito, nos mesmos termos do precedente acórdão da mesma Relação, de 10/11/2016.


    É agora desta decisão que vem interposta a presente revista, a questionar quer a sua conformidade com a ampliação determinada pelo Supremo Tribunal, quer a solução jurídica mantida.


3.2. Quanto à invocada desconformidade do acórdão recorrido com a decisão do Supremo que determinou a ampliação da matéria de facto


No acórdão deste Supremo Tribunal proferido a fls. 1527-1537, de 04/05/2017, no qual se determinou a ampliação da matéria de facto, foi considerado que, no domínio das questões suscitadas, interessava ajuizar sobre a alegada incorreção da instalação do sistema de alarme e sobre as consequências daí advenientes, designadamente no respeitante à proteção antivandalismo/sabotagem, tal como constava dos temas da prova fixados.

     Nesse contexto, considerou-se que do ponto 24 da factualidade dada como provada, com referência ao alegado nos artigos 76.º e 84.º da petição inicial, constava que:

A A. e marido solicitaram no dia 27/10/2011, uma peritagem ao Instituto da Soldadura e Qualidade, o qual emitiu o relatório que constitui o doc. 13 de fls. 998 e seguintes, subscrito pelos engenheiros HH e II, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.   

     E que, em relação a tal juízo probatório, fora consignada a seguinte fundamentação:

O vertido em 24.º resultou do depoimento da testemunha II, Engenheiro no Instituto de Soldadura e Qualidade e subscritor do relatório do ISQ de fls. 998 e seguintes, o qual confirmou o seu teor, relatando as diligências que efectuou e explicando o seu parecer, em conjugação com o documento referido de fls. 998.

    Feito o confronto entre o teor do referido relatório assim dado como reproduzido e este enunciado probatório, entendeu-se não ser apreensível quais os factos que, através deste enunciado, se tinham, porventura, por provados com base no teor daquele relatório e que tal clarificação se impunha por forma a ser compatibilizada com os factos dados como não provados na alínea d) da sentença correspondente à matéria alegada sob os artigos 86.º, 87.º, 92.º e 93.º da petição inicial.

      Com efeito, como já se deixou consignado no acórdão de fls. 1604 a 1610, de 12/10/2017, proferido, em conferência, sobre a reclamação então deduzida pela 1.ª R. contra o acórdão de fls. 1527-1537, de 04/05/ 2017, o enunciado probatório vertido no ponto 24 dos factos provados seria passível de duas leituras:

- uma, no sentido sustentado pela 1.ª R. de que aquele ponto versaria apenas sobre o “facto” de ter sido solicitada uma peritagem ao ISQ e produzido o respetivo relatório, conforme o afirmado sob os artigos 76.º e 84.º da petição inicial e impugnado no art.º 65.º da contestação, não contendo qualquer juízo probatório substantivo sobre a matéria alegada nos artigos 86.º, 87.º, 92.º e 93.º da petição inicial dada como não provada na alínea d) da sentença;

- outra leitura, no sentido de que a remissão feita para o teor do mencionado relatório pericial assumiria alguns dos elementos factuais indiciários constantes do mesmo, podendo necessitar de compatibilização com aquela matéria dada como não provada.

      Em suma, tratava-se de saber, antes de mais, com que alcance se dera como reproduzido o teor do relatório pericial em referência.


       Ora, o acórdão da Relação subsequentemente proferido e aqui impugnado, quanto a esse particular, considerou que, tendo sido “eliminado” o facto constante do ponto 19 da sentença da 1.ª instância, uma vez que a ele respeitavam as conclusões constantes do relatório pericial de fls. 998 e segs., daí resultava indemonstrado o alegado sob os artigos 86.º, 87.º, 92.º e 93.º da petição inicial, no tocante à incorreta instalação do dispositivo de deteção de intrusão.

      Significa isto que a Relação, na reapreciação que fez, com base em toda a prova auditada, em sede de impugnação deduzida sobre o ponto 19 dos factos provados na sentença da 1.ª instância, considerou que as conclusões daquele relatório deixavam de ter consistência por serem suportadas no facto dado como provado no ponto 19, mas que, na decorrência daquela análise probatória, este facto devia ser dado por não provado, como foi, ficando assim prejudicadas tais conclusões. 

      E agora esclarece que, por isso mesmo, o teor daquele relatório não interfere em nada com o juízo probatório que deu como não provada a matéria alegada sob os artigos 86.º, 87.º, 92.º e 93.º da petição inicial.

     Daí se extrai, necessariamente, que a remissão feita no artigo 24.º do ali dado como provado não o foi com o alcance de assumir os elementos indiciários referidos no relatório pericial como juízo probatório substancial sobre os mesmos, mas apenas como mera indicação dos elementos colhidos através da diligência efetuada.

      Nestas circunstâncias, não competindo a este tribunal de revista sindicar a valoração probatória feita pela Relação, em sede de prova livre, como decorre do disposto no artigo 674.º, n.º 3, a contrario sensu, do CPC, impõe-se ter por fixado o juízo probatório negativo sobre a matéria alegada nos artigos 86.º, 87.º, 92.º e 93.º da petição inicial, por força do preceituado no artigo 682.º, n.º 1 e 2, do mesmo Código.

      Consequentemente, em face de tal juízo probatório negativo, deixa de fazer sentido qualquer outra ampliação da matéria de facto.

      Termos em que se conclui que o tribunal a quo, com a clarificação dada sobre o alcance do teor do ponto 24 dos factos provados e da sua conjugação com os sobreditos factos dados como não provados, não desrespeitou os limites e fins da determinação de ampliação feita.


      3.3. Quanto à solução jurídica em sede de mérito


      Atenta a factualidade dada como provada em confronto com a dada como não provada, importa agora saber se dela decorre a responsabilidade civil contratual da 1.ª R. pela morte de DD e pelos danos a ele infligidos através do ato de homicídio ocorrido na noite de 6 para 7 de maio de 2011.


      Ambas as partes desenvolveram a sua argumentação no plano da caracterização do tipo de responsabilidade civil em referência e sobre a verificação dos respetivos pressupostos, em particular, no tocante ao nexo de causalidade entre o alegado incumprimento contratual imputado à 1.ª R. e o cometimento daquele ato de homicídio por terceiro.


Comecemos então por reter os termos do contrato celebrado entre DD e a 1.ª R. de modo a qualificar as obrigações assumidas por esta para, só depois, indagar se o eventual incumprimento de tais obrigações permite estabelecer um nexo de causalidade com a ocorrência do referido homicídio de DD, como pretende a A..  


Com a celebração, em 20/5/2009, do contrato denominado de “Contrato de Instalação /Serviços” n.º 2…4, reproduzido a fls. 74, celebrado entre DD e a 1.ª R., esta assumiu a obrigação de instalar e manter em funcionamento, na residência daquele indicada em 1.2, um sistema de alar-me constituído por um painel central de alarme microprocessadora, um teclado de controlo de rádio, um detetor fotovolumétrico, dois detetores volumétricos, sirene exterior, 1 comando à distância e chaves encriptadas - ponto 1.10 dos factos provados.

Tal sistema funcionaria com ligação a uma central recetora de alar-mes da 1.ª R., estando-lhe associado um plano de ação, segundo o qual seriam fornecidos dados específicos, como os nomes e telefones das pessoas a contatar em caso de emergência, e indicado como se acionariam os meios de alerta, através de botões, corte de corrente, e aviso às autoridades GNR, Bombeiros e INEM - pontos 1.12 e 1.13 dos factos provados;

Assim, perante um sinal de intromissão na residência de DD verificado na central de alarmes da 1.ª R., esta contataria, primeiramente, o utilizador e depois as pessoas por ele indicadas, por telefone da instalação ou intercomunicador do cliente, e depois emitiria um sinal de SOS de aviso à forças policiais ou os Bombeiros ou INEM, solicitando a sua intervenção e ida ao local. Tal sinal seria emitido mesmo com o sistema de alarme desligado, tendo o utilizador uma chave de acesso - pontos 1.15 e 1.16 dos factos provados.

Se ninguém atendesse, seriam efetuados os contatos pela ordem prevista, ou imediatamente contatadas as autoridades policiais para o envio de um carro patrulha ao local - ponto 1.17 dos factos provados.  


Estamos, pois, no âmbito de um contrato de prestação de serviço, genericamente previsto e regulado nos artigos 1154.º a 1156.º do CC, nos termos do qual a 1.ª R. assumiu perante DD as obrigações de instalar e manter o referido sistema de alarme com as funcionalidades técnicas acima descritas.

Nessa conformidade, afigura-se que a 1.ª R. assumiu uma obrigação de resultado ao garantir tais funcionalidades técnicas do sistema de alarme que instalou na residência de DD, mais precisamente a emissão dos sinais de alarme para a sua central, em caso de intrusão alheia naquele local, bem como o subsequente acionamento do plano de ação que lhe estava associado.  


Na execução desse contrato, a 1.ª R., em 11/01/2011, efetuou uma revisão aos aparelhos e substituição do D.V. (ponto 1.22 dos factos provados) e, em 19/04/2011, outra revisão aos aparelhos para substituição de pilhas e códigos do comando e teclado (ponto 1.23).

Sucede que, na noite de 6 para 7 de maio de 2011, ocorreu a intromissão de pessoa estranha na residência de DD, que, após luta com este, acabou por lhe tirar a vida, sem que o sistema de alarme tivesse sido ativado na central de alarmes da 1.ª R., encontrando-se desligado - ponto 1.28 da factualidade dada por provada acima consignada.

E, no dia 07/05/2011, quando as autoridades policiais compareceram no local alertadas por terceiros, o detetor fotovolumétrico estava desmontado em cima da mesa da cozinha, sem que tivesse sido emitido sinal de alarme para a central da 1.ª R. - ponto 1.27 da mesma factualidade.  


A par disso, não se provou que: i) - o detetor fotovolumétrico, mesmo depois da revisão e recolocação em 12-05-2011, não funcionasse, e que não acionasse o alarme na central da R. no dia 6-05-2011 por estar mal instalado, nem que os 2 detetores volumétricos continuasse sem estar em funcionamento; ii) - estando o sistema de alarme desligado, não seriam recebidos quaisquer sinais na central de alarmes da 1.º R.; iii) - os sinais de sabotagem transmitidos no dia 12-05-2011 para a central de alarmes da 1.ª R. não tivessem sido acionados pela revisão ao equipamento feito nesse mesmo dia por técnico seu.

Desde logo, como bem se refere na sentença da 1.ª instância, não se provou que a falha do sinal de sabotagem se devesse a má ou deficiente montagem do sistema de alarme, por parte 1.ª R..


Resta saber se o facto de, no dia 07/05/2011, quando as autoridades policiais compareceram no local, o detetor fotovolumétrico se encontrar desmontado em cima da mesa da cozinha, sem que tivesse sido emitido sinal de alarme para a central da 1.ª R., se traduz em incumprimento contratual imputável à 1.º R..

Segundo o contrato celebrado, a remoção do detetor fotovolumétrico da parede onde o sistema de alarme estava instalado, mesmo estando este desligado, deveria emitir sinal de alerta para a central da 1.ª R..

Assim, uma vez que não foi recebido qualquer sinal de alarme nessa central aquando do cometimento do homicídio na pessoa de DD, o que importa saber é se tal falta de emissão de sinal se verificou em ato de desmontagem do referido detetor que tivesse ocorrido no contexto circunstancial da prática daquele homicídio.  

Não obstante se discutir se o artigo 799.º, n.º 1, do CC estabelece uma presunção do incumprimento ou apenas uma presunção da culpa do devedor, é entendimento comumente seguido pela doutrina e jurisprudência que, no quadro de uma típica obrigação de resultado, para efeitos de responsabilidade contratual, incumbe ao credor lesado provar a não verificação desse resultado como facto ilícito, imputável ao devedor, constitutivo que é da obrigação de indemnizar, nos termos dos artigos 342.º, n.º 1, e 798.º do CC, face ao que se presumirá então a culpa deste devedor, sobre quem recairá o ónus de ilidir tal presunção legal, em conformidade com o disposto no artigo 799.º do mesmo Código[1].

Não bastará, pois, a prova da constituição da obrigação originária de resultado, tornando-se necessário que o credor lesado prove a ocorrência de um facto típico ilícito praticado pelo devedor em sede de inexecução daquela obrigação e que seja causal do prejuízo invocado[2].  


Ora, dada a natureza da obrigação de resultado assumida pela 1.ª R., o facto de não ter sido emitido sinal de alarme com a sobredita remoção do detetor fotovolumétrico seria, à primeira vista, de molde a constituir incumprimento contratual presumidamente culposo nos termos do indicado artigo 799.º.

Ainda assim, perante tal incumprimento, impunha-se ajuizar se, caso se verificasse a emissão do sinal de alarme e o subsequente acionamento do plano de ação, como fora garantido pela 1.ª R., estas condições seriam causa adequada, nomeadamente à luz da teoria de perda de chance, a prevenir o cometimento do homicídio perpetrado pelo intruso na pessoa de DD.  


Sucede que, no âmbito da apelação interposta pela 1.ª R., esta impugnou o facto constante do ponto 19 da factualidade dada por provada na sentença, com o seguinte teor:    

No referido período de 6 para 7 de maio de 2011, o detetor fotovolumétrico foi removido da parede onde estava fixado, sem que qualquer sinal de sabotagem tivesse sido acionado na central de alarmes da 1.ª R.

      Para tanto sustentou a 1.ª R., ali apelante, que a prova produzida, que então convocou, não permitia concluir que o detetor fotovolumétrico tivesse sido removido da parede da residência de DD na noite de 6 para 7 de maio de 2011 pelo autor do homicídio de que aquele foi vítima.

      Sobre tal impugnação, o Tribunal da Relação, em resultado da respetiva análise probatória, concluiu que não resultava efetivamente demonstrado que, no referido período de 6 para 7 de maio de 2011, o detetor fotovolumétrico tivesse sido removido da parede onde estava fixado, considerando que tal facto não fora referido em qualquer dos depoimentos prestados e que a fundamentação dada na sentença recorrida sobre essa matéria se baseava em meras deduções e não em concretos meios probatórios. Daí que decidiu eliminar o facto em causa da matéria provada.

      Ou seja, embora se tenha provado que o detetor fotovolumétrico, que se apresentava desmontado da parede, não emitiu qualquer sinal para a central de alarmes da 1.ª R., o certo é que a A. não logrou provar que a desmontagem assim constatada tivesse ocorrido na noite de 6 para 7 de maio de 2011, aquando da prática do homicídio perpetrado sobre DD.

       Por outro lado, o facto de essa remoção ter ocorrido noutras circunstâncias - que se desconhecem de todo - sem emissão do respetivo sinal de alarme, não poderá sequer servir como causa virtual adequada a prevenir o cometimento daquele homicídio.    

        

Assim sendo, qualquer que fosse o prisma em que pudesse ser equacionada a responsabilidade contratual da 1.ª R., seja nos termos clássicos da teoria da causalidade adequada, seja mesmo à luz da inovadora teoria da perda de chance, como pretende a A./Recorrente, nunca seria possível estabelecer qualquer nexo de causalidade adequada, nem sequer naturalístico, entre um hipotético incumprimento da 1.ª R. - pelo facto de a remoção do detetor fotovolumétrico não ter emitido sinal - e as circunstâncias em que ocorreu o homicídio de DD, posto que a A. nem tão pouco provou, como lhe incumbia, que a remoção do detetor fotovolumétrico tenha ocorrido na noite de 6 para 7 de maio de 2011.



Em suma, não tendo a A. feito tal prova, não se afigura lícito im-putar à 1.ª R. qualquer falta de emissão de sinal de alarme relacionada com esse cometimento e que, portanto, pudesse ser equacionada como causa negativa daquele homicídio.       

Termos em que não restará senão concluir, como se concluiu no acórdão recorrido, pela improcedência da ação.


     IV – Decisão


      Pelo exposto, acorda-se em negar a revista, confirmando-se a decisão recorrida.

    As custas do recurso ficam a cargo da A./Recorrente.

 

Lisboa, 27 de setembro de 2018


Manuel Tomé Soares Gomes (Relator)

António Abrantes Geraldes

Maria da Graça Trigo

___________

[1] Neste sentido, vide, por todos, Antunes Varela, in Obrigações em Geral, Vol. II, Almedina, 7.ª Edição, 1997, p. 101, quando refere: «É, todavia, ao credor que incumbe a prova do facto ilícito do não cumprimento.»
[2] Sobre a ilicitude da conduta do devedor como elemento da obrigação de indemnizar, vide Ribeiro Faria, in Direito das Obrigações, Vol. II, Almedina, Coimbra, 1990, pp. 398 e segs.