Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1970/09.9TVPRT.P1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: GRANJA DA FONSECA
Descritores: VALORES MOBILIÁRIOS
COMPRA E VENDA
INSTITUIÇÃO BANCÁRIA
ACTIVIDADE BANCÁRIA
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
DEVER DE INFORMAÇÃO
DEVER DE LEALDADE
PRINCÍPIO DA CONFIANÇA
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO
CULPA
PRESUNÇÃO DE CULPA
Data do Acordão: 02/06/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES.
DIREITO DOS VALORES MOBILIÁRIOS - INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA.
Doutrina:
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 798.º.
CVM (APROVADO PELO DL N.º 486/99, DE 13-11): - ARTIGOS 314.º.
DL N.º 298/92, DE 31-12 (REDACÇÕES INTRODUZIDAS PELOS DL N.º 1/2008 E 211-A/2008): - ARTIGOS 75.º, N.º1, 77.º, N.ºS1 E 5.
Sumário :
I - A responsabilidade do intermediário financeiro, in casu um Banco, a que alude o artigo 314º do CVM é uma responsabilidade contratual, cujos pressupostos estão definidos pelo artigo 798º do CC.

II - É fonte de tal responsabilidade a violação do dever de informação a que estão obrigados os bancos, definido no artigo 75º, nº 1 do regime jurídico das instituições bancárias, aprovado pelo DL n.º 298/92, de 31-12 (artigo 77º, n.º 1 e 5, em face das redacções introduzidas pelos DL n.º 1/2008 e 211-A/2008).

III - Tal dever de informação encontra-se preenchido se aos autores, enquanto investidores informados e conhecedores de produtos financeiros, foi transmitida informação detalhada das características destes e que o mesmo era um produto não totalmente isento de risco, ainda que não lhes haja sido entregue qualquer ficha técnica do mesmo – exigência que não existia no CVM aprovado pelo DL n.º 486/99, de 13-11, em vigor à data dos factos.

IV - Se o produto não era totalmente isento de risco, do que os autores ficaram conscientes, não se pode aceitar a tese de que estes ficaram convencidos da consistência do reembolso do capital investido, obrigação em que intermediários não estão, ressalvados os casos de acordo expresso, acometidos.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

1.

AA e BB, residentes no Porto, propuseram contra CC SA, sucursal de PRIVATE BANKING do Porto, com sede na Rua …, Porto, esta acção declarativa, sob a forma ordinária, pedindo a condenação do réu:

a) - No pagamento da quantia de 72.242,00 USD, ou seja, € 51.421,46 (cinquenta e um mil quatrocentos e vinte e um euros e quarenta e seis cêntimos), acrescendo juros desde a última interpelação efectuada no passado dia 30/01/2009 à taxa de 4% ano e que actualmente ascendem a € 1.199,83 (mil cento e noventa e nove euros e oitenta e três cêntimos) até efectivo e integral pagamento;

b) - No pagamento de uma indemnização nos termos dos artigos 483º e 485º n.º 2 do Código Civil, pelos prejuízos causados aos autores, nos termos acima descritos, assumindo o réu o preço do empréstimo contraído pelo autor na medida da diferença entre o crédito que este necessitou obter e aquele que necessitaria, caso pudesse, como devia ter podido, dispor do capital depositado junto da ré.

Alegam, no essencial, que são titulares de várias contas no réu e que, desde 2003, são titulares de uma conta de depósitos a prazo em USD, nº …, com um saldo de $ 64.910,00, correspondendo à época a € 56.804,06.

Como se tratava de um depósito a 60 dias, a taxa de juro remuneratória era muito baixa.

Solicitaram ao réu uma proposta de aplicação do seu capital com maior rentabilidade, exigindo-lhe expressamente, porém, que preservasse o baixo risco associado a um depósito a prazo, garantisse o capital em USD e houvesse lugar a distribuição periódica de rendimentos, na sequência do que o réu aplicou tal valor, reforçado com € 890,00, num valor total de 65.800,00 USD, cerca de € 58.137,48 à época dos factos, em títulos "K …".

O réu transmitiu então aos autores tratar-se de obrigações com um risco muito baixo, dado ser um produto de rentabilidade ligeiramente superior à de um depósito a prazo, estando o capital investido garantido em USD (dólares norte americanos), apenas sujeito às variações cambiais, tal como os autores pretendiam.

Apesar das solicitações dos autores, nenhuma ficha técnica sobre o produto lhes foi apresentada, não tendo assinado qualquer contrato para aplicação financeira, nem nenhum documento de formalização de aquisição dos referidos títulos "K …".

Porém, como eram clientes do réu e, até então, as suas relações com este se pautavam pela confiança mútua, os autores deixaram que o investimento feito com o seu capital prosseguisse, tendo mesmo reforçado a carteira com investimentos no final de 2005 e início de 2006, aumentando o seu investimento para 72.242,00 USD, valor que se mantém actualmente e que, à data da petição inicial e de acordo com a taxa de câmbio indicada pelo Banco de Portugal, ascende a € 51.421,467.

Os autores sempre receberam todos os extractos bancários, não tendo, no entanto, recebido nenhuma outra informação ou documento relativo ao referido investimento, permanecendo os autores sempre com a firme convicção de que, no desinvestimento, o capital investido em USD (dólares norte americanos) se manteria intocado, tal como expresso nos extractos, estando apenas sujeito à variação cambial.

No entanto, no final de 2007, quando os autores tentaram resgatar os referidos títulos, tal resgate foi-lhes negado com a justificação de que a cotação dos títulos, à data, não era a referida nos extractos dos anos anteriores, que estes tinham sofrido uma forte desvalorização, tendo-lhes ainda sido referido que a administração do réu já teria decidido honrar o valor nominal dos títulos, mas essa decisão ainda não tinha sido comunicada nem dadas instruções à estrutura operacional do banco para a concretizar.

Os autores continuaram a insistir junto do réu pelo resgate da aplicação, até que lhes foi comunicado estar o "K …" suspenso, até que no extracto de Outubro de 2008 surge-lhes, de forma inexpectável e sem qualquer explicação plausível, uma forte redução na cotação dos títulos, sendo certo porém que o réu sempre informara os autores que iria manter a sua palavra no sentido de manter a cotação respectiva, o que não cumpriu.

Citado o réu, contestou, dizendo, no essencial, que a cotação dos títulos correspondentes à aplicação K 2 pela qual os autores optaram conheceu uma acentuada diminuição em Outubro de 2008 e que ocorreu de forma imprevista.

O banco réu, através de um dos seus funcionários do PRIVATE BANKING, havia sugerido ao autor marido uma aplicação denominada de K … que, no fundo, se tratava de uma empresa que investia e geria um portfólio diversificado de obrigações com um rating médio de autores.

A capitalização de tal empresa era assegurada periodicamente mediante tranches oferecidas a um grupo limitado de investidores institucionais, nos quais estava incluído o DD e o CC Valores integrava também tal grupo de investidores, desde Abril de 2000, quando participou na 2ª tranche de aumento de capital.

Em meados de Junho de 2003, o banco réu iniciou a comercialização de um novo aumento de capital inerente a esse mesmo produto K …, na sua 4ª e última tranche e deu conta disso ao autor marido, com informação da frequência trimestrais dos cupões correspondentes aos pagamento dos rendimentos respectivos, bem como lhe deu ainda conta do juro de tais cupões, que era de US 3 M Libor + 2,35% e da data da sua maturidade, que seria a 15/01/2007, tudo conforme constava da ficha técnica que lhe foi então oferecida, e em que estava expressamente indicado que esse portfólio era gerido por uma equipa experiente de gestores que tinham vindo do DD, bem como indicava ainda a citada ficha técnica quais os riscos associados a este produto, ali se dizendo expressamente que "o risco deste produto está associado a um alargamento forte dos spreads dos produtos em que estão investidos, que poderia levar a equipa do K … a pagar um cupão inferior ao indicado ou mesmo não pagar durante um determinado período, para que a empresa não sofra um "downgrade" do seu rating (AAA), o que implicaria níveis de financiamento mais altos.

Mais alega que os autores tiveram então noção perfeita de que o produto em causa não era totalmente isento de risco, sendo certo que tal risco, ainda que baixo, corria sempre por conta dos investidores e nunca por conta do banco que comercializava o produto.

Na vigência do produto em causa, ocorreu a crise no mercado imobiliário americano conhecida como a crise do SUBPRIME, crise que afectou a cotação dos produtos como o K ….

Os autores eram clientes do PRIVATE BANKING do banco réu e, nessa qualidade, são investidores habituais e experimentados de produtos financeiros que se não encontram para comercialização nos balcões comerciais do banco, pelo que estavam conscientes de que a aplicação por que optaram não era isenta de riscos.

A situação surgida na sequência da grave crise financeira, designadamente na sequência do SUBPRIME, esteve na base da redução significativa da cotação do produto que os autores subscreveram, nunca o banco réu tendo garantido aos autores o reembolso do capital por eles investido no produto ora em causa.

O banco réu informou os autores do não pagamento temporário de cupões correspondentes ao produto ora em causa, transmitindo-lhes uma decisão tomada pelos gestores respectivos, provindos do DD, suspensão de pagamento que, aliás, estava prevista na ficha técnica do produto ora em causa.

Porque, além do mais, estavam os autores informados de tal possibilidade, com a qual concordaram, ao decidirem subscrever o dito produto, não tendo o réu omitido qualquer dever de informação a que estivesse obrigado para com os autores, designadamente em relação ao produto ora em causa.

Conclui pela improcedência da acção, com a consequente absolvição do pedido.

Os autores responderam à contestação, concluindo como na petição inicial.

No saneador, foi o processo julgado isento de nulidades e excepções, prosseguindo os autos com a selecção da matéria de facto considerada assente e organização da base instrutória.

Realizada a audiência de julgamento, com gravação da prova nela produzida, foi proferida sentença, julgando a acção improcedente, por não provada, absolvendo-se o réu dos pedidos formulados pelos autores.

Inconformados, apelaram os Autores para o Tribunal da Relação do Porto, que, por acórdão de 10/05/2011, confirmou a sentença recorrida.

De novo inconformados, os Autores recorrem para o STJ.

Dado verificar-se a dupla conforme, invocam as alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 721º-A do CPC, como fundamento da revista extraordinária, pretendendo, uma vez verificadas as aludidas circunstâncias, a revogação do acórdão recorrido, julgando-se a acção procedente e provada quanto ao pedido principal, formulando as seguintes conclusões:

1ª - O Acórdão recorrido procedeu a alterações expressivas da matéria de facto dada como provada na 1.ª Instância, não tendo, porém, e salvo o devido respeito, retirado as devidas ilações da factualidade assente após a supressão a que foi sujeita.

2ª - Resulta de forma inequívoca da prova produzida que o recorrido não prestou capazmente aos recorrentes a informação a que estava obrigado, nomeadamente quanto à possibilidade de suspensão do pagamento dos cupões - que constava da Ficha Técnica não entregue - e, mais importante ainda, quanto à ausência de garantia de devolução do capital investido.

3ª - Tal falta de informação revela-se de extrema importância no presente caso, uma vez que os recorrentes estavam legitimamente convencidos, face à prática e ao histórico anteriores, que teriam sempre direito ao resgate do investimento efectuado.

4ª - Tendo ficado provado, como ficou, que o recorrido transmitiu aos recorrentes, na data da subscrição, que o risco da aplicação financeira em causa era muito baixo, dada a rentabilidade do produto ser ligeiramente superior à de um depósito a prazo, não pode aceitar-se que o risco decorrente do não reembolso do capital seja suportado pelos recorrentes, uma vez que este risco, para além de não dever ser considerado baixo, não consta da informação prestada.

5ª - A crise do "SUBPRIME" pode ser a justificação para a desvalorização dos títulos K …, mas não o é para negar o pedido de resgate formulado pelos recorrentes, dado o manifesto incumprimento pelo recorrido da obrigação de informação, sendo um claro sinal de reconhecimento da sua responsabilidade, a afirmação de que mantinha em avaliação a melhor solução para apresentar aos clientes, sendo uma das hipótese em estudo a de adquirir os títulos pelo seu valor nominal.

6ª - No presente caso, é flagrante a violação por parte do recorrido do disposto nos artigos 7º, nº 1, 304º, 305º, 312º, 314º e 323º do Código de Valores Mobiliários aprovado pelo DL nº 486/99 de 13 de Novembro, bem como dos artigos 38º e seguintes do Regulamento da CMVM nº 12/2000 de 23/02, e ainda dos artigos 74º e 76º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras aprovado pelo DL nº 298/92 de 31 de Dezembro.

7ª - O comportamento do recorrido é particularmente censurável, pelo facto da mesma, enquanto investidora do produto financeiro em causa, não beneficiar da isenção necessária para a defesa do interesse dos seus clientes, procurando antes acautelar os seus próprios interesses, como se verificou no presente caso, o que contraria frontalmente o disposto no artigo 309º, nº 3 do CVM.

8ª - Verificados os pressupostos da responsabilidade civil contratual, deve o recorrido ser condenado na obrigação de indemnizar os recorrentes, conforme previsão dos artigos 342º, 406º, nº 1, 562º, 564º, 762º, nº 1, 763º, nº 1, 798º e 799º do Código Civil, bem como do artigo 314º do CVM, pagando aos recorrentes o capital investido de 51.421,46 €, acrescido dos respectivos juros, nos termos dos artigos 804º, 805º, nº 1 e 806º do Código Civil, contados desde 30 de Janeiro de 2009.

O Réu contra – alegou, defendendo a rejeição do recurso, por ser processualmente inadmissível e, caso se assim se não entenda, a confirmação do acórdão recorrido.

A “Formação” julgou estarem verificados os requisitos da relevância jurídica e da relevância social das questões suscitadas. Importa, por isso, conhecer de mérito.

2.

As instâncias, depois das alterações introduzidas pela Relação, consideraram provados os seguintes factos:

1º - Os autores AA e BB são titulares de várias contas no réu, CC, com o número de cliente 15035134 (alínea a);

2º - Desde 2003 que são titulares de uma conta de depósitos a prazo em USD, n.º …, com um saldo de 64.910,00 USD, correspondendo à época a 56.804,06 € (documento n.º 1 junto com a petição inicial e alínea b);

3º - Como se tratava de um depósito a 60 dias, a taxa de juro remuneratória era muito baixa, o que levou a que os autores solicitassem ao réu uma proposta de aplicação do seu capital com maior rentabilidade (alínea c);

4º - Nessa sequência, os autores aplicaram o valor referido na alínea b), reforçado com 890,00 €, num valor total de 65.800,00 USD, cerca de 58.137,48 € à época dos factos, em títulos “K …” (documento n.º 2 junto com a petição inicial e alínea d);

5º - Foi pelo réu, então, transmitido aos autores tratar-se de obrigações com um risco muito baixo (alínea e);

6º - Dado ser um produto de rentabilidade ligeiramente superior à de um depósito a prazo (alínea f);

7º - Como eram clientes do réu e, até então, as suas relações com este se pautavam pela confiança mútua, os autores deixaram que o investimento feito com o seu capital prosseguisse (alínea g);

8º - Os autores, inclusivamente, reforçaram a referida carteira com investimentos no final de 2005 e início de 2006, aumentando o seu investimento no referido Título “K …” para 72.242,00 USD (alínea h);

9º - Valor esse que se mantém até hoje e que, à data de hoje e de acordo com a taxa de câmbio indicada pelo Banco de Portugal, orça em cerca de 51.421,467 € (alínea i);

10º - No final de 2007, os autores decidiram comprar um terreno para a construção de habitação própria, necessitando do dinheiro aplicado, pelo que tentaram resgatar os referidos títulos (alínea j);

11º - Em Outubro de 2008, os autores receberam o "extracto global" de fls. 16, que se dá por reproduzido, o qual atribuía às suas participações o valor global de 40.303,82 € (alínea l);

12º - O réu não entregou aos autores, até ao momento, qualquer dos montantes acima referidos (alínea m);

13º - Em 30/01/2009, os autores escreveram ao réu a carta que constitui o documento de fls. 17 e 18, que se dá por reproduzido e que não obteve resposta (alínea n);

14º A resposta ao quesito 3º foi suprimida pela Relação;

15º - Os autores não assinaram qualquer contrato para aplicação financeira, nem nenhum documento de formalização de aquisição dos referidos títulos "K …" (resposta ao quesito 4º);

16º - Os autores recebiam os extractos bancários que lhes eram enviados pelo réu (resposta ao quesito 5º);

17º - Face à prática e histórico anteriores, os autores tinham a expectativa de que, no desinvestimento, o capital investido se manteria intocado e que, caso pretendessem o resgate antecipado do investimento efectuado, o réu lhes compraria os títulos pelo preço do seu valor nominal de emissão (resposta ao quesito 7º);

18º - Quando os autores tentaram o resgate da aplicação efectuada, o mesmo foi-lhes negado com a justificação de que a cotação dos títulos, à data, não era a referida nos extractos dos anos anteriores (resposta ao quesito 8º);

19º - Tendo estes sofrido uma forte desvalorização (resposta ao quesito 9º);

20º - Foi comunicado aos autores que a administração do réu mantinha em avaliação a melhor solução a apresentar aos seus clientes, sendo uma das hipóteses em estudo a de lhes adquirir os títulos pelo seu valor nominal (resposta ao quesito 10º);

21º - Os autores insistiram junto do réu pelo resgate dos títulos pelo seu valor nominal (resposta ao quesito 11º);

22º - Foi comunicado aos autores que o “K …” havia sido suspenso, ponderando a administração da ré qual a melhor solução a apresentar aos seus clientes (resposta ao quesito 12º);

23º - A cotação dos títulos correspondentes à aplicação "K …", pela qual os autores optaram, conheceu uma acentuada diminuição em Outubro de 2008 (resposta ao quesito 18º);

24º - O banco réu, através de um dos seus funcionários do PRIVATE BANKING, sugeriu ao autor marido uma aplicação denominada de K … (resposta ao quesito 19º);

25º - E que, no fundo, se tratava de uma empresa que investia e geria um portfólio diversificado de obrigações com um rating médio de autores (resposta ao quesito 20º);

26º - A capitalização de tal empresa era assegurada periodicamente mediante tranches oferecidas a um grupo limitado de investidores institucionais, nos quais estava incluído o DD (resposta ao quesito 21º);

27º - E o CC Valores integrava também tal grupo de investidores desde Abril de 2000, quando participou na 2ª tranche de aumento de capital (resposta ao quesito 22º);

28º - Em meados de Junho de 2003, o banco réu iniciou a comercialização de um novo aumento de capital inerente a esse mesmo produto K …, na sua 4a e última tranche (resposta ao quesito 23º);

29º - E deu conta disso ao autor marido, com informação da frequência trimestral dos cupões correspondentes aos pagamentos dos rendimentos respectivos (15 Jan -15 Abr-15 Jul-15 0ut) (resposta ao quesito 24º);

30º - Bem como lhe deu ainda conta do juro de tais cupões, que era de US 3 M Libor + 2,35% (cupão objectivo) (resposta ao quesito 25º);

31º - E da data da sua maturidade, que seria a 15/01/2007 (resposta ao quesito 26º);

32º - O rating de tal produto era de Baa3 e mais lhe foi anunciado que seria cotado no London Stock Exchange (resposta ao quesito 27º);

33º - A resposta ao quesito 28º foi suprimida pela Relação;

34º - Nesse documento eram ainda referidos aspectos como o da estratégia do K …, e a composição do respectivo portfólio (resposta ao quesito 29º);

35º - Como indicava ainda o citado documento quais os riscos associados a este produto, ali se dizendo expressamente que "o risco deste produto está associado a um alargamento forte dos spreads dos produtos em que estão investidos, que poderia levar a equipa do K … a pagar um cupão inferior ao indicado ou mesmo não pagar durante um determinado período, para que a empresa não sofra um "downgrade" do seu rating (AAA), o que implicaria níveis de financiamento mais altos” (resposta ao quesito 30º);

36º - Os autores ficaram conscientes de que o produto em causa não era totalmente isento de risco (resposta ao quesito 31º);

37º - A resposta ao quesito 32º foi suprimida pela Relação.

38º - O que sucedeu foi que, na vigência do produto em causa, ocorreu a crise no mercado imobiliário americano conhecida como a crise do SUBPRIME (resposta ao quesito 33º);

39º - Crise essa que afectou a cotação dos produtos como o K … (resposta ao quesito 34º);

40º - Os autores eram clientes do PRIVATE BANKING do banco réu e, nessa qualidade, eram investidores informados e conhecedores de produtos financeiros que se não encontram para comercialização nos balcões comerciais do banco (resposta ao quesito 35º);

41º - Os autores estavam conscientes de que a aplicação por que optaram não era isenta de risco (resposta ao quesito 36º);

42º - A situação surgida na sequência da crise financeira, designadamente na sequência do SUBPRIME, esteve na base da redução significativa da cotação do produto que os autores subscreveram (resposta ao quesito 37º);

43º - O banco réu informou efectivamente os autores do não pagamento temporário de cupões correspondentes ao produto ora em causa, transmitindo-lhes uma decisão tomada pelos gestores respectivos, provindos do DD (resposta ao quesito 39º);

44º - E tal suspensão de pagamento estava, aliás, prevista na ficha técnica do produto ora em causa (resposta ao quesito 40º);

45º - A resposta ao quesito 41º foi suprimida pela Relação.

3.

São as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvo as questões que são de conhecimento oficioso e aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (artigos 660º, n.º 2, 514º, 684º, n.º 3, 685º-A, n.º 1 do Código de Processo Civil, na redacção que lhe foi introduzida pelo DL 329-A/95, de 12/12, pelo DL 180/96, de 25/09, 183/200, de 10/08, pelo DL 38/2003, de 8/03, DL 199/2003, de 10/09 e DL 303/2007, de 24 de Agosto).

Uma vez que o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, os motivos ou as razões invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, as concretas controvérsias centrais a dirimir, o objecto do recurso, atentas as conclusões dos recorrentes, restringe-se às seguintes questões:

1ª – Se o réu/recorrido prestou aos recorrentes a informação a que estava obrigado (conclusão 2ª);

2ª – Se, tendo ficado provado, como ficou, que o recorrido transmitiu aos recorrentes, na data da subscrição, que o risco da aplicação financeira em causa era muito baixo, dada a rentabilidade do produto ser ligeiramente superior à de um depósito a prazo, poderá (ou não) aceitar-se que o risco decorrente do não reembolso do capital seja suportado pelos recorrentes (conclusão 3ª);

3ª – Se a crise do "SUBPRIME" pode ser a justificação para a desvalorização dos títulos K …, mas não o será para negar o pedido de resgate formulado pelos recorrentes, dado o alegado incumprimento pelo recorrido da obrigação de informação (conclusão 5ª).

4.

4.1.

Quanto à pretensa violação do dever de informação por parte do banco ora recorrido.

A pretensão dos recorrentes baseia-se na responsabilidade civil contratual do recorrido genericamente prevista no artigo 798º do Código Civil, onde se estabelece que “o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor”. Desta norma resulta uma clara equiparação dos pressupostos da responsabilidade obrigacional aos pressupostos da responsabilidade civil delitual, uma vez que também aqui se estabelece uma referência a um facto voluntário do devedor, cuja ilicitude resulta do não cumprimento da obrigação, exigindo-se da mesma forma a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

Nessa conformidade, dispõe o n.º 1 do artigo 314 do CVM que “os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação dos deveres respeitantes ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado da autoridade pública”.

In casu, a violação dos deveres respeitantes ao exercício da actividade do réu resultaria da violação do dever de informação que lhe incumbiria prestar aos autores, porquanto, de acordo com o artigo 75º, n.º 1 do regime jurídico das instituições bancárias, aprovado pelo DL n.º 298/92, de 31 de Dezembro, “as instituições de crédito devem informar os clientes sobre a remuneração que oferecem pelos fundos recebidos e sobre o preço dos serviços prestados e outros encargos suportados por aqueles”.

Com as diversas alterações entretanto introduzidas neste diploma, o aludido dever de informação passou a estar contido nos n.os 1 e 5 do artigo 77º, que assim estabelecem:

1 – “As instituições de crédito devem informar com clareza os seus clientes sobre a remuneração que oferecem pelos fundos recebidos e os elementos caracterizadores dos produtos oferecidos (…)[1]”.

5 – “Os contratos celebrados entre as instituições de crédito e os seus clientes devem conter toda a informação necessária e ser redigidos de forma clara e concisa”[2].

É verdade que, no caso concreto, não foi dado por provado ter sido entregue aos recorrentes uma cópia da “Ficha Técnica” do produto em causa mas ficou provado que lhes foi transmitida a informação detalhada das características desse produto.

Aliás, os recorrentes não alegam, por manifesta impossibilidade, que seja uma obrigação da instituição financeira a entrega de tal “Ficha Técnica” ou de algum documento semelhante.

O CVM aprovado pelo DL n.º 486/99, de 13 de Novembro, que estava em vigor à data da subscrição do produto ora em causa por parte dos recorrentes, não faz qualquer referência a tal ficha técnica.

Tal como os factos comprovam, os recorrentes, de acordo com a informação disponibilizada pelo recorrido, ficaram conscientes, para além de outras características do produto K …, de que se tratava de um produto não totalmente isento de risco; embora de risco muito baixo, por ser um produto de rentabilidade ligeiramente superior à de um depósito a prazo.

Tem por isso razão o recorrido quando salienta que “não se compreende a acusação dos recorrentes que, entre a informação prestada, não constava matéria relativa ao risco principal, que consistiria «na alegada ausência de garantia de resgate do capital investido».

Com efeito, para além do que a sentença a este propósito refere, importará salientar que os autores eram clientes do PRIVATE BANKING do banco réu e, nessa qualidade, eram investidores informados e conhecedores de produtos financeiros que se não encontram para comercialização nos balcões comerciais do banco, como as instâncias deram por provado.

“Não pode, por isso, aceitar-se nem admitir-se que os recorrentes ignorassem que títulos com características idênticas a obrigações, representativos de empréstimos efectuados à entidade deles emitente, têm sempre associado o risco inerente à solvabilidade dessa entidade emitente”.

Por outro lado, tendo sido expressamente dado por provado que os autores ficaram conscientes de que o produto em causa não era totalmente isento de risco (resposta ao quesito 31º), não se poderá também aceitar que os autores tivessem o entendimento de que o banco/réu, como simples intermediário financeiro, assumisse qualquer obrigação de garantir o reembolso do capital investido.

Não se duvida que as expectativas dos recorrentes, relacionadas com o investimento efectuado, eram à data da subscrição justificadas, face ao comportamento no mercado do produto em causa. Mas daí não resulta que tivessem qualquer garantia de que as expectativas se realizassem ou que alguém caucionasse e avalizasse essa realização, designadamente o intermediário financeiro.

A informação prestada pelo banco recorrido, a propósito daquele produto, era uma informação verdadeira e completa, mas que não poderia prever o descalabro que caiu sobre os mercados financeiros internacionais.

4.2.

Defendem os recorrentes que, tendo ficado provado, como ficou, que o recorrido transmitiu aos recorrentes, na data da subscrição, que o risco da aplicação financeira em causa era muito baixo, dada a rentabilidade do produto ser ligeiramente superior à de um depósito a prazo, não poderá aceitar-se que o risco decorrente do não reembolso do capital seja suportado pelos recorrentes.

Segundo esta tese, como realça o recorrido, o facto de o risco ser baixo deixaria de fora algumas situações menos prováveis, ou seja, o risco, porque era baixo, tal não se traduziria na pequena probabilidade de o investimento não corresponder àquilo que os recorrentes dele esperavam, incluindo aqui todas as incidências que podem afectar produtos financeiros com alguma complexidade, antes significando que, sendo baixo o risco, envolveria ele apenas a rentabilidade e remuneração esperada do investimento, e nunca a própria consistência e reembolso do capital investido.

Esta solução não é acolhida por nenhum texto legal nem suportada por qualquer decisão judicial.

Para que pudessem os recorrentes reclamar, justificada e legitimamente, o reembolso do capital investido junto do banco ora recorrido, seria necessário que este tivesse assumido junto deles tal obrigação.

Mas essa obrigação não foi dada por provada nos autos e nunca foi efectivamente assumida, não cabendo, aliás, nas funções habituais dos intermediários financeiros assumir o compromisso de reembolsar os clientes pelos investimentos efectuados em produtos emitidos por outras entidades.

4.3.

Sustentam, finalmente, os recorrentes que a crise do "SUBPRIME" pode ser a justificação para a desvalorização dos títulos K …, mas não o será para negar o pedido de resgate formulado pelos recorrentes, dado o incumprimento pela recorrida da obrigação de informação.

Nesta conclusão, partem os recorrentes do pressuposto que teria havido incumprimento do recorrido por omissão do dever de informação que ao Banco Réu incumbiria.

Ora, ao contrário do afirmado, demonstrou-se que o banco Réu prestou informação exacta sobre a remuneração e demais elementos caracterizadores do produto.

Por outro lado, em momento nenhum se celebrou acordo entre recorrentes e recorrido, através do qual este tivesse prestado garantia pessoal da obrigação de restituição do capital investido pelos autores, a qual incumbia exclusivamente à entidade emitente.

Improcedem, assim, as conclusões dos recorrentes.

5.

Concluindo:

I - A responsabilidade do intermediário financeiro, in casu um Banco, a que alude o artigo 314º do CVM é uma responsabilidade contratual, cujos pressupostos estão definidos pelo artigo 798º do CC.

II - É fonte de tal responsabilidade a violação do dever de informação a que estão obrigados os bancos, definido no artigo 75º, n.º 1 do regime jurídico das instituições bancárias, aprovado pelo DL n.º 298/92, de 31/12 (artigo 77º, n.º 1 e 5, em face das redacções introduzidas pelos DL n.º 1/2008 e 211-A/2008).

III - Tal dever de informação encontra-se preenchido se aos autores, enquanto investidores informados e conhecedores de produtos financeiros, foi transmitida informação detalhada das características destes e que o mesmo era um produto não totalmente isento de risco, ainda que não lhes haja sido entregue qualquer ficha técnica do mesmo – exigência que não existia no CVM aprovado pelo DL n.º 486/99, de 13/11, em vigor à data dos factos.

IV - Se o produto não era totalmente isento de risco, do que os autores ficaram conscientes, não se pode aceitar a tese de que estes ficaram convencidos da consistência do reembolso do capital investido, obrigação em que os intermediários não estão, ressalvados os casos de acordo expresso, acometidos.

6.

Pelo exposto, negando a revista, confirma-se o acórdão recorrido.

Lisboa, 6 de Fevereiro de 2014

Granja da Fonseca (Relator)

Silva Gonçalves

Pires da Rosa

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[1] Redacção introduzida pelo DL n.º 1/2008
[2] Redacção introduzida pelo DL n.º 211-A/2008.