Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1237/15.3T8PVZ.P1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: JOÃO CURA MARIANO
Descritores: CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
DEFEITOS
EMPREITADA
EXCEÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
ÓNUS DA PROVA
INTERPELAÇÃO ADMONITÓRIA
MORA
RESTITUIÇÃO DO SINAL
IMOVEL
RECTIFICAÇÃO DE ERROS MATERIAIS
Data do Acordão: 05/13/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. Num contrato-promessa de venda de um imóvel em que o promitente vendedor é também o seu construtor, o regime da responsabilidade contratual pelos defeitos da obra no contrato de empreitada é aplicável, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 1225.º, n.º 4, e 410.º,  n.º 1, do Código Civil.

II. Verificando-se a existência de defeitos no imóvel prometido vender pelo seu construtor, pode o promitente-comprador, antes da outorga do contrato de compra e venda, denunciá-los e solicitar a sua eliminação, ou a realização de nova obra, nos termos dos art.º 1221.º e 1225.º do C.C., devendo a recusa deste em outorgar a escritura até que essas deficiências sejam reparadas, ser considerada um exercício legítimo da exceção de não cumprimento do contrato, na modalidade exceptio non rite adimpleti contractus, admitida pelo artigo 428.º, n.º 1, do Código Civil.

III. Uma interpelação com as caraterísticas exigidas pelo artigo 808.º, n.º 1, do Código Civil, não tendo sido fixado ab initio um prazo perentório, só pode ser efetuada quando já se verifica anteriormente uma situação de mora, imputável ao devedor.

Decisão Texto Integral:

I – Relatório

O Autor propôs uma ação declarativa, com processo comum, contra os Réus, pedindo que se:

A. Declare anulado o contrato-promessa de compra e venda referido e caracterizado no articulado, celebrado entre si e a dissolvida sociedade “Vasquez Rodrigues, Lda.”;

B. Declare ainda, em consequência da anulabilidade, que tem direito ao valor da prestação que efetuou no montante de setenta e um mil e cem Euros, acrescida de juros desde a citação e até efetivo pagamento, bem como da quantia indicada no art.º 73.º da Petição Inicial;

C. A título subsidiário, na hipótese de improcedência dos pedidos anteriores, que se declare resolvido o contrato-promessa celebrado entre si e a dissolvida sociedade “Vasquez Rodrigues, Lda.”, identificado na Petição, e, em consequência, condenar-se os Réus a restituir-lhe a quantia recebida a título de sinal, em singelo, no valor de setenta e um mil e cem Euros, acrescida de juros legais, desde a citação dos Réus, até efetivo pagamento, e ainda da quantia indicada no artigo 73.º da Petição Inicial;

D. Em caso de improcedência de qualquer dos pedidos acima formulados, que o Tribunal, por motivos de equidade, reduza o valor do sinal entregue à dissolvida sociedade “Vasquez Rodrigues, Lda.”, por força do contrato-promessa descrito no articulado, no montante de setenta e um mil e cem Euros, e ordene que os Réus sejam condenados à restituição parcial do mesmo, no valor que tiver por adequado, por aplicação analógica do art.º 812.º ao art.º 442.º do Código Civil;

E. Declare responsáveis por essa restituição (em relação a qualquer dos pedidos formulados anteriormente) os Réus, porquanto atuaram com intenção de o prejudicar, como credor da sociedade dissolvida e, por outro lado, com inobservância culposa das disposições destinadas à proteção dos credores sociais, no exercício das suas funções de gerentes, transmitindo previamente todo o património social da extinta sociedade “Vasquez Rodrigues, Lda.” a terceiros (Réus sócios gerentes, e não sócios), sem a correspondente prestação ter entrado na caixa social; por um lado, e, por outro lado, designadamente, com violação das regras atinentes à distribuição de bens da dissolvida sociedade aos Réus (artigos 141.º - 154.º pi), com desrespeito pelo disposto no artigo 35.º CSC (artigos 165.º - 175.º pi), pelo regime de suprimentos à sociedade efetuados pelos Réus sócios e gerentes da dissolvida sociedade, e violação das regras atinentes à sua restituição, por não verificação dos pressupostos legais para que a restituição pudesse ser efetuada (artigos 120.º a 140.º da pi), por violação do disposto no artigo 158.º CSC (artigos 156.º - 165.º da pi), pela não realização das operações atinentes à liquidação da sociedade “Vasquez Rodrigues, Lda.”, atenta a existência do seu crédito (artigos 116.º - 11... pi), por terem atuado com abuso de direito, por incongruências várias ao nível da prestação de contas e contabilidade da dissolvida sociedade, com prejuízo para si (credor social) – artigos 11... a 175.º -, e também pelo facto da venda dos bens por escrituras de 19/12/2013 (dissolvida sociedade vendedora) terem sido efetuada por valor inferior ao seu justo valor, e em desrespeito do artigo 63.º do CIRC, tudo gerando a responsabilidade dos Réus, nos termos do disposto (entre outras normas) no artigo 78.º do Código das Sociedades Comerciais, atenta a insuficiência do património para a satisfação do seu crédito;

F. Declare a nulidade do registo de dissolução e liquidação da sociedade “Vasquez Rodrigues, Lda.”, por na ata de deliberação (22), em que se consignou que a mesma não tinha passivo, sendo tal facto falso, com todas as legais consequências, por não verificação dos pressupostos a que alude o artigo 27.º do Decreto-Lei 76-A/2006 (artigo 81 – 85.º da pi);

G. Condenem os Réus a pagar-lhe a referida quantia de setenta e um mil e cem Euros, acrescida de juros à taxa legal desde a citação até efetivo e integral pagamento, bem como da quantia descrita no artigo 73.º da pi;

H. Declarem ainda verificados relativamente ao seu crédito os requisitos da impugnação pauliana nos negócios de compra e venda celebrados pela dissolvida “Vasquez Rodrigues, Lda.” com os Réus melhor identificados nos artigos 8... a 116.º da pi, e pelas escrituras neles identificadas, e, em consequência, serem declaradas ineficazes as transmissões operadas pelos aludidos contratos de compra e venda em relação a si, assim como ineficaz o respetivo registo, podendo ele executar as frações no património dos Réus nas mesmas identificadas, na medida em que tal se mostre necessário à satisfação do seu crédito.

Em síntese, alegou o seguinte, para fundamentar estas pretensões:

- Os 1.º, 3.º, 5.º, 6.º, 8.º Réus e o falecido RR foram, entre outros, os sócios fundadores da sociedade comercial “Vasquez Rodrigues, Lda.”, a qual foi constituída com um capital social de € 50.000,00 e tinha como objeto a compra e venda de terrenos, urbanização, construção e venda de imobiliário e quaisquer atividades concernentes ao desenvolvimento do turismo nacional.

- Esta sociedade foi dissolvida no dia 26/03/14, mediante apresentação da Ata n.º 22 da assembleia geral extraordinária, realizada no dia 24/03/14, de onde resulta que a sociedade tinha cumprido integralmente o seu objetivo social e não tinha qualquer ativo ou passivo.

- Os sócios da dita sociedade agiram com dolo, ao negarem o passivo existente aquando da dissolução da sociedade e ao, previamente à dissolução terem praticado atos de transmissão do património social para terceiros, incluindo os próprios sócios, com a intenção de não pagarem aos credores sociais e de ficarem com o ativo da sociedade, bem como que os demais Réus atuaram em conluio com os Réus-sócios, sendo deles familiares.

- Em 14/06/05, o Autor outorgou com a dita sociedade um contrato promessa de compra e venda de uma fração autónoma correspondente a uma habitação do tipo T2, sita no ... andar, do bloco ..., com a identificação provisória “AAJ”, com lugar de garagem e um arrumo, do prédio urbano denominado “...”, sito na Rua ..., Rua ... e Rua de ..., no …, pelo preço de € 155.000,00 (entretanto aditado do valor de € 82.000,00, para a execução de alterações e acabamentos).

- No ato da assinatura do contrato, o Autor pagou à sociedade a quantia de € 23.700,00, tendo pago ainda, posteriormente, mais duas tranches de igual valor, no valor global de € 71.100,00.

- Nesse contrato-promessa ficou acordada uma previsão da conclusão da construção do prédio até ao dia 31/12/06 e que o contrato prometido seria outorgado nos primeiros 30 dias após a obtenção da licença da habitabilidade.

- A sociedade em referência apenas procedeu à marcação da escritura pública de compra e venda para o dia 22/12/08, muito depois do prazo acordado de 30 dias, sem ter notificado o Autor com a antecedência de 15 dias e apresentando a fração defeitos vários.

- O Autor enviou uma carta à sociedade enumerando um conjunto de desconformidades que, no seu entender, eram condicionantes absolutas para a realização da escritura, não tendo a sociedade acatado esta sua pretensão.

- O Autor não recebeu a notificação para comparecer na escritura, uma vez que estava internado no hospital.

Os 1.º, 2.º, 3.º, 4.º, 5.º, 6.º, 7.º Réus, e os herdeiros do falecido RR, OO, PP, QQ, 8.º, ..., 10.º, 11.º, 12.º Réus, vieram contestar, aceitando a celebração do contrato promessa e impugnando a demais matéria de facto da Petição Inicial.

Alegaram ainda o seguinte:

- O Autor sempre acatou, sem qualquer reclamação, o atraso na conclusão da obra.

- Não foi marcada a escritura pública no prazo acordado de 30 dias após a obtenção da licença de habitabilidade porque o Autor indicava sucessivas desconformidades e apresentava sucessivas exigências quanto aos acabamentos.

- Foram retificadas todas as desconformidades e defeitos existentes, tendo sido o Autor quem protelou sistematicamente o desfecho harmonioso entre as partes, refugiando-se em motivos falsos.

Concluíram, sustentando a improcedência dos pedidos formulados e a consequente absolvição dos Réus.

Notificado o Autor para se pronunciar quanto às exceções invocadas na contestação, o mesmo veio impugnar a factualidade constante das mesmas.

Realizou-se audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença, com a seguinte decisão:

Pelo exposto, julgo a presente ação totalmente improcedente, e, em consequência, absolvo na íntegra os réus BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, LL, MM, NN, PP, QQ e OO da totalidade dos pedidos contra si formulados pelo autor AA.

Desta decisão recorreu o Autor para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão proferido em 27.10.2020, julgou procedente o recurso e condenou os Réus sócios e liquidatários da sociedade Vasquez Rodrigues, Limitada, BB, DD, GG, RR, II e FF a restituírem ao Autor as quantias recebidas a título de sinal e reforço de sinal, num total de € 71.100,00, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a citação dos Réus e até efetivo pagamento.

Os Réus interpuseram recurso de revista desta decisão para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo concluído as suas alegações do seguinte modo:

1ª Celebrado contrato-promessa entre autor e a empresa Vasquez & Rodrigues, Ldª, do imóvel, fração autónoma melhor identificada nos autos, após data da efetiva conclusão da construção do prédio, entre Agosto e Setembro de 2008. Tidas prévias conversas pessoais entre o autor e um dos sócios, bem como com o representante da empresa (SS), a Vasquez & Rodrigues, Ldª, solicita ao promitente-comprador, por carta registada de 5 Dezembro de 2008, uma visita/vistoria ao imóvel com objetivo de marcar a escritura.

2ª O promitente-comprador responde por escrito através dessa missiva de 12 Dezembro 2008, elencando variadíssimas desconformidades, inúmeros defeitos, e muitas deficiências de toda a espécie no interior do apartamento.

3ª A construtora procedeu a várias intervenções no apartamento com vista à reparação dos defeitos apresentados. Este facto resultou provado do depoimento de várias testemunhas, bem como das próprias declarações de parte do autor, e ainda das missivas trocadas entre as partes.

4ª Pelo documento de flhs 270, CARTA de 15 Janeiro de 2009 a Vasquez & Rodrigues, Ldª, informa o promitente-comprador do seguinte:

PRIMEIRO: da correção de anomalias, como seja, colocação lava loiça de copa e meia e instalação electrica de WC com 2x4mm,

SEGUNDO: que outras anomalias não existem, como seja, tubagem completa para instalação de Kitt solar, já instalada.

TERCEIRO: a empresa reconhece a diferença do soalho relativamente ao contratado, propondo:

- troca o soalho antes de 20 de Fevereiro de 2009

- oferece desconto de 5.000,00€ e mantem o mesmo material já colocado;

QUARTO: solicita resposta em 10 dias quanto a esta proposta.

5ª A CARTA de 2 de Fevereiro de 2009 é a resposta do autor.

DOCUMENTO 7 DA PI (documento nº 2 da contestação), na qual:

PRIMEIRO: admite anterior reunião presencial no dia 27 de Janeiro 2009 com um representante da empresa;

SEGUNDO: não responde no prazo que lhe é solicitado;

 TERCEIRO: não aborda o defeito do chão;

QUARTO: não responde à solução proposta e não apresenta qualquer alternativa;

QUINTO: invoca atraso na conclusão da construção e notifica a promitente vendedora do direito de rescisão, exige a restituição do sinal em dobro no valor de 145.381,52€.

6.ª Resumida a correspondência entre as partes temos por parte do promitente-comprador:

- desinteresse em resolver a questão do soalho;

- ausência de resposta quanto a este ponto;

- referência a demais anomalias, não referindo uma em particular;

- falta de colaboração, o injustificado protelamento do cumprimento do contrato;

- a rescisão unilateral do contrato/vontade de não celebrar o negócio.

7ª Somados todos estes factos revelam o altear de um comportamento violador do princípio da boa-fé negocial e consequentemente a sua constituição em mora. Devidamente apreciada esta prova, devemos concluir que a questão do soalho não era essencial do ponto de vista do autor.

8ª E devemos concluir também que incumpre as suas obrigações contratuais, a partir do momento que não apresenta solução para concretização da escritura e não comparece a essa mesma escritura.

9ª Pela CARTA de 22 de Maio de 2009, a empresa:

PRIMEIRO: notifica o promitente-comprador de NOVA (terceira) DATA para celebração da escritura para dia 15 de Junho de 2009,

SEGUNDO: informa, uma vez mais, que as situações apontadas pelo autor se encontram absolutamente regularizadas,

TERCEIRO: adverte das consequências da falta/ conversão da mora em incumprimento definitivo.

10ª A matéria de facto que o autor pretendeu ver alterada diz respeito à data em que terá sido trocado o soalho do apartamento. Pretendeu que se considerado provado que pelo menos em 15 de Junho o soalho era em afizélia. É pacifico que essa troca se efetuou, que se apresenta concretizada no dia 15 de Junho 2009

11.ª A questão essencial é saber se foi ou não trocado antes da data da escritura de 20 de Fevereiro, para tanto importa a análise da alínea b) da matéria não provada, coincidente com a análise dos items 51) e 52) da matéria provada.

12.ª Da prova resultante das declarações da testemunha TT, (profissional executante da obra de reparação), confrontadas com as declarações da testemunha SS (representante da empresa) resulta que foi antes de 20 de Fevereiro que a troca se efetuou.

TT - gravação ...18

Minutos 6.25 a 6.35 “meses de pois de ter acabado a obra, de ter deixado a obra, fui chamado para trocar o pavimento numa das frações”

SS - gravação …03 minutos 24.01 a 24.14 “ licença foi tirada no Verão de 2008”

Minutos 27.56 a 27.10 a “obra foi concluída antes de Janeiro de 2009, pelo menos 3 meses antes, aquando da obtenção da licença pela Câmara”

13ª O Tribunal da Relação não pode basear-se apenas no documento de flhs 66 -declaração de empresa Sousa Pinheiro & Filhos, Ldª -, o qual é um documento meramente formal, e que se refere à conclusão da obra que constam do mapa de acabamentos. A boa decisão da causa impõe que, sendo a definição da data da conclusão das obras uma data capital, consideremos outro documento – o Alvará de Utilização nº … (junto com a PI) datado de 7 de Julho de 2008.

14ª Na realidade, de facto, as obras terminaram entre Julho de 2008. Foi este o período de referência usado pelas testemunhas, quando indicaram, meses depois das obras terem acabado o soalho foi trocado para afizélia.

15ª Pelo que os Senhores Desembargadores, salvo o devido respeito, não poderiam ter concluído como concluíram, ou seja, que apenas em 15 de Junho se apurou a reparação deste defeito. A reparação aconteceu entre Janeiro e Fevereiro, isto é, até à escritura de 20 de Fevereiro.

16ª Andou mal o Tribunal da Relação, pois da conjugação da prova, não podia ter concluído como concluiu, que não era evidente que a 20 de Fevereiro tivesse o soalho sido trocado e que tal só se prova em 15 de Junho.

17ª A decisão do Tribunal da Relação vê-se abalada, na medida em parte de um facto erroneamente provado, vendo-se inquinada toda a sua fundamentação. A alteração do item 52) dando como certo que em 20 de Fevereiro o soalho não era afizélia é errada e não tem fundamentação/sustentação bastante.

18ª Assim, resulta que a não comparência à escritura marcada para o dia 20 de Fevereiro de 2019 constitui o autor em mora, como bem entendeu o Tribunal de 1ª instância, e não a partir da (segunda) não comparência, no dia 15 de Junho de 2019.

19ª Há que atender às circunstâncias particulares, ao cumprimento ou incumprimento de todas as obrigações acessórias do ponto de vista objetivo, nascidas durante as negociações entre as partes.

20ª Sabendo, in casu, que as obras de facto foram concluídas no Verão de 2008 e que o autor confrontado com a marcação da primeira escritura para 22 de Dezembro de 2008, apresenta extensa e variada lista de desconformidade e/ou defeitos.

21ª Sendo adquirido que o promitente-comprador não deu relevância a qualquer um dos defeitos em particular, e que a empresa, reconhecendo algumas das falhas nos acabamentos, imediatamente procedeu à sua correção.

22ª Tendo sido provado que a empresa comprometeu-se a executar imediata troca do pavimento, solicitando ao autor resposta no prazo de dez dias, assumindo o cumprimento da sua prestação antes de 20 de Fevereiro de 2009 (data de escritura).

23.ª Reconhecido que, após esta especial solicitação, o promitente-comprador não respondeu, não apresentou solução ao defeito do pavimento na resposta escrita enviada à promitente-vendedora (dia 2 de Fevereiro 2009).

24ª Tudo isto, culminado com a recusa do promitente-comprador em outorgar a 20 de Fevereiro de 2009, sem possuir justificação, incorre o autor na violação de princípios e normas fundamentais e consequentemente far-se-á constituir em mora.

25ª O promitente-comprador revelou ao longo das negociações uma atitude de injustificado protelamento do cumprimento do contrato incompatível com o princípio da boa-fé negocial e violadora da confiança.

26ª É tese dos Recorrentes que todos os defeitos foram corrigidos e concluídos, incluindo as obras de substituição do soalho, antes de 20 de Fevereiro de 2009. Ainda que não se tivesse sido apurado essa data exata, ela aconteceu seguramente antes, muito antes, de 15 de Junho de 2009.

27ª Assume a carta de 22 de Maio 2009 remetida pela promitente-vendedora cabimento ao abrigo do disposto no artigo 808.º, n.º 1, 2ª parte, do Código Civil (nos termos do qual assiste ao credor a possibilidade de considerar não cumprida a obrigação se, em termos formais, tiver notificado o devedor para esse efeito), verificam-se cumpridos esses três pressupostos: intimação ao cumprimento; fixação de um termo peremptório para cumprimento da obrigação, declaração (admonitória) de que a obrigação se terá por definitivamente não cumprida se não se verificar o cumprimento dentro do prazo estabelecido.

28ª Sendo inquestionável, por um lado, o comportamento exemplar da Vasquez & Rodrigues, Ldª, em obediência estreita com o princípio da boa-fé negocial, a tolerância demonstrada, a correção de todos defeitos, inclusive os considerados não conformidades de estética (como espelhos, lava-loiça, mármores, etc).

29ª Tendo, por outro lado, a factualidade evidenciada o retardamento sucessivo no cumprimento das prestações ou deveres acessórios, a satisfazer pelo promitente-comprador, nomeadamente, ter manifestado vontade de rescindir unilateralmente o contrato (pedindo o sinal em dobro), bem como não ter encetado qualquer diligência com vista ao cumprimento da prestações principal e/ou instrumentais e acessórias a que estava obrigado. Acrescendo a falta de prova da exata data da conclusão da reparação do defeito do pavimento.

30ª Contrariando a decisão do Tribunal da Relação, afirmamos que o autor não fez prova concludente de que lhe assistia o direito de recusar a obrigação principal da obrigação do contrato prometido enquanto a promitente vendedora não eliminasse os defeitos

31ª Pelo que, constituído em mora em 20 de Fevereiro, tem pleno fundamento a resolução nos termos do artº 442º nº 2 do Código Civil.

32ª Na matéria de facto provada (22 e 23) e não provada (alínea c) não foi possível encontrar fundamento justificativo para a não comparência à terceira marcação da escritura (15 de Junho 2009) por parte do promitente-comprador.

33ª Consequentemente, uma vez transcorrido o aludido prazo peremptório, sem que o promitente-comprador tenha comparecido à escritura pública de compra e venda, o contrato-promessa em questão não pode senão ser havido como incumprido definitivamente pela promitente-vendedora, nos termos do art. 808º- nº 1 do Código Civil.

34.ª Ao considerar provado que apenas na data de 15 de Junho de 2009 as obras se apresentavam concluídas, o Tribunal da Relação sustenta-se no pegão errado.

35ª Ao resumir os factos provados em meia dúzia de factos, construindo dessa plataforma a sua fundamentação, incorre numa interpretação errada do artº 428º, do artº 442º nº 2, do artº 342º, do artº 804º nº 4 e do artº 810 nº 1 todos do Código Civil violando-as.

36ª Não andou bem o Tribunal da Relação quando decidiu que o autor fez prova dos elementos constitutivos da exceção do não cumprimento, e quando, consequentemente, inverteu o ônus da prova, afirmando que cabia à promitente-vendedora fazer prova do momento que cumpriu a eliminação dos defeitos.

O Autor apresentou contra-alegações, em que solicitou a retificação de erro material, arguiu nulidades do acórdão recorrido e pediu a ampliação do objeto do recurso aos vários fundamentos da ação, para além de sustentar a improcedência daquele.

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II – O objeto do recurso

Relativamente ao pedido de retificação de erro material, o mesmo deveria ter sido apreciado pelo tribunal recorrido, em despacho autónomo, ou no despacho que admitiu o recurso. Não o tendo sido, face à evidência do lapso apontado, não se justifica mandar baixar o processo para que seja proferido, procedendo-se à sua correção neste acórdão, no lugar próprio.

Atendendo às conclusões das alegações de recurso, ao conteúdo da decisão recorrida e tendo em consideração que o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, não pode ser objeto de revista (artigo 674.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), neste recurso deve ser apreciada, a seguinte e única questão:

Deve considerar-se que o contrato-promessa celebrado pelo Autor foi definitivamente incumprido por este ?

Na hipótese de resposta afirmativa a esta questão, devem, então, serem apreciadas as nulidades do acórdão recorrido invocadas pelo Autor nas contra-alegações, nos termos do artigo 636.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, e, eventualmente, os demais fundamentos da ação invocados na petição inicial, por força da ampliação do objeto do recurso deduzida nas contra-alegações, nos termos do artigo 636.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.

 

III – Factos provados

São os seguintes os factos provados neste processo:

1) Os Réus BB, DD, GG, RR, II, e FF foram, entre outros sócios fundadores da sociedade comercial por quotas denominada “Vasquez Rodrigues, Ld.ª”, tendo o respetivo contrato de sociedade sido registado na Conservatória do Registo Comercial do ... pela apresentação …, sendo-lhe atribuída a matrícula ….

2) A sociedade “Vasquez Rodrigues, Ld.ª”, tinha como objeto, além do mais, a compra e venda de terrenos, urbanização, construção e venda de imobiliário adquirido para esse fim, quaisquer atividades concernentes ao desenvolvimento do turismo nacional, e o seu capital social era de € 50 000,00, dividido em 7 quotas, nos seguintes termos:

a) Uma no valor de € 2 500,00, da titularidade de RR..., casado com LL;

b) Uma no valor de € 7 500,00, da titularidade de BB, casado com CC;

c) Uma no valor de € 7 500,00, da titularidade de DD, casado com EE;

d) Uma no valor de € 8750,00, da titularidade de GG, casada com FF;

e) Uma no valor de € 11 250,00, da titularidade de RR, casado com HH;

f) Uma no valor de € 5 000,00, da titularidade de II, casado com JJ; e

g) Uma no valor de € 7 500,00, da titularidade de FF.

3) A quota pertença de RR... foi transmitida, por cessão outorgada em 2004, a GG, a RR e a II.

4) Por força da cessão referida em 3), passou a ascender a € 9.583,00 a quota da titularidade de GG, a € 12 083,00 a quota da titularidade de RR e a € 5 834,00 a quota da titularidade de II.

5) A gerência da sociedade “Vasquez Rodrigues, Lda.”, ficou afeta a todos os sócios.

6) A sociedade “Vasquez Rodrigues, Lda.”, foi dissolvida a 26 de Março de 2014, através de procedimento especial de extinção imediata de entidade comercial, mediante a apresentação da ata nº 22 da assembleia geral extraordinária realizada a 24 de Março de 2014, na qual esteve representada a totalidade do capital social.

7) Na ata nº 22 da assembleia geral da sociedade “Vasquez Rodrigues, Lda.”, consta:

a) Foram submetidos dois pontos à deliberação dos sócios – a proposta de dissolução e liquidação da sociedade e a aprovação das contas e do balanço do exercício final, tendo ambos os pontos sido aprovados por unanimidade;

b) A sociedade “Vasquez Rodrigues, Lda.”, havia integralmente cumprido o seu objetivo social, a 24 de Março de 2014 não tendo qualquer ativo ou passivo.

8) Em face da deliberação dos sócios da sociedade “Vasquez Rodrigues, Lda.”, o Conservador do Registo Comercial declarou a sociedade dissolvida e encerrada a respetiva liquidação.

9) A 14 de Junho de 2005 o Autor e a sociedade “Vasquez Rodrigues, Lda.”, celebraram contrato promessa de compra e venda pelo qual o Autor prometeu comprar, e a sociedade “Vasquez Rodrigues, Lda.”, prometeu vender, pelo preço de € 155.000,00, uma fração autónoma, correspondente a uma habitação tipo T2, implantada no … andar do bloco ... (e incluindo um lugar para aparcamento automóvel e um arrumo, ambos na 1ª cave), com identificação provisória “AAJ”, do prédio urbano comercialmente denominado “...”, em fase de edificação (ao abrigo do alvará de construção nº …) na parcela de terreno sita no gaveto da rua ..., da rua ... e da rua  ... ..., freguesia e ..., …, descrito na … Conservatória do Registo Predial do ... sob o nº ……34, a fls. 150, verso, do livro …, e inscrita na respetiva matriz predial sob o artigo …, conforme plantas e mapa de acabamentos em anexo aos presente contrato [1].

9-A) No Mapa de acabamentos junto anexo ao contrato referido em 9) consta que os pavimentos do hall de entrada, sala, hall de distribuição e quartos seria em afizélia [2].

10) No momento da outorga da promessa referida em 9) o Autor entregou à sociedade “Vasquez Rodrigues, Lda.”, a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de € 23.700,00;

11) No âmbito da promessa referida em 9) o Autor entregou ainda à sociedade “Vasquez Rodrigues, Lda.”:

a) € 23.700,00 a 14 de Dezembro de 2005, a título de reforço de sinal; e

b) € 23.700,00 a 14 de Junho de 2006, a título de reforço de sinal.

12) A 15 de Junho de 2005, o Autor e a sociedade “Vasquez Rodrigues, Lda.”, acordaram em proceder a um aditamento ao contrato referido em 9), no qual convencionaram que o Autor assumia o compromisso de pagar a quantia de € 82.000,00, na data da outorga do contrato prometido, como contrapartida pela execução de diversas alterações aos acabamentos inicialmente previstos para o imóvel, de acordo com o solicitado pelo Autor.

13) No âmbito do acordo referido em 9) fixou-se 31 de Dezembro de 2006, como data prevista para a conclusão da construção do imóvel, e estabeleceu-se que o contrato prometido seria celebrado nos 30 dias subsequentes à obtenção da licença de utilização do imóvel, e ainda que a sociedade “Vasquez Rodrigues, Lda.”, procederia ao agendamento da escritura de compra e venda.

14) Não obstante o acordado, a construção da fração prometida vender ao Autor não foi concluída até 31 de Dezembro de 2006.

15) Apenas em Dezembro de 2008, e através do envio de carta datada de 05/12/08, a sociedade “Vasquez Rodrigues, Lda.”, procedeu ao agendamento da escritura pública para cumprimento do contrato promessa celebrado com o Autor, para o dia 22 de Dezembro de 2008 [3].

16) Em Dezembro de 2008 e Janeiro de 2009, o material colocado no chão dos quartos, “hall” de entrada e sala da fração autónoma prometida vender ao Autor era em carvalho, e não afizélia.

17) A licença de utilização da fração autónoma prometida vender ao Autor foi emitida a 07 de Julho de 2008.

18) Por carta remetida a 12/12/08, o Autor comunicou à sociedade “Vasquez Rodrigues, Lda.”, um conjunto de trabalhos e acabamentos cuja falta e/ou deficiência, no seu entender, nesse momento, obstavam à celebração do negócio prometido, concretamente:

a) Ligação hidráulica completa para “kit” solar;

b) Alimentação elétrica para “kit” solar (2x4mm2+T) c/ protecção 20ª;

c) Louça de copa e meia;

d) Substituição da “pedra” de cobertura da banca da cozinha por falta de qualidade;

e) Substituição da pedra frontal à banca da cozinha por falta de qualidade;

f) Portas com excessiva folga na base;

g) Irregularidades no funcionamento (fecho e abertura) de todas as portas da varanda;

h) Instalação de para-sóis por cima das varandas; i) Colocação de espelhos nos wc;

j) Instalação elétrica das tomadas de wc com 2x4mm2+T e proteção de 20A;

k) Substituição dos azulejos partidos e correção dos mal colados nos 2 wc;

l) Os pavimentos do hall de entrada, sala, hall de distribuição e quartos deverão ser em afizélia conforme contratado;

m) Caixilharia de exteriores com vidro simples;

n) Placa de cozinha alimentada a eletricidade;

Tendo concluído essa essa carta do seguinte modo: “face ao exposto é oportuno reafirmar que Vasquez Rodrigues, Lda, deverá informar da conclusão dos referidos trabalhos pra marcação da escritura” [4].

19) Por carta remetida a 15 de Janeiro de 2009 para o domicílio do Autor, a sociedade “Vasquez Rodrigues, Lda.”, comunicou ter agendado para o dia 20 de Fevereiro de 2009, no Cartório Notarial ..., a outorga do negócio prometido, declarando nessa missiva ter procedido à correção de algumas das situações pelo Autor apontadas na carta de 12 de Dezembro de 2008, como são exemplos o lava louça de copa e meia e a instalação elétrica das tomadas de wc com 2x4mm+Te proteção de 20ª, informando que a tubagem completa para instalação de kit solar já se encontrava instalada de Agosto de 2008, tal como o havia solicitado o Autor, não aceitando as demais reclamações, com exceção do soalho, que estava em carvalho, quando devia estar em afizélia, propondo trocar o soalho antes de 20 de Fevereiro de 2009, ou, mantendo o soalho, concordar com um desconto de € 5 000,00 no preço de compra.

Concluiu esta missiva do seguinte modo;

“Para tal, deverá notificar-nos no prazo de 10 dias, dizendo se aceita ou não algumas das propostas apresentadas, bem como a realização na data agendada da escritura pública.

Se V.Exc. dentro do prazo estipulado nada disser, ou não aceitar nenhuma das sugestões para ultrapassar a questão do chão, e não comparecer na escritura, entendemos que o seu comportamento consubstancia o protelar sem fundamento e por isso inadmissível e de nítida má fé a escritura pública de compra e venda. Se assim for, fica desde já notificado que não voltaremos a dialogar fora dos meios judiciais, recorrendo aos mesmos não só para dirimir todo e qualquer conflito latente, bem como para fixação judicial do prazo para a realização de escritura pública, sendo que todas as despesas de tais demandas sairão por conta de V. Exc. Que dará causa às mesmas”.

19-A) Em 02.02.2009, o Autor remeteu à sociedade ..., Limitada, uma carta com o seguinte conteúdo, além do mais:

AA, promitente comprador (PC) da fração AAJ do prédio sito a Rua ... , … – …, tem reunido com Vasquez Rodrigues, Lda, promitente vendedor (PV), tendo a última reunião ocorrido em 2009.01.27.

...

Hoje mesmo o PV não dá as obras por terminadas naquela fração e, além disso, registam-se anomalias de construção e acabamento que as partes reconhecem e identificam e têm de ser reparadas antes da realização da escritura.

O protelar por mais de dois anos a “entrega” da fração dá ao PC o direito de rescisão do contrato-promessa de compra e venda por incumprimento do PV o que o obriga a restituir ao PC o dobro das importâncias entretanto adiantadas ... que deverão ser disponibilizadas dentro de trinta dias no fim dos quais serão devidos juros de mora à taxa legal.

...

O PC envidou todos os esforços para que o PV equacionasse e compreendesse a situação adversa que criou e as consequências danosas para o comprador [5].

20) O Autor não compareceu à escritura pública agendada para 20 de Fevereiro de 2009.

20-B) Em 08-05-2009, o Autor remeteu à sociedade Vasquez Rodrigues Limitada, uma carta com o seguinte conteúdo, além do mais:

Vasquez Rodrigues, Lda tem promovido diligências no sentido de reabilitar e/ou renegociar o/um contrato promessa de compra e venda do apartamento designado por fração AAJ no prédio sito à Rua ..., ..., ....

...

O signatário deslocou-se ao local em 2009.05.07 e verificou que as anomalias e demais não conformidades antes referidas, permanecem e, nesta conformidade, não há lugar a qualquer reabilitação e/ou renegociação do/dum contrato [6].

21) Em 22 de Maio de 2009 a sociedade Vasquez Rodrigues, Limitada, enviou uma carta para o domicílio do Autor, com o seguinte conteúdo, além do mais:

Vimos pela presente, na sequência da sua carta registada datada de 08.05.2009 acusar a sua receção e responder à mesma nos seguintes termos:

É completamente falso que alguma vez a Vasquez Rodrigues, Lda tenha sequer aflorado o tema “reabilitação ou renegociação” de qualquer contrato-promessa relativo à fração AAJ, pois apenas e só se propôs ultrapassar a questão do chão.

É igualmente falso o que se refere nos parágrafos 2.º, 3.º e 4.º da S/ carta, pois, como sabe, desde o5 de fevereiro de 2009, que todas as situações que com ou sem razão V. EXc. Havia chamado a atenção, já se encontram regularizadas.

Contudo V. Exc. Não se dignou, como era sua obrigação, de responder sequer à nossa anterior carta/notificação da marcação da escritura. 

Por outro lado também não compareceu à escritura agendada para o dia 20 de fevereiro de 2009, pelo que já se encontra, e desde essa data, para os devidos efeitos em MORA.

Assim somos mais uma vez, e desta feita pela última vez sob a forma extrajudicial, a notificá-lo da nova data agendada para a realização da escritura pública relativa à fração AAJ....a qual deverá realizar-se no dia 15 de junho de 2009, pelas 14.30 horas, no Cartório Notarial ......

Assim, porque já se encontra em MORA, se v Exc. Não comparecer na escritura, entendemos que definitivamente, o seu comportamento, consubstancia o protelar sem fundamento e por isso inadmissível e de nítida má fé a escritura pública de compra e venda, convertendo-se automaticamente a MORA em Incumprimento Definitivo.

Se assim for, fica desde já notificado que após aquela data faremos nosso o valor do sinal entregue, e não voltaremos a dialogar fora dos meios judiciais [7].

22) Entre 17 de Maio de 2009 e 02 de Junho de 2009, o Autor esteve internado no serviço de “Int. Cirurgia 3” do Hospital  ..., no ..., tendo entrado pelo serviço de urgência desse hospital no dia 17 de Maio de 2009, na sequência de doença súbita [8].

23) Após a alta hospitalar, 02 de Junho de 2009, o Autor não regressou ao seu domicílio, antes passou um período de tempo não inferior a 15 dias no domicílio da sua companheira, em ....

24) A 15 de Junho de 2009 o Autor não compareceu no local agendado pela sociedade “Vasquez Rodrigues, Ldª, para a outorga do contrato prometido.

25) Por carta datada de 07 de Agosto de 2009, a sociedade “Vasquez Rodrigues, Lda.”, comunicou ao Autor o seguinte:

Vimos pela presente notificá-lo/informá-lo do seguinte:

Vexc. encontrava-se em mora desde 20 de fevereiro de 2009, data em que não compareceu à Escritura de compra e venda.

Em 27 de maio de 2009, foi-lhe remetida nova Carta Registada Com Aviso de Receção, a marcar nova data para a realização da escritura de compra e venda para a data de 15 de junho de 2009, pelas 14:30 horas, tendo-lhe ainda e por mera cortesia, sido na mesma enviada uma carta igual em correio simples.

Como sabe, a carta registada com AR foi devolvida por V EXc. Não a ter reclamado nos CTT, ou seja no fundo recusou recebê-la.

Como sabe ainda, a alínea b) da cláusula sétima do contrato promessa de compra e venda por nós aceite, prevê o seguinte: A recusa de recebimento de qualquer comunicação vale para todos os efeitos como comunicação efetuada”.

Assim, já em mora e encontrando-se devidamente notificado para comparecer na escritura pública agendada para 15 de junho de 2009, V. Exc. Ciente das consequências que advinham pelo não comparecimento na mesma, faltou deliberadamente à agendada escritura.

Por esse facto, a mora de V. Exc. converteu-se em incumprimento definitivo.

Em consequência de tal incumprimento definitivo, tal como havíamos já referido na nossa anterior Carta registada, fazemos nossas todas as quantias relativas a sinal e reforço de sinal entregue até à presente data, e que se cifram em 71.000,00 euros [9].

26) No balanço de 2014, a sociedade “Vasquez Rodrigues, Lda.”, apresentava um passivo de € 423 634,84.

27) No balanço de 2014, a sociedade “Vasquez Rodrigues, Lda.”, apresentava um ativo de € 11 698,00.

28) As contas da sociedade “Vasquez Rodrigues, Lda.”, relativas ao exercício de 2013 não foram apresentadas na Conservatória do Registo Comercial.

29) Por escritura celebrada a 19 de Dezembro de 2013, a sociedade “Vasquez Rodrigues, Lda.”, nesse ato representada por FF, declarou vender, e DD declarou comprar, pelo preço de € 120 000,00, que as partes declararam ter já sido pago, a fração autónoma, designada pelas letras “AAJ”, do prédio, constituído em regime de propriedade horizontal, sito no gaveto da rua ..., da rua ... e da rua de … ..., freguesia e ..., …, descrito na conservatória do registo predial sob o nº ……11

30) Posteriormente, o direito de propriedade sobre a fracção autónoma referida em 29) foi transmitido por DD e EE, por compra, a MM e NN, o que foi registado pela Apresentação 2258, de 03/09/14.

31) Por escritura celebrada a 19 de Dezembro de 2013, a sociedade “Vasquez Rodrigues, Lda.”, nesse ato representada por FF, declarou vender, e BB declarou comprar, pelo preço de € 120 000,00, que as partes declararam ter já sido pago, a fração autónoma, designada pelas letras “AL”, do prédio, constituído em regime de propriedade horizontal, sito no gaveto da rua ..., da rua ... e da rua ……, freguesia e ..., …, descrito na conservatória do registo predial sob o nº .......11

32) Posteriormente, o direito de propriedade sobre a fração autónoma referida em 31) foi por BB transmitido a terceiros, por venda.

33) Por escritura celebrada a 19 de Dezembro de 2013, a sociedade “Vasquez Rodrigues, Lda.”, nesse ato representada por FF, declarou vender, e DD declarou comprar, pelo preço de € 120.000,00, que as partes declararam ter já sido pago, a fração autónoma, designada pelas letras “AAJ”, do prédio, constituído em regime de propriedade horizontal, sito no gaveto da rua ..., da rua ... e da rua de …..., freguesia e ..., ..., descrito na conservatória do registo predial sob o nº ...11

34) Posteriormente, o direito de propriedade sobre as frações autónomas “AR”, “AAB” e “AAL” referidas em 33) foi por LL transmitido a HH, por venda, que por sua vez o alienou a terceiros.

35) Por escritura celebrada a 19 de Dezembro de 2013, a sociedade “Vasquez Rodrigues, Lda.”, nesse ato representada por BB, declarou vender, e FF declarou comprar, pelo preço de € 120 000,00, que as partes declararam ter já sido pago, a fração autónoma, designada pela letra “S” do prédio, constituído em regime de propriedade horizontal, sito no gaveto da rua ..., da rua ... e da rua de ... ..., freguesia e ..., …, descrito na conservatória do registo predial sob o nº .......11

36) Por escritura celebrada a 19 de Dezembro de 2013, a sociedade “Vasquez Rodrigues, Lda.”, nesse ato representada por BB, declarou vender, e DD e GG declararam comprar, em comum e partes iguais, pelo preço de € 160 000,00, que as partes declararam ter já sido pago, a fração autónoma, designada pela letra “C” do prédio, constituído em regime de propriedade horizontal, sito no gaveto da Rua ..., da Rua ... e da Rua de ... ..., freguesia de ..., …, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ......11

37) Posteriormente, ½ do direito de propriedade sobre a fração autónoma referida em 36) foi transmitido por DD e EE, por venda, a MM e NN.

38) LL, NN e MM são familiares dos restantes Réus.

39) Os preços declarados como recebidos nos negócios referidos em 29), 31), 33), 35) e 36) não deram entrada no “caixa” da sociedade “Vasquez Rodrigues, Lda.”.

40) Nos exercícios económicos de 2009 (- 546 526,24), 2010 (- 456 919,81), 2011 (- 270 460,58), 2012 (- 198 014,19) e 2014 (- 411 936,84) a sociedade “Vasquez Rodrigues, Lda.”, sempre apresentou capitais próprios negativos.

41) O património líquido da sociedade “Vasquez Rodrigues, Lda.”, entre 2009 e 2014, foi deficitário, necessitando financiamento.

42) Nas contas relativas ao exercício de 2009, a sociedade “Vasquez Rodrigues, Lda.”, apresenta um passivo total de € 5 151 041,28, sendo superior ao activo.

43) Nas contas relativas ao exercício de 2010, a sociedade “Vasquez Rodrigues, Lda.”,  não apresenta qualquer valor na rubrica «acionistas/sócios» do passivo, e a rúbrica «financiamentos obtidos tem apostos 2 montantes: a soma dos financiamentos obtidos e dos empréstimos dos sócios em 2009.

44) Nas contas relativas ao exercício de 2011, a sociedade “Vasquez Rodrigues, Lda.”, apresenta € 1 815 161,27 no passivo não corrente, não surgindo o valor do ano anterior a esse balanço.

45) Nas contas relativas ao exercício de 2012, a sociedade “Vasquez Rodrigues, Lda.”, não apresenta passivo não corrente, mas apenas financiamentos obtidos no valor global de € 1 580 408,90.

46) No exercício de 2012, o valor do capital próprio da sociedade “Vasquez Rodrigues, Lda.”, incluindo o resultado líquido do exercício, era inferior à soma do capital social e das reservas.

47) O preço de venda declarado nos negócios referidos em 29), 31), 33), 35) e 36) foi inferior aos valores de mercado dos imóveis aí identificados como transmitidos.

48) Durante a construção, o Autor frequentemente visitou o imóvel, tendo acompanhado as obras desde o momento da celebração do contrato promessa, e apercebeu-se que a data contratualmente fixada para a conclusão não iria ser respeitada.

49) Até final de 2008 o Autor jamais apresentou junto da sociedade “Vasquez Rodrigues, Lda.”, reclamação pelo atraso na conclusão da obra, nem manifestou intenção de reclamar qualquer tipo de prejuízos.

50) Durante a fase de acabamentos do imóvel decorreram diversas conversas e reuniões entre o Autor e os responsáveis da sociedade “Vasquez Rodrigues, Lda.”, nas quais o Autor invocou um conjunto de trabalhos e acabamentos e falta e/ou deficientes na execução.

51) Na sequência de reclamações do Autor, a sociedade “Vasquez Rodrigues, Lda.”, levou a cabo diversas reparações/alterações na fração autónoma que prometeu vender ao Autor, designadamente ao nível dos acabamentos das varandas, cozinha, casas de banho e soalhos de todas as divisões do apartamento.

52) Pelo menos a 15 de Junho de 2009 o soalho colocado na fração autónoma prometida vender ao Autor era em afizélia, o circuito elétrico para o “kit” solar mostrava-se colocado, os espelhos panorâmicos estavam colocados e na cozinha estava colocado um lava-loiça de copa e meia.

53) A sociedade “Vasquez Rodrigues, Lda.” foi simultaneamente a construtora, vendedora e dona da obra do imóvel onde se integra a fração objeto do litígio.

                                               *

IV – O direito aplicável

1. Enquadramento do objeto do recurso

A 14 de Junho de 2005, o Autor e a sociedade “Vasquez Rodrigues, Lda.”, celebraram um contrato promessa de compra e venda pelo qual, o primeiro prometeu comprar e a segunda prometeu vender, pelo preço de € 155.000,00, uma fração autónoma, correspondente a uma habitação tipo T2, implantada no ... andar do bloco ... de um prédio urbano, comercialmente denominado “...”, em edificação.

A sociedade “Vasquez Rodrigues, Lda.”, era simultaneamente a construtora, a vendedora e a dona do imóvel onde se integrava a fração prometida vender.

Naquele contrato-promessa fixou-se 31 de Dezembro de 2006 como data prevista para a conclusão da construção do imóvel e estabeleceu-se que o contrato prometido seria celebrado nos 30 dias subsequentes à obtenção da respetiva licença de utilização, e ainda que a sociedade “Vasquez Rodrigues, Lda.”, procederia ao agendamento da escritura de compra e venda.

No momento da outorga deste contrato, o Autor entregou à sociedade “Vasquez Rodrigues, Lda.”, a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de € 23.700,00, tendo esse sinal sido reforçado com mais duas entregas de € 23.700,00, cada uma, a 14 de Dezembro de 2005 e a 14 de Junho de 2006.

Por carta datada de 07 de Agosto de 2009, a sociedade “Vasquez Rodrigues, Lda.”, comunicou ao Autor que, devido a este ter faltado a várias marcações da escritura, apesar de, na última vez, ter sido avisado que a sua falta seria considerada um incumprimento definitivo do contrato-promessa, fazia suas as quantias até essa data entregues pelo Autor, a título de sinal e reforço, no valor global de € 71.100,00, revelando assim a sua vontade de resolver o contrato-promessa.

Mais tarde, por escritura celebrada a 19 de Dezembro de 2013, a sociedade “Vasquez Rodrigues, Lda.”, declarou vender, e DD declarou comprar, pelo preço de € 120 000,00, que as partes declararam ter já sido pago, aquela fração autónoma, a qual foi posteriormente vendida por DD e EE, a MM e NN.

Na presente ação, o Autor, além do mais, formulou, subsidiariamente, o pedido de devolução das quantias entregues a título de sinal, com fundamento em que não lhe é imputável o incumprimento do contrato-promessa.

Este pedido, após toda a ação ter sido julgada improcedente pela sentença proferida na 1.ª instância, veio a ser acolhido pelo acórdão do Tribunal da Relação, que considerou que o Autor apenas se constituiu em mora e não em incumprimento definitivo, ao faltar à escritura marcada para o dia 15.06.2009, não sendo por isso legítima a resolução do contrato-promessa comunicada pela carta de 07.08.09, enviada pela sociedade promitente vendedora.

É pela verificação do incumprimento definitivo do contrato-promessa por parte do Autor que se batem os Réus no recurso de revista interposto, o qual legitimaria a apropriação das quantias entregues a título de sinal, nos termos do artigo 442.º, n.º 2, do Código Civil.

Para análise desta questão há que encadear cronologicamente o filme da execução do contrato-promessa que consta da matéria de facto provada.

2. Do incumprimento do contrato-promessa

Em primeiro lugar, constata-se que a data prevista no contrato-promessa para a conclusão da construção – 31.12.2006 – não foi observada, sem que daí, porém, resulte qualquer consequência para o apuramento da responsabilidade pelo incumprimento do contrato-promessa, não só porque aquela data se tratava de uma simples previsão, mas também porque se provou que, durante a construção, o Autor frequentemente visitou o imóvel, tendo acompanhado as obras desde o momento da celebração do contrato promessa, tendo-se apercebido que a data contratualmente fixada para a conclusão não iria ser respeitada, não tendo, até final de 2008, apresentado junto da sociedade “Vasquez Rodrigues, Lda.”, qualquer reclamação pelo atraso na conclusão da obra, nem manifestado intenção de reclamar qualquer tipo de prejuízos.

As partes haviam também acordado que o contrato prometido seria celebrado nos 30 dias subsequentes à obtenção da licença de utilização do imóvel e ainda que a sociedade “Vasquez Rodrigues, Lda.” procederia ao agendamento da escritura de compra e venda. Tendo em consideração que dos termos do contrato e do comportamento posterior das partes se revela que aquele prazo não era um prazo fixo, cuja ultrapassagem determinava inexoravelmente o incumprimento definitivo do contrato-promessa, do facto da licença de utilização da fração autónoma prometida vender ao Autor ter sido emitida a 07 de Julho de 2008 e a sociedade “Vasquez Rodrigues, Lda.”, ter procedido, apenas em 05.12.08, ao agendamento da respetiva escritura pública para o dia 22.12.2008, apenas se pode retirar que a promitente-vendedora agiu tardiamente, encontrando-se, portanto, numa situação de mora no cumprimento do dever acessória de marcação da escritura do negócio prometido.

A esta marcação tardia da escritura do negócio prometido, o Autor respondeu em 12.12.2008, alegando que faltava realizar um conjunto de trabalhos e acabamentos cuja falta e/ou deficiência, no seu entender, nesse momento, obstavam à celebração do negócio prometido, pelo que a escritura só deveria ser marcada, após a conclusão desses trabalhos e acabamentos.

Uma vez que nos encontramos perante um contrato-promessa de venda de um imóvel em que o promitente vendedor é também o seu construtor, o regime da responsabilidade contratual pelos defeitos da obra no contrato de empreitada é aqui aplicável, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 1225.º, n.º 4, e 410.º,  n.º 1, do Código Civil [10].

O facto do contrato-promessa de compra e venda não assegurar ainda a transmissão do direito de propriedade sobre o imóvel não impede a responsabilização do construtor pelos defeitos nele existentes. O promitente-vendedor, com a celebração do contrato-promessa, fica vinculado a abster-se de quaisquer comportamentos que possam comprometer a viabilidade do contrato prometido, tal como fica adstrito à prática dos atos necessários ao cumprimento pontual da sua obrigação de contratar. Daí que a construção defeituosa do imóvel prometido vender, se traduza já num incumprimento a estes deveres acessórios do promitente-vendedor, o que justifica a aplicação do regime previsto para a venda de coisas defeituosas, atento o mencionado princípio da equiparação do regime do contrato prometido ao respetivo contrato-promessa.

 Com a celebração do contrato-promessa o promitente-vendedor fica vinculado a futuramente transmitir o direito de propriedade sobre um determinado imóvel com as características prometidas. Se, no momento em que deve ocorrer essa transmissão, o imóvel revela vícios ou desconformidades face ao prometido, não salvaguarda os interesses de ambas as partes que o promitente-comprador fique numa posição de escolha entre a resolução do contrato-promessa, frustrando-se o negócio mutuamente desejado por ambas as partes, e a aquisição de um imóvel com defeitos. Não faz sentido ser necessário esperar que se concretize o negócio prometido para que se acionem os mecanismos de harmonização de interesses previstos para a venda de coisas defeituosas, pelo que, aplicando o princípio da equiparação do regime do contrato prometido ao respetivo contrato-promessa, pode o promitente-comprador de imóvel construído pelo próprio vendedor exercer os direitos previstos nos art.º 1221.º e seg. do C.C., antes da outorga da escritura de compra e venda.

...

Verificando-se a existência de defeitos no imóvel prometido vender pelo seu construtor, pode o promitente-comprador, antes da outorga do contrato de compra e venda, denunciá-los e solicitar a sua eliminação, ou a realização de nova obra, nos termos dos art.º 1221.º e 1225.º do C.C. [11].

Foi precisamente essa denúncia e o pedido de eliminação das deficiências relatadas que foi feita pela carta remetida pelo Autor à promitente-vendedora construtora em 12.12.2008.

Tendo em consideração que a promitente-vendedora, pela carta remetida a 15.01.2009 ao Autor, reconheceu que se verificavam algumas das deficiências por ele denunciadas, a recusa deste em outorgar a escritura até que essas deficiências fossem reparadas, revela-se um exercício legítimo da exceção de não cumprimento do contrato, na modalidade exceptio non rite adimpleti contractus, admitida pelo artigo 428.º, n.º 1, do Código Civil [12].

Por carta remetida a 15 de Janeiro de 2009, a sociedade “Vasquez Rodrigues, Lda.”, comunicou ao Autor ter agendado para o dia 20 de Fevereiro de 2009, a outorga do negócio prometido, declarando nessa mesma missiva ter já procedido à correção de algumas das situações pelo Autor apontadas na carta de 12 de Dezembro de 2008, e não aceitando as demais reclamações, com exceção do soalho, que estava em carvalho, quando devia estar em afizélia, propondo trocar o soalho antes de 20 de Fevereiro de 2009, ou, mantendo o soalho, concordar com um desconto de € 5 000,00 no preço de compra, devendo para tal o Autor comunicar, no prazo de 10 dias, a sua opção.

O Autor respondeu a esta carta com uma missiva com um sentido equívoco, tendo por fundamento a posição de que, contrariamente ao referido pela promitente-vendedora, subsistiam deficiências na fração prometida vender, para além do tipo de soalho. Nessa carta, o Autor refere, por um lado que as deficiências tem que ser reparadas até à data da realização da escritura, o que pressupõe uma vontade de manutenção do contrato, mas, por outro lado, refere que tem direito a que lhe seja restituído o sinal em dobro, o que pressupõe uma vontade de resolver o contrato.

Atento o sentido equívoco desta carta, não é possível dela retirar um comportamento por parte do Autor equivalente a um recusa categórica em outorgar o contrato prometido, que pudesse ser considerado um incumprimento definitivo do contrato-promessa. Dela apenas se poderá extrair a vontade do Autor em não celebrar a escritura enquanto todas as deficiências por ele denunciadas não se encontrassem reparadas.

Certo é que o Autor não compareceu à escritura pública agendada para 20 de Fevereiro de 2009.

Relativamente às denunciadas deficiências da fração, apenas se apurou que na sequência de reclamações do Autor, a sociedade “Vasquez Rodrigues, Lda.”, levou a cabo diversas reparações/alterações na fração autónoma que prometeu vender ao Autor, designadamente ao nível dos acabamentos das varandas, cozinha, casas de banho e soalhos de todas as divisões do apartamento e que, pelo menos a 15 de Junho de 2009, o soalho colocado na fração autónoma prometida vender ao Autor era em afizélia, o circuito elétrico para o “kit” solar mostrava-se colocado, os espelhos panorâmicos estavam colocados e na cozinha estava colocado um lava-loiça de copa e meia.

Desconhece-se, contudo, em que data é que estas obras foram efetuadas, designadamente se elas já se encontravam realizadas na data em que o Autor faltou à escritura à escritura pública agendada para o dia 20 de Fevereiro de 2009.

Era aos Réus que competia demonstrar esse facto, demonstrativo que já havia cessado a situação de cumprimento defeituoso que justificava a exceptio non rite adimpleti contractus, pela realização das obras de reparação a que estava obrigada a sociedade promitente vendedora, nos termos do artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil. Daí que, dado os Réus não terem logrado demonstrar que. naquela data de 20 de fevereiro de 2009, já estavam reparadas todas as deficiências denunciadas pelo Autor e reconhecidas pela sociedade promitente vendedora, não é possível concluir que a não comparência do Autor para a realização da escritura naquela data já não estivesse legitimada pelo instituto da exceptio, previsto no artigo 428.º do Código Civil, pelo que não se provou que o Autor, com essa não comparência, tivesse incorrido numa situação de mora que lhe fosse imputável.

Por carta datada de 22 de Maio de 2009, a sociedade “Vasquez Rodrigues, Lda.”, comunicou ao Autor – no essencial - o agendamento do contrato prometido para 15 de Junho de 2009, no Cartório Notarial ..., expressamente advertindo o Autor que o seu não comparecimento converteria a situação de mora em incumprimento definitivo.

 O Autor, mais uma vez, não compareceu nessa data para outorgar o contrato prometido.

Independentemente da relevância da situação de doença que afetou o Autor, a partir do dia 17 de maio de 2009, no incumprimento do contrato-promessa, conforme bem explicou o acórdão recorrido, a interpelação da sociedade promitente vendedora efetuada pela carta de 22 de maio de 2009 não tem a virtualidade de converter a falta do Autora à escritura agendada para o dia 15 de junho de 2009, no Cartório Notarial ..., num incumprimento definitivo da obrigação assumida pelo promitente comprador no contrato-promessa.

Na verdade, essa interpelação admonitória continha o pressuposto de que o Autor já anteriormente se encontrava numa situação de mora. Nela se dizia que, estando o Autor em mora, porque havia faltado à anterior marcação (em 20 de fevereiro de 2009), caso voltasse a faltar na nova data (15 de junho de 2009) incorreria no incumprimento definitivo da obrigação de contratar.

Efetivamente, o artigo 808.º, n.º 1, do Código Civil, permite que o credor, admonitoriamente, fixe um prazo derradeiro para o devedor cumprir a sua obrigação, sob a cominação desta se considerar definitivamente incumprida, mas uma interpelação com estas caraterísticas, não tendo sido fixado ab initio um prazo perentório, só pode ser efetuada quando já se verifica anteriormente uma situação de mora, imputável ao devedor [13].

Ora, como já vimos, não se provou que o Autor, devido a não ter comparecido no dia 20 de fevereiro de 2009, tivesse incorrido numa situação de mora, pelo que, não estando provado o pressuposto da interpelação admonitória, a mesma não tem o efeito anunciado, que é o previsto no artigo 808.º, n.º 1, do Código Civil, ou seja, a falta do Autor no dia 15 de junho de 2009, se o colocou, agora sim, numa situação de mora, uma vez que se provou que as obras de reparação das deficiências denunciadas e reconhecidas já tinham sido realizadas nessa data, não permite que essa mora seja considerada um incumprimento definitivo.

A simples situação de mora no cumprimento de um contrato promessa por parte do promitente-comprador não confere ao promitente vendedor a faculdade deste fazer seu o sinal recebido, estando tal consequência, prevista no artigo 442.º, n.º 2, do Código Civil, para a resolução do contrato-promessa, por incumprimento definitivo do promitente-comprador.

Por isso, a apropriação pela sociedade promitente vendedora das quantias entregues pelo Autor, a título de sinal, comunicada pela carta de 7 de agosto de 2009, foi ilegítima.

Não sendo já possível a celebração do contrato-promessa, uma vez que a fração prometida vender ao Autor, já foi vendida a terceiros, há, por isso, que restituir àquele as quantias entregues a título de sinal à sociedade promitente-vendedora (artigo 442.º, n.º 1, do Código Civil), obrigação que recai agora sobre os sócios liquidatários.

Por estas razões, deve o recurso de revista ser julgado improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

Face à improcedência do recurso interposto pelos Réus, fica prejudicada a apreciação da existência das nulidades e dos restantes fundamentos da petição inicial, subsidiariamente invocadas pelo Autor nas contra-alegações.

Verifica-se que, por mero lapso, o acórdão recorrido condenou na restituição das quantias entregues a título de sinal, o sócio da sociedade promitente vendedora, RR, o qual conforme consta dos autos já havia falecido à data da propositura da presente ação, tendo esta sido proposta contra os herdeiros incertos daquele.

Estes herdeiros vieram a ser determinados no decurso da ação (PP, QQ e OO), tendo sido citados nessa qualidade, pelo que devem ser condenados, enquanto sucessores do referido sócio da promitente vendedora, RR, retificando-se, desse modo o lapso material constante do acórdão recorrido.

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Decisão

Pelo exposto, julga-se improcedente a revista e, em consequência, confirma-se o acórdão recorrido, substituindo-se enquanto Réu condenado, RR, pelos Réus PP, QQ e OO, na qualidade de sucessores daquele.

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Custas da revista pelos Recorrentes.

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Notifique.

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Nos termos do artigo 15º-A do Decreto-Lei n.º 10-A, de 13 de março, aditado pelo Decreto-Lei nº 20/20, de 1 de maio, declaro que o presente acórdão tem o voto de conformidade dos restantes juízes que compõem este coletivo.


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Lisboa, 13 de maio de 2021

João Cura Mariano (relator)

Fernando Baptista

Abrantes Geraldes

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[1] Redação corrigida de acordo com o texto das cláusulas primeira e terceira do contrato junto aos autos com a p.i. como doc. n.º 3.
[2] Texto do anexo do contrato junto aos autos com a p.i. como doc. n.º 3.
[3] Aditado o dia marcado para a realização da escritura, conforme consta do teor da referida carta junta com a p.i. como doc. n.º 7.
[4] Aditada a conclusão da carta, conforme consta do teor do seu teor, que foi junta com a p.i. como doc. n.º 10.
[5] Teor da carta junta pelos Réus com a contestação como doc. n.º 2, cuja autoria não foi impugnada pelo Autor.
[6] Teor da carta junta pelos Réus com a contestação como doc. n.º 3, cuja autoria não foi impugnada pelo Autor.
[7] Transcrição do conteúdo da carta que se dava por reproduzido neste ponto dos factos provados.
[8] Retificado lapso de escrita que constava neste número da matéria de facto do acórdão recorrido.
[9] Transcrição do conteúdo da carta que que reproduzia este ponto dos factos provados.
[10] JOÃO CURA MARIANO, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 7.ª ed., Almedina, 2020, pág. 207, PEDRO DE ALBUQUERQUE/MIGUEL ASSIS RAIMUNDO, Direito das Obrigações, Contratos em Especial. Contrato de Empreitada, Almedina, vol. II, 2012, pág. 464, e JOÃO SERRAS DE SOUSA, Código Civil Anotado, vol. I, Almedina, 2017, pág. 1524.
[11] JOÃO CURA MARIANO, ob. cit., pág. 207-209.
[12] Neste sentido, PEDRO ROMANO MARTINEZ, Cumprimento defeituoso. Em Especial na Compra e Venda e na Empreitada, reimpressão, Almedina, 2001, pág. 411-412, JOÃO CURA MARIANO, ob. cit., pág. 210, e os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15.10.1980, no B.M.J. n.º 300 (Rel. Campos Costa), e de 25.03.2004, Proc. n.º 04A398 (Rel. Azevedo Ramos), em www.dgsi.pt.
[13] MARIA DA GRAÇA TRIGO e MARIANA NUNES MARTINS, Comentário ao Código Civil. Direito das Obrigações. Das Obrigações em Geral, Universidade Católica Editora, 2018, pág. 1144, e ANA PRATA, Código Civil Anotado, vol. I, Almedina, 2017, pág. 552.