Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06A4739
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: JOÃO CAMILO
Descritores: ADMISSIBILIDADE
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
REQUISITOS
Nº do Documento: SJ200702130047391
Data do Acordão: 02/13/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Sumário :
I – Não é legalmente admissível recurso de agravo para o Supremo Tribunal de Justiça, do acórdão da Relação que confirmou a decisão da 1ª instância que rejeitara um articulado superveniente por extemporâneo, desde que se não verifique nenhuma das excepções à regra da inadmissibilidade de recurso prevista na primeira parte do nº 2 do art. 754ºº do C. P. Civil, excepções essas que estão prevista na segunda parte do referido nº 2 e no nº 3 do mesmo dispositivo.
II – Tendo a Relação, além de confirmar aquela rejeição do articulado superveniente, ainda condenado o agravante como litigante de má fé na instância do recurso de agravo, há recurso de agravo apenas restrito à referida condenação, ao abrigo do disposto no nº 3 do art. 456º do mesmo código.
III – Não se verificando que o embargante tenha violado com dolo ou, pelo menos, com negligência grave, qualquer uma das hipóteses previstas nas alíneas do nº 2 do art. 456º mencionado, não pode ser condenado como litigante de má fé.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

Por apenso à acção executiva para pagamento de quantia certa e sob forma ordinária, que no Tribunal Judicial de Cabeceiras de Basto, a Caixa................. Cabeceiras de Basto move a AA e mulher BB e, ainda, a CC, veio este último deduzir embargos de executado à mesma a execução, tendo sido estes contestados pela embargada e tendo o embargante vindo na fase de julgamento deduzir articulado superveniente que foi indeferido por irrelevante.
Desta decisão agravou o embargante, agravo este que foi mandado subir diferidamente.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, foram os embargos julgados improcedentes e da respectiva sentença apelou o embargante.
No acórdão da Relação de Guimarães que conheceu da apelação e conjuntamente do agravo, foi dado provimento ao agravo, anulando-se o processamento da acção após a rejeição do articulado superveniente, ordenado-se que se aprecie a admissibilidade daquele.
Reapreciado o mesmo articulado superveniente e após a efectivação de diligências de prova, foi o mesmo articulado rejeitado por extemporâneo.
Deste despacho foi interposto novo agravo que foi mandado subir imediatamente, tendo sido negado provimento ao mesmo e sido o embargante condenado como litigante de má fé, como fora pedido pela embargada.
Inconformado o embargante, veio interpor o presente agravo em cujas alegações formulou conclusões que por falta de concisão não serão aqui transcritas.
A recorrida não apresentou contra-alegações.
Corridos os vistos legais, urge apreciar e decidir.
Como é sabido – arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil, a que pertencerão todas as disposições a citar sem indicação de origem -, o âmbito dos recursos é delimitado pelo teor das conclusões dos recorrentes.
Das conclusões do aqui recorrente se vê que o mesmo, para conhecer neste recurso, levanta as seguintes questões:
a) O acórdão recorrido é nulo, nos termos da al. d) do nº 1 do art. 668º, por não ter tomado conhecimento da nulidade arguida à decisão da 1ª instância decorrente da omissão em se pronunciar sobre a falta de notificação dos despachos de fls. 480 e 490?
b) E é ainda nulo, nos termos da al. c) do mesmo número 1 do art. 668º, por ter-se baseado num facto – conhecimento de um facto por parte do recorrente – que se não verificou ?
c) O articulado superveniente devia ter sido admitido por integrar factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito ajuízado, mesmo que fossem extemporâneo, ao abrigo do disposto no art. 663º ?
d) O acórdão recorrido errou ao condenar o embargante como litigante de má fé, com base na inexistente violação do dever de probidade processual ?

Antes de iniciar o exame das questões acabadas de referir há que precisar que destas questões apenas poderá aqui ser tomado conhecimento da última, por as demais se referirem a uma decisão que não admite recurso.
Com efeito, o art. 754º, nº 2 estipula que não é admissível recurso do acórdão da Relação sobre decisão da 1ª instância, salvo se o acórdão estiver em oposição com outro, proferido no domínio da mesma legislação pelo Supremo Tribunal de Justiça ou qualquer Relação, e não houver sido fixado pelo Supremo, nos termos dos arts. 732º-A e 732º-B, jurisprudência com ele conforme.
Também se não aplica a regra da inadmissibilidade de recurso mencionada, nos agravos referidos nos números 2 e 3 do art. 678º - agravos com fundamento em violação nas regras de competência internacional, em razão da matéria ou da hierarquia ou, ainda, na ofensa do caso julgado e, também, os recursos interpostos de decisões respeitantes ao valor da causa com fundamento em que o seu valor excede a alçada do tribunal de que se recorre - e na alínea a) do nº 1 do art. 734º - recurso de decisões que ponham termo ao processo.
Ora no caso dos autos, o acórdão recorrido na parte em que confirmou a decisão da 1ª instância que julgou inadmissível o articulado superveniente, não admite recurso, pois, claramente, não preenche nenhuma das situações de excepção à regra de não admissibilidade de recurso acima enunciada.
Na situação sub judice, apenas se admite recurso da parte do acórdão da Relação que condenou o embargante-recorrente como litigante de má fé, por força do disposto no art. 456º, nº 3, que admite recurso em um grau da decisão que condene como litigante de má fé.
Deste modo, dizendo respeito as três primeiras questões acima elencadas como objecto do recurso, à matéria do acórdão que confirmou a decisão da 1ª instância que julgou inadmissível o articulado superveniente, não podem aqui ser conhecidas por inadmissibilidade de recurso dessa parte do acórdão.
Por isso, vamos apenas conhecer da quarta das questões acima mencionadas como objecto do recurso por dizer respeito, como dissemos já, à decisão que condenou, pela primeira vez, o embargante como litigante de má fé.
Vejamos então essa quarta questão.
A factualidade e a dinâmica processual que as instâncias deram como apuradas nos autos e com interesse para a decisão desta questão é a seguinte:
- Na acta da audiência de julgamento, realizada nos autos em 16/10/2003, a embargante deduziu articulado superveniente em que, além do mais, alegou o seguinte:
- O embargante foi notificado em 27/02/2003 na apensa execução da remessa desta à comarca de Mondim de Basto para ser apensada aos autos de falência dos co-executados, onde andou até ser devolvida à comarca de Cabeceiras de Basto, a requerimento da exequente para prosseguir a execução apenas contra o embargante;
- Da sentença de reclamação de créditos da referida falência dos co-executados se vê que a exequente reclamou um crédito de 18.448.812$00, proveniente de duas livranças subscritas pelos falidos, uma das quais é a aqui exequenda;
- Contudo, na referida reclamação de créditos não curou a exequente de alegar o seu direito de credora privilegiada, decorrente da hipoteca, tendo tal erro como consequência que o crédito reclamado fosse considerado crédito comum e graduado em igualdade e rateio com os demais, como consta da sentença proferida a 15-11-2001, também notificada ao requerente em 27/02/2003.
- Nas alegações de recurso de agravo interposto da decisão de 1ª instância que julgou extemporâneo o articulado superveniente, foi alegado pelo embargante, além do mais, o seguinte:
- Os factos alegados no articulado superveniente – de a exequente não haver reclamado na falência o seu crédito aqui exequendo como privilegiado por beneficiar de hipoteca - , não são revelados pela sentença de graduação de créditos.
- Nas mesmas alegações, o recorrente fundamenta aquele mesmo recurso, essencialmente, no seguinte:
- Os factos constitutivos , modificativos ou extintivos do direito ajuízado devem ser aqui considerados, nos termos do art. 663º, devendo também ser como tal considerados os factos alegados no articulado superveniente, independentemente da sua tempestividade de apresentação;
- O mesmo articulado superveniente é, porém, tempestivo por da sentença de graduação de créditos referida se não poder concluir ter o embargado tomado conhecimento dos referidos factos articulados supervenientemente.

Nos termos do art. 456º, a parte que tiver litigado de má fé será condenado em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.
E acrescenta que tal litigância se verifica quando, com dolo ou negligência grave, alguma parte:
A) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
B) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
C) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
D) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
Este instituto legal visa sancionar os deveres impostos às partes, nos arts. 266º e 266º-A, de cooperação, de probidade, de lisura processual, ou, em suma, de boa fé processual.
O fundamento para o douto acórdão condenar o embargante como litigante de má fé consistiu, em primeiro lugar, em ter aquele dito nas referidas alegações de recurso para a Relação que da sentença de graduação de crédito não se revelavam os factos que formulara no seu articulado superveniente, nomeadamente sobre a reclamação de créditos na falência dos co-executados pela exequente do crédito aqui em execução, sem alegar o seu carácter privilegiado pela hipoteca, referindo o douto acórdão que se provou o contrário nos autos.
Ficava assim preenchido o fundamento de litigância de má fé acima referido sob a al. B).
Ora o que aqui está aqui em causa é saber se o embargante ao tomar conhecimento do teor da sentença de graduação de créditos constante da certidão de fls. 485 e segs., poderia então, sem qualquer dúvida, aperceber-se que a exequente reclamou o crédito exequendo sem alegar a sua natureza privilegiado pela hipoteca.
Do teor daquela certidão apenas consta que a exequente na referida falência reclamou um crédito de 18.448.812$00, proveniente de duas livranças subscritas pelos falidos e não pagas, sendo 14.071.147$00 de capital e de 4.377.665$00 de juros vencidos até 22.02.2001. Mais ali consta que todos os créditos foram considerados comuns e como tal graduados em igualdade.
A apensa execução tem como título executivo uma livrança subscrita pelos co-executados, ali falidos, e avalizada pelo embargante, no valor de 11.071.145$10, emitida em 27/3/97 e vencida em 22/06/98.
Daqui resulta que da referida alegação de que a sentença não deu conhecimento ao embargante dos factos alegados no articulado superveniente, nomeadamente, quanto à não alegação na reclamação da natureza privilegiada do crédito, se não pode concluir que foi alegado facto de que o embargante sabia ou tinha de saber, se fosse minimamente diligente, não corresponder à verdade. Assim, se não preenche aquele fundamento de litigância de má fé.
É que a sentença não revela, por si só, que o crédito ali reconhecido seja o aqui exequendo, ou que a exequente tenha realmente omitido a alegação da existência da hipoteca, mas apenas revela que um crédito da exequente proveniente de duas livranças – em que uma delas podia ou não ser a aqui exequenda - foi ali graduado como crédito comum.
É certo que uma parte litigante diligente teria então logo de procurar informar-se sobre a coincidência do crédito reclamado com o aqui exequendo e, ainda, sobre a forma como a exequente o reclamou, mas aí já estaríamos fora do âmbito da litigância de má fé que exige dolo ou pelo menos, uma negligência grave, ou seja fortemente censurável, o que nos não parece revelar o caso dos autos.
O douto acórdão ainda fundamenta a condenação em causa na conclusão de a improcedência dos fundamentos do agravo levar a concluir que o embargante violou o dever de probidade processual ao interpor o presente recurso, por ser este manifestamente infundado, sem que aquela decisão se tenha detido na discriminação de qual daqueles fundamentos do recurso era manifestamente infundado e em que medida o era.
Este fundamento integraria a fonte de litigância de má fé acima referida sob a al. D)
Da análise da improcedência daqueles fundamentos decretada no douto acórdão não se vê que o embargante tenha excedido os deveres de probidade ou tenha feito do direito de recorrer um uso fortemente censurável, pois nos parece que aquele alicerçou o seu recurso em fundamentos que, liminarmente, poderiam obter provimento, nomeadamente, a alegação de que não teve conhecimento de factos alegados no articulado superveniente na data em que a 1ª instância considerou ter tomado conhecimento com a leitura da referida sentença de graduação de créditos.
Por outras palavras, diremos que os fundamentos do recurso de agravo interposto para a Relação não se revelam, mesmo após a sua rejeição, manifestamente infundados, ou pelo menos, não se vê que o embargante, ao interpor o mesmo recurso, tivesse conhecimento ou pudesse ter tido, se agindo com o mínimo de diligência, conhecimento da sua natureza infundada.
Por isso, procede, este fundamento do agravo.

Pelo exposto, dá-se provimento parcial ao agravo, revogando a condenação do embargante como litigante de má fé decretada no acórdão em recurso, e da mesma se absolvendo este.
Custas pelo embargante e pela embargada, em partes iguais.


Lisboa, 13 de Fevereiro de 2007

João Moreira Camilo ( Relator )
Fernando Azevedo Ramos
Manuel Silva Salazar.