Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1849/17.0YRLSB.S2
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA ABREU
Descritores: PROPRIEDADE INDUSTRIAL
PATENTE
MEDICAMENTOS
ARBITRAGEM NECESSÁRIA
RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
DIREITO AO RECURSO
LEI PROCESSUAL
CONSTITUCIONALIDADE
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
GRAVAÇÃO DA PROVA
Data do Acordão: 12/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / DECISÕES QUE ADMITEM RECURSO.
DIREITO DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL – RECURSO / RECURSO JUDICIAL / RECURSO DA DECISÃO JUDICIAL.
Doutrina:
- A. Ribeiro Mendes, Direito Processual Civil, III - Recursos, AAFDL, Lisboa, 1982, p. 126;
- Dário Moura Vicente, O Regime Especial de Resolução de Conflitos em Matéria de Patentes (Lei N.º 62/2011), R.O.A., Ano 72, volume III, p. 974 e 976;
- Pedro Caridade Freitas, Medicamentos genéricos e tutela dos direitos de propriedade intelectual - Estudos de Direito de Propriedade Intelectual em Homenagem ao Prof. Doutor José de Oliveira Ascensão 50 anos de vida académica, Almedina, p. 1030;
- Pinto Furtado, Recursos em Processo Civil (de acordo com o Código de Processo Civil de 2013), Quid Juris, p. 141;
- Sofia Ribeiro Mendes, O Novo Regime da Arbitragem Necessária de Litígios Relativos a Medicamentos de Referência e Genéricos (Alguns Problemas), Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, volume II, p. 1028.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 629.º, N.º 2, ALÍNEAS A), B), C) E D).
CÓDIGO DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL (CPI): - ARTIGO 46.º, N.º 3.
LITÍGIOS EMERGENTES DE DIREITOS DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL - MEDICAMENTOS DE REFERÊNCIA/GENÉRICOS, APROVADO PELA LEI N.º 62/2011, DE 12 DE DEZEMBRO: - ARTIGO 3.º, N.º 7.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 02-02-2017, PROCESSO N.º 393/15.5YRLSB.S1;
- DE 25-05-2017, PROCESSO N.º 17/15.0YRLSB.S1;
- DE 15-03-2018, PROCESSO N.º 1503/16.0YRLSB.S1;
- DE 11-07-2019, PROCESSO N.º 121/06.6TBOBR.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT.


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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

- ACÓRDÃO N.º 31/87, ATC, VOL. 9, P. 463;
- ACÓRDÃO N.º 340/90, ATC, VOL. 17, P. 349;
- ACÓRDÃO N.º 159/2019, DE 13-03-2019.
Sumário :
I. A previsão expressa dos tribunais de recurso na Lei Fundamental, leva-nos a reconhecer que o legislador está impedido de eliminar pura e simplesmente a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, ou de a inviabilizar na prática, porém, já não está impedido de regular, com larga margem de liberdade, a existência dos recursos e a recorribilidade das decisões.

II. Como direito adjectivo, a lei processual estabelece regras quanto à admissibilidade e formalidades próprias de cada recurso, podendo dizer-se que a admissibilidade de um recurso depende do preenchimento cumulativo de três requisitos fundamentais, quais sejam, a legitimidade de quem recorre, ser a decisão proferida recorrível e ser o recurso interposto no prazo legalmente estabelecido para o efeito.

III. Tendo o Tribunal recorrido escrutinado uma acção arbitral (litigio que opõe a titular de direitos de propriedade industrial relacionados com medicamentos), instaurada ao abrigo da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, que instituiu um regime de composição extrajudicial dos litígios emergentes de direitos de propriedade industrial em que estejam em causa medicamentos de referência e genéricos, destaca-se, na consignada Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, no que respeita às regras recursivas adjectivas civis, um regime específico, no qual a impugnação das decisões, pela via do recurso, é muita limitada, ou até mesmo inexistente, como decorre do respectivo art.º 3º n.º 7

IV. A Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, que determina a submissão dos litígios em que se discuta a existência, ou não, de violação dos direitos de propriedade industrial à apreciação de um tribunal arbitral necessário, mostra que a possibilidade de solicitar a reapreciação da decisão arbitral aos tribunais estaduais se limita ao recurso perante a Relação, criando, um regime processual arquitectado para ser provido de brevidade.

V. Arredada que está a admissibilidade de recurso de revista perspectivada como revista normal - ao abrigo do n.º 7 do art.º 3º da Lei 62/11 de 12 de Dezembro - poder-se-á equacionar, em todo o caso, se este regime recursório, significará que só é admissível recurso até à Relação, estando absolutamente excluída a possibilidade de aceder ao Supremo Tribunal de Justiça, ou, ao invés, tal norma deverá ser interpretada como consagrando apenas que o órgão jurisdicional competente para exercer o duplo grau de jurisdição sobre as decisões arbitrais é a Relação, cabendo do acórdão por esta proferido as possibilidades impugnatórias normalmente existentes na lei de processo, isto é, importa saber se esta regra de irrecorribilidade é excepcionada, se invocada alguma das situações entendidas como situações excepcionais permissivas da revista “atípica”(art.º 629º, n.º 2, alíneas a), b), c) e d), do Código de Processo Civil), cujo objectivo é garantir que não fiquem sem possibilidade de resolução pelo Supremo Tribunal de Justiça, concretas e determinadas situações.

VI. Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso: “Do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme”, donde, resulta como primeiro pressuposto substancial de admissibilidade deste recurso, a existência de uma contradição decisória entre dois acórdãos proferidos, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário, por motivo estranho à alçada do tribunal, sendo que a enunciada contradição dos julgados, não implica que os mesmos se revelem frontalmente opostos, mas antes que as soluções aí adoptadas, sejam diferentes entre si, ou seja, que não sejam as mesmas, importando que as decisões, e não os respectivos fundamentos, sejam atinentes à mesma questão de direito, e que haja sido objecto de tratamento e decisão, quer no acórdão recorrido, quer no acórdão fundamento, sendo em todo o caso, que essa oposição seja afirmada e não subentendida, ou puramente implícita, por outro lado, exige-se, ao reconhecimento da contradição de julgados, a identidade substancial do núcleo essencial das situações de facto que suportam a aplicação, necessariamente diversa, dos mesmos normativos legais ou institutos jurídicos, sendo que as soluções em confronto, necessariamente divergentes, têm que ser encontradas no domínio da mesma legislação, de acordo com a terminologia legal, ou seja, exige-se que se verifique a “identidade de disposição legal, ainda que de diplomas diferentes, e, desde que, com a mudança de diploma, a disposição não tenha sofrido, com a sua integração no novo sistema, um alcance diferente, do que antes tinha, por fim, para que o recurso seja admissível, independentemente do valor da causa e da sucumbência, e na reconhecida contradição de acórdãos da Relação, exige-se que não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal.

VII. A decisão de facto é da competência das instâncias, conquanto não seja uma regra absoluta, o Supremo Tribunal de Justiça não pode, nem deve, interferir na decisão de facto, somente importando a respectiva intervenção, quando haja erro de direito, isto é, quando o aresto recorrido afronte disposição expressa de lei, nomeadamente, quanto às regras atinentes à impugnação da decisão de facto, outrossim, quando que ponha em causa preceito que exija certa espécie de prova para a existência do facto, ou que fixe a força de determinado meio de prova.

VIII. A lei adjectiva impõe à Recorrente que impugna a decisão de facto que individualize os factos que estão mal julgados, que especifique os meios de prova concretos que impõem a modificação da decisão, que indique o sentido da decisão a proferir, e, inclusivamente, tratando-se de depoimentos de testemunhas gravados, que concretize as passagens do depoimento que tal há-de permitir, sendo que a violação deste ónus, preciso e rigoroso, conduz à rejeição imediata do recurso na parte afectada.

IX. O consignado ónus têm que ser entendidos à luz da respectiva função, daí, conforme decorre dos regimes processuais que têm vigorado quanto a este assunto, ser possível distinguir um ónus primário ou fundamental de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação - que tem subsistido sem alterações relevantes; e um ónus secundário - tendente, não tanto a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida - que tem oscilado, no seu conteúdo prático, ao longo dos anos e das várias reformas - daí, em conformidade com o princípio da proporcionalidade, não será justificada a imediata e liminar rejeição do recurso quando, pese embora a indicação do recorrente não ser, porventura, totalmente exacta e precisa, ao nível dos minutos ou segundos em que foram proferidas pela testemunha as expressões tidas por decisivas pelo recorrente, não se possa perspectivar a existência de dificuldade relevante na localização pelo Tribunal dos excertos da gravação em que a parte se haja fundado para demonstrar o pretenso erro de julgamento.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I – RELATÓRIO


AA e BB - PRODUTOS FARMACÊUTICOS, LDA. instauraram o que o que denominaram de acção arbitral necessária contra, CC - PRODUTOS FARMACÊUTICOS, LDA. e DD - COMÉRCIO E INDUSTRIA DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS, LDA.

Nesses autos, o tribunal arbitral constituído descreveu os contornos da acção e as suas principais ocorrências processuais até à prolação do acórdão final nos seguintes termos:

6. PETIÇÃO INICIAL

A PETIÇÃO INICIAL deu entrada no dia 28.11.2014 (tis. 68/98) na qual as DEMANDANTES requerem a condenação das DEMANDADAS a:

a) Absterem-se de importar, armazenar; fabricar, manipular, embalar, colocar em circulação, vender ou pôr à venda, direta ou indiretamente, quer em Portugal, quer para exportação, os medicamentos genéricos constantes das A.I.M.s melhor identificadas nos artigos 26.° e 29.° supra, até à caducidade das patentes objeto da presente ação;

b) Absterem-se de importar, armazenar; fabricar, manipular, embalar, colocar em circulação, vender ou pôr à venda, direta ou indiretamente, quer em Portugal, quer para exportação, qualquer medicamento contendo a substância ativa "TADALAFIL", até à caducidade das patentes objeto da presente acção;

c) Não transmitir a terceiros as A.I.M.'s melhor identificadas nos artigos 26.° e 29.° supra, até à caducidade das patentes objeto da presente ação;

d) Pagar às Demandantes uma indemnização — cujo pedido será, eventualmente, formulado nestes autos — pelos danos futuros (patrimoniais e não patrimoniais) causados com o eventual lançamento no mercado de qualquer medicamento contendo a substância activa "TADALAFIL", antes da caducidade das patentes objeto da presente ação;

e) Pagar os encargos suportados pelas Demandantes com a proteção dos seus direitos e ainda a reembolsar as Demandantes das provisões por honorários dos árbitros e secretário e despesas administrativas, pagas pelas Demandantes em seu nome ou em suprimento da sua falta pelas Demandadas, bem como os honorários dos mandatários das Demandantes e outras despesas que estas tenham tido com o processo;

f) Pagar uma sanção pecuniária compulsória, à razão diária de €16.000, por cada dia de importação, armazenamento, fabrico, manipulação, embalamento, colocação em circulação e a venda, direta ou indiretamente, quer em Portugal, quer para exportação, de qualquer produto farmacêutico contendo a substância activa "TADALAFIL", em infração dos direitos de propriedade industrial das Demandadas e em caso de eventual incumprimento da condenação que vier a ser proferida de acordo com os pedidos supra indicados, nos termos do artigo 829.°- A do Código Civil.

Requereu documentação e a gravação da prova.

Juntou 31 documentos e indicou 5 testemunhas.

6.1. Como se resumiu no acórdão saneador (Que seguiremos na resenha aqui feita dos articulados), fundamentam assim a ação:

Devem ser protegidos os Direitos de Propriedade Industrial (DPIs) provenientes da vigência de cinco Patentes Europeias, válidas em Portugal, n.°s 0740668 e um CCP, 0839040, 1173181, 1200092 e 1200090, relativas à substância ativa "TADALAFIL" com a finalidade de uso, em geral, no tratamento de disfunção sexual, em face de requerimentos de AlMs das DEMANDADAS contendo a mesma substância ativa, publicitados em 14.03.2014 - docs. 10 a 14 e 16 a 19 -, medicamentos que, a qualquer momento, poderão ser lançados no mercado português, em violação daqueles títulos;

• A substância ativa "TADALAFIL", no que respeita à sua indicação terapêutica, é um inibidor da enzima fosfodiesterase e é utilizado no tratamento da disfunção erétil masculina e da hipertensão arterial pulmonar;

•As DEMANDADAS têm intenção de lançar os seus medicamentos genéricos contendo "TADALAFIL" no mercado português antes da caducidade das patentes portuguesas das DEMANDANTES, uma vez que os pedidos de A,I.M.s são efetuados anos antes das respetivas datas de caducidade daqueles direitos;

•O que lhes provocaria, à primeira DEMANDANTE como titular e à segunda como licenciada, avultados danos na comercialização do medicamento «CIALIS» em centenas de milhares de euros/ano.

7. CONTESTAÇÃO

Na sua CONTESTAÇÃO, entrada em 16-01-2015 e junta a fls. 515/524, a DEMANDADA diz, em síntese, o seguinte:

•No objeto do litígio constante da ATA DE INSTALAÇÃO apenas se refere o medicamento CIALIS, não se entendendo a menção ao medicamento ADCIRCA, designadamente a propósito das suas vendas, devendo ser desconsideradas tais menções;

•As DEMANDADAS não irão comercializar os seus medicamentos genéricos TADALAFIL até que ocorra a caducidade do CCP 144; aliás,

- As DEMANDADAS interpuseram ação para declaração de nulidade das patentes EP1173181 e EP1200092, no Tribunal da Propriedade Intelectual porque carecem de atividade inventiva, supondo que o TA não venha a apreciar a validade das patentes;

Deve ser ordenada a suspensão dos presentes autos nos termos do disposto no artigo 272° do CPC a fim de não prejudicar os interesses das DEMANDADAS;

•E não há violação das restantes patentes, refutando ainda o pedido de não transmissão de AIM a terceiros bem como de condenação na sanção pecuniária compulsória, não existindo qualquer violação atual ou iminente dos direitos de propriedade industrial das DEMANDANTES;

•Os factos alegados a respeito de (previsíveis) prejuizos das Demandantes - artigos 188° a 203° da PI - devem ser desconsiderados e dados por não escritos.

Terminam pedindo a suspensão da instância e a improcedência da ação arbitral.

8. 1ª RESPOSTA DAS DEMANDANTES ÀS EXCEÇÕES

Responderam as DEMANDANTES dizendo:

• O objetivo da celeridade na decisão dos tribunais arbitrais não é compaginável com uma suspensão do processo até ao trânsito em julgado da ação no TPI para apreciação da validade das duas patentes;

•No caso, há «fundadas dúvidas para crer» que a ação de nulidade foi interposta com o único objetivo de obter a suspensão deste processo, pelo que deve ser indeferido tal pedido - n.º 2 do artigo 272° do CPC; (...)

•Insistem no pedido de elementos de prova disponíveis apenas às DEMANDADAS e também de amostras representativas dos medicamentos genéricos - artigo 3°, n°3 e 436°/1, do CPC e 338°-C, n.º 1 do CPI.

Entretanto, antecipando a hipótese de o TA não ordenar a suspensão da instância, e nos termos do artigo 33°, n.º 3 da Lei n.º 63/2011, de 14 de dezembro (LAV), as DEMANDADAS modificaram a sua contestação, apresentando um novo articulado.

9. CONTESTAÇÃO MODIFICADA

Entrada em 09-03-2015, junta a tis. 837/862, nela se diz, em síntese:

•As DEMANDADAS não irão comercializar os seus medicamentos genéricos Tadalafil até à caducidade do CCP 144, associado à EP0740668, com limite de vigência até 12.11,2017; Mas,

A EP 1173181 não possui passo inventivo, porquanto,

•O problema abordado na patente EP`181 era o de encontrar um tratamento da disfunção eréctil numa dose unitária que proporcione um tratamento eficaz sem os efeitos secundários associados ao inibidor da PDE5 que era comercializado, o sildenafil;

Ora,

•O documento WO 97/03675 descreve uma dosagem total diária de 0.5 a 800 mg de tadalafil, e uma dosagem farmacêutica unitária, em que a referida forma de dosagem unitária compreende uma dose de 0.2 a 400 mg de tadalafil, o que seria considerado pelo perito na técnica como um ponto de partida adequado para a resolução do problema técnico objeto da EP'181;

• A determinação de uma dosagem tendo uma eficácia otimizada e efeitos secundários mínimos é uma tarefa de rotina para o perito na técnica;

•Mas se aquele documento não fosse usado pelo perito na arte então serviriam os conhecidos medicamentos contendo sildenafil como ponto de partida;

•Sabia-se que o tadalafil é mais potente que o sildenafil pelo que é necessária uma dose mais reduzida para o mesmo efeito terapêutico, o que seria conseguido através de testes de pequenas doses;

•Carecendo todas as reivindicações da EP'181 de atividade inventiva.

EP 1200092

•A EP'092 faz referência ao documento W096/38131 que revela ser o tadalafil pouco hidrossolúvel, sendo desejável uma rápida concentração máxima de tadalafil no sangue em conjunto com uma melhor perspetiva de um rápido início do efeito terapêutico;

•Para uma rápida concentração máxima no sangue do inibidor da PDE5, a EP'092 sugere uma preparação em partículas de uma forma livre de tadalafil com características de tamanho específicas e definidas, com pelo menos 90% das partículas de tamanho inferior a cerca de 40 pm e, de um modo preferido mesmo inferior a 10 pm;

•Há falta de passo inventivo na EP'092, pois de acordo com o documento WO 96/38131 (documento n.º 6), que corresponde à patente norte americana US 5 985 326, o tadalafil é pouco (hidro-) solúvel o que é confirmado na patente EP'092, a qual reivindica uma maneira diferente de melhorar a hidrossulibllidade, reduzindo o tamanho da partícula do tadalafil, não intimamente embebidas num co precipitado polimérico;

• A questão de se considerar a redução do tamanho de partículas como uma estratégia para melhorar a biodisponibilidade do tadalafil, mostrado por uma redução do Tmax não é um caso particular do tadalafil, mas sim uma abordagem geral para resolver a falta de biodisponibilidade de muitos fármacos, sendo conhecida a relação direta entre a velocidade de dissolução e a superfície de uma partícula;

•O estado da técnica, constituído pelo conhecimento técnico geral comum de um perito na técnica forneceu um indicador evidente para a solução do problema, tal como reivindicado na patente EP'092;

•Por conseguinte, o perito na técnica teria chegado ao objeto da patente EP'092 de uma maneira óbvia face ao que é divulgado no documento WO 96/38131 e face ao conhecimento geral comum, carecendo de atividade inventiva.

E quanto à invenção reivindicada na EP 1200090, a formulação dos medicamentos genéricos TADALAFIL das DEMANDADAS diferem daquela porque as partículas de Tadalafil têm um tamanho acima de 50 mícrones.

Repetem o que já haviam dito quanto ao pedido de não transmissão de AIM a terceiros, ao pedido de condenação na sanção pecuniária compulsória e ao pedido de condenação em indemnização por danos futuros.

Terminam pedindo ou a improcedência da ação arbitrai e absolvição das DEMANDADAS de todos os pedidos ou a suspensão da instância nos termos do disposto no artigo 272° do CPC.

Indicaram 4 testemunhas, o seu Assessor Técnico, e requereram a gravação da prova.

10. 2ª RESPOSTA DAS DEMANDANTES ÀS EXCEÇÕES

Responderam (fls. 988/1006) as DEMANDANTES às exceções da CONTESTAÇÃO MODIFICADA, refutando a alegada nulidade das EP 1173181 e EP 1200092, dizendo em síntese:

EP 1173181

• Em 25 de Março de 2015 o EPO publicou no European Patent Bulletin (2015/13) a decisão de limitação da EP 1173181, com aviso publicado pelo INPI, agora com 17 reivindicações — docs. 5 e 6 RESP;

•Havia efeitos secundários incluindo, por exemplo, os citados no Exemplo 7 no parágrafo [00871 da EP'181B3, i.e., dor de cabeça, dispepsia, dor lombar. mialgia, finde, conjuntivite, edema das pálpebras, rubor tecial e anomalias da visão - doc 7;

•Através de experiências detalhadas e ensaios clínicos os inventores puderam observar que uma dose baixa" de TADALAFIL surpreendentemente tem o efeito desejado no tratamento da disfunção sexual, com efeitos secundários mínimos, o que é ainda mais percetível para doses baixas de 2 mg e 5 mg, em que os efeitos secundários observados são comparáveis ao placebo;

•A jurisprudência das Câmaras de Recurso não exclui que um medicamento seja patenteado para utilização num tratamento diferente da mesma doença, e o regime de dosagem seja a única característica que não está compreendida no estado da técnica, sendo que no caso não há otimização da dosagem mas uma dose baixa;

• O TADALAFIL e o sildenafil são estruturalmente distintos.

EP 1200092

•O TADALAFIL é praticamente insolúvel em água (0,002 mg/mL a 250C), sendo que uma formulação de co-precipitado desenvolvida pela Glaxo e objecto do pedido de patente WO 96/38131 superou uma barreira técnica ao desenvolvimento clínico decorrente da fraca solubilidade em água do TADALAFIL e resultou na utilização da forma de co precipitado em múltiplos ensaios clínicos, tanto de fase / como de fase 11;

•A co precipitação é uma abordagem reconhecida para aumentar a dissolução de fármacos pouco solúveis em água utilizando solventes orgânicos para dissolver e assim dispersar intimamente o fármaco e moléculas transportadoras, pelo que o perito na especialidade não tem motivação para se desviar do ensinamento do WO'131;

•Também no fármaco Griseofulvina, um composto que tem fraca solubilidade em água, preparado numa forma de co precipitado e comparado com o mesmo fármaco em forma micronizada, tanto para a dissolução como para a biodisponibilidade, a forma micronizada do fármaco era inferior à forma de co precipitado;

•Surpreendentemente, o TADALAFIL na forma de fármaco livre, fica disponível mais rapidamente no plasma do que a forma de co precipitado do WO'131 e assim livre para proporcionar um efeito terapêutico mais rápido ao doente, apresentando uma biodisponibilidade melhorada em relação à forma de co precipitado.

•Em sumário de argumentação: a titular da patente proporcionou uma forma de fármaco livre de TADALAFIL que, contrariamente às expectativas do perito na especialidade, ultrapassa o desafio técnico da fraca solubilidade em água do TADALAFIL sem requerer uma forma de dispersão sólida (co precipitado) e proporciona uma Tmax e início da ação terapêutica superiores em relação à forma de co precipitado.

Não houve - acrescentam - qualquer motivação para o perito na especialidade modificar a WO'131 para chegar à forma de fármaco livre da presente patente, e como tal, a patente EP'092 cumpre os requisitos de atividade inventiva.

Requerem sejam julgadas improcedentes as exceções de nulidade das EP1173181 e EP1200092, devendo as DEMANDADAS ser condenadas nos termos peticionados inicialmente.

11. AUDIÉNCIA PRÉVIA, ACÓRDÃO SANEADOR, NÃO SUSPENSÃO DO PROCESSO AUDIÊNCIA PRÉVIA

11.1. Realizou-se a Audiência Prévia (em 21.04.2015 - ata de fis. 873/875): as DEMANDADAS opinaram no sentido de não insistirem pela suspensão do processo se o TA apreciar da validade das patentes; se não for o caso, deverá ser determinada a suspensão.

As DEMANDANTES reafirmaram a posição de que não deve haver suspensão do processo arbitral, designadamente por razões de celeridade.

O TA reconheceu que o processo continha elementos bastantes para ser proferido ACÓRDÃO SANEADOR no tocante à matéria das patentes e medicamentos em causa, à suspensão da instância, à requisição de documentos (após a clarificação das DEMANDANTES), à nova contestação apresentada.

ACÓRDÃO SANEADOR

11.2. Em conformidade, e em 4 de maio de 2015 (fls. 920/933), o TA decidiu:

1) “Relativamente à sua própria competência, em poder conhecer não apenas da vigência como da validade ou invalidade da patente, com reflexo e valor inter partes — aprovado por maioria;

2) Uma vez aceite a posição supra sobre a competência do TA, não haver justificação para deferir a suspensão da instância, pois não se verificam os pressupostos a que alude o artigo 272°/1 do novo CPC;

3) Em não julgar verificados os requisitos da litispendência, e ainda que existissem, não ser este o processo em que a exceção deveria ser suscitada;

4) Considerar que as Patentes cujos direitos as DEMANDANTES invocam são as PEs 0740668 e CCP n.º 144, 0839040, 1173181, 1200092 e 1200090 e que o único medicamento de referência que está em discussão é o denominado CIALIS;

5) No tocante à solicitada requisição de documentos ao INFARMED, esgotado o prazo de concretização concedido às DEMANDANTES, e se as DEMANDADAS não se dispuserem a fornecer os elementos que o TA considerar indispensáveis ao bom desenvolvimento da lide, ordenar a sua requisição ao INFARMED, tomando as providências de proteção de informações confidenciais, se foro caso;

6) Em que fique nos autos a contestação modificada”.

Só na sessão de 5.05.2016 da Audiência Final o TA tomou conhecimento de que as DEMANDANTES haviam interposto recurso do acórdão saneador para o Tribunal da Relação de Lisboa, já em 8.06.2015, o que levou à não ponderação do dispositivo do artigo 18°/9 e 10 da LAV 2011 ( suspensão ou não do processo arbitrai) - cfr. ata respetiva.

DECISÕES E DESPACHOS VÁRIOS

12. Os autos contêm as decisões ou despachos relacionados com honorários dos Árbitros, requerimentos vários, requisição de documentos ao INFARMED (despacho de 9.01. 2016), calendário e ordenação da audiência, elaboração do guião de prova e sua fixação.

Destaca-se a escolha, com a concordância das Partes e mediante sorteio de entre candidatos selecionados, de Assessor Técnico do TA, a qual recaiu na Licenciada em Farmácia, EE, Especialista em Indústria Farmacêutica, Mestre em Farmacotecnia Avançada (ata de 12.10.2015).

A arbitragem esteve suspensa por 60 dias, a solicitação das Partes -despachos de 19.09.2014 e 21.10.2014; esteve ainda suspensa desde 11.03.2015 até 2.04.2015, por via da renúncia do Árbitro Prof. FF (23 dias) e desde 16.06.2015 até 04.07.2015, por via da renúncia do Árbitro Dr. GG - 18 dias, num total de 101 dias.

Cumpre ainda referir que se procedeu às prorrogações necessárias ao andamento do processo, ouvidas as Partes, pensando-se ser a última até final de novembro de 2016 (fls. 1572). Acontecendo, porém, que o prazo para alegações finais foi prorrogado, a pedido das Partes, até 17.10.2016 (fis. 1892), o prazo final da arbitragem foi também prorrogado até 31 de dezembro de 2016 (Decisão de 17.11.2016); pelas razões invocadas no despacho de 18.12.2016, ouvidas de novo as Partes, o prazo voltou a ser prorrogado, e nos termos do n.º 5 - 1.ª parte - da ATA DE INSTALAÇÃO e do n.º 2 do artigo 43º da LAV2011, até ao dia 15 de Fevereiro de 2017 (cfr., porém, o que consta infra em 13.2.).

AUDIÊNCIA FINAL

13. A Audiência Final decorreu nos dias 18 e 19.04.2016, 27.04.2016 e 05.05.2016 (atas de fls. 1490/1492, fls. 1501/1502, fls. 1531/1532 e fls. 1543/1545, respetivamente), tendo havido gravação sonora.

Conforme consta da ata de 18.04.2016, o TA apreciou a matéria constante de um requerimento apresentado pelas DEMANDANTES, com a data de 14.04.2016, relacionado com o medicamento ADCIRCA e resposta das DEMANDADAS.

Recordando que o TA já decidiu no acórdão saneador que «o único medicamento de referência que está em discussão é o denominado CIALIS», o TA, após ouvir de novo as Partes, tomou a seguinte deliberação: «deferir o pedido das Demandantes de discussão sobre o medicamento ADCIRCA, na medida em que tal se mostrar necessário, pois só após a discussão o TA terá recolhido elementos que lhe permitam avaliar sobre a alteração ou não dos pressupostos em que, nesta parte, se baseou o acórdão saneador, e também se houve factos aqui relevantes que só supervenientemente chegaram ao conhecimento das DEMANDANTES».

13.1.Na última sessão da Audiência Final (de 05.05.2016), as Partes apresentaram uma proposta conjunta de alteração das alíneas o) a q) do n.º 4.1.1 da Ata de Instalação, na sequência do que antes haviam requerido. O TA, com a concordância das Partes, deferiu ao requerido, em termos de serem fundidas as três alíneas da Ata de Instalação, ficando com a redação seguinte:

“Efetuada a audiência de discussão, o TA concerta com as Partes o modo e prazo das alegações finais; serão produzidas por escrito, em matéria de facto e de direito, simultaneamente, no prazo de 30 (trinta) dias contados da transcrição dos depoimentos e entrega de uma cópia ao TA; a junção de pareceres pode ter lugar até ao termo do período de apresentação das alegações escritas ou juntamento com estas”.

Também nessa sessão foi perguntado aos ilustres Mandatários sobre se existia alguma questão pendente, carecida de decisão, tendo respondido negativamente.

13.2. Resta acrescentar que a entrega da cópia das transcrições da gravação da prova ao TA só ocorreu em 08/08/2016, apenas se tendo iniciado o prazo para alegações em 1.09.2016.Quando o TA se preparava para notificar a decisão final, as DEMANDANTES requereram a junção aos autos de um acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 26.01.2017, relativo ao recurso de que se dá conta supra 11.2, in fine, o que determinou a realização de uma reunião para audição das Partes, em 8.03.2017 (ata de fls.1606/608), após a qual deliberou o seguinte:


a) aquele acórdão «não transitou em julgado, mostrando-se plausível que a arguição de nulidade junto do TRL e o eventual recurso excecional de revista para o STJ, possam acarretar um alongado período de tempo, de pelo menos vários meses, para que venham a ser decididos nos Tribunais Superiores. Como é sabido, vários preceitos da LAV2011, aqui aplicável por força das Regras adotadas na ATA DE INSTALAÇÃO - n.°s 4 e 4.2.2. -, preveem que o processo arbitral possa prosseguir e ser proferida decisão, enquanto esteja pendente uma questão no Tribunal Estadual, como resulta do disposto nos artigos 5°/2, 18°/10, 59°/1, alínea t), daquela LAV.

Por outro lado, tendo sido apenas impugnada a competência do TA relativamente a uma parte dos pedidos, a decisão que vier a ser emitida, ainda que fosse procedente a impugnação dessa parcela de competência, poderia vir a subsistir parcialmente - artigo 46°fi, da mesma LAV2011. Nesta conformidade, o TA proferirá o acórdão que preparara e se encontrava em vias de ultimação, dentro de um espaço curto de tempo, compatível com o suprimento das dificuldades de agenda de um dos Árbitros e da retoma dos trabalhos interrompidos.

b) Que o prazo da arbitragem seja prorrogado até à prolação do acórdão final, nos termos do n.º 5 - 1.ª parte - da ATA DE INSTALAÇÃO e do n.º 2 do artigo 43° da LAV2011, sem prejuízo da competência que o TA não pode declinar quanto aos atos subsequentes à decisão dos recursos pendentes;

c) No acórdão final, o TA pronunciar-se-á sobre a repartição de honorários entre os Árbitros intervenientes e, oportunamente, sobre trabalhos adicionais que for chamado a desempenhar”.O que levou o TA a retomar o projeto de decisão e a prosseguir.


Foram realizadas a instrução, a discussão e o julgamento da causa, tendo sido proferido acórdão maioritário que decretou:

Pelos motivos expostos, acordam no tribunal arbitral em:

“a) Julgar improcedentes os pedidos de declaração de invalidade das EP 1173181, e EP 1200092, por falta de atividade inventiva, à luz dos artigos 52°/1 e 56°, da Convenção de Munique sobre a Patente Europeia e artigos 55°/2, 56° e 113°, alínea a), do CPI; b) Considerar que a formulação dos medicamentos genéricos TADALAFIL das DEMANDADAS, tal como apresentada no dossier de A/Ms, e as operações de preparação desses medicamentos genéricos das DEMANDADAS podem reduzir a tamanho das partículas da substância ativa em termos de entrar na área de proteção da EP 1200092 ou da EP 1200090, infringindo-as se lançados no mercado antes da caducidade destas; c) Julgar procedente o 1° pedido das DEMANDANTES e por isso condenar as DEMANDADAS a absterem-se de importar, armazenar, fabricar, manipular, embalar, colocar em circulação, vender ou pôr à venda, direta ou indiretamente, quer em Portugal, quer para exportação, os medicamentos genéricos constantes das A LM 5 correspondentes aos docs. 10 a 14 e 16 a 19 da PI) até à caducidade das patentes objeto da presente ação, entendendo-se a PP 1173181 na sua versão limitada; d) Julgar parcialmente procedente o 2° pedido das DEMANDANTES e assim condenar as DEMANDADAS a absterem-se, no futuro, de qualquer operação que leve a importar, armazenar, fabricar manipular, embalar, colocar em circulação, vender ou pôr à venda, quer em Portugal, quer para exportação, qualquer medicamento contendo a substância ativa “TADALAFIL” em violação do condicionalismo imposto pelas PPs N.°s 0740668 (CCPI44), 1173181 (nos valores constantes da sua versão limitada), 1200090 E 1200092, e até ocorrer a sua caducidade;e) Julgar improcedentes os pedidos das DEMANDANTES: 3° (não transmissão de AIMs a terceiros), 4° (indemnização), 5° (sanção pecuniária compulsória), deles absolvendo as DEMANDADAS. f) Ordenar que se efetuem, após trânsito, as comunicações a que se referem os n.ºs 2 e 6 do artigo 3° da Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro.”


Desse acórdão, foi interposto recurso pelas Demandantes/AA e BB PORTUGAL - PRODUTOS FARMACÊUTICOS LDA., que alegaram e apresentaram novas conclusões, face à anterior apresentação de conclusões e convite de aperfeiçoamento que lhes foi dirigido.


As Demandadas/CC - PRODUTOS FARMACÊUTICOS LDA. e DD - COMÉRCIO E INDÚSTRIA DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS LDA. também interpuseram recurso do acórdão arbitral proferido, tendo aduzido as conclusões que de seguida se enunciam, uma vez que se tornam necessárias para apreciar o objecto da revista:

“A. A Recorrente sempre afirmou que não pretendia iniciar a comercialização dos medicamentos genéricos até à caducidade do CCP144, pelo que apenas se encontra em apreciação a oponibilidade e alegada infração das patentes EP181, EP090 e EP092.

B. Ao garantir o monopólio ilícito das Recorridas, que como se disse está a ser travado pelos países europeus que apreciaram os direitos acima referidos, o tribunal arbitral impediu a comercialização dos medicamentos da Demandada após a caducidade do CCP144, sendo duvidoso que seja proferida uma decisão transitada em julgado até à data da caducidade das patentes europeias acima referenciadas.

C. Caso as Recorrentes permaneçam três anos sem comercializar o medicamento genérico tadalafil, os prejuízos serão muito avultados, isto considerando a própria afirmação das Recorridas de que o mercado português da substância tadalafil ascende a um valor de vendas anual de € 44.937.881.

D. As Recorrentes se oferecem para prestar caução nos termos do disposto no artigo 647°, n.° 4 do CPC.

E. O valor da caução a prestar deverá ser fixado em função do valor da ação nos termos definidos pelas Recorridas.

F. As Recorrentes dispõem-se ainda a prestar a caução mediante garantia bancária, nos termos do disposto no artigo 913° do Código de Processo Civil, visto que a mesma se afigura adequada para a caução a prestar pelas Recorrentes nos presentes autos.

G. A sentença acabou por confrontar-se com uma contradição insanável dos fundamentos com a decisão proferida pelo Tribunal Arbitrai.

H. Na resposta ao facto Q.82, referente à alegada infração da patente EP1173181 pelas Recorrentes, o Tribunal Arbitral concluiu que tal facto resultou "Provado, tendo-se agora em contra a versão limitada, actualizada ab inition na dose unitária de 1 a 5mg, apropriada para administração oral, sendo a dose total máxima de 5mg/dia.".

I. Na sua fundamentação o Tribunal Arbitrai afirmou de modo expresso que as dosagens superiores a 5mg não poderão infringir a patente EP181, visto que este reiterou tal afirmação ao longo da sua resposta à matéria de facto.

J. Mas na sua decisão final o Tribunal Arbitrai condenou as Recorrentes de se absterem de comercializar os medicamentos genéricos tadalafil a que correspondem as AIMs nos autos até à caducidade da EP181, em todas as suas dosagens, inclusive as dosagens de 10mg e 20mg, não obstante, como se viu acima, o tribunal arbitrai ter expressamente concluído tais dosagens como estando fora do âmbito de proteção daquela patente tal como resultante da sua limitação.

K. As Recorrentes foram ainda condenadas a não comercializar quaisquer medicamentos contendo a substância ativa tadalafil, independentemente da respetiva dosagem, até à caducidade da patente EP3181.

L. A decisão arbitral constitui uma manifesta contradição com a fundamentação apresentada pelo tribunal arbitral, tendo tal contradição sido realçada pela Exma. Senhora Dra. HH no seu voto de vencida.

M. A sentença arbitral padece de nulidade por contradição insanável entre a fundamentação e a decisão nos termos do disposto no artigo 615°, al, c) do CPC, devendo ser revogada em conformidade.

N. Na fundamentação para a resposta à matéria de facto dos pontos Q.83 e Q.B4, o Tribunal arbitral afirmou o seguinte: “As Demandantes afirmam nas suas alegações que o TADALAFIL, no passo 4 do processo, tem de passar por uma malhar de 0,6 ou 0,8 micrones de abertura, peio que o tamanho das partículas terá de ser inferior a 40 micrones e até mesmo 10 micrones (D90), o que se confirmaria com o descrito nas páginas 37 e 45/2086 e/ou 37 e 45/1228 dos Módulos 3 dos comprimidos genéricos das Demandadas. Verificou-se nos documentos juntos, que no módulo 3.2.P.2.3. Phamiaceutical Development, o granulado seco é moído para passar por uma malha de 0,6micrones — páginas 37, 38 e 45/1228 do Tadalafil Teva — e no módulo 3.2.P.3.3., Description of Manufacturing Processo, o granulado é passado por um crivo com malha de 0.6mm — páginas 158, 186 e 188/1228, do Tadalafil Teva [Colaboração da Assessoria Técnica do TA]” (destaque do próprio tribunal arbitral).

O. Já na fase decisória, o tribunal arbitral decidiu colocar questões novas à assessora técnica, sem conhecimento das Partes, tendo a assessora técnica dado o seu parecer sobre as mesmas, o qual veio a ser seguido pelo tribunal arbitrai sem pronúncia das Recorrentes.

P. A prova dessa matéria de facto nova com a colaboração da assessora técnica do tribunal arbitral revela um total desconhecimento da matéria técnica em causa porquanto a conclusão apresentada é manifestamente errada e contém afirmações inexatas quanto ao conteúdo daqueles documentos.

Q. Como não foi dada a oportunidade às Recorrentes de se pronunciarem sobre a matéria, não foi possível impugnar as conclusões, tecnicamente erradas e falsas da assessora técnica e, consequentemente, do próprio tribunal arbitral.

R. O tribunal arbitral admite que não conseguiria, sozinho, apreciar tais documentos, pelo que teve de se socorrer da assessora técnica.

S. O tribunal arbitral parece inclusivamente confundir a posição de um assessor técnico do tribunal, de um perito ou sequer de uma testemunha.

T. A posição de um assessor técnico do tribunal é assistir a toda a produção da prova e face à mesma prestar os esclarecimentos necessários ao tribunal, mas não pode ser produzida prova pelo assessor técnico, como ocorreu nos presentes autos.

U. A sentença arbitral relativamente a esta matéria de facto violou os princípios de imparcialidade e igualdade previstos no artigo 20° da Constituição da República Portuguesa e nos artigos 3° e 4° do Código de Processo Civil, o princípio do direito ao contraditório previsto no artigo 3° do Código de Processo Civil e no artigo 30°, n.° 1 al. c) da LAV e, bem assim, os princípios da legalidade, da prova legal, da publicidade da audiência e do processo justo e equitativo.

V. A sentença deverá ser declarada nula atento o disposto no artigo 615°, n.º 1 al. d) e ainda 195º, n.º 1 e n.º 2, ambos do CPC.

W. O Tribunal Arbitral deu erradamente como provado o facto identificado sob Q.B2, porquanto da invalidada da EP181 resulta que tal facto deverá ser dado como não provado.

X. O Tribunal Arbitral fez uma errada apreciação da prova ao dar como provados os factos identificados sob Q.B3 e Q.B4 e dar como não provado o facto identificado sob Q.85, os quais respeitam à alegada infração das patentes EP1200090 e EP 1200092.

Y. O Tribunal arbitral acaba por confirmar que não foi produzida prova de tal infração visto que a sua conclusão foi de que “Dizendo pela afirmativa: tais operações podem reduzir as partículas, ultrapassando aquele limite”, pelo que bastaria a conclusão de que se tais operações PODEM, estamos perante unia mera especulação.

Z. Recaindo o ónus da prova sobre as Demandantes, os factos identificados sob 83. e B4. deverão ser dados como não provados.

AA. Do módulo _3 Tadalafil Ratiopharm_DE H 4053 01-04_DC e do módulo _3 Tadalafil Teva_DE H 4013 01-04_DC resulta que o tamanho das partículas dos lotes testados variam entre d (0.9): 63.6 pm e d (0.9): 64.0 pm e que as especificações estabelecidas para o tamanho de partícula foram as seguintes: d (0.9): 50 - 65 pm.

BB. O Tribunal arbitral afirmou de forma totalmente nova e sem direito ao contraditório que: “Verificou-se nos documentos juntos, que no módulo 3.2.P.2.3. Pharmaceutical Development, o granulado seco é moído para passar por uma malha de 0, 6mícrones — páginas 37, 38 e 45/1228 do Tadalafil Teva — e no módulo 3.2.P.3.3., Description of Manufacturing Processo, o granulado é passado por um crivo com malha de 0.6mm — páginas 158, 186 e 188/1228, do Tadalafil Teva [Colaboração da Assessoria Técnica do TAJ”.

CC. A referência ao tamanho da malha naquele documento identifica o tamanho da mesma em milímetros (0,6 mm por exemplo) e não mícrones como afirmam as Recorridas, sendo que o valor de 0.6mm (milímetros) corresponde a 600 um (micrones).

DD. O facto de as Recorridas apenas terem feito menção a tal interpretação tecnicamente inepta nas suas alegações finais revela a conduta eivada de má-fé das mesmas, que pretendem induzir o Tribunal arbitrai em erro.

EE. Do depoimento do Dr. II, depoimento no dia 18 de abril de 2016, constante da transcrição de Depoimentos Áudio, II — com início a 01:27:41- pág. 51 a 161, resultou que este assumiu que as suas afirmações sobre o tamanho da partícula das Recorrentes eram resultado de pura especulação.

FF. Foi com base no depoimentos da Dra. JJ (depoimento nos dias 18 e 19 de abril de 2016, constante da transcrição de Depoimentos Áudio, JJ — CD1 com início a 00:54:17- pág. 206 a 225 e CD2, com início a 01:27:41— pág. 3 a 118) que o Tribunal arbitral deu como provados os factos identificados no Q.B3 e Q.B4 e como provado o facto Q.85, muito embora esta tenha confirmado não haver provas da infração das patentes EP 1200090 e EP 1200092,

GG. Do depoimento do Prof. Doutor KK, depoimento no dia 27 de abril de 2016, constante da transcrição de Depoimentos Audio, KK — com início a 02:22:04- pág. 59 a 128, especialista em tecnologia farmacêutica, resultou demonstrado de forma clarividente que o tamanho de partículas de tadalafil no medicamento das Recorrentes é substancialmente superior aos limites de 40 e 10 mícrons protegidos pelas patentes EP 1200090 e EP 1200092.

HH. Do depoimento do Professor Doutor LL -depoimento no dia 27 de abril de 2016, constante da transcrição de Depoimentos Audio, LL — com inicio a 01:27.•41- pág. 129 a 169 e Cont. — com início a 00:25:37 — pag. 3 a 14, igualmente especialista em tecnologia farmacêutica resultou igualmente indubitável que o tamanho de particulas de tadalafil no medicamento das Recorrentes é substancialmente superior aos limites de 40 e 10 mícrons protegidos pelas patentes EP 1200090 e EP 1200092 e que todas as afirmações em sentido contrário resultam de mera especulação.

II. A Dra. MM, que prestou depoimento no dia 5 de maio de 2016, constante da transcrição de Depoimentos Audio, MM — com início a 00:55:32 - pág. 35 a 52, é a única testemunha que tem conhecimento directo do fabrico do medicamento, nas palavras do próprio tribunal arbitral.

JJ. Do depoimento da Dra. MM resulta que esta confirmou com toda a certeza que o tamanho de partículas de tadalafil no medicamento das Recorrentes é garantidamente superior aos limites de 40 e 10 mícrons protegidos pelas patentes EP 1200090 e EP 1200092 e que todas as afirmações em sentido contrário resultam de mera especulação.

KK. O Tribunal Arbitral entendeu que os depoimentos da Dra. MM, responsável pelo fabrico do próprio medicamento das Recorrentes, do Prof. KK e do Prof. LL, ambos especialistas em tecnologia farmacêutica foram credíveis e sérios, mas optou por dar prevalência a depoimentos de duas testemunhas que não têm qualquer experiência em tecnologia farmacêutica, assumiram que da documentação constante dos autos não resulta qualquer infração das patentes, assumiram que estavam a especular sobre uma possível infração e uma delas nem sabia qual era o âmbito de proteção da EP 1200092.

LL. Deverão ser dados como não provados os factos indicados sob Q.83 e Q.B4 e, consequentemente, dando como provados o facto indicado sob Q.B5.

MM. O Tribunal Arbitral fez uma errada apreciação da prova ao dar como parcialmente não provados os factos identificados sob QC.8 a QC/1.

NN. Os factos Q.C8 e Q.C9 relacionam-se com os factos subjacentes à falta de atividade inventiva da patente EP 1173181, nomeadamente o facto do documento WO 97/ 03675 que já identificava uma dosagem de tadalafil ser considerado pelo perito como o ponto de partida para a resolução do problema técnico objetivo da EP 1173181 ou serem os medicamentos Sildenafil ser considerados como ponto de partida.

OO. Para fundamentar as suas conclusões quanto a tais factos o Tribunal arbitral indicou como relevantes os dois depoimentos do Dr. II, que não sabia âmbito de proteção de uma das patentes e a Dra. JJ, que o próprio Tribunal Arbitral indicou que não foi segura em matéria de patentes.

PP. Os depoimentos que deveriam ser atendidos quanto à matéria em apreço naqueles factos são os depoimentos do Prof. KK (depoimento no dia 27 de abri! de 2016, constante da transcrição de Depoimentos Audio, KK — com início a 02:22:04- pág. 59 a 128) e NN (depoimento no dia 27 de abril de 2016, constante da transcrição de Depoimentos Audio, NN — com início a 01..57:46- pág. 3 a 58) dos quais resultou que : i) Perante o documento WO 9703675 que descreve a dosagem total diária de 0.5 a 800 mg de Tadalafil, e uma dosagem farmacêutica unitária (comprimido), de 0.2mg a 400mg de Tadalafil, o perito na arte considera-lo-ia como um ponto de partida adequado para a resolução do problema técnico objecto da PE 1173183; e ainda ii) Mesmo que não se aceite que um perito na técnica começasse as suas considerações para resolver o problema em causa, tal como acima definido, com o documento WO 97/03675, os já conhecidos medicamentos contendo Sildenafil deveriam ser considerados como esse ponto de partido.

QQ. Os factos identificados sob Q.C10 e Q.C11 respeitam à matéria sobre se seria trabalho de rotina testar os regimes de dosagem, sendo inclusivamente obrigatório para obter uma autorização de introdução no mercado.

RR. No seu depoimento, a Dra. JJ (depoimento nos dias 18 e 19 de abril de 2016, constante da transcrição de Depoimentos Audio, JJ — CD1 com início a 00:54:17- pág. 206 a 225 e CD2, com início a 01:27:41—pág. 3 a 118) confirmou que os regimes de dosagem constituem um trabalho de rotina.

SS. No seu depoimento o Dr. II (depoimento no dia 18 de abril de 2016, constante da transcrição de Depoimentos Audio, II — com início a 01:27:41- pág. 51 a 161) confirmou que os ensaios clínicos são trabalho de rotina.

TT. No seu depoimento o Professor Doutor KK (depoimento no dia 27 de abril de 2016, constante da transcrição de Depoimentos Audio, KK — com início a 02:22:04- pág. 59 a 128) confirmou a determinação da dosagem constitui não só trabalho de rotina mas é inclusivamente obrigatório no desenvolvimento farmacêutico.

UU. No seu depoimento o Dr. NN (depoimento no dia 27 de abril de 2016, constante da transcrição de Depoimentos Audio, NN — com início a 01:57:46- pág. 3 a 58) esclareceu que a identificação dos limites de segurança e eficácia de um ingrediente ativo não pode ser considerada uma inovação e é exactamente o que ocorre na EP 1173181.

VV. Deverá ser revogada a decisão sobre a matéria de facto e substituída por outra que dê como provados os factos identificados como Q. C8 a Q.C11.

WW. O Tribunal Arbitral fez uma errada apreciação da prova ao dar como parcialmente não provados os factos identificados sob Q.C23 a Q.C25, os quais respeitam ao facto de as reivindicações 2 a 6 apenas restringirem a quantidade de tadalafil, as reivindicações 7, 8, 21 e 22 especificar a dose unitária e as reivindicações 9 a 12 e 23 e 24 especificam a indicação médica, que eram características conhecidas do documento WO 97/03675

XX. O Tribunal arbitral não apresentou qualquer fundamento para ter concluído pela falta de prova destes factos, pelo que toma-se impossível apreciar o exercício crítico do Tribunal arbitral.

YY. Do documento WO 97/03675 (documento 3 junto com a contestação) resulta manifesto que todas as características daquelas reivindicações já se encontravam plasmadas no documento WO 97/03675 (página 5, linha 5, e página 4, linhas 17-28).

ZZ. Do depoimento do Dr, NN (depoimento no dia 27 de abril de 2016, constante da transcrição de Depoimentos Audio, NN - com inicio a 01:57:46- pág. 3 a 58) resultou indubitável a prova dos factos identificados sob Q. C23 a Q. C25.

AAA. Deverá ser revogada a decisão sobre a matéria de facto e substituída por outra que dê como provados os factos identificados sob Q.C23 as Q. C25.

BBB. O Tribunal Arbitral fez uma errada apreciação da prova ao dar como como parcialmente não provados os factos identificados sob Q.D7, o qual respeita ao facto de que o perito na especialidade teria chegado ao objeto da patente EP 1200092 de uma maneira óbvia face ao que foi divulgado no documento WO 96/38131.

CCC. O Tribunal deu como provado que o estado da técnica mais relevante é a WO 96/38131 (Q.D3); a diferença entre a invenção reivindicada na EP 1200092 e o estado da técnica foi a redução do tamanho das partículas para aumentar a velocidade de dissolução do Tadalalfil (Q.D4); que a redução do tamanho de partícula era uma abordagem geral (Q.D5) e ainda que da patente não consta um único ensaio para o tamanho especifico reivindicado (Q.D6).

DDD. Quer no documento Lieberman (documento 8 junto com a contestação), quer no documento Remington (junto pelas Recorridas) se afirma que a primeira opção escolhida pelo perito na técnica é a redução do tamanho de partícula, sendo que como todas as técnicas podem existir problemas.

EEE. Não existe qualquer contradição entre os Autores acima referenciados e Ansel (documento 7 junto com a contestação), porque todos os Autores partem do mesmo pressuposto, a micronização, e só depois é que analisam se perante uma determinada substância se afigura mais adequado proceder a outras técnicas para aumentar a taxa de dissolução.

FFF. Do depoimento do Dr. NN (depoimento no dia 27 de abril de 2016, constante da transcrição de Depoimentos Áudio, NN — com inicio a 01:57:46- pág. 3 a 58) resulta manifestamente claro que face ao estado da técnica divulgado na patente anterior WO'131, associado ao seu conhecimento geral comum, o perito na arte que procurasse resolver o problema da fraca solubilidade do composto tadalafil e os problemas verificados com a co precipitação desde composto, iria naturalmente testar a via da redução do tamanho de partícula (moagem) que era a via mais simples, mais rápida e mais comummente usada para esse tipo de problemas.

GGG. O depoimento do Professor Doutor KK (depoimento no dia 27 de abril de 2016, constante da transcrição de Depoimentos Áudio, KK - com início a 02:22:04- pág. 59 a 128), especialista em tecnologia farmacêutica confirmou que a micronização é sempre a primeira opção a considerar.

HHH. O depoimento do Professor Doutor LL (depoimento no dia 27 de abril de 2016, constante da transcrição de Depoimentos Áudio, LL - com início a 01:27:41- pág. 129 a 169 e Cont. - com início a 00:25:37 - pag. 3 a 14), especialista em tecnologia farmacêutica confirmou que a micronização é sempre a primeira opção a considerar, que é uma solução conhecida há décadas e que foi a solução utilizada em 70% a 80% dos medicamentos.

III. Face à prova documental, à prova testemunhal e ainda aos restantes factos dados como provados que sempre teria o Tribunal arbitral de dar como provado o facto identificado sob Q.D7, pelo que deverá ser revogada a decisão sobre a matéria de facto em conformidade.

JJJ. Na avaliação de saber se as patentes EP181 e EP092 possuem ou não atividade inventiva deverá ser aplicada a chamada “abordagem problema-solução”, adotada pelo Instituto Europeu de Patentes e seguida pelos tribunais portugueses.

KKK. A “abordagem problema-solução” consiste essencialmente nos seguintes passos: (1) Determinar o estado da técnica anterior mais próximo, (ii) Definir o problema técnico objetivo a resolver, (iii) Considerar se a invenção reivindicada, a partir do estado da técnica anterior mais próximo e considerando o problema técnico objetivo a resolver, seria ou não óbvia para o perito na arte.

LLL. O tribunal arbitral acabou por não aplicar corretamente a abordagem problema solução, nos termos definidos pelo IEP, porque não identificou nem definiu o problema técnico objetivo subjacente às patentes EP181 e EP092, tendo em conta os ensinamentos dos documentos do estado da técnica mais próximo, tendo-se cingido apenas ao problema técnico mencionado na própria patente.

MMM. Na apreciação da atividade inventiva das patentes EP181 e EP092, o tribunal arbitra! fez um salto ilógico do passo (i) (determinação do estado da técnica anterior mais próximo) para o passo (iii) (considerar se a invenção reivindicada, a partir do estado da técnica anterior mais próximo e considerando o problema técnico objetivo a resolver, seria ou não óbvia para o perito na arte) da abordagem problema solução.

NNN. No processo arbitrai em discussão, as Demandantes alegaram na petição inicial que a comercialização do medicamento genérico tadalafil das Demandadas em Portugal constituirá uma violação das patentes EP181, EP090 e EP1092.

OOO. A regra geral em direito é que quem alega um determinado facto tem a obrigação de prová-lo (cfr. artigo 342.°, n.° 1 do CC).

PPP. Tendo a presente arbitragem por fundamento a alegada violação, pelas Demandadas, dos direitos de propriedade industrial das Demandantes (CCP144, EP181, EP090 e EP092), o ónus de alegação e de prova de tal violação cabia, obviamente, ás Demandantes, aqui Recorridas.

QQQ. A presunção legal de infração das patentes de processo de fabrico de um produto novo (prevista no artigo 988 do CPI) não tem aplicação no casa em apreço, porquanto não são patentes relativas a um processo de fabrico, mas sim patentes que se referem a composições e a formulações farmacêuticas contendo tadalafil com características técnicas específicas, e porquanto o composto tadalafil já era conhecido e do domínio público antes da data de prioridade dessas patentes, tendo sido divulgado no âmbito da família de patentes a que pertence a EP740668 (patente de base do CCP144).

RRR. Sabendo deste ónus, as Demandantes requereram ao tribunal arbitral que ordenasse ao lnfarmed a entrega de um conjunto de documentos que fazem parte da dossier de AIM dos medicamentos genéricos tadalafil das Demandadas, precisamente para prova da infração das patentes EP181, Ep090 e EP092 tal como alegado na petição inicial.

SSS. Inusitadamente e ao arrepio desta regra basilar do ónus da prova, no acórdão recorrido o tribunal arbitral considerou que caberia às Demandadas e ora Recorrentes o ónus de provar que os seus medicamentos genéricos tadalafil estão fora do âmbito das patentes das Demandantes EP181, EP090 e EP092.

TTT. Tal entendimento do tribunal arbitral colide frontalmente, como não podia deixar de ser, com a posição que tem vindo a ser pacificamente aplicada pela jurisprudência, nomeadamente a jurisprudência arbitrai.

UUU. Caso se adotasse a tese absurda do tribunal arbitral, o artigo 98° do CPI, que tem natureza especial, tomar-se-ia letra morta, dado que caberia sempre ao Réu o ónus de provar a não violação da patente, qualquer que ela fosse, ou seja, haveria uma permanente inversão do ónus da prova em relação a qualquer patente.

VVV. Face ao estado da técnica mais próximo (W097/03675), o verdadeiro problema técnico (objetivo) que a patente EP'181 visou resolver face ao documento anterior W097/03675 era simplesmente o de encontrar uma dose de tadalafil que tivesse uma boa relação entre a atividade e os efeitos secundários, e não o de proporcionar um tratamento alternativo da impotência com menos efeitos adversos do que os do sildenafil (VIAGRA), como entendeu o tribunal arbitrai.

WWW. O erro na abordagem problema-solução, só por si, comprometeu irremediavelmente a apreciação da atividade inventiva da EP181 por parte do tribunal arbitral.

XXX. É um trabalho de rotina para o perito na especialidade (forrnulador) procurar e testar regimes de dosagem para determinar a dosagem mais eficaz e com menos efeitos adversos, sendo que a determinação da quantidade de um ingrediente ativo a ser administrado é um dos requisitos básicos que têm de ser satisfeitos quando um ingrediente ativo é utilizado e que a identificação dos limites de segurança e eficácia de um ingrediente ativo não pode ser considerada uma inovação.

YYY. Face à revelação do documento W097/03675, o tadalafil seria considerado pelo perito na especialidade um composto potencial e interessante para o tratamento da impotência e seria selecionado para desenvolvimento através de ensaios clínicos, em particular considerando o sucesso comercial do sildenafil (Viagra).

ZZZ. Os valores de 1050 do sildenafil e do tadalafil levariam ao perito na especialidade a considerar este último como mais potente do que o primeiro (como ficou provado) e, assim, também por essa razão havia uma forte motivação para o perito na especialidade considerar o tadalafil para o tratamento da impotência em vez do sildenafil e realizar os ensaios clínicos de rotina com esse composto.

AAAA. Mediante a aplicação da abordagem problema solução adotada pelo IEP e definido o verdadeiro problema objetivo a resolver, ficou claramente demonstrado que a patente EP181 carece de atividade inventiva pois o seu objeto era evidente para o perito na especialidade face ao documento do estado da técnica mais próximo (W097/03675) ou do conhecimento geral comum.

BBBB. O estado da técnica mais próximo da EP 1200092 era a patente anterior W096/38131, a qual resolvia o problema da fraca solubilidade do tadalafil através de uma coprecipitação (dispersão sólida, em que o tadalafil é co-precipitado com um polímero), mas reportava problemas de reprodutividade industrial dessa formulação.

CCCC. O verdadeiro problema técnico (objetivo) que a EP1200092 visa resolver face ao documento W096/38131 é apenas o de encontrar um método alternativo à coprecipitação para aumentar a velocidade de dissolução do tadalafil.

DDDD. Está dentro dos conhecimentos técnicos gerais do perito que aumentar a superfície das partículas aumenta a taxa de dissolução do composto e a técnica de redução do tamanho de partícula era a técnica mais comum de aumentar a taxa de dissolução e seria o primeiro método que o perito iria escolher, já conhecendo que a co-precipitação resultava com o tadalafil.

EEEE. Foi dado como provado pelo tribunal arbitral que a redução do tamanho de partículas como estratégia para melhorar a biodisponibilidade de muitos fármacos era uma abordagem geral.

FFFF. Face ao estado da técnica divulgado na patente anterior W09638131, associado ao seu conhecimento geral comum, o perito na especialidade que procurasse resolver o problema da fraca solubilidade do composto tadalafil e sabendo os problemas verificados com a co-precipitação desse composto, iria naturalmente testar a via alternativa da redução do tamanho de partícula (através de moagem) que era a via mais simples, mais rápida e mais comummente usada para esse tipo de problemas.

GGGG. As Recorridas não lograram convencer o tribunal arbitrai de que o perito na especialidade nunca iria considerar uma moagem até um tamanho de partícula d90 de cerca de 40 mícrones e que a forma de fármaco livre de tadalafil proporcionada pela EP092 ultrapassa o desafio técnico da fraca hidrossolubilidade do tadalafil contra as expectativas do perito na especialidade, ou seja, por outras palavras, que a EP092 compreendia um passo inventivo e surpreendente.

HHHH. Mediante a aplicação da abordagem problema solução adotada pelo IEP e definido o verdadeiro problema objetivo a resolver, ficou claramente demonstrado que a patente EP092 carece de atividade inventiva pois o seu objeto era evidente para o perito na especialidade face ao documento do estado da técnica mais próximo (W09638131) e do conhecimento geral comum.

IIII. Este acórdão do tribunal arbitral não foi consensual, dado que foi objeto de um voto de vencido por parte do árbitro de parte, a Exma. Sra. Dra. HH.

JJJJ. A Dra. HH discordou do acórdão quanto a decisão de improcedência da exceção de invalidada das patentes EP181 e EP092 e sua fundamentação, parcialmente quanto à resposta à matéria de facto, e quanto aos termos da procedência do primeiro e segundo pedidos da petição inicial das Demandantes.

KKKK. A Dra. HH explicou como é que identificando corretamente o problema objetivo a resolver facilmente se concluiria que a patente EP 1173181 carece de atividade inventiva pois o seu objeto era evidente para o perito na especialidade face ao documento do estado da técnica mais próximo (W097/03675) ou do conhecimento geral comum (sildenafil e Boolell et al.).

LLLL. A Dra. HH explicou como é que identificando corretamente o problema objetivo a resolver facilmente se concluiria que a EP1200092 carece de atividade inventiva pois o seu objeto era evidente para o perito na especialidade face ao documento do estado da técnica mais próximo (W09638131) e do conhecimento geral comum.

MMMM. A Sra. Dra. HH salientou também a nulidade oportunamente invocada da contradição entre os fundamentos (que concluíram que as dosagens de 10mg e 20mg não estariam incluídas no âmbito de proteção da patente EP 1173181) e a decisão do Tribunal Arbitrai que condenou as Recorrentes a absterem-se de comercializar o medicamento genérico tadalafil, em todas as suas dosagens até à caducidade da EP 1173181.

NNNN. A Sra. Dra. HH explica igualmente de forma larividente todos os erros na aplicação da lei quanto ao ónus da prova, em particular a totalmente errada interpretação do artigo 98° do Código de Propriedade Industrial.

OOOO. A Sra. Dra. HH também aludiu à errada aplicação da lei pelo Tribunal Arbitral quando este último afirma que “existe in casu um conflito lógico na posição das Demandadas, que suscitou uma dificuldade considerada não ultrapassada de "num mesmo processo se pretenderem objectivos aparentemente opostos - demonstrar a similitude de um medicamento genérico de um medicamento de referência e, no sentido oposto a não similitude do mesmo com esse medicamento de referência”.

PPPP. A Sra. Dra. HH explica que a afirmação do Tribunal arbitral é diametralmente oposta à lei aplicável, nomeadamente o artigo 19°, n.° 4 alínea a) do Estatuto do Medicamento que esclarece que "em certas condições, alternativas farmacêuticas: substâncias quimicamente diferentes, são consideradas corno uma mesma substância para fins regulamentares (.) são admitidas alternativas para as formas farmacêuticas orais de libertação imediata. Por fim, mesmo quanto à bioequivalência é aceita alguma variabilidade entre o medicamento de referência e o genérico. Porém, do que se cuida neste processo não é da correspondência entre o medicamento genérico e o medicamento de referência, mas sim da alegada correspondência de característica do medicamento genérico com as características técnicas das invenções objecto de cada uma das patentes invocadas pelas Demandantes.".

QQQQ. No voto de vencido, a Sra. Dra. HH sentiu ainda necessidade de dar uma nota quanto à razão de ciência das testemunhas que depuseram na audiência de produção de prova, explicando que especialistas em matéria de patentes são OO e NN, como formuladores farmacêuticos KK, LL e II, como clínico PP, salientando que “JJ não mostrou formação e experiência profissional compatíveis com a subsunção à figura do perito na especialidade em tecnologia farmacêutica, imprescindível para apreciação da matéria da evidência das invenções e da infracção das patentes ou com formação e experiência profissional em matéria de patentes, pelo que, afastando-me da valoração feita dos seus depoimentos, não teria valorado o seu depoimento nos moldes em que foi feito”.

RRRR. A fundamentação do voto de vencido da Sra. Dra. HH é de tal forma simples e clarividente que bastaria fazer-se uma mera remissão para o teor do mesmo para o deferimento do presente recurso de apelação.

SSSS. As doses de 10 mg e de 20mg dos medicamentos genéricos tadalafil das Recorrentes estão fora do âmbito de proteção da EP181 e a sua comercialização não podem constituir uma violação dessa patente.

TTTT. A reivindicação independente n.º 1 da EP090 protege uma formulação farmacêutica compreendendo tadalafil caracterizada por o tadalafil se apresentar sob a forma de partículas de um fármaco livre em que pelo menos 90% das partículas possuem uma dimensão inferior a 10 mícrones.

UUUU. A reivindicação independente n.º 1 da EP092 protege uma formulação farmacêutica compreendendo uma forma livre particulada de tadalafil caracterizada por o tadalafil estar sob a forma de partículas não intimamente embutidas num co-precipitado polimérico, em que pelo menos 90% das partículas tem um tamanho inferior a 40 mícrones,

VVVV. A documentação de AIM enviada ao tribunal arbitrai pelo Infarrned ficou claramente demonstrado que as especificações determinadas pelas Recorrentes ao fabricante do ingrediente ativo quanto ao tamanho de partícula d(0.9) foi de 50 a 65 mícrones.

WWWW. Estes valores de tamanho de partícula foram igualmente comprovados através do depoimento das testemunhas Dr. QQ e Dra. MM.

XXXX. Está documentalmente provado que o tamanho de partícula do tadalafil usado nos medicamentos genéricos das Recorrentes é substancialmente superior ao tamanho de partícula de tadalafil reivindicado nas patentes EP090 (10 mícrones) e EP092 (40 mícrones).

YYYY. Face às regras do ónus da prova, caberia às Recorridas provar que o composto tadalafil usado nos medicamentos das Recorrentes se apresenta sob a forma de partículas de fármaco livre em que pelo menos 90% das partículas possuem uma dimensão inferior a 10 mícrones ou de cerca de 40 mícrones, tal como consta das reivindicações das patentes EP090 e EP092.

ZZZZ. O próprio tribunal arbitrai mostra claramente que não ficou convencido que as operações de preparação dos medicamentos genéricos tadalafil das Recorrentes são susceptíveis de fazer reduzir o tamanho de partícula do tadalafil para valores de d(0.9) de 40 mícrones e mesmo para 10 mícrones.

AAAAA. Mesmo que houvesse uma redução do tamanho de partícula do tadalafil, teria que ficar demonstrado para que valores de tamanho de partícula seria reduzido esse composto, o que não foi feito.

BBBBB. Não fora a aplicação totalmente errada das regras do ónus da prova sobre a infracção de patentes, ao arrepio da jurisprudência uniforme estabelecida sobre esta matéria, o tribunal arbitrai não teria considerado que a formulação dos medicamentos genéricos tadalafil das demandadas, tal como apresentada no dossier de AlMs, e as operações de preparação desses medicamentos genéricos das demandadas podem reduzir o tamanho das partículas da substância ativa em termos de entrar na área de proteção da EP092 ou da EP090, infringindo-as se lançados no mercado antes da caducidade destas patentes.

CCCCC. A reivindicação independente n.° 8 da EP092 protege uma formulação farmacêutica compreendendo uma forma livre particulada de tadalafil caracterizada por a composição exibir determinados valores farmacocinéticos (Cmax e Tmax) medidos utilizando uma dose do composto de 10 miligramas.

DDDDD. Não foi feita qualquer prova pelas Demandantes, seja documental ou testemunhal, de que os medicamentos tadalafil das Demandadas exibem os valores farmacocinéticos (Cmax e Tmax) definidos na reivindicação 8 da EP092. O próprio tribunal arbitral não deu este facto como provado, como aliás não podia deixar de ser.

EEEEE. A conclusão a reter é a de que, ao contrário do alegado pelas Demandantes na petição inicial, os medicamentos tadalafil das Demandadas não caem dentro do âmbito de proteção das patentes EP090 e EP092.

FFFFF. Face à necessária absolvição das Recorrentes quanto aos pedidos principais sempre deverão ser igualmente absolvidas do pagamento de quaisquer custos com o processo, nomeadamente honorários e despesas dos árbitros e secretário do Tribunal Arbitrai e despesas administrativas com o processo.

Terminaram pedindo:

Termos em que deve o presente recurso de apelação ser julgado procedente, revogando-se a decisão recorrida e consequentemente:

a) Seja atribuído efeito suspensivo ao recurso e ordenada a prestação de caução pelas Recorrentes;

b) Seja declarada a nulidade do acórdão arbitral por contradição insanável entre os fundamentos e a decisão proferida;

c) Seja declarada a nulidade do acórdão arbitral por conhecimento de questões que não deveria conhecer;

d) Seja reapreciada a prova produzida e gravada e alterada a resposta à matéria factos, nos termos peticionados.

e) Seja revogada o acórdão arbitrai e substituída por outro que absolva as Recorrentes de todos os pedidos e ainda do pagamento de quaisquer custos arbitrais.”

O Tribunal da Relação conheceu dos recursos interpostos, proferindo acórdão em cujo dispositivo foi consignado: “Pelo exposto, julgamos as apelações improcedentes e, em consequência, confirmamos a decisão impugnada. Custas dos recursos pelas respectivas Apelantes.”


Inconformado com o proferido acórdão, as Demandadas/CC - PRODUTOS FARMACÊUTICOS LDA. e DD - COMÉRCIO E INDÚSTRIA DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS LDA. interpuseram revista, tendo formulado as seguintes conclusões:

“A.   O recurso teve, inicialmente, por objeto a decisão do Tribunal Arbitral quanto aos pedidos relacionados com as patentes EP181, EP090 e EP092.

B. Em 25 de outubro de 2017, as Partes declaram pretender transigir quanto às patentes EP'090 e EP'092 e a transação foi homologada, tal como é referido nas páginas 35 e seguintes do acórdão recorrido.

C. Nas páginas 46, 65 a 67 e 68 a 70 do acórdão recorrido, o Tribunal Recorrido pronunciou-se sobre matéria associada às patentes EP'090 e EP'092.

D. Tendo as partes transacionado sobre as patentes EP'090 e EP'092 e tendo renunciado aos recursos relacionados com tais patentes, o Tribunal da Relação não poderia ter-se pronunciado sobre esta matéria.

E. Em particular, a matéria sobre a qual o Tribunal se pronunciou nas páginas 68 a 70 influiu diretamente na decisão de mérito.

F. O acórdão deverá ser julgado nulo por violação do disposto no artigo 615º, n.º 1 al. d) do CPC.

G. Nas páginas 44 e 45 do acórdão recorrido o Tribunal da Relação referiu o pedido de reapreciação da matéria de facto contida no quesito C23, C24 e C25, mas recusou a reapreciação da matéria de facto.

H. As Recorrentes dedicaram as páginas 73 e 74 do seu recurso ao pedido de reapreciação da matéria de facto.

I. Quanto ao documento WO 97/03675, o Tribunal da Relação recusou apreciar o referido documento, não obstante ter aceite os factos dados como provados pelo Tribunal Arbitral em outros factos com base naquele documento.

J. As Recorrentes identificaram, de forma precisa, na página 74 a parte do depoimento da testemunha que se afigurava relevante.

K. O acórdão recorrido padece de nulidade, devendo consequentemente, ser julgado nulo por omissão, nos termos do artigo 6152 do CPC e deverá ser ordenada a baixa dos autos ao Tribunal recorrido para reapreciação da matéria de facto.

L. Nas páginas 45 e 46 do acórdão recorrido o Tribunal da Relação referiu o pedido de reapreciação da matéria de facto contida no quesito 07, que se refere a matéria objeto de transação que não deveria ter sido apreciada.

M. De qualquer modo sempre se dirá que, salvo o devido respeito, o Tribunal da Relação não apreciou tal pedido de reapreciação da matéria de facto.

N. As Recorrentes dedicaram as páginas 74 a 92 do seu recurso de apelação à prova produzida nos autos relativamente quanto à atividade do perito na especialidade.

O. Por padecer de nulidade, deverá o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação ser julgado nulo por omissão, nos termos do artigo 6152 do Cpc.

P. No caso em apreço encontram-se plenamente verificados os pressupostos gerais e excecionais de recorribilidade do acórdão recorrido.

Q. As questões que importa apreciar no presente recurso são as seguintes: i )A identificação do início e fim, da data do depoimento, páginas das transcrições da audiência de julgamento e citação da seção do depoimento da testemunha (com referência à hora, minuto e segundo do depoimento) para a reapreciação da matéria de facto é suficiente para o preenchimento dos requisitos previstos no artigo 6402, n.2 2 aI. a) do CPC de identificação da seção da gravação em que se funda o recurso de apelação; ii) Estando em causa a apreciação da violação dos direitos de propriedade industrial relativamente a medicamentos genéricos, independentemente de se tratar de um processo de fabrico de um produto novo ou não, é afastada a regra do artigo 982 do CPI e, em sua substituição, deverá ser aplicada uma inversão do ónus da prova sempre contra as empresas de genéricos (e a favor dos titulares de direitos de propriedade industrial), com fundamento no artigo 3422, n.2 2 do Código Civil

R. Sobre a suficiência de identificação da gravação, a decisão perfilhada no acórdão recorrido segue uma interpretação diametralmente oposta àquela que consta do acordão proferido em 29 de outubro de 2015 pelo Supremo Tribunal de Justiça no processo n.º 233j09.4TBVNG.Gl.Sl.

S. Quanto á interpretação do artigo 98º do CPI, a decisão perfilhada no acórdão recorrido segue uma interpretação diametralmente oposta àquela que consta do acordão proferido em 7 de outubro de 2014 pelo Tribunal da Relação de Lisboa no processo n.º 1353j13.6YRLSB-7.

T. O acórdão recorrido contradiz toda a jurisprudência do Tribunal da Relação e Supremo Tribunal de Justiça, e ainda toda a doutrina conhecida quanto à aplicação da presunção decorrente da norma especial plasmada no artigo 98º do CPI.

U. Da interpretação perfilhada no acórdão recorrido resulta que o artigo 98º do CPI nunca poderá ser interpretado a contrario, porquanto a Demandada estará sempre sujeita a uma presunção de infração da patente ... (utilizando para o efeito o artigo 342º, n.º 2 do Código Civil).

V. A interpretação do Tribunal Recorrido induz a uma total insegurança jurídica no ordenamento jurídico português, assim e por se tratar de matéria com relevância jurídica, sempre seria necessária a interpretação do Supremo Tribunal de Justiça para uma melhor interpretação do direito.

W. O objetivo do artigo 640º, n.º 2 aI. a) do CPC é facultar um acesso facilitado e eficaz aos meios probatórios invocados, permitindo à Relação sindicar a decisão fáctica da l.ª instância no exercício dos poderes de reponderação das provas.

X. O Tribunal Recorrido interpretou incorretamente o artigo 640º, n.º 2 do CPC que deverá ser interpretada de acordo com o princípio da proporcionalidade.

Y. As Recorrentes não só identificaram o depoimento como citaram o depoimento na seção relevante para aquela matéria de facto, com identificação da hora, minuto e segundo.

Z. As Recorrentes fizeram tudo quanto estava ao seu alcance para identificação da exata passagem da gravação, pelo que o Tribunal da Relação não poderia ter recusado reapreciar a prova produzida e a matéria de facto.

AA. Por ter incorrido em interpretação incorreta do artigo 640º, n.º 2, aI. b) do CPC, pelo que deve ser anulado o acórdão recorrido, com fundamento em violação da norma constante do art. 640.º, n.º 2, aI. a), do CPC, determinando-se a baixa do processo ao tribunal recorrido para que proceda à integral apreciação daquela impugnação deduzida no recurso de apelação.

BB. A regra geral em direito é que quem alega um determinado facto tem a obrigação de prova-lo (cfr. artigo 342.º, n.º 1 do CC).

CC. A presunção legal de infração das patentes de processo de fabrico de um produto novo (prevista no artigo 98ª do CPI) não tem aplicação no caso em apreço, o que é reconhecido pelo Tribunal Recorrido.

DD. O acórdão recorrido referiu que, estando em causa medicamentos genéricos deixa de ser aplicável o artigo 98º do CPI e passa a ser aplicável o disposto no artigo 342º, n.º 2 do CPC.

EE. Tal entendimento do Tribunal Recorrido colide frontalmente, como não podia deixar de ser, com a posição que tem vindo a ser pacificamente aplicada pela jurisprudência. E nem se diga que as regras do ónus da prova devem sofrer uma inflexão no âmbito de processos arbitrais.

FF. Caso se adotasse a tese surpreendente do Tribunal Recorrido, o artigo 98º do CPI, que tem natureza especial, tornar-se-ia letra morta, dado que caberia sempre ao Réu o ónus de provar a não violação da patente, qualquer que ela fosse, ou seja, haveria uma permanente inversão do ónus da prova em relação a qualquer patente.

GG. Deverá concluir-se que o Tribunal da Relação incorreu em interpretação incorreta do artigo 98º do CPI, devendo anular-se o acórdão recorrido e substituir-se por outro que conclua que o ónus da prova quanto à infração das patentes cabia às Recorridas e que não tendo sido demonstrada tal infração, as Recorrentes deverão ser absolvidas dos pedidos.”


As Recorridas/Demandante/AA e BB - PRODUTOS FARMACÊUTICOS LDA. não apresentaram contra alegações.


O recurso interposto foi distribuído como de revista excepcional tendo a Formação proferido acórdão nos termos que se enuncia:

“CC Produtos Farmacêuticos Lda. e DD - Comércio e Indústria de Produtos Farmacêuticos Lda interpõem recurso de revista excepcional do acórdão da Relação que, unanimemente e com fundamentação não essencialmente diferente, manteve o acórdão proferido na acção arbitral necessária respeitante a medicamentos que lhe moveu AA e BB Portugal - Produtos Farmacêuticos Lda., invocando o art. 672º/1 a) e c) do CPC e suscitando agora, no seguimento da transacção parcial homologada nos autos, apenas quanto a uma das patentes em causa, as questões de saber se:

1ª)- Para o preenchimento dos requisitos previstos no art. 640º/2/a) do CPC é suficiente a identificação da secção da gravação em que se funda a apelação, quanto a um depoimento testemunhal;

2ª)- Estando em causa a apreciação da violação dos direitos da propriedade industrial relativamente a medicamentos genéricos, é afastada a regra do art. 98° do CPI, com a aplicação da regra da inversão do ónus da prova contra as empresas de genéricos (e a favor dos titulares de direitos de propriedade industrial), com fundamento no art. 342°/2 do CC.

Alegam as requerentes que o acórdão recorrido está em contradição com o acórdão do STJ de 29-10-2015 (p. 233/09.4TBVNG.Gl.Sl) e com o acórdão da RL de 7-10-2014 (p. 1353/13.6YRLSB-7), quanto às 1ª e 2ª questões, respectivamente. No mais, aduzem que a interpretação do Tribunal recorrido contradiz toda a jurisprudência do Tribunal da Relação e do Supremo Tribunal, conduzindo a uma total insegurança no ordenamento jurídico português, que justifica a intervenção deste Tribunal.

Como emerge da conjugação do art. 672°/1 do CPC com o n° 3 do artigo que o precede, a verificação dos pressupostos previstos naquele preceito pressupõe que a admissibilidade da revista nos termos gerais apenas se encontre vedada pela dupla conformidade entre as decisões de ambas as instâncias. Ora, no caso, à admissibilidade da revista dita “normal” não se oporia, por si só, esse obstáculo, quanto à 1ª das questões suscitadas - a da não reponderação pela Relação de um depoimento testemunhal, em pretensa violação do art. 640° do CPC -, pelo que sempre caberia à Conferência, não a esta Formação, aferir da admissibilidade do recurso com tal fundamento. No demais, a jurisprudência deste Supremo Tribunal vem assumindo, de modo praticamente consensual, a interpretação do n° 7 do art. 3° da Lei 62/2011, de 12/12, no sentido de que, em regra, não cabe recurso para o mesmo do acórdão da Relação proferido no âmbito dos litígios emergentes de direitos de propriedade industrial relativos a medicamentos de referência e medicamentos genéricos, como é o destes autos, por se entender que foi intenção do legislador a fixação de um procedimento com um regime expedito de composição de tais litígios, de modo a garantir que, uma vez autorizada a introdução no mercado, o medicamento de uso humano possa estar acessível ao público interessado, com vantagens, nomeadamente quanto ao seu uso e custo. Contudo, concomitantemente, tem sido entendido que essa regra é mitigada com a ressalva da admissibilidade de recurso se for invocada e evidenciada alguma das situações em que - nos termos previstos no art. 629°/2 do CPC - o recurso é sempre admissível, nomeadamente a contradição de julgados (2).

Assim, podendo a invocada oposição decisória vir a ser eventualmente configurada como pressuposto de admissão da revista à luz da previsão do art. 629° n° 2 d) do CPC, deverá ser dado cumprimento ao disposto no n° 5 do art. 672° do mesmo código. Face ao exposto, não se admite a revista excepcional, procedendo-se à distribuição nos termos gerais (pela Secção competente).”


Já na pendência da impugnação judicial, as partes declararam pretender transigir parcialmente nos seguintes termos:“a) As Recorrentes/Recorridas AA, BB Portugal - Produtos Farmacêuticos Lda. desistem dos pedidos formulados na Petição Inicial, apenas e somente no que respeita às Patentes Europeias EP 1200092 e EP 1200090; b) As Recorrentes/Recorridas CC - Produtos Farmacêuticos Lda. e DD - Comércio e Indústria de Produtos Farmacêuticos Lda. prescindem da invocada exceção de nulidade das reivindicações da Patente Europeia EP 1200092, formulada na contestação e recurso de apelação;c) Os encargos e custas, no que aos referidos pedidos diz respeito, serão suportados pelas Partes, em partes iguais, prescindindo as partes de custas de parte; d) As Partes renunciam ao recurso, no que aos referidos pedidos diz respeito, prescindindo do respetivo prazo para o efeito, de modo a que a homologação ora requerida transite desde logo em julgado.”

A aludida transacção foi judicialmente homologada, tendo sido julgada extinta a instância de recurso relativamente às matérias abrangidas.


Foram dispensados os vistos.

Cumpre decidir.


II. FUNDAMENTAÇÃO


II. 1. Equacionadas as questões invocadas pelas Demandadas/CC - PRODUTOS FARMACÊUTICOS LDA. e DD - COMÉRCIO E INDÚSTRIA DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS LDA., adiante consignadas, importa o conhecimento da questão prévia atinente à admissibilidade do recurso de revista dita “normal”, conforme decorre e é sublinhado no acórdão da Formação, ao reconhecer poder a invocada oposição decisória (Alegam as Recorrentes que o acórdão recorrido está em contradição com o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Outubro de 2015 [Processo n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1] e com o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7 de Outubro de 2014 [Processo n.º 1353/13.6YRLSB-7], quanto às 1ª e 2ª questões, respectivamente, infra enunciadas) vir a ser eventualmente configurada como pressuposto de admissão da revista à luz da previsão do art.º 629° n.º 2 alínea d) do Código de Processo Civil, daí que, a Formação, mesmo não tendo admitido a revista excepcional, ordenou que se procedesse à distribuição dos presentes autos nos termos gerais.


II. 1.1 A admitir-se o recurso de revista dita “normal”, conforme decorre e é sublinhado no acórdão da Formação, as questões a resolver, recortada das alegações apresentadas pelas Demandadas/CC - PRODUTOS FARMACÊUTICOS LDA. e DD - COMÉRCIO E INDÚSTRIA DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS LDA., consistem em saber se:

(1) A interpretação adoptada no acórdão recorrido quanto ao art.º 640º do Código de Processo Civil, para não conhecer do recurso de apelação, no que respeita à impugnação da decisão de facto, por alegada inobservância das exigências de natureza formal impostas por lei, concretamente quanto aos quesitos C23 a C25, revela-se errónea, impondo-se a reapreciação pelo Tribunal recorrido, daquela concreta decisão de facto proferida pelo Tribunal arbitral, cumpridas que foram os requisitos formais exigidos à impugnação de facto, sendo suficiente a identificação da secção da gravação em que se funda a apelação, quanto a um depoimento testemunhal, conforme orientação perfilhada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Outubro de 2015 (Processo n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1), com o qual o acórdão recorrido está em contradição?

(2) Estando em causa a apreciação da violação dos direitos da propriedade industrial relativamente a medicamentos genéricos é afastada a regra do art.º 98° do Código da Propriedade Industrial, com a aplicação da regra da inversão do ónus da prova contra as empresas de genéricos (e a favor dos titulares de direitos de propriedade industrial), com fundamento no art.º 342°/2 do Código Civil, conforme orientação perfilhada no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7 de Outubro de 2014 (Processo n.º 1353/13.6YRLSB-7), com o qual o acórdão recorrido está em contradição?


II. 2. Da Matéria de Facto


Factos Provados

A. (171° PI + doc. 20)

A PRIMEIRA DEMANDANTE é titular das Patentes Europeias (PEs) n.°s 0740668 e CCP n.° 144, 0839040, 1173181, 1200090 e 1200092, das quais a SEGUNDA DEMANDANTE obteve licença de exploração, em Portugal, através da Licenciadora RR AND COMPANY, estando tais licenças de exploração devidamente averbadas no INPI (BPI N° 2014/06/25) — docs. n.°s 4 a 8, 20 e 31 juntos com a Pl.

B. (13° PI e doc. 1 PI)

A SEGUNDA DEMANDANTE é uma sociedade comercial portuguesa, que tem por objeto a indústria e comércio de perfumes, cosméticos e produtos de beleza e a importação, distribuição e venda de produtos químicos e farmacêuticos, agropecuários, produtos veterinários, produtos para a agricultura, nomeadamente, herbicidas e fungicidas — doc. 1 junto com a Pl.

C. (15° e 18° PI + doc. 2 P1)

Entre os produtos farmacêuticos das DEMANDANTES, conta-se o medicamento da marca "CIALIS", comercializado no mercado português em cuja composição figura a substância ativa denominada "TADALAFIL"— doc. 2, junto com a Pl.

D. (25° PI e doc. 9 PI)

A PRIMEIRA DEMANDADA é uma sociedade comercial que tem por objeto a importação e exportação, marketing, venda, distribuição, troca e produção, direta ou indireta, de produtos e artigos farmacêuticos (incluindo ingredientes farmacêuticos ativos) e a aquisição e exploração de patentes, marcas e outros direitos de propriedade intelectual e industrial; atividade de agência e representação de todo o tipo de sociedades do sector farmacêutico dentro e fora de Portugal - doc. 9 junto com a P1, artigo Segundo dos Estatutos.

E.(28° PI e doc. 15 PI)

A SEGUNDA DEMANDADA é uma sociedade comercial que tem por objeto o comércio e indústria de produtos farmacêuticos, cosméticos, dispositivos médicos, suplementos alimentares, produtos fitofarmacêuticos e produtos de saúde — doc. 15 junto com a PI, artigo 3° dos Estatutos.

F. (26° PI e docs. 10 a 14 PI)

A PRIMEIRA DEMANDADA requereu, em 16 de dezembro de 2013, junto do 1NFARMED — Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I.P., as Autorizações de Introdução no Mercado (AIMs) nacional do medicamento contendo a substância ativa TADALAFIL, as quais foram publicadas pelo mesmo Instituto, em 14 de março de 2014 — docs. 10 a 14, juntos com a Petição Inicial e que se dão por reproduzidos.

G.(27° PI, não impugnado)

As dosagens e as formas farmacêuticas dos pedidos de medicamentos genéricos são exatamente as mesmas do medicamento de referência CIALIS (Pelo acórdão saneador de 4.05.2015 (fls. 920/933) ficou confinada a discussão apenas a este medicamento. Porém, em Audiência Final — ata de 18.04.2016 — o TA permitiu o alargamento da discussão ao medicamento ADCIRCA nas condições aí referidas).

H. (29° PI e docs. 16 a 19 PI)

Por seu turno, a SEGUNDA DEMANDADA requereu, em 16 de dezembro de 2013, junto do mencionado INFARMED, as AIMs para Portugal do medicamento contendo a substância ativa TADALAFIL, AIMs essas que foram publicadas pelo mesmo Instituto em 14 de Março de 2014 — docs. 16 a 19, juntos com a Petição Inicial e que se dão por reproduzidos.

I. (30°P1, não impugnado)

As dosagens e as formas farmacêuticas são exatamente as mesmas do medicamento de referência CIALIS.

J. (docs. 4 a 8 PI)

A titular das AIMs do produto farmacêutico CIALIS, de 12.11.2012 e 1.10.2008, é a sociedade ELY LILLY NEDERLAND, B. V., - docs. 4 a 7, juntos com a Pl.

K. (174° PI, não impugnado)

As DEMANDADAS requereram AIMS. para medicamentos genéricos compostos pela substância ativa "TADALAFIL", propondo-se lançar no mercado português os referidos medicamentos.

L. (175° PI, não impugnado)

O medicamento de referência dos genéricos contendo "TADALAFIL" das DEMANDADAS é o CIALIS, medicamento composto pela substância ativa "TADALAFIL", com a forma farmacêutica de comprimido revestido por película, que se encontra autorizado para comercialização nas dosagens correspondentes às AIMs requeridas pelas DEMANDADAS, ou seja, 2,5mg, 5mg, 10mg, e 20mg.

M. (185° PI, não impugnado)

As DEMANDADAS não solicitaram nem obtiveram autorização das DEMANDANTES para, por qualquer forma, explorar a invenção constante das patentes portuguesas n. °s 0740668, 0839040, 1173181, 1200090 e 1200092.

PATENTE PORTUGUESA N.° 0740668

N. (doc. 20 PI)

A Patente Portuguesa n.° 0740668 - a patente básica do "TADALAFIL" - - resulta da validação em Portugal da PE 0740668, da titularidade da PRIMEIRA DEMANDANTE, AA, e tem como epígrafe "DERIVADOS TETRACICLICOS, PROCESSO DE PREPARAÇÃO E UTILIZAÇÃO"— doc. 20 junto com a Pl.

O. (doc. 20 PI)

O pedido da PP 0740668 foi feito em 19.01.1995 (reivindicando a prioridade da patente GB 9401090, de 21.01.1994), tendo sido concedida em 29.07.998 e validada em Portugal em 30.07.1998, e mantendo-se vigente até 19.01.2015 — citado doc, n.° 20 junto com a Pl.

P. (docs. 22 e 23 PI)

Vigência aquela que foi continuada pelo CCP n.°144, e que se prolongará até ao dia 12 de novembro de 2017, com a referência (95) Prod. (medicamento CIALIS) e com a substância ativa TADALAFIL — docs. 22 e 23 juntos com a PI.

Q. (doc. 20 e 41° PI)

A Patente Portuguesa n.° 0740668 é constituída por 16 (dezasseis) reivindicações, referentes a compostos de fórmula geral (1), seus sais e solvatos (1.8) e/ou de fórmula (Ia), seus sais e solvatos (2.6 a 7.8), a isómeros cis de fórmula geral (lb), suas misturas enantioméricas cis, incluindo misturas racémicas, e seus sais e solvatos (8.6), a vários compostos e seus sais e solvatos (9.8 e 10.8), a compostos de acordo com as reivindicações 1 a 10 para utilização no tratamento das várias patologias (11.0), à utilização de um composto de acordo com as reivindicações 1 a 10 no fabrico de um medicamento para utilização no tratamento de várias patologias (12.8), a composições farmacêuticas contendo um composto de acordo com as reivindicações 1 a 10 (13.8), ao processo para a preparação de uma composição farmacêutica contendo um composto de acordo com as reivindicações 1 a 10 (14.8), a processos, (A), (B), (C), para a preparação de um composto de fórmula geral (1) (15.8) e a compostos de fórmulas gerais (II), (III), (V), (VI), (VII), (VIII) e (X) (16.8) - como descrito no doc. 20 junto com a Pl.

R. (doc. 20 PI)

Compostos e utilização de compostos que, nos termos das reivindicações n.°s 10 e 11, se utilizam no tratamento, designadamente, de doenças cardiovasculares, bronquite, asma, glaucoma, e outras — doc. 20 junto com a Pl.

PATENTE PORTUGUESA N.° 0839040

S. (78° PI + doc. 24)

A PRIMEIRA DEMANDANTE, AA, é titular da Patente Portuguesa n.° 0839040, a qual resulta da validação em Portugal da PE 0839040, e é referente à "UTILIZAÇÃO DE INIBIDORES DA CGMP - FOSFODIESTERASE PARA TRATAR A IMPOTÊNCIA"— doc 24 junto com a PI que se dá por reproduzido.

T. (79° e 80° PI + doc.24)

A PP n.° 0839040 foi pedida em 11.07.1996 (reivindicando a prioridade da patente GB 9.514.464, de 14.07.1995), tendo sido concedida em 31.05.2006 e validada em Portugal em 31.07.2006, encontrando-se pagas as anuidades até 11.07.2015, sendo a data limite de vigência o dia 11.07.2016 - doc. 24, junto com a Pl.

U. (doc. 24 e 81° a 83° PI)

A PP n.° 0839040 é constituída por sete reivindicações, referentes à utilização de um composto de fórmula (I), e seus sais e solvatos, para o fabrico de um medicamento para o tratamento curativo ou profilático da disfunção eréctil num animal masculino, incluindo o homem (1.8); à utilização de uma composição farmacêutica compreendendo um composto de fórmula (I), seus sais e solvatos, em conjunto com um diluente ou veículo farmaceuticamente aceitáveis para o fabrico de um medicamento para o tratamento curativo ou profilático da disfunção eréctil num animal masculino, incluindo o homem (2.8); à utilização de um composto selecionado de entre os compostos elencados e seus sais e solvatos fisiologicamente aceitáveis para o fabrico de um medicamento para o tratamento curativo ou profilático da disfunção eréctil num animal masculino, incluindo o homem (3.8); à utilização de uma composição farmacêutica compreendendo um composto selecionado de entre os compostos elencados e seus sais e solvatos fisiologicamente aceitáveis em conjunto com um diluente ou veículo farmaceuticamente aceitáveis para o fabrico de um medicamento para o tratamento curativo ou profilático da disfunção eréctil num animal masculino, incluindo o homem (4.6); e a outras utilizações (5.8 a 7.8) - como descrito no doc. 24 junto com a Pl.

V. (90° + doc. n. ° 24 PI)

A reivindicação 5 é dependente de qualquer das reivindicações 1 a 4 e explicita que o medicamento é para administração oral.

W. (91° + doc. n.° 24 PI)

A reivindicação 6 é dependente de qualquer das reivindicações 1 a 5 e explicita que o medicamento é para administração simultânea, separada ou sequencial com outro agente terapeuticamente ativo.

X. (92° + doc. n. ° 24 PI)

A reivindicação 7 é dependente de qualquer das Reivindicações 1 a 5 e explicita que o medicamento está em combinação com outro agente terapeuticamente ativo.

PATENTE PORTUGUESA N.° 1173181

Y. (94° em conjugação com o doc. 25 PI)

APRIMEIRA DEMANDANTE, AA, é titular da Patente Portuguesa n.° 1173181, com a epígrafe "COMPOSIÇÃO COMPREENDENDO OS INIBIDORES DA FOSFODIESTERASE PARA TRATAR DISFUNÇÕES SEXUAIS"— doc. 25 junto com a P1, que se dá por reproduzido.

Z. (95° e 96° em conjugação com o doc. 25 PI, 19°, 20°, 21° CONT.)

A PP n.° 1173181 foi pedida em 26.04.2000 (reivindicando a prioridade da patente US 132036 P, de 30.04.1999), com base no pedido de patente internacional WO 00/066099, tendo sido concedida em 15.10. 2003 e validada em Portugal em 31.12.2003, encontrando-se em vigor — pagas as anuidades até 26.04.2015-, tendo como limite de vigência a data de 26.04.2020 — doc. 25 junto com a Pl.

A1. (doc. 25 e 98° PI)

A PP n.° 1173181 tinha 24 (vinte e quatro) reivindicações, referentes a uma composição farmacêutica numa dose unitária, compreendendo 1 a 20 mg de um composto de fórmula estrutural representada em que a forma da referida dose unitária é apropriada para administração oral até a uma dose total máxima de 20 mg por dia (1.8); a uma forma de dosagem de acordo com a reivindicação 1 em que a forma de dosagem unitária compreende: 2 a 20 mg do composto (2.8); 5 a 20 mg do composto (3.8); a uma forma de dosagem de acordo com a reivindicação 2 em que a forma de dosagem unitária compreende 2,5 mg do composto (4.8); a uma forma de dosagem de acordo com a reivindicação 3 em que: - a forma de dosagem unitária compreende 5 mg do composto (5.8) ou 10 mg do composto (6.8), - a dose unitária está sob uma forma que se seleciona entre um líquido, um comprimido, uma cápsula ou uma cápsula de gelatina (7.8) ou está sob uma forma de um comprimido (8.a), - é para ser utilizada no tratamento de uma condição em que é desejável a inibição de EFD5 (9.°); a uma forma de dosagem de acordo com a reivindicação 9, em que a condição é uma disfunção sexual (10.8); a uma forma de dosagem de acordo com a reivindicação 10, em que a disfunção sexual é uma disfunção eréctil masculina ( 1 1 . a), um distúrbio da estimulação feminina (12.8); à utilização de uma dose unitária, contendo 1 a 20 mg de um composto de fórmula estrutural representada aplicada na produção de um medicamento para administração até uma dose máxima total de 20 mg do composto por dia, num método de tratamento da disfunção sexual num paciente que dela necessita (13.8); à utilização de acordo com a reivindicação 13 em que o medicamento é para administração com uma ou mais doses unitárias contendo 1 a 20 mg do composto, até a uma dose total máxima de 20 mg do composto por dia (14.8); à utilização de acordo com uma qualquer das reivindicações 13 ou 14, em que a dose unitária contém 2 a 20 mg (15.8), 5 a 20 mg (16.8), 2,5 mg (17.8), 5 mg (18.8), 10 mg (19.8), do composto; à utilização de acordo com a reivindicação 13, em que a dose unitária contém 10 mg do composto e é para administração uma vez por dia (20,a); à utilização de acordo com qualquer das reivindicações 13 a 20, em que a dose unitária: - está sob uma forma que se seleciona entre um líquido, um comprimido, uma cápsula ou uma cápsula de gelatina (21.6), - está sob uma forma de um comprimido (22. a); à utilização de acordo com uma qualquer das reivindicações 13 a 22, em que a disfunção sexual é a disfunção eréctil masculina (23.6) ou um distúrbio de estimulação feminina (24.6)— como descrito no doc. 25 citado.

A2.   (32° CONT; doc. 25 P1)

A 'Descrição pormenorizada da invenção define vários conceitos, nomeadamente o IC50, a 'forma de dosagem oral' e 'fármaco livre' (cfr. págs. 7 e 8).

A3. (124° PI + Doc. 26, 7° e 56° RESP + Docs. 4 e 5)

Em 14.02.2014 foi requerido o procedimento de limitação central da PE 1173181 — doc. 26 PI — e em 25.03.2015 o EPO publicou no European Patent Bulletin (2015/13) a decisão de limitação, conjuntamente com uma cópia da patente EP'181 limitada — docs. 4 e 5 juntos RESP.

A4. (8° RESP)

Em 20.04.2015, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial publicou no seu website um aviso da limitação da EP'181.

A5. (40° RESP + doc. 6)

A reivindicação 1 da patente limitada tem a seguinte redação:

"Uma composição farmacêutica de dosagem unitária5 compreendendo 1 a 5 mg de um composto tendo a fórmula estrutural:

Sendo a referida forma de dosagem unitária adequada para administração oral, até uma dose total máxima de 5 mg por dia".

A6. (11° e 12° RESP + doc. 6.)

As reivindicações 2 e 3, são dependentes da reivindicação 1 e explicitam que a forma de dosagem unitária contém 2,5 mg e 5 mg de TADALAFIL, respetivamente.

A7. (13° RESP. + doc. 6)

A reivindicação 4 é dependente de qualquer uma das reivindicações 1 a 3 e explicita que a dose unitária está na forma de líquido, comprimido, cápsula ou cápsula de gelatina.

A8. (14° RESP + doc. 6)

A reivindicação 5 é dependente de qualquer uma das reivindicações 1 a 3 e explicita que a dose unitária está na forma de comprimido.

A9. (16° RESP+ doc. 6)

A reivindicação 7 é dependente da Reivindicação 6 e explicita que a patologia é uma disfunção sexual.

A10. (17° RESP+ doc. 6)

A reivindicação 8 dependente da Reivindicação 7 e explicita que a disfunção sexual é a disfunção erétil masculina.

A11. (18° RESP+ doc.6)

A reivindicação 9 é dependente da Reivindicação 7 e explicita que a disfunção sexual é a disfunção da excitação sexual feminina.

A12. (24° RESP+ doc. 6)

A reivindicação 15 é dependente de qualquer uma das reivindicações 10 a 13 e explicita que a dose unitária está na forma de um comprimido.

A13. (25° RESP+ doc. 6)

A reivindicação 16 é dependente de qualquer uma das reivindicações 10 a 15 e explicita que a disfunção sexual é a disjunção erétil masculina.

A14. (26° RESP+ doc. 6)

A reivindicação 17 é dependente de qualquer uma das reivindicações 10 a 15 e explicita que a disfunção sexual é a disfunção da excitação sexual feminina.

A15. (93° CONT + doc. 2 P1; 79° RESP)

No Resumo das Características do Medicamento (RCM) do produto "CIALIS" no ponto 4.3, "Contraindicações", a coadministração do CIALIS a pacientes que estão a utilizar qualquer forma de nitrato orgânico está contraindicada.

A16. (94° CONT.+ doc..4)

De acordo com o ponto 4.5 do RCM do produto "CIALIS" "Efeitos do Tadalafil com outros medicamentos", provou-se que o Tadalafil (5 mg, 10 mg e 20 mg) aumentava os efeitos hipotensores dos nitratos.

PATENTE PORTUGUESA N.° 1200090

A17. (133° PI + doc. 29)

A PRIMEIRA DEMANDANTE é titular da Patente Portuguesa n.° 1200090, a qual tem como epígrafe "FORMULAÇÃO FARMACÊUTICA À BASE DE UM BETA-CARBOLINA E SEU USO PARA TRATAR A DISFUNÇÃO SEXUAL".

A18. (134° PI + doc. 29)

A Patente Portuguesa n.° 1200090 foi pedida em 26.04.2000 (reivindicando a prioridade da US 146 924 P de 3.08.1999), tendo sido concedida em 11.09.2013 e validada em Portugal em 18.11.2013, até 26.04.2015 (foi paga a 158. Anuidade), tendo como data limite de vigência o dia 26.04.2020 - Doc. 29, que se dá por reproduzido.

A19. (137° PI + doc. 29)

A PP n.° 1200090 apresenta 29 (vinte e nove) reivindicações, referentes a formulação farmacêutica (1 a 17), comprimido contendo a referida formulação (18 a 23), cápsula contendo a referida formulação (24), formulação farmacêutica para tratamento da disfunção sexual (25 e 26) e utilização da referida formulação no fabrico de um medicamento para o tratamento disfunção sexual (27 a 29).

A20. (204° CONT; doc. 29 PI)

A reivindicação 1 da EP1200090 possui a seguinte redação:

"Uma formulação farmacêutica que compreende um composto ativo cuja fórmula estrutural é (I)


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sendo que o referido composto se apresenta sob a forma de partículas de um fármaco livre em que pelo menos 90% das partículas possuem uma dimensão inferior a 10 mícrones; um diluente solúvel em água; um lubrificante: um líquido (No documento da patente "um ligante") hidrófilo selecionado entre um grupo constituído por um derivado de celulose, povidona e uma mistura dos mesmos; e um desintegrante selecionado entre um grupo constituído por croscarmelose de sódio, crospovidona e uma mistura dos mesmos. em que fármaco livre se refere a partículas sólidas não intimamente incorporados num co precipitado polimérico;

na qual a formulação não é um comprimido contendo 10 mg de composto (1)


IngredienteQuantidade (mg)
Granulado
Composto (1) (Lote 1, d90 de 4)10,00
Monohidrato de lactose153,80
Monobidrato de lactose (pulverizado)25,00
Hidroxipropilcelulose (El    kxtra fina)4,00
Croscarmelose de sódio9,00
Hidroxipropilcelulose (Ef)1,75
Lauril sulfato de sódio0,70
Pós exteriores
Celulose microcnstalina (Granular -102)37,50
Croscarmelose de sódio7,00
Estereato dc magnésio (Vegeta»1,25
Total
250


7 No documento da patente 'estearato"

e na qual a formulação não é um comprimido contendo 5 mg de composto (1)

IngredienteQuantidade (mg)
Granulado
Composto (1) (Lote 1, d90 de 4)5,00
Nlonohidraro de lactose109,66
Nionollidraro de lactose (pulverizado)17,50
I-Iidroxipropilcelulosc2,80
Croscarmelose de sódio6,30
Hiclroxipropilcelulose (E.F)1,22
Lauril sulfato de sadio0,49
Pós exteriores
Celulose microcristalina (Granular -102)26,25
Croscarmelose de sódio4,90
Estereato" de magnésio (Vegetal)0,88
Total175

8. No documento de patente "estearato"


PATENTE PORTUGUESA N.° 1200092

A21. (149° P1 + doc. 30)

A PRIMEIRA DEMANDANTE é titular da Patente Portuguesa n.° 1200092 que tem como epígrafe "FÁRMACOS DE BETA-CARBOLINA".

A22. (150°, 151° PI + doc. 30; 104° a 108° CONT.)

A PP n.° 1200092 foi pedida em 1.08.2000 (reivindicando prioridade da patente US 147048 P, de 3.08.1999), tendo sido concedida em 21.04.2004 e validada em Portugal em 1.06.2004, encontrando-se em vigor (foi paga a 15°. anuidade) até 1.08.2015, tendo como limite de vigência o dia 1.08.2020 - Doc. 30, que se dá por reproduzido.

A23. (doc. 30 e 153° P1)

A PP n.° 1200092 apresenta 19 reivindicações, referentes a uma forma de fármaco livre, em partículas, de um composto de fórmula representada e dos seus sais e solvatos, aceitáveis sob o ponto de vista farmacêutico (1.8 a 4.8); a uma composição farmacêutica compreendendo a referida forma de fármaco livre, em partículas (5.8 a 7.8); a uma outra composição farmacêutica (8.8 e 9.8); ao processo de fabrico de uma forma de fármaco livre, em partículas (10.° e 11.8); à forma de fármaco livre em partículas para se utilizar num método de tratamento (12.8); à utilização das partículas de um fármaco livre sob a forma de partículas ou de uma sua composição farmacêutica para o fabrico de um medicamento para o tratamento da disfunção sexual (13.8 a 15.8); à utilização de uma outra composição farmacêutica para o fabrico de um medicamento para o tratamento da disfunção sexual (16.8 a 188); e à utilização em que o medicamento é formulado para administração oral até a uma dose máxima diária de 20 mg por dia (19.8) — como descrito no doc. 30 junto com a Pl.

A24. (Doc. 30 PI)

A reivindicação independente n.° 1 desta EP'092 possui a seguinte redação: Forma de fármaco livre, em partículas, de um composto com a fórmula


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e dos seus sais e solvatos, aceitáveis do ponto de vista farmacêutico, caracterizada pelo facto de o composto estar presente sob a forma de partículas sólidas não intimamente embebidas num co precipitado polimérico, em que pelo menos 90% das partículas têm uma dimensão de partícula inferior a cerca de 40 mIcrones — doc. 30 junto Pl.

A25. (155° PI + doc. 30 junto)

As reivindicações 2 a 4 são dependentes da reivindicação 1 e especificam a dimensão das partículas — inferiores a 25, 15 e 10 mícrones.

A26. (156° PI + doc. 30 junto; 130° CONT.)

A reivindicação 5 diz respeito a uma composição farmacêutica compreendendo a forma livre particulada do fármaco "TADALAFIL", tal como descrita na reivindicação 1 e um ou mais veículos, diluentes ou excipientes farmaceuticamente aceitáveis.

A27. (157° PI + doc. 30)

As reivindicações 6 e 7 são dependentes da reivindicação 5, e especificam melhor as características da composição.

A28. (doc. 30 junto +158° PI e 131° CONT.)

A reivindicação 8 diz respeito a uma composição farmacêutica compreendendo uma forma de fármaco livre de um composto de fórmula representada, e os seus sais e solvatos aceitáveis sob o ponto de vi sta farmacêutico, em que o composto está presente, sob a forma de partículas sólidas não intimamente embebidas num co precipitado polimérico; e um ou mais veículos, diluentes ou excipientes aceitáveis sob o ponto de vista farmacêutico, em que a composição exibe um Cmax de 180 a 280 microgramas/litro ou uma ASC (0-24) de 2.280 a 3.560 microgramas hora/litro, medidas utilizando uma dose do composto de 10 miligramas.

A29. (159° PI + doc. 30)

A reivindicação 9 é dependente da reivindicação 8, e especifica melhor as características farmacocinéticas da composição.

A30. (160° PI + doc. 30 junto; 132° CONT.)

A reivindicação 10 diz respeito ao processo de fabrico de uma forma do fármaco "TADALAFIL" livre, em partículas, tal como descrita na reivindicação 1, em dois passos, sendo o primeiro a obtenção de um sólido do composto e o segundo a sua moagem até que pelo menos 90 % das partículas tenham dimensão da partícula desejada.

A31. (161° PI + doc. 30)

A reivindicação 11 é dependente da reivindicação 10 e inclui o passo adicional de mistura com um ou mais veículos, diluentes ou excipientes farmaceuticamente aceitáveis.

A32. (162° P1 + doc. 30 junto; 133° CONT.)

A reivindicação 12 diz respeito à forma do fármaco livre em partículas de acordo com qualquer uma das reivindicações 1 a 4 e explicita que a referida forma de "TADALAFIL" é para utilizar num método de tratamento.

A33. (163° PI + doc. 30 junto; 134° CONT)

A reivindicação 13 diz respeito à utilização de forma livre particulada do fármaco "TADALAFIL", tal como descrita em qualquer uma das reivindicações 1 a 4 ou duma composição farmacêutica, tal como descrita em qualquer uma das reivindicações 5 a 7, no fabrico de um medicamento para o tratamento da disfunção sexual.

A34. (164° PI + doc. 30)

A reivindicação 14 é dependente da reivindicação 13 e explicita que a disfunção sexual é a disfunção eréctil masculina.


A35. (165° PI + doc. 30)

A reivindicação 15 é dependente da reivindicação 13 e explicita que a disfunção sexual é distúrbios da estimulação sexual feminina.

A36. (166° PI + doc. 30)

A reivindicação 16 diz respeito à utilização de uma composição farmacêutica, tal como descrita em qualquer uma das reivindicações 8 ou 9, no fabrico de um medicamento para o tratamento de disfunção sexual.

A37. (167° PI + doc. 30)

A reivindicação 17 é dependente da reivindicação 16 e explicita que a disfunção sexual é a disfunção eréctil masculina.

A38. (168° PI + doc. 30)

A reivindicação 18 é dependente da reivindicação 16 e explicita que a disfunção sexual é distúrbios da estimulação sexual feminina.

A39. (169° PI + doc. 30)

A reivindicação 19 é dependente de qualquer uma das reivindicações 13 a 18, e explicita que o medicamento é formulado para administração oral até à dose máxima diária de 20 mg por dia.

A40. (111° e 139° CONT + doc. 6; 99° RESP)

A patente EP'092 faz referência ao documento WO 96/38131, que corresponde à patente norte americana US 5985326, e que revela ser o Tadalafil pouco hidrossolúvel - doc. 6 CONT..

A41. (140° CONT. + doc. 6)

No documento WO 96/38131, o problema da fraca hidrossolubilidade dos fármacos resulta numa fraca biodisponibilidade dos fármacos (página 1, linhas 20-21) e, como tal, espera-se que o aumento da dissolução de fármacos pouco hidrossolúveis melhore a biodisponibilidade dos fármacos (página 1, linhas 15-18) — doc. 7 CONT..

A42. (141° + 112° CONT + doc. 6; 116° RESP)

O documento WO 96/38131 revela que o problema da fraca hidrossolubilidade e, consequentemente, da baixa biodisponibilidade do Tadalafil pode ser resolvido com a co precipitação do Tadalafil com um excipiente adequado, tal como o ftalato de hidroxipropilmetilcelulose — doc. 6 CONT...

 A43. (117° RESP + WO 96/38131)

Resulta da leitura de WO 96/38131 que a co precipitação é uma abordagem reconhecida para aumentar a dissolução de fármacos pouco solúveis em água e que as técnicas de co precipitação utilizam solventes orgânicos para dissolver e assim dispersar intimamente o fármaco e moléculas transportadoras (v. página 1, linhas 15-16 e página 2, linhas 24-25) — doc. 6 CONT..

A44. (157° CONT + doc. 7)

No documento H. C Ansel et al., Pharmaceutical Dosage Forms and Drug Delivery Systems, 6th Edition, 1995, in the chapter "Dosage Form Design: Biopharmaceutic Considerations", é ensinado, na página 63, sob o item intitulado "Surface Área" o seguinte (tradução livre):

"Quando uma partícula de um fármaco é reduzida para um grande número de partículas mais pequenas, a área de superfície total criada é aumentada. Nos fármacos que são fracamente ou pouco solúveis, geralmente resulta num aumento da velocidade de dissolução. A solubilidade do fármaco puro permanece a mesma."[..]

Para alcançar uma maior área de superfície, os fabricantes farmacêuticos usam frequentemente pós micronizados sob a forma de produtos de dosagem sólida. Os pós micronizados consistem em partículas de fármaco reduzidas em tamanho para cerca de 6 micrones e menores."- doc. 7 CONT..

A45. (158° CONT. + doc. 8)

No documento de H. A. Lieberman et al., "Pharmaceutical Dosage Forms", Tablets, volume 1, second edition, 1989, é referido, nas páginas 22 e 23, que a velocidade de dissolução aumenta com a diminuição do tamanho da partícula — doc. 8 CONT..

A46. (159° CONT+ doc. 8)

Na página 23, primeiro parágrafo, do mesmo documento n.° 8, é referido o seguinte (tradução livre):

"Quando a dissolução é considerada lenta, pode procurar-se um meio de melhorá-la. Na ausência de uma forma de fármaco química ou física mais solúvel, a redução do tamanho de partícula é a prática mais comummente utilizada."

DA MATÉRIA CONTROVERTIDA

A1. (33° PI) O "TADALAFIL" é o nome genérico (DCI - Denominação Comum Internacional), utilizado em Farmácia, do composto cujo nome químico é (6R,12aR)-6-(43-Benzodioxo1-5-0-2,3,6,7,12,12a-hexa-hidro-2-metilpirazino [I, 2':1, 61 pirido [3,4-lindole-1,4-diona, também conhecido alternativamente por (6R,12aR)-2,3,6,7,12,12a-hexa-hidro-2-metil-613,4 - (metilenodioxi) fenilipirazino [1,'2':1,6]-pirido[3,4-Windole-1,4-diona, de fórmula:


_Pic106



A2. (35° PI) No que respeita à sua indicação terapêutica, o "TADALAFIL" é um inibidor da enzima fosfodiesterase e é utilizado no tratamento da disfunção erétil masculina e da hipertensão arterial pulmonar, correspondendo à primeira finalidade terapêutica o medicamento de referência CIALIS e à segunda o medicamento ADCIRCA.

B1.   A PP n.° 0839040 caducou em 11/07/2016.

B2.   (178° PI) Os medicamentos contendo a substância ativa "TADALAFIL" das DEMANDADAS, compreendem as características técnicas definidas nas reivindicações da PP n.° 1173181 (versão originária), com exceção das reivindicações 12 e 24, tendo agora em conta a versão limitada, atualizada ab initio na dosagem unitária de 1 a 5 mg, apropriada para administração oral, sendo a dose total máxima de 5 mg/dia.

B3. (181° PI) Caso se verifique que na composição dos medicamentos das DEMANDADAS o "TADALAFIL" se apresenta sob a forma de partículas em que pelo menos 90% das partículas tem um tamanho inferior a 10 mícrones, juntamente com outros componentes devidamente identificados na reivindicação 1, com exclusão das duas formulações especificamente referidas na mesma reivindicação da PP n.° 1200090, tais medicamentos contendo a substância ativa "TADALAFIL" das DEMANDADAS, compreenderão as características técnicas definidas nas reivindicações da referida patente, com exceção da reivindicação 24.

B4. No contexto descrito, os medicamentos das DEMANDADAS podem apresentar-se sob a forma de partículas em que pelo menos 90% dessas partículas possua um tamanho inferior a 40 mícrones.

C1. Tendo a versão originária da PP 1173181 sido submetida a um pedido de limitação central, o qual obteve deferimento do EPO, as alterações atingiram, de modo essencial, apenas as dosagens.

C2. O Sildenafil, um inibidor da PDE5, o único ao tempo da apresentação disponível no mercado sob a marca Viagra®, em que 50 mg era a dose recomendada, destinado a utilização consoante necessário antes da atividade sexual, produzia significativos efeitos secundários adversos, tais como o rubor facial, perturbações na visão e hipertensão, mais significativamente em indivíduos que usam nitratos orgânicos.

C3. O estado da técnica à data da prioridade da PE 1173181 era o que resultava de: 1). Boolell et al., "Sildenafil: an orally active type 5 cyclic GMP-specific phosphodiesterase inhibitor for the treatment of penis erection dysfunction", International Joumal of Impotence Research (1996) 8, 47-52, Resumo, de que as DEMANDADAS juntaram cópia como doc. 2; 2) WO 97/03675 — corresponde à EP 0839040 dos autos -, que descreve inibidores potentes e seletivos da fosfodiesterase específica da guanosina 3',5'-monofosfato cíclico ("PDE específica do cGMP", "PDE V" ou "PDE5") no tratamento da impotência; 3) Patente US 5.859.006 — que corresponde à EP 0740668 dos autos —descreve uma classe de derivados tetracíclicos que são potentes inibidores da PDE5 específica do cGMP com 1nM<IC50<10 pm e na qual são reportadas formas de dosagem unitária com 0.2 a 400 mg do composto ativo (cfr. págs. 3 e 4) - doc. 6 RESP.

C4. Tal como descrito na Patente 1173181, descobriu-se que o TADALAFIL pode ser administrado numa dosagem unitária que proporciona um tratamento eficaz sem os efeitos secundários associados ao inibidor da PDE5, então comercializado, o sildenafil.

C5. A partir de exemplos constantes da PE 1173181 (versão originária) constatou-se que uma dosagem unitária compreendendo TADALAFIL, de 1 mg a 20 mg, tratava de modo eficaz a disfunção eréctil e minimizava a ocorrência de efeitos secundários, nomeadamente perturbações na visão e rubor facial, sendo a coadministração com nitratos descrita como sendo possível.

C6. Experiências detalhadas e ensaios clínicos — Exemplo 7 da Patente 1173181 - ilustram que doses inferiores a 25 mg apresentam uma eficácia surpreendentemente boa com efeitos secundários mínimos, e que é ainda mais percetível para doses de 2 mg e 5 mg, em que os efeitos secundários observados são comparáveis ao placebo.

C8 e C9. O documento WO 97/03675 e os medicamentos já conhecidos contendo Sildenafil, além de indiciadores do estado da técnica, poderiam ser considerados ou estudados, sendo aliás aquele mencionado nos antecedentes da EP 1173181.

C10 e C11. Respostas suprimidas pela presente decisão.

C12. A identificação da 1050 é um processo habitual para avaliar a relação entre a dose e o efeito terapêutico nos pacientes.

C13. A identificação dos limites de segurança e eficácia de um ingrediente ativo não pode ser considerada uma inovação.

C14. É habitual que os estudos que envolvem enzimas (e.g. PDE5 e outras) mostrem um efeito de concentração máxima, acima do qual o efeito não altera (conhecido por efeito de saturação).

C16. O TADALAFIL é mais potente que o Sildenafil, sendo por isso necessária uma dose mais reduzida para o mesmo efeito terapêutico.

C18. e C19. Os valores da IC50 devem ser utilizados como uma simples indicação de potência do Sildenafil e do TADALAFIL.

C20. O Sildenafil e o TADALAFIL são estruturalmente distintos, podendo ser absorvidos, distribuídos e eliminados no organismo muito diferentemente.

C22. O objeto da patente limitada é mais estreito na forma de dosagem unitária de 1 a 5 mg, até uma dose total máxima de 5 mg por dia do que a gama da patente originária concedida na forma de dosagem unitária de 1 a 20 mg, até uma dose total máxima de 20 mg por dia.

D1. Esta patente quis resolver os problemas da baixa hidrossolubilidade do TADALAFIL, aumentando a sua dissolução; conseguir maior biodisponibilidade mediante composições que demonstrem obter uma rápida concentração máxima no sangue do inibidor da PDE5 (Fosfodiesterase tipo 5) TADALAFIL.

D2. O estado da técnica era o que resultava de: WO 96/38131; da equação centenária de Noyes-Whitney; de H C Ansel et alii, 1995; de H A Lieberman et alii, 1989; de Remington, The Science and Practice, 1995; Journal of Pharmaceutical Sciences, 1991; de Aulton — Pharmaceutics The Science of Dosage Form Design, 1987, tal como mencionados nos Factos Assentes A44. a A46., e nos (infra) seguintes.

D2.1. ((128° RESP + doc. 14) - Uma forma de dispersão sólida (co precipitado) proporciona moléculas de fármaco e transportador que estão intimamente dispersas, proporcionando assim partículas de fármaco de um tamanho que não pode ser conseguido através de moagem corrente ou até de técnicas de micronização (ver Remington: The Science and Practice of Pharmacy, 1995, página 596):"Outra técnica que também produz partículas extremamente pequenas... é por dispersão do fármaco num transportador solúvel como uma solução de polivinilpirrolidona (PVP). Estas técnicas são normalmente utilizadas para aumentar a velocidade de dissolução de fármacos insolúveis",

D2.2. (129° RESP + doc. 15) As formas de dispersão sólida (co precipitado) proporcionam um tamanho das partículas que não é obtenível na prática utilizando a micronização como se realça adicionalmente em H. A. Lieberman et aí. "Pharmaceutical Dosage Forms", Tablets, Volume 1, 1989 na página 5: "Os materiais muito finos são difíceis de manusear [5]; mas muitas dificuldades podem ser superadas por criação de uma solução sólida de um material de interesse num transportador, como um polímero solúvel em água. Isto representa o máximo em redução de tamanho, uma vez que numa solução (sólida), o material dispersado de interesse existe como moléculas discretas ou feixes moleculares aglomerados de dimensões realmente muito pequenas".

D2.3. (136° RESP + doc. 15) - Uma forma micronizada com uma solubilidade e biodisponibilidade inferiores em relação a uma forma de dispersão sólida está descrita em H. A. Lieberman et al. "Pharmaceutical Dosage Forms", Tablets, Volume 1, 1989 nas páginas 17-18: "A griseofulvina é um antibiótico antifúngico em polletileno glicol neutro, insolúvel em água. As dispersões e soluções sólidas de griseofulvina em PEG 4000, 6000 e 20000 dissolvem-se significativamente mais rapidamente do que o fármaco micronizado humedecido. No caso de PEG 4000 e 20000, este tratamento proporcionou soluções sobressaturadas (23]. Estudos subsequentes com a dispersão em PEG 6000 mostraram que, em seres humanos, o fármaco disperso era disponível mais do que o dobro que comprimidos disponíveis comercialmente contendo o fármaco micronizado".

D2.4. (138° RESP + doc. 16) - Uma biodisponibilidade inferior para uma forma micronizada em relação a uma dispersão sólida está apresentada no Journal of Pharmaceutical Sciences/713 Vol. 80, No. 7, July 1991 (página 713): “Em conclusão, observou-se que a biodisponibilidade humana da dispersão sólida de um fármaco fracamente solúvel em água num veículo tensoactivo num regime de jejum é superior à de uma formulação em comprimido embora o fármaco micronizado e um agente molhante fossem utilizados no comprimido”.

D2.5. (142° RESP + doc. 15) - Exemplos destas questões técnicas estão realçadas em H. A. Lieberman et al. “Pharmaceutical Dosage Forms”, Tabiets, Volume 1, 1989 na página 6: “A redução do tamanho das partículas a uma dimensão excessivamente pequena frequentemente leva a agregação e a um aumento aparente da hidrofobia, eventualmente baixando a velocidade de dissolução e tornando o manuseamento mais problemático. Quando os materiais são moídos, devem ser monitorizados não só quanto a alterações do tamanho das partículas e área de superfície, mas também quanto a transformações polimórficas ou químicas inadvertidas”.

D2.6. (143° RESP + doc. 17) - A questão da agregação e do seu impacto potencial na velocidade de dissolução e biodisponibilidade é uma preocupação particular para compostos que são fracamente solúveis e hidrófobos como o TADALAFIL (v. Aulton - Pharmaceutics: The Science of Dosage Form Design, 1987, página 156): “No caso de um fármaco hidrófobo, fracamente solúvel, cuja absorção está limitada pela velocidade de dissolução, uma redução extensa do tamanho das partículas pode aumentar a tendência das partículas para se agregarem nos fluidos gastrointestinais aquosos com uma consequente redução da área de superfície eficaz, da velocidade de dissolução e portanto da biodisponibilidade”.

D3. O estado da técnica mais relevante à data do pedido que serviu de base à reivindicação de prioridade no pedido desta PE provinha da Patente WO 96/38131, logo mencionada no parágrafo 0005, dos antecedentes da PP 1200092.

D4. A diferença mais relevante entre a invenção reivindicada e o estado da técnica, consistia na utilização do fármaco na forma livre, como método alternativo para reduzir as partículas e aumentar a velocidade de dissolução do Tadalafil.

D5. A redução do tamanho de partículas como uma estratégia para melhorar a biodisponibilidade de muitos fármacos era uma abordagem geral.

D6. Nos exemplos da P'092 são indicados ensaios de dissolução in vitro para partículas com o tamanho de D90 = 4 pm/ 22 pm/ 55 pm/ 65 pm/ 73 pm e 116 pm e, in vivo, para D90 = 8,4 pm/ 20 ou 30 pm e 52 pm, não havendo ensaios para o tamanho específico de D90 = 40 pm.

D8. A GLAXO fez um investimento significativo em tempo e recursos, no desenvolvimento de uma formulação apropriada para o TADALAFIL.

D. 9. Constitui a afirmação de H. A. Lieberman et al.,conforme D2.3, que, no fármaco Griseofulvina, um composto que tem fraca solubilidade em água, preparado numa forma de co precipitado e comparado com o mesmo fármaco em forma micronizada, verifica-se que tanto para a dissolução como para a biodisponibilidade a forma micronizada do fármaco era inferior à forma de co precipitado.

D10. O perito na especialidade esperaria que um fármaco praticamente insolúvel e hidrófobo, como o TADALAFIL, arriscasse problemas de agregação e de molhagem.

D13. O TADALAFIL na forma de fármaco livre da PP 1200092 fica disponível mais rapidamente no plasma do que a forma de co precipitado do WO'131, proporcionando um efeito terapêutico mais rápido ao doente,

El. (22° PI) - O medicamento "CIALIS" constitui um dos principais produtos farmacêuticos da PRIMEIRA DEMANDANTE a nível nacional.

E2. (23° e 191° PI) - Em Portugal, o volume de vendas dos medicamentos "CIALIS" atingiu, desde o ano de 2011 até ao mês de Setembro de 2014, €44.937.881, com os seguintes valores?

2011
2012
2013
2014 ''J. I'D
@ Setembro)
CIALIS
11.170.826 C
11.607.549 C
12,738.205 C
9.421,301



E7. (200° a 203°P1) - A atuação das DEMANDADAS tem obrigado as DEMANDANTES a incorrer nas despesas normais para este tipo de ações e situações.

E9. (234° CONT) As DEMANDADAS não estão a comercializar esse medicamento no mercado português nem sabem quando o poderão fazer.


II. 3. Do Direito


O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das Recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme prevenido no direito adjectivo civil - artºs. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil.


II. 3.1.O conhecimento das questões a resolver, recortadas das alegações apresentadas pelas Recorrentes/Demandadas/CC - PRODUTOS FARMACÊUTICOS LDA. e DD - COMÉRCIO E INDÚSTRIA DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS LDA., têm, necessariamente, como pressuposto a admissibilidade do interposto recurso de revista, importando, assim, o conhecimento da questão prévia, atinente à respectiva admissibilidade.

Questão prévia

A previsão expressa dos tribunais de recurso na Lei Fundamental, leva-nos a reconhecer estar vedado ao legislador suprimir, sem mais, em todo e qualquer caso, a prerrogativa ao recurso, admitindo-se, todavia, que o mesmo estabeleça regras/normas sobre a existência dos recursos e a recorribilidade das decisões.

A este propósito o Tribunal Constitucional sustenta que “Na verdade, este Tribunal tem entendido, e continua a entender, com A. Ribeiro Mendes (Direito Processual Civil, III - Recursos, AAFDL, Lisboa, 1982, p. 126), que, impondo a Constituição uma hierarquia dos tribunais judiciais (com o Supremo Tribunal de Justiça no topo, sem prejuízo da competência própria do Tribunal Constitucional - artigo 210º), terá de admitir-se que “o legislador ordinário não poderá suprimir em bloco os tribunais de recurso e os próprios recursos” (cfr., a este propósito, Acórdãos nº 31/87, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 9, pág. 463, e nº 340/90, id., vol. 17, pág. 349). Como a Lei Fundamental prevê expressamente os tribunais de recurso, pode concluir-se que o legislador está impedido de eliminar pura e simplesmente a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, ou de a inviabilizar na prática. Já não está, porém, impedido de regular, com larga margem de liberdade, a existência dos recursos e a recorribilidade das decisões (…)”. (Acórdão n.º 159/2019 de 13 de Março de 2019).

Assim, a lei processual civil estabelece regras quanto à admissibilidade e formalidades próprias de cada recurso, reconhecendo-se que a admissibilidade dum recurso depende do preenchimento cumulativo de três requisitos fundamentais, quais sejam, a legitimidade de quem recorre, ser a decisão proferida recorrível e ser o recurso interposto dentro do prazo legalmente estabelecido para o efeito.

No caso que nos ocupa está reconhecida a tempestividade e legitimidade das Recorrentes/Demandadas/CC - PRODUTOS FARMACÊUTICOS LDA. e DD - COMÉRCIO E INDÚSTRIA DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS LDA., uma vez que a interposição do recurso obedeceu ao prazo legalmente estabelecido, e a decisão de que recorrem lhes foi desfavorável, encontrando-se, pois, a dissensão quanto a ser a decisão proferida recorrível.

A este propósito há que convocar, desde logo, as regras recursivas adjectivas civis, tendo em consideração que o Tribunal recorrido escrutinou uma acção arbitral (CC - Produtos Farmacêuticos Lda. e DD - Comércio e Indústria de Produtos Farmacêuticos Lda. foram demandadas em acção arbitral necessária respeitante a medicamentos que lhe moveu AA e BB Portugal - Produtos Farmacêuticos Lda.), instaurada ao abrigo da Lei n.º 62/2011 de 12 de Dezembro, que instituiu um regime de composição extrajudicial dos litígios emergentes de direitos de propriedade industrial em que estejam em causa medicamentos de referência e genéricos, constituindo, pois, um meio alternativo de resolução de litígios, com regime particular, sem deixar de anotar que os tribunais arbitrais são uma espécie de tribunais (art.º 209º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa) que, embora com menos exigências, atenta a natureza informal e prática do processo arbitral, não diferem do regime da lei adjectiva civil para a sentença judicial.

Destaca-se, na consignada Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, no que respeita às regras recursivas adjectivas civis, um regime específico, no qual a impugnação das decisões, pela via do recurso, é muita limitada, estabelecendo o respectivo art.º 3º n.º 7 “Da decisão arbitral cabe recurso para o Tribunal da Relação competente, com efeito meramente devolutivo”, ou até mesmo inexistente, como no caso da decisão arbitral ter julgado segundo a equidade ou mediante composição amigável, donde, importará interpretar o sentido do aludido normativo que respeita ao regime recursivo, interiorizando que na interpretação das leis, o julgador não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada, não podendo ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, presumindo que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados - art.º 9º nºs. 1, 2 e 3 do Código Civil - .

Com vista à exegese do consignado normativo que nos permitirá uma ajustada aplicação ao caso dos autos, interessando saber qual o sentido da norma ao estabelecer que da decisão arbitral cabe recurso para o Tribunal da Relação competente, temos por avisado, sublinhamos, que na interpretação não nos atenhamos somente à letra da lei, importando reconstituir o pensamento legislativo tendo em conta que também intervêm elementos lógicos, de ordem sistemática, histórica e racional ou teleológica.

Impõe-se, assim, cotejar, desde logo, a exposição de motivos da proposta de Lei 13/XII, aprovada em Conselho de Ministros e que deu origem à Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro (Sobre o recurso a esta fonte, na interpretação dos textos legais, v. José de Oliveira Ascensão, in, O Direito, Introdução e Teoria Geral, 13ª edição refundida, Almedina, páginas 408 e 409.), sendo de sublinhar que o mencionado preceito (art.º 3º n.º 7 da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro) reproduziu ipsis verbis a redacção do n.º 7 do art.º 3º da Proposta de Lei n.º 13/XII, conquanto as apreensões manifestadas, quer pelo Conselho Superior do Ministério Público, quer pela Associação Portuguesa de Arbitragem, no âmbito da impugnação judicial da decisão arbitral.

Consignou-se, na exposição de motivos da proposta de Lei 13/XII, aprovada em Conselho de Ministros e que deu origem à Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro que se confere aos litigantes “o direito a uma instância de recurso (…)”, o que, de resto, vai no sentido da preocupação em contrariar, com a entrada em vigor da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, as constatadas demoras e constrições no ingresso de medicamentos genéricos no mercado, com repercussões, não só financeiras, mas também no acumular de processos judiciais em que, com base na invocação de direitos de propriedade industrial a favor de outrem, se debatia a concessão da autorização de introdução no mercado desses medicamentos.

Tudo visto, cremos ser de meridiana clareza a conclusão de que a Lei n.º 62/2011 de 12 de Dezembro que determina a submissão dos litígios em que se discuta a existência, ou não, de violação dos direitos de propriedade industrial à apreciação de um tribunal arbitral necessário, mostra que a possibilidade de solicitar a reapreciação da decisão arbitral aos tribunais estaduais se limita ao recurso perante a Relação, criando, assim, também neste particular, um regime processual arquitectado para ser provido de brevidade.

Neste sentido, conforme se sustenta no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Maio de 2017 (Processo n.º 17/15.0YRLSB.S1), desta 7ª Secção, que, de resto, seguimos de perto, “Também a dimensão sistemática da interpretação parece apontar no sentido que preconizamos, na medida em que os preceitos que resolvem a questão da recorribilidade das decisões da Relação em matéria de propriedade industrial e, paralelamente, no domínio da arbitragem voluntária não vão no sentido da irrestrita irrecorribilidade das mesmas para o Supremo Tribunal e Justiça.


Com efeito, o n.º 3 do artigo 46.º do Código da Propriedade Industrial – em cujo regime substantivo se buscaria, em parte, a solução para o caso em apreço – prevê que “Do acórdão do Tribunal da Relação não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, sem prejuízo dos casos em que este é sempre admissível”, fixando, assim, a Relação como normal tecto recursório para o recurso, de plena jurisdição, previsto no artigo 39º desse Código, tendo por objecto a impugnação das decisões que concedam ou recusem direitos de propriedade industrial. Por outro lado, a alínea g) do n.º 1 do artigo 59º da Lei da Arbitragem Voluntária (Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro), define como tribunal judicial competente para conhecer das específicas questões ou decisões arbitrais aí referidas, relativas a litígios pertencentes à respectiva jurisdição, a Relação em cujo distrito se situe o lugar da arbitragem, atribuindo-lhe “o grosso das questões e decisões que devem ser sujeitas (em 1ª ou 2ª instância) aos tribunais judiciais”, e o n.º 8 do mesmo preceito que estatui sobre o recurso dessas decisões salvaguarda, na parte final, sempre “que tal recurso seja admissível, segundo as normas aplicáveis à recorribilidade das decisões em causa”. Atenta a quase contemporaneidade deste último diploma, não se descortina sequer necessidade de interpretação actualista do n.º 7 do artigo 3º da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, que limita o recurso à Relação e logicamente exclui o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, interpretação que temos por mais acertada e conforme à celeridade que o legislador quis, de caso pensado, imprimir a esse regime”, também neste sentido, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Maio de 2014 (Processo n.º 402/13.2YRLSB.S1); de 16 de Setembro de 2014 (Processo n.º 183/14.2YRLSB.L1.S1); de 26 de Março de 2015 (Processo n.º 1203/13.3YRLSB.S1); de 14 de Abril de 2015 (Processo n.º 512/14.9YRLSB-B.S1); e de 2 de Fevereiro de 2017 (Processo n.º 393/15.5YRLSB.S1).

Por outro lado, também a Doutrina sufraga o consignado entendimento Jurisprudencial, no sentido da irrecorribilidade, nos termos gerais, para o Supremo Tribunal de Justiça, com vista ao conhecimento da impugnação judicial da decisão arbitral, estando em causa litigio que opõe o titular de direitos de propriedade industrial relacionados com medicamentos de referência e os requerentes de autorização de introdução no mercado de medicamentos genéricos, cuja demanda seja instaurada ao abrigo da Lei n.º 62/2011 de 12 de Dezembro, neste sentido, Dário Moura Vicente , in, O Regime Especial de Resolução de Conflitos em Matéria de Patentes (Lei N.º 62/2011), R.O.A., ano 72, volume III, páginas 974, 976; Sofia Ribeiro Mendes, in, O Novo Regime da Arbitragem Necessária de Litígios Relativos a Medicamentos de Referência e Genéricos (Alguns Problemas), Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, volume II, página 1028; Pedro Caridade Freitas, in, Medicamentos genéricos e tutela dos direitos de propriedade intelectual - Estudos de Direito de Propriedade Intelectual em Homenagem ao Prof. Doutor José de Oliveira Ascensão 50 anos de vida académica, Almedina, pág. 1030.

Arredada que está a admissibilidade de recurso de revista pelas Recorrentes/Demandadas/CC - PRODUTOS FARMACÊUTICOS LDA. e DD - COMÉRCIO E INDÚSTRIA DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS LDA., perspectivada como revista normal, ao abrigo do n.º 7 do art.º 3º da Lei 62/11 de 12 de Dezembro, nos termos enunciados, impõe-se saber se, em todo o caso, este regime recursório, significará que só é admissível recurso até à Relação, estando absolutamente excluída a possibilidade de aceder ao Supremo Tribunal de Justiça, ou, ao invés, tal norma deverá ser interpretada como consagrando apenas que o órgão jurisdicional competente para exercer o duplo grau de jurisdição sobre as decisões arbitrais é a Relação, cabendo do acórdão por esta proferido as possibilidades impugnatórias existentes na lei de processo, isto é, importa saber se esta regra de irrecorribilidade é excepcionada, se invocada alguma das situações estatuídas no art.º 629º, n.º 2, alíneas a), b), c) e d), do Código de Processo Civil, (entendidas como situações excepcionais permissivas da revista “atípica”, cujo objectivo é garantir que não fiquem sem possibilidade de resolução pelo mais Alto Tribunal, concretas e determinadas situações), condizentes a situações em que esteja em causa violação das regras de competência absoluta, ofensa de caso julgado, decisão respeitante ao valor da causa, com o fundamento de que o mesmo excede a alçada do tribunal recorrido, decisão proferida contra a jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça e contradição de julgados.

A Jurisprudência e a Doutrina, conquanto entendam, como acabamos de consignar, inexistir razões para que se deva permitir o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça a todas as demandas em que se julguem causas relacionadas com medicamentos genéricos e com a invocação de direitos de propriedade industrial respeitantes a medicamentos de referência, salvaguardando, as especificidades de um processo que se quer célere na definição da respectiva situação, importando irrecorribilidade, nos termos gerais, do acórdão da Relação, reconhece, todavia, que a regra da irrecorribilidade, é excepcionada se invocada alguma das situações, julgadas excepcionais (art.º 629º, n.º 2, alíneas a), b), c) e d), do Código de Processo Civil), cujo objectivo é garantir que não fiquem sem possibilidade de resolução pelo Supremo Tribunal de Justiça, e, nesta medida, permissivas da revista “atípica”, neste sentido (todos acessíveis em www.dgsi.pt), Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Março de 2018 (Processo n.º 1503/16.0YRLSB.S1); de 2 de Fevereiro de 2017 (Processo n.º 393/15.5YRLSB.S1); de 2 de Fevereiro de 2017 (Processo n.º 17/15.0YRLSB.S1); e de 23 de Junho 2016 (Processo n.º 1248/14.6YRLSB.S1).

Para sustentar que a regra da inadmissibilidade de recurso de revista, perspectivada como revista normal, ao abrigo do n.º 7 do art.º 3º da Lei 62/11 de 12 de Dezembro, é excepcionada quando invocada alguma das situações, julgadas excepcionais (art.º 629º, n.º 2, alíneas a), b), c) e d), do Código de Processo Civil), acompanhamos de perto, o já citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Junho de 2016 (Processo n.º 1248/14.6YRLSB.S1), cujas judiciosas afirmações, a este propósito, transcrevemos “Ora, não parece que - fora do âmbito específico das decisões provisórias e cautelares - se deva interpretar rigidamente a norma constante do citado nº 7 do art. 3º como consagrando uma exclusão absoluta da possibilidade de acesso ao STJ, relativamente aos acórdãos da Relação que se pronunciem sobre decisões tomadas pelo tribunal arbitral necessário; desde logo, a letra do preceito não revela tal intuito absolutamente excludente e restritivo: na verdade, não se diz na norma que das decisões arbitrais só cabe recurso até à Relação, mas que tais decisões são impugnáveis perante a Relação competente - sendo a norma silente acerca das possibilidades impugnatórias eventualmente existentes quanto ao acórdão que a Relação venha a proferir.

É certo que é subsidiariamente aplicável em sede de arbitragem necessária o regime vigente quanto à arbitragem voluntária: tal decorre do art. 1085º do CPC e é especificamente estatuído na própria Lei 62/11, ao estabelecer-se (nº 8 do art. 3º) que vale aqui subsidiariamente o regime geral da arbitragem voluntária.

Ora, se é certo que na LAV as possibilidades de impugnação das decisões arbitrais para o tribunal estadual estão fortemente comprimidas, dependendo de expresso acordo das partes na própria convenção (art. 39º, nº4), afigura-se, todavia, que este regime excludente da recorribilidade tem de ser apreciado com particulares cautelas quando passamos para o domínio da arbitragem necessária.

Desde logo, não pode perder-se de vista que – mesmo na arbitragem voluntária – é necessário distinguir entre a impugnação da decisão arbitral e a impugnabilidade da decisão que – sendo possível o recurso da decisão arbitral para o tribunal estadual – por este venha a ser proferida sobre o litígio: é que a norma constante do nº 8 do art. 59º da LAV estabelece que salvo quando na presente lei se preceitue que a decisão do tribunal estadual competente é insusceptível de recurso, das decisões proferidas pelos tribunais referidos nos números anteriores deste artigo, de acordo com o que neles se dispõe, cabe recurso para o tribunal ou tribunais hierarquicamente superiores, sempre que tal recurso seja admissível segundo as normas aplicáveis à recorribilidade das decisões em causa.

Ou seja: é necessário distinguir claramente os planos da admissibilidade de recurso da própria decisão arbitral (efectivamente restringida de modo muito intenso na LAV) e da possibilidade de recurso da decisão que o tribunal estadual competente - a Relação - vier a tomar sobre o decidido pelo tribunal arbitral, vigorando, neste caso, as possibilidades recursórias normalmente previstas na lei de processo: e, deste modo, as decisões proferidas pelos tribunais estaduais sobre decisões arbitrais terão os recursos previstos normalmente na lei de processo, salvo se tal recorribilidade se mostrar expressamente afastada.”

Na Doutrina, acompanhando este entendimento, e em anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Junho de 2016 (Processo n.º 1248/14.6YRLSB.S1), Luís Couto Gonçalves, in, Cadernos de Direito Privado, página 56.

Revertendo ao caso sub iudice, reconhecendo a inadmissibilidade de recurso de revista, perspectivada como revista normal, ao abrigo do n.º 7 do art.º 3º da Lei 62/11 de 12 de Dezembro, acolhemos, no entanto, a interposição de recurso de revista normal, ainda que na sua modalidade vulgarmente designada por “atípica” ou “extraordinária”, condizente, para o que ao caso interessa, à alínea d) do art.º 629º, n.º 2, do Código de Processo Civil que estatui “n.º 2 Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso: d) Do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme”, impondo-se, no entanto, e previamente, reconhecer da arrogada contradição de julgados.

Tudo visto, reconhecida a inadmissibilidade de recurso de revista, perspectivada como revista normal (n.º 7 do art.º 3º da Lei 62/11 de 12 de Dezembro), admitindo-se, porém, a interposição de recurso de revista normal na sua modalidade vulgarmente designada por “atípica” ou “extraordinária” (art.º 629º n.º 2 do Código de Processo Civil), impõe-se, previamente, saber se o objecto da presente revista encerra contradição de julgados, e, na afirmativa, conhecer da(s) questão(ões) colocada(s) nesta revista, ou seja, saber se o acórdão recorrido está em contradição com o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Outubro de 2015 (Processo n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1), porquanto, ao conhecer da impugnação da decisão de facto, assumiu orientação interpretativa contraditória do art.º 640º n.º 2 alínea a) do Código de Processo Civil, julgando insuficiente a identificação da secção da gravação em que se funda a impugnação da decisão de facto, quanto a um depoimento testemunhal, rejeitando a reapreciação da decisão de facto que versou sobre os quesitos C23 a C25, outrossim, saber se o acórdão recorrido está em contradição com o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7 de Outubro de 2014 (Processo n.º 1353/13.6YRLSB-7), ao deixar de considerar que estando em causa a apreciação da violação dos direitos da propriedade industrial relativamente a medicamentos genéricos, é afastada a regra do art.º 98° do Código da Propriedade Industrial, com a aplicação da regra da inversão do ónus da prova contra as empresas de genéricos (e a favor dos titulares de direitos de propriedade industrial), com fundamento no art.º 342° n.º 2 do Código Civil.

II. 3.1.1 A interpretação adoptada no acórdão recorrido quanto ao art.º 640º do Código de Processo Civil, para não conhecer do recurso de apelação, no que respeita à impugnação da decisão de facto, por alegada inobservância das exigências de natureza formal impostas por lei, concretamente quanto aos quesitos C23 a C25, revela-se errónea, impondo-se a reapreciação pelo Tribunal recorrido, daquela concreta decisão de facto proferida pelo Tribunal arbitral, cumpridas que foram os requisitos formais exigidos à impugnação de facto, sendo suficiente a identificação da secção da gravação em que se funda a apelação, quanto a um depoimento testemunhal, conforme orientação perfilhada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Outubro de 2015 (Processo n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1), com o qual o acórdão recorrido está em contradição? (1)

Como já adiantamos, admitindo-se a interposição de recurso de revista normal na sua modalidade vulgarmente designada por “atípica” ou “extraordinária”, importa antes mesmo de conhecermos da questão enunciada acerca da não reponderação da decisão de facto pelo Tribunal recorrido, quanto aos quesitos C23 a C25, reconhecer, ou não, a verificação da contradição de julgados, pois, somente na afirmação de que a factualidade juridicamente relevante do acórdão fundamento, é, para o que aqui releva, estruturalmente a mesma do acórdão recorrido, a par de que a questão jurídica debatida nos dois acórdãos é a mesma, tendo-se perfilhado enquadramento jurídico diverso, admitindo-se, em conformidade a interposta revista normal na sua modalidade vulgarmente designada por “atípica” ou “extraordinária”, é que determina o conhecimento da questão enunciada neste item II. 3.1.1.

Vejamos.

Estatui o art.º 629º n.º 2 d) do Código de Processo Civil, ao prevenir sobre as decisões que admitem recurso “Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso: d) Do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme”.

Resulta do consignado dispositivo adjectivo civil, como primeiro pressuposto substancial de admissibilidade deste recurso, a existência de uma contradição decisória entre dois acórdãos proferidos, pela mesma ou diferente Relação, bem como, e por maioria de razão, pelo Supremo Tribunal de Justiça, como tem sido entendimento consolidado na Doutrina e Jurisprudência, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário, por motivo estranho à alçada do tribunal, sendo que a enunciada contradição dos julgados, não implica que os mesmos se revelem frontalmente opostos, mas antes que as soluções aí adoptadas, sejam diferentes entre si, ou seja, que não sejam as mesmas, neste sentido, Pinto Furtado, in, Recursos em Processo Civil (de acordo com o Código de Processo Civil de 2013), Quid Juris, página 141, importando, assim, que as decisões, e não os respectivos fundamentos, sejam atinentes à mesma questão de direito e que haja sido objecto de tratamento e decisão, quer no acórdão recorrido, quer no acórdão fundamento, sendo em todo o caso, que essa oposição seja afirmada e não subentendida, ou puramente implícita.

Outrossim, é necessário que a questão de direito apreciada se revele decisiva para as soluções perfilhadas num e noutro acórdão, desconsiderando-se argumentos ou razões que não encerrem uma relevância determinante.

Por outro lado, exige-se, ao reconhecimento da contradição de julgados, a identidade substancial do núcleo essencial das situações de facto que suportam a aplicação, necessariamente diversa, dos mesmos normativos legais ou institutos jurídicos, sendo que as soluções em confronto, necessariamente divergentes, têm que ser encontradas no “domínio da mesma legislação”, de acordo com a terminologia legal, ou seja, exige-se que se verifique a “identidade de disposição legal, ainda que de diplomas diferentes, e, desde que, com a mudança de diploma, a disposição não tenha sofrido, com a sua integração no novo sistema, um alcance diferente, do que antes tinha”, neste sentido Pinto Furtado, ob. cit., página 142.

Por fim, resulta do consignado art.º 629º n.º 2 alínea d) do Código de Processo Civil para que o recurso seja admissível, independentemente do valor da causa e da sucumbência, e na reconhecida contradição de acórdãos, que não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, o que no caso presente se verifica, como já fomos adiantando, sustentando-se a regra da inadmissibilidade de recurso de revista, perspectivada como revista normal, ao abrigo do n.º 7 do art.º 3º da Lei 62/11 de 12 de Dezembro, importando distinguir claramente os planos da admissibilidade de recurso da própria decisão arbitral (efectivamente restringida de modo muito intenso na LAV) e da possibilidade de recurso da decisão que o tribunal estadual competente - a Relação - vier a tomar sobre o decidido pelo tribunal arbitral, vigorando, neste caso, as possibilidades recursórias normalmente previstas na lei de processo, e, deste modo, as decisões proferidas pelos tribunais estaduais sobre decisões arbitrais terão os recursos previstos normalmente na lei de processo, salvo se tal recorribilidade se mostrar expressamente afastada, daí a apreciação da verificação, ou não, da contradição de julgados, sendo que a afirmativa determina a admissibilidade do recurso de revista normal, ainda que na sua modalidade vulgarmente designada por “atípica” ou “extraordinária”.

Revertendo ao caso sub iudice, como resulta do segmento das alegações de recurso, a divergência assinalada pelasRecorrentes/Demandadas/CC - PRODUTOS FARMACÊUTICOS LDA. e DD - COMÉRCIO E INDÚSTRIA DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS LDA., recai sobre a questão atinente à interpretação adoptada, no acórdão recorrido quanto ao art.º 640º do Código de Processo Civil para não conhecer do recurso de apelação, no que respeita à impugnação da decisão de facto, por alegada inobservância das exigências de natureza formal impostas por lei, concretamente quanto aos quesitos C23 a C25, sendo insuficiente a identificação da secção da gravação em que se funda a apelação, quanto a um depoimento testemunhal que contradiz o que, num quadro fáctico semelhante, nos seus essenciais elementos, e a propósito desta mesma questão, foi decidido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Outubro de 2015 (Processo n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1).

Perante o quadro fáctico acima exposto, o acórdão recorrido, no segmento que importa destacar, afirmou o seguinte: “Também os quesitos C23 a C25 estariam mal julgados, na tese das Recorrentes. Tais perguntas foram consideradas não provadas. Era o seguinte o seu conteúdo:

C23. As reivindicações dependentes n.°s 2 a 6 e n.°s 14 a 20 da PP 1173181 apenas restringem adicionalmente a quantidade de Tadalafil?

C24. As reivindicações dependentes n.°s 7, 8, 21 e 22 especificam a forma de dosagem unitária e as reivindicações dependentes n.°s 9 a 12 e n.°s 23 a 24 especificam a indicação médica a ser tratada?

C25. Estas características (C23 e C24.) são todas elas conhecidas do documento WO 97/03675 (página 5, linha 5, e página 4, linhas 17-28)?

A este propósito, as Recorrentes refeririam que o “Tribunal arbitral não apresentou qualquer fundamento para ter concluído pela falta de prova destes factos, pelo que torna-se impossível apreciar o exercício crítico do Tribunal arbitral”. E têm razão. O órgão arbitrai não fundamentou as suas respostas negativas não dando, assim, cumprimento ao disposto no n.° 4 do art. 607.° do Código de Processo Civil.

As Recorrentes não arguiram nulidade neste âmbito.

Não estamos perante situação subsumível ao disposto na al. d) do n.° 2 do art. 662.° do Código de Processo Civil já que o órgão arbitrai não fixou, sem explicação ou fundamentação, facto essencial para o julgamento da causa em termos que tornassem incompreensível a razão de decidir.

Antes nos encontramos face a mera omissão de justificação de respostas negativas atingíveis mediante acesso directo aos elementos instrutórios disponíveis e fora de um contexto de essencialidade, atento o acervo global de factos perguntados e o mais que se decidirá infra.

A omissão de arguição de nulidade pelas partes bem revela a sua noção da falta de essencialidade da questão fáctica para os efeitos visados pelo legislador e da ausência de inserção das respostas negativas omitidas no quadro dos interesses protegidos pelo preceito, sendo que, como se referiu, não estamos perante reconhecimento da materialidade de um facto de forma não justificada.

Neste contexto, atentaria contra os interesses processuais de celeridade, eficácia e tempestiva e justa composição de litígio num momento que é de eventual tempo final de eficácia de patentes, a mera anulação da decisão para inscrever algumas frases referindo que não se provou porque não se fez prova.

Não é possível operar o conhecimento oficioso da eventual nulidade no âmbito do estabelecido no art. 196.° do mesmo encadeado normativo.

Por assim ser, conhece-se da impugnação relativa ao sentido das respostas nos termos que se lança de seguida.

As Recorrentes fazem menção no recurso (e o último quesito também a faz) a um documento (“WO 97/03675”). O que se encontra nos autos neste domínio é uma mera fotocópia de documento de proveniência não devidamente definida, difusa noção da sua eficácia demonstrativa e relativamente ao qual não se divisa o cumprimento do disposto no n.° 1 do art. 134.° do Código de Processo Civil, quer mediante requerimento quer oficiosamente pelo órgão arbitral.

Quanto ao depoimento de NN, invocado, as Recorrentes não deram cumprimento ao disposto na ai. a) do n.° 2 do art. 640.° do Código que se acabou de invocar ao omitirem a indicação exacta «das passagens da gravação em que se funda o seu recurso» limitando-se a remeter este Tribunal — como se não lhes competisse fazer essa definição prévia, fina e rigorosa — para um extenso e não discriminado conjunto de páginas de transcrição (depoimentos de «pág. 3 a 58»). Não se vislumbra a pretendida demonstração e muito menos a prova adjectivada de «indubitável», dos factos acima referenciados.Não procede também esta parte do recurso.”

Do enquadramento jurídico plasmado, resulta, inequivocamente, que para haver lugar à reponderação da decisão de facto pela Relação importa, estando em causa a gravação da prova, a indicação exacta “das passagens da gravação em que se funda o seu recurso” sendo que limitando-se as recorrentes a remeter para a Relação, como se não lhes competisse fazer essa definição prévia, fina e rigorosa, para um extenso e não discriminado conjunto de páginas de transcrição (depoimentos de “pág. 3 a 58”), importa a rejeição liminar do conhecimento da impugnação da decisão de facto.

Vejamos agora os termos em que se julgou no acórdão fundamento, sem deixar de aludir ao quadro factual em que se move aquele aresto.

“O objecto da presente revista está, pois circunscrito à questão da legalidade da interpretação normativa que a Relação fez acerca do seu poder dever de reapreciação da prova gravada, em função do entendimento exigente seguido quanto ao conteúdo - e ao efeito irremediavelmente preclusivo - do ónus imposto ao recorrente pela al. a) do nº2 do art. 640º do CPC, cabendo-lhe indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sob cominação de imediata rejeição do recurso, nessa parte.

(…) Ora, se é certo que – relativamente ao cumprimento de tais ónus, primário e secundário - não se permite a formulação de um sistemático convite ao aperfeiçoamento de eventuais deficiências, não poderá deixar de ser avaliada diferentemente a falha da parte consoante ocorra num ou noutro âmbito: como é óbvio, a ausência de objecto delimitado e de fundamentação minimamente concludente da impugnação deduzida deverá ditar, de forma inevitável e em termos proporcionais, a liminar rejeição do recurso quanto à matéria de facto.

Pelo contrário, o incumprimento do referido ónus secundário, tendente apenas a facilitar a localização dos depoimentos relevantes no suporte técnico que contem a gravação da audiência, deverá ser avaliado com muito maior cautela: é que, por um lado, o conceito usado pela lei de processo (exacta indicação das passagens da gravação) é, até certo ponto, equívoco, pressupondo a necessidade de distinguir entre a (insuficiente) mera indicação e a indicação exacta das passagens relevantes dos depoimentos gravados; por outro lado, por força do princípio da proporcionalidade, não parece justificável a imediata e liminar rejeição do recurso quando – apesar de a indicação do recorrente não ser, porventura, totalmente exacta e precisa - não exista dificuldade relevante na localização pelo Tribunal dos excertos da gravação em que a parte se haja fundado (como ocorrerá normalmente nos casos, como o dos autos, em que tal indicação do recorrente das passagens da gravação, é complementada com uma extensa transcrição, em escrito dactilografado, dos depoimentos relevantes para o julgamento do objecto do recurso).”

E, sobre a questão decidenda que aqui importa, foi consignado, com utilidade, no aresto fundamento.

“Ora, da leitura das alegações e respectivas conclusões, atrás transcritas, apresentadas no recurso de apelação resulta claramente que o recorrente identificou os pontos de facto que considera mal julgados, por referência aos quesitos da base instrutória, indicou os depoimentos das testemunhas que entende terem sido mal valorados, bem como qual deveria ter sido o resultado probatório, relativamente a cada quesito e a cada meio de prova, se tais meios probatórios tivessem sido devidamente valorados .

No que respeita ao ónus secundário de indicação exacta das passagens da gravação em que funda a impugnação, forneceu a indicação da sessão na qual foram prestados e do início e termo dos depoimentos, conforme o estabelecido em acta, discutindo o seu sentido e valoração ao longo da alegação apresentada, e apresentou transcrição elaborada por empresa especializada na realização de tal tarefa, a fls. 2044 e segs., da qual consta, relativamente a cada depoimento, a sua localização no instrumento técnico que incorporou a gravação da audiência.

Ora, neste preciso circunstancialismo, considera-se que está adequadamente cumprido o núcleo essencial do ónus de indicação das passagens da gravação tidas por relevantes, já que nenhuma dificuldade séria se vislumbra na localização pelo Tribunal, ao exercer o duplo grau de jurisdição sobre a matéria de facto, dos excertos da gravação em que a parte fundou a impugnação que deduziu:

(…) E, assim sendo, não pode subsistir o segmento do acórdão recorrido em que se decidiu que o Tribunal estava legalmente impossibilitado de reapreciar os depoimentos em causa, em consequência do incumprimento do ónus constante da alínea a) do nº 2 do art. 640º do CPC.”

Consignados os termos em que o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, deram a resposta à questão solvenda, neles apreciados, importa distinguir se, entre os arestos em confronto, existe contradição que assuma relevância, de tal sorte que nos leve a reconhecer a oposição de julgados.

Não sofre reserva que, em ambos os arestos, nos deparamos com enquadramentos factuais que, cotejados entre si, evidenciam suficientes semelhanças, ou seja, em ambos os arestos está em causa a reponderação da decisão de facto pela Relação, estando em causa a gravação da prova, concretamente a indicação das passagens da gravação em que se funda a impugnação judicial, tornando-se linear reconhecer que os quadros factuais, considerados num e noutro aresto, encerram, no essencial, a exigida identidade substancial do núcleo factual.

Prosseguindo na análise acerca da oposição de julgados, importa verificar, agora, se em ambos os acórdãos, pressupondo estar em causa uma mesma questão jurídica, foram dadas soluções divergentes.

Assim, interessa, desde já, apreender o sentido do acórdão recorrido e acórdão fundamento, no seu contexto legal e processual, fazendo apelo, para tanto, aos critérios interpretativos a que aludem os artºs. 236º e seguintes do Código Civil, com as necessárias adaptações, requeridas, quer pela natureza dadeclaração” (acórdão recorrido e acórdão fundamento) em causa, quer pela natureza dos próprios destinatários.

Distinguimos, desde logo, que o acórdão recorrido (no segmento atinente e no qual, alegadamente, se enxergou a contradição invocada), se debruçou sobre a questão relativa à reponderação da decisão de facto pela Relação, estando em causa a gravação da prova, concretamente a indicação das passagens da gravação em que se funda a impugnação judicial.


O acórdão recorrido não deixou de consignar no enquadramento jurídico elaborado a propósito “Quanto ao depoimento de NN, invocado, as Recorrentes não deram cumprimento ao disposto na al. a) do n.° 2 do art. 640.° do Código que se acabou de invocar ao omitirem a indicação exacta “das passagens da gravação em que se funda o seu recurso” limitando-se a remeter este Tribunal - como se não lhes competisse fazer essa definição prévia, fina e rigorosa - para um extenso e não discriminado conjunto de páginas de transcrição (depoimentos de “pág. 3 a 58”). Não se vislumbra a pretendida demonstração e muito menos a prova adjectivada de «indubitável», dos factos acima referenciados.Não procede também esta parte do recurso.”

No enquadramento jurídico do acórdão fundamento divisamos que ao debruçar-se sobre a mesma questão debatida no acórdão recorrido, isto é, sobre a reponderação da decisão de facto pela Relação, estando em causa a gravação da prova, concretamente a indicação das passagens da gravação em que se funda a impugnação judicial, o Tribunal concluiu “No que respeita ao ónus secundário de indicação exacta das passagens da gravação em que funda a impugnação, forneceu a indicação da sessão na qual foram prestados e do início e termo dos depoimentos, conforme o estabelecido em acta, discutindo o seu sentido e valoração ao longo da alegação apresentada, e apresentou transcrição elaborada por empresa especializada na realização de tal tarefa, a fls. 2044 e segs., da qual consta, relativamente a cada depoimento, a sua localização no instrumento técnico que incorporou a gravação da audiência.

Ora, neste preciso circunstancialismo, considera-se que está adequadamente cumprido o núcleo essencial do ónus de indicação das passagens da gravação tidas por relevantes, já que nenhuma dificuldade séria se vislumbra na localização pelo Tribunal, ao exercer o duplo grau de jurisdição sobre a matéria de facto, dos excertos da gravação em que a parte fundou a impugnação que deduziu:(…) E, assim sendo, não pode subsistir o segmento do acórdão recorrido em que se decidiu que o Tribunal estava legalmente impossibilitado de reapreciar os depoimentos em causa, em consequência do incumprimento do ónus constante da alínea a) do nº2 do art. 640º do CPC.”

Pelo exposto, reconhecendo que o acórdão recorrido sufraga entendimento jurídico que está em contradição com aqueloutro proferido no Processo n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1 do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Outubro de 2015, transitado em julgado, prolatado no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, a par de que sobre o acórdão recorrido não cabe recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, e na ausência de qualquer acórdão de uniformização de jurisprudência sobre esta matéria, impõe-se a este Tribunal ad quem, na decorrência do enquadramento jurídico e normativo consignados, verificada a contradição de julgados, conhecer do objecto da revista quanto a esta questão enunciada que importa relembrar:

A interpretação adoptada no acórdão recorrido quanto ao art.º 640º do Código de Processo Civil, para não conhecer do recurso de apelação, no que respeita à impugnação da decisão de facto, por alegada inobservância das exigências de natureza formal impostas por lei, concretamente quanto aos quesitos C23 a C25, revela-se errónea, impondo-se a reapreciação pelo Tribunal recorrido, daquela concreta decisão de facto proferida pelo Tribunal arbitral, cumpridas que foram os requisitos formais exigidos à impugnação de facto?

Consabidamente, o thema decidendum do recurso é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, não sendo permitido ao Tribunal de recurso conhecer de questões que extravasem as conclusões de recurso, excepto se as mesmas forem de conhecimento oficioso, conforme resulta da lei adjectiva civil, concretamente, os já enunciados preceitos do Código de Processo Civil.

O Supremo Tribunal de Justiça, no que respeita às decisões da Relação sobre a matéria de facto, não pode, alterar tais decisões, sendo estas decisões de facto, em regra, irrecorríveis.

A este propósito, estatui o art.º 662º n.º 4 do Código de Processo Civil que “das decisões da Relação previstas nos n.ºs 1 e 2 não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça” estabelecendo, por seu turno, o art.º 674º n.º 3 do Código de Processo Civil “o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”, outrossim, prescreve o art.º 682º n.º 2 do Código de Processo Civil que a “decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no n.º 3 do artigo 674º”, donde se colhe, com meridiana clareza, que o Supremo Tribunal de Justiça não pode sindicar o modo como a Relação decide sobre a impugnação da decisão de facto, quando ancorada em meios de prova, sujeitos à livre apreciação, acentuando-se, que o Supremo Tribunal de Justiça apenas pode intervir nos casos em que seja invocada a violação de lei adjectiva ou a ofensa a disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova.

A decisão de facto é da competência das instâncias, conquanto não seja uma regra absoluta (art.º 674º n.º 3 do Código de Processo Civil), o Supremo Tribunal de Justiça não pode, nem deve, interferir na decisão de facto, somente importando a respectiva intervenção, quando haja erro de direito, isto é, quando o acórdão recorrido afronte disposição expressa de lei quanto às regras atinentes à impugnação da decisão de facto, outrossim, quando que ponha em causa preceito que exija certa espécie de prova para a existência do facto, ou que fixe a força de determinado meio de prova.

Ora, no caso que nos ocupa, as Recorrentes/Demandadas/CC - PRODUTOS FARMACÊUTICOS LDA. e DD - COMÉRCIO E INDÚSTRIA DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS LDA., insurgem-se contra o acórdão recorrido que rejeitou a apreciação da impugnação da decisão de facto proferida pelo Tribunal arbitral, invocando que a interpretação adoptada e aplicada no acórdão recorrido à norma constante do art.º 640º do Código de Processo Civil, para não conhecer da impugnação da decisão que fixou a matéria de facto, por alegada inobservância das exigências de natureza formal impostas por lei (concretamente a decisão de facto atinente aos quesitos C23 a C25 ), revela-se errada, impondo-se a reapreciação pelo Tribunal recorrido daquela declarada decisão de facto, proferida no acórdão arbitral, cumpridos que foram, em apelação, os requisitos formais exigidos à respectiva impugnação de facto.

Daqui decorre que as Recorrentes/Demandadas/CC - PRODUTOS FARMACÊUTICOS LDA. e DD - COMÉRCIO E INDÚSTRIA DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS LDA., ao insurgirem-se contra a rejeição da reapreciação da decisão de facto, por parte da Relação, agora Tribunal recorrido, estão a questionar o cumprimento de normas processuais atinentes aos poderes, próprios e privativos, da Relação, importando, por isso, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça.

Vejamos.

Os poderes do Tribunal da Relação quanto à modificabilidade da decisão de facto estão enunciados no art.º 662º do Código de Processo Civil, sendo que este tribunal não está dispensado do ónus de fundamentação da matéria de facto, mormente a aditada ou a modificada, tal como imposto pelo n.º 4 do art.º 607º, na medida em que, a fundamentação da decisão, maxime, a de facto, para além de ser decorrência do art.º 205º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, consubstancia causa de legitimidade e legitimação das decisões dos tribunais, porquanto permite ao destinatário da decisão compreender os fundamentos da decisão e os meios de prova em que eles de alicerçam.

Controvertida que está a rejeição da reponderação da decisão de facto, por parte da Relação, agora Tribunal recorrido, respeitante à decisão de facto condizente aos quesitos C23 a C25, por declarada inobservância das normas processuais atinentes aos poderes, próprios e privativos, da Relação, concretamente, as exigências de natureza formal impostas pela lei adjectiva civil plasmadas no art.º 640º do Código de Processo Civil, importa dizer a propósito.

Apreciadas as conclusões das alegações da apelação das Recorrentes/Demandadas/CC - PRODUTOS FARMACÊUTICOS LDA. e DD - COMÉRCIO E INDÚSTRIA DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS LDA., reconheceu o Tribunal a quo que “A este propósito, as Recorrentes refeririam que o “Tribunal arbitral não apresentou qualquer fundamento para ter concluído pela falta de prova destes factos, pelo que torna-se impossível apreciar o exercício crítico do Tribunal arbitral”. E têm razão. O órgão arbitral não fundamentou as suas respostas negativas não dando, assim, cumprimento ao disposto no n.º 4 do art. 607.° do Código de Processo Civil.

As Recorrentes não arguiram nulidade neste âmbito.

Não estamos perante situação subsumível ao disposto na al. d) do n.° 2 do art. 662.° do Código de Processo Civil já que o órgão arbitral não fixou, sem explicação ou fundamentação, facto essencial para o julgamento da causa em termos que tornassem incompreensível a razão de decidir.

Antes nos encontramos face a mera omissão de justificação de respostas negativas atingíveis mediante acesso directo aos elementos instrutórios disponíveis e fora de um contexto de essencialidade, atento o acervo global de factos perguntados e o mais que se decidirá infra.

A omissão de arguição de nulidade pelas partes bem revela a sua noção da falta de essencialidade da questão fáctica para os efeitos visados pelo legislador e da ausência de inserção das respostas negativas omitidas no quadro dos interesses protegidos pelo preceito, sendo que, como se referiu, não estamos perante reconhecimento da materialidade de um facto de forma não justificada.

Neste contexto, atentaria contra os interesses processuais de celeridade, eficácia e tempestiva e justa composição de litígio num momento que é de eventual tempo final de eficácia de patentes, a mera anulação da decisão para inscrever algumas frases referindo que não se provou porque não se fez prova.

Não é possível operar o conhecimento oficioso da eventual nulidade no âmbito do estabelecido no art. 196.° do mesmo encadeado normativo.Por assim ser, conhece-se da impugnação relativa ao sentido das respostas nos termos que se lança de seguida.

As Recorrentes fazem menção no recurso (e o último quesito também a faz) a um documento (“WO 97/03675”). O que se encontra nos autos neste domínio é uma mera fotocópia de documento de proveniência não devidamente definida, difusa noção da sua eficácia demonstrativa e relativamente ao qual não se divisa o cumprimento do disposto no n.° 1 do art. 134.° do Código de Processo Civil, quer mediante requerimento quer oficiosamente pelo órgão arbitral.

Quanto ao depoimento de NN, invocado, as Recorrentes não deram cumprimento ao disposto na al. a) do n.° 2 do art. 640.° do Código que se acabou de invocar ao omitirem a indicação exacta “das passagens da gravação em que se funda o seu recurso” limitando-se a remeter este Tribunal - como se não lhes competisse fazer essa definição prévia, fina e rigorosa - para um extenso e não discriminado conjunto de páginas de transcrição (depoimentos de “pág. 3 a 58”). Não se vislumbra a pretendida demonstração e muito menos a prova adjectivada de “indubitável”, dos factos acima referenciados.

Não procede também esta parte do recurso.”

O exercício efectivo pela Relação do duplo grau de jurisdição quanto à decisão da matéria de facto, compreendendo a eventual reapreciação de depoimentos gravados ou registados prestados oralmente em audiência final e sujeitos à livre valoração do Tribunal, inovatoriamente consagrado na reforma adjectiva civil introduzida pelo Decreto-Lei n.º 39/95 de 15 de Fevereiro, foi acompanhado da indispensável cautela para prevenir o risco de um abuso de tal direito, por parte dos recorrentes, acaso pretendessem provocar um novo julgamento, com reapreciação global dos meios de prova apresentados, como se colhe do preâmbulo do aludido Decreto-Lei n.º 39/95 de 15 de Fevereiro “A garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência - visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso. Não poderá, deste modo, em nenhuma circunstância, admitir-se como sendo lícito ao recorrente que este se limitasse a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo, pura e simplesmente, a reapreciação de toda a prova produzida em 1.ª instância, manifestando genérica discordância com o decidido. A consagração desta nova garantia das partes no processo civil implica naturalmente a criação de um específico ónus de alegação do recorrente, no que respeita à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação. Este especial ónus de alegação, a cargo do recorrente, decorre, aliás, dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa-fé processuais, assegurando, em última análise, a seriedade do próprio recurso intentado e obviando a que o alargamento dos poderes cognitivos das relações (resultante da nova redacção do artigo 712.º) - e a consequente ampliação das possibilidades de impugnação das decisões proferidas em 1.ª instância - possa ser utilizado para fins puramente dilatórios, visando apenas o protelamento do trânsito em julgado de uma decisão inquestionavelmente correcta.

Cotejados os regimes processuais respeitantes a este tema, distinguimos ter sempre vigorado um exigente ónus de delimitação do objecto da impugnação deduzida pelo apelante e de fundamentação minimamente concludente de tal impugnação, expressado na necessária e cabal indicação dos pontos de facto questionados e dos meios probatórios que imponham decisão diversa, complementado, pela vinculação do recorrente a indicar o exacto sentido decisório que decorreria da correcta apreciação dos meios probatórios em causa, expondo, claramente, onde estava situado o invocado erro de julgamento.

A reforma do direito adjectivo civil, implementada com o Código de Processo Civil de 2013 não pretendeu alterar o sistema dos recursos cíveis, mas teve a preocupação de “conferir maior eficácia à segunda instância para o exame da matéria de facto”, como se pode ler na Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 113/XII apresentada à Assembleia da República, de cuja aprovação veio a originar o actual Código de Processo Civil, sendo que essa maior eficácia traduziu-se no reforço e ampliação dos poderes da Relação, no que respeita ao julgamento do recurso da decisão de facto, mas não trouxe consigo a eliminação ou, tão pouco, a atenuação do ónus de delimitação e fundamentação do recurso, introduzidos pela Decreto-Lei 39/95 de 15 de Fevereiro.

Na verdade, a impugnação da decisão relativa à matéria de facto obriga ao cumprimento do ónus, a cargo do Recorrente, estatuído no art.º 640º nºs. 1 e 2 do Código de Processo Civil.

Estabelece este normativo adjectivo civil sobre o título “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão de facto”:

“1 - Quando seja impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na al. b) do número anterior observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento de erro na apreciação das provas tenham sido gravados incumbe ao recorrente sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.”

Donde, com facilidade se colhe que o aludido preceito adjectivo civil impõe rigor e precisão, onerando o Recorrente, com o dever de especificar os factos e os meios probatórios que, em concreto, questiona, outrossim, indicar o sentido decisório que devem ter as questões de facto impugnadas.

Querendo impugnar a decisão da matéria de facto o Recorrente tem de especificar, obrigatoriamente, sob pena de imediata rejeição do recurso nessa parte, os seguintes aspectos: os concretos pontos de facto considerados incorrectamente julgados; os concretos meios probatórios que na óptica do recorrente impunham decisão diversa; e o sentido da decisão que deve ser proferida; sendo que no tocante aos depoimentos gravados carece de indicar as passagens da gravação em que se funda o seu recurso.

Dito de outra forma, a lei adjectiva civil impõe ao Recorrente que individualize os factos que, em sua opinião, estão mal julgados, que especifique os meios de prova concretos que impõem a modificação da decisão, que indique o sentido da decisão a proferir, e, inclusivamente, tratando-se de depoimentos de testemunhas gravados, que concretize as passagens do depoimento que tal há-de permitir.

A violação deste ónus, preciso e rigoroso, conduz em consequência e intencionais da norma, à rejeição imediata do recurso na parte afectada.

Na esteira da Doutrina e Jurisprudência, perfilhamos o entendimento de que o cumprimento deste ónus deve ser feito com rigor, daí que o seu incumprimento não deve ser visto com benevolência.

A propósito, Abrantes Geraldes, in, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, página 147, sustenta que “as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor, próprio de um instrumento processual que visa pôr em causa o julgamento da matéria de facto efectuado por outro tribunal em circunstâncias que não podem ser inteiramente reproduzidas na 2ª instância. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”, outrossim, in, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Julho de 2013, página 126, “o legislador concretiza a forma como se processa a impugnação da decisão, reforçando o ónus de alegação imposto ao recorrente, prevendo que deixe expresso a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação em sede de reapreciação dos meios de prova”, ademais, in, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2014, 2ª Edição, página 132, não deixa de sublinhar, sempre que o recurso respeite à impugnação da decisão da matéria de facto: “a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) Quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve especificar aqueles que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos”.

Caberá, finalmente, observar que os afirmados ónus têm que ser entendidos à luz da respectiva função, daí, conforme decorre dos regimes processuais que têm vigorado quanto a este assunto, ser possível distinguir um ónus primário ou fundamental de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação - que tem subsistido sem alterações relevantes; e um ónus secundário - tendente, não tanto a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida - que tem oscilado, no seu conteúdo prático, ao longo dos anos e das várias reformas - indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização das passagens da gravação relevantes, revestindo consequências substancialmente diferenciadas o incumprimento pelo recorrente do referido ónus fundamental de delimitação e estruturação do objecto da impugnação deduzida e do deficiente cumprimento daquele ónus secundário ou instrumental, tendente a permitir apenas uma localização mais fácil pelo tribunal ad quem dos meios probatórios relevantes para dirimir o objecto do recurso, daí que, em conformidade com o princípio da proporcionalidade, será de reconhecer a rejeição imediata no incumprimento daquele ónus primário ou fundamental, ao invés, não será justificada a imediata e liminar rejeição do recurso quando, pese embora a indicação do recorrente não ser, porventura, totalmente exacta e precisa, ao nível dos minutos ou segundos em que foram proferidas pela testemunha as expressões tidas por decisivas pelo recorrente, não se possa perspectivar a existência de dificuldade relevante na localização pelo Tribunal dos excertos da gravação em que a parte se haja fundado para demonstrar o pretenso erro de julgamento, neste sentido, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Outubro de 2015 (Processo n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1); de 2 de Junho de 2016 (Processo n.º 725/12.8TBCHV.G1.S12) e de 11 de Julho de 2019 (Processo n.º 121/06.6TBOBR.P1.S1), in, www.dgsi.pt.

Voltando ao caso dos autos, coloca-se a questão de saber se foi cumprido o ónus que impende sobre as Recorrentes/Demandadas/CC - PRODUTOS FARMACÊUTICOS LDA. e DD - COMÉRCIO E INDÚSTRIA DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS LDA., com vista ao conhecimento pela Relação, da impugnação da decisão de facto.


No que tange às conclusões recursivas apresentadas pelasRecorrentes/Demandadas/CC - PRODUTOS FARMACÊUTICOS LDA. e DD - COMÉRCIO E INDÚSTRIA DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS LDA., que tivemos o cuidado de enunciar no precedente segmento, apelidado de relatório, descortinamos, concretamente, quanto aos quesitos C23 a C25, que encerra um dos thema decidendum da presente revista, conforme estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, terem as Apelantes/Demandadas/CC - PRODUTOS FARMACÊUTICOS LDA. e DD - COMÉRCIO E INDÚSTRIA DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS LDA., individualizado os factos que, pretensamente, estão mal julgados, especificando, com concretização particular, os meios de prova que impõem a modificação da decisão de facto, outrossim, qual o sentido da decisão concreta a proferir, e, inclusive, uma vez que se trata também de declarações gravadas, as Apelantes/Demandadas/CC - PRODUTOS FARMACÊUTICOS LDA. e DD - COMÉRCIO E INDÚSTRIA DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS LDA., concretizaram as passagens dos depoimentos que tal há-de permitir, a par da indicação de outros meios de prova julgados pertinentes para a decisão de facto.

Na verdade, como bem adiantam as Recorrentes/Demandadas/CC - PRODUTOS FARMACÊUTICOS LDA. e DD - COMÉRCIO E INDÚSTRIA DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS LDA., o cumprimento do ónus quando está em causa a impugnação da decisão de facto, decorre das respectivas alegações recursivas da apelação: “WW. O Tribunal Arbitral fez uma errada apreciação da prova ao dar como parcialmente não provados os factos identificados sob Q.C23 a Q.C25, os quais respeitam ao facto de as reivindicações 2 a 6 apenas restringirem a quantidade de tadalafil, as reivindicações 7, 8, 21 e 22 especificar a dose unitária e as reivindicações 9 a 12 e 23 e 24 especificam a indicação médica, que eram características conhecidas do documento WO 97/03675; XX. O Tribunal arbitral não apresentou qualquer fundamento para ter concluído pela falta de prova destes factos, pelo que toma-se impossível apreciar o exercício crítico do Tribunal arbitral; YY. Do documento WO 97/03675 (documento 3 junto com a contestação) resulta manifesto que todas as características daquelas reivindicações já se encontravam plasmadas no documento WO 97/03675 (página 5, linha 5, e página 4, linhas 17-28); ZZ. Do depoimento do Dr, NN (depoimento no dia 27 de abril de 2016, constante da transcrição de Depoimentos Audio, NN - com inicio a 01:57:46- pág. 3 a 58) resultou indubitável a prova dos factos identificados sob Q. C23 a Q. C25; AAA. Deverá ser revogada a decisão sobre a matéria de facto e substituída por outra que dê como provados os factos identificados sob Q.C23 as Q. C25.”

As Recorrentes/Demandadas/CC - PRODUTOS FARMACÊUTICOS LDA. e DD - COMÉRCIO E INDÚSTRIA DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS LDA. ao interporem recurso para a Relação, referiram expressamente que entendiam que se mostrava incorrectamente julgado os factos relativos aos quesitos identificados sob Q.C23 a Q.C25, discordando da decisão de facto daquele Tribunal arbitral quando os teve por não provados, ao invés de os considerar provados, tendo, assim, indicado de forma inequívoca o sentido da decisão que pretendem, a par de terem enunciado os concretos meios probatórios, constantes do processo (documento 3 junto com a contestação) e do registo ou gravação nele realizada (depoimento do Dr, NN [depoimento no dia 27 de abril de 2016, constante da transcrição de Depoimentos Audio, NN - com inicio a 01:57:46- pág. 3 a 58) que impunham decisão diversa da recorrida.

Assim, em conformidade com o estatuído no art.º 640º do Código de Processo Civil, este Tribunal ad quem, uma vez reconhecida a observância, por parte dasRecorrentes/Demandadas/CC - PRODUTOS FARMACÊUTICOS LDA. e DD - COMÉRCIO E INDÚSTRIA DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS LDA., do ónus que lhe é imposto, ao impugnar a respectiva decisão de facto (concretamente quanto aos factos relativos aos quesitos identificados sob Q.C23 a Q.C25) que encerra uma questão solvenda colocada nesta revista, não pode deixar de censurar a decisão do Tribunal recorrido que rejeitou a apreciação da impugnação da decisão de facto proferida pelo Tribunal arbitral, por inobservância das exigências de natureza formal impostas por lei, pois, contrariamente ao sustentado pelo Tribunal recorrido, as Recorrentes/Demandadas/CC - PRODUTOS FARMACÊUTICOS LDA. e DD - COMÉRCIO E INDÚSTRIA DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS LDA. ao impugnarem a decisão de facto, nos concretos pontos objecto desta revista, não só especificaram os concretos pontos de facto considerados incorrectamente julgados; os concretos meios probatórios que na óptica dasRecorrentes/Demandadas/CC - PRODUTOS FARMACÊUTICOS LDA. e DD - COMÉRCIO E INDÚSTRIA DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS LDA. impunham decisão diversa, e tratando-se de prova gravada, é suficiente a enunciada identificação da secção da gravação em que se funda a apelação realizada, qual seja, o depoimento doa testemunha Dr, NN, realizado no dia 27 de Abril de 2016, constante da transcrição de depoimentos audio - com inicio a 01:57:46 - pág. 3 a 58 - e o sentido da decisão que deve ser proferida.


Tudo visto, não há como deixar de reconhecer que as estatuídas regras adjectivas civis, reconhecidas na arquitectura da tramitação processual recursiva, atinente à impugnação da decisão de facto (factos identificados nos quesitos Q.C23 a Q.C25), foram cumpridas, pelo que, satisfeita a enunciada dimensão da norma adjectiva civil - art.º 640º do Código de Processo Civil - na interpretação que decorre do vertido enquadramento jurídico, reconhecemos às conclusões trazidas à discussão pelas Recorrentes/Demandadas/CC - PRODUTOS FARMACÊUTICOS LDA. e DD - COMÉRCIO E INDÚSTRIA DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS LDA., virtualidade bastante para alterar a decisão proferida pelo Tribunal a quo, o que não significa que se anule, pura e simplesmente, o acórdão recorrido, pois, caberá à Relação, reapreciando a matéria de facto cuja reponderação rejeitou, objecto desta revista, determinar em que medida fica afectado o dispositivo do aresto proferido.


II. 3.1.2 Estando em causa a apreciação da violação dos direitos da propriedade industrial relativamente a medicamentos genéricos é afastada a regra do art.º 98° do Código da Propriedade Industrial, com a aplicação da regra da inversão do ónus da prova contra as empresas de genéricos (e a favor dos titulares de direitos de propriedade industrial), com fundamento no art.º 342° n.º 2 do Código Civil, conforme orientação perfilhada no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7 de Outubro de 2014 (Processo n.º 1353/13.6YRLSB-7), com o qual o acórdão recorrido está em contradição? (2)

Considerando as conclusões vertidas no precedente segmento (que reconhecendo a contradição de julgados admitiu o recurso de revista atípico ou excepcional nesta demanda, com consequente reprovação da rejeição liminar da impugnação da decisão de facto atinente aos quesitos C23 a C25, e, na sua decorrência, determinou a reapreciação daquela matéria de facto pela Relação, daí reconhecendo, ou não, se, e em que medida, a reponderação afecta o dispositivo consignado no aresto recorrido), torna-se apodíctico afirmar a repercussão daqui decorrente, quer na apreciação da admissibilidade do recurso de revista dito atípico ou excepcional quanto à questão enunciada neste item (apreciando a arrogada contradição de julgados), quer, na reconhecida admissibilidade do recurso de revista dito atípico ou excepcional quanto a esta questão, na apreciação da concreta questão suscitada, pelo que, este Tribunal ad quem, julga prejudicada o conhecimento da questão vertida neste item.


III. DECISÃO


Pelo exposto e decidindo, os Juízes que constituem este Tribunal, acordam em julgar procedente a revista interposta, quanto à questão conhecida, e, consequentemente:

a) Determinam a reponderação da matéria de facto rejeitada, concretamente, os factos constantes dos quesitos C23 a C25, pelos mesmos juízes que elaboraram o acórdão recorrido, se for possível;

b) Determinam que a Relação verifique se o resultado dessa reapreciação implica a alteração dos outros pontos do acórdão, procedendo às alterações que entender.

c) Custas a cargo da parte vencida, a final.

Notifique.


Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 10 de Dezembro de 2019

                                                         

Oliveira Abreu (Relator)

Ilídio Sacarrão Martins

Nuno Pinto Oliveira