Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
411/11.6TBGMR-A.G1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: FERNANDA ISABEL PEREIRA
Descritores: OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
SENTENÇA
LEGITIMIDADE
TERCEIRO
IMPUGNAÇÃO PAULIANA
BENS DE TERCEIRO
Data do Acordão: 10/16/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO PROCESSUAL CIVIL / EXECUÇÃO PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA / LEGITIMIDADE / TERCEIRO / IMPUGNAÇÃO PAULIANA
Doutrina: - Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, «Manual de Processo Civil», 2.ª ed. Pág. 693;
- Anselmo de Castro, «A acção singular, Comum e Especial», 3.ª ed., Coimbra Editora, pág. 82;
- Pires de Lima e Antunes Varela, «Código Civil Anotado», vol. II, 4.ª ed., pag. 90.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL: ARTS. 363.º, N.º 2, 369.º, 383.º, N.º 1, 610.º, 616.º, 818.º
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL: ARTS. 55.º, 56.º, N.º 2, 659.º, N.º 3, 712.º, 713.º, N.º 2, 821.º, N.º 2;
NCPC (2013): ART.53.º, 54.º, N.º 2, 607.º, N.º 4, 615.º, N.º 1, ALS. B) E C), 662.º, 663.º, 666.º E 735.º, N.º 2;
Sumário :
I - Na fundamentação do seu acórdão deve a Relação tomar em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou pelas regras da experiência.

II - Agiu, a Relação, em conformidade com a imposição legal, constante do n.º 4 do art. 607.º do CPC, ao considerar na factualidade provada os factos constantes das certidões de decisões judiciais já transitadas em julgado – documentos esses dotados de força probatória plena – completando assim a remissão genérica para o requerimento executivo.

III - A impugnação pauliana, enquanto garantia geral das obrigações, visa a conservação da garantia patrimonial do credor, razão pela qual a procedência da mesma confere ao credor o direito à restituição dos bens na medida do seu interesse e o direito a executá-los no património do obrigado à restituição (arts. 610.º e 616.º do CC).

IV - Não obstante o art. 616.º do CC fazer apenas referência aos «bens onerados com garantia real», o mesmo artigo é igualmente aplicável aos bens em poder do adquirente do devedor por acto que tenha sido objecto de impugnação pauliana.

V - É irrelevante a sequência temporal da acção de impugnação pauliana e da acção de condenação, cuja sentença constitui título executivo na presente execução; apenas releva para este efeito que o crédito seja anterior à prática do acto lesivo da garantia patrimonial do credor, não se exigindo o prévio reconhecimento judicial desse direito.

VI - É parte legítima na execução o terceiro adquirente do bem imóvel (objecto de apreciação na impugnação pauliana), mesmo que o mesmo não tenha sido parte na acção condenatória cuja sentença constitui título executivo, pois só assim poderá o exequente alcançar a satisfação do seu crédito através daquele bem.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



I. Relatório:

Por apenso à execução para pagamento de quantia certa que AA, Ldª., instaurou contra Construções e Imobiliária BB, Lda. e CC Construções, Ldª, veio esta executada, CC Construções, Ldª, deduzir, em 13 de Fevereiro de 2012, oposição à execução, excepcionando a sua ilegitimidade em face dos títulos dados à execução.

A exequente respondeu, afirmando a legitimidade da executada, ora oponente, por força do disposto no artigo 56.º do Código de Processo Civil, na redacção do DL nº 303/2007, de 24 de Agosto, por ter transitado em julgado a sentença que julgou procedente a impugnação pauliana que deduzira contra a mesma, a qual prestou caução destinada para evitar que se executasse o prédio em causa.

Concluiu pugnando pela improcedência da oposição

Findos os articulados, foi proferido despacho saneador, em 13 de Maio de 2012, conhecendo de mérito, nos termos do disposto no artigo 510º, n.º 1, b), ex vi art.ºs 463º, n.º 1 e 787º, todos do Código de Processo Civil, na redacção do DL nº 303/2007, de 24 de Agosto, então, decidindo:

- «De acordo com os fundamentos expostos e os normativos legais aplicáveis, julga-se procedente a presente oposição à execução e, nessa sequência: - absolve-se a opoente CC Construções, Ldª da execução contra si instaurada, julgando-se a mesma extinta nessa parte


Inconformada, apelou a exequente.

O Tribunal da Relação de Guimarães, por acórdão de 13 de Fevereiro de 2014, revogou a decisão da 1ª instância e julgou improcedente a oposição que CC – Construções, Lda., moveu à execução.  


A oponente recorreu de revista, formulando, em resumo, as seguintes conclusões relevantes:

1ª Estava vedado ao Exmo. Tribunal a quo considerar como provada a matéria de facto identificada nos pontos 5 e 6 dos fundamentos de facto e, por via daquela matéria, retirar as conclusões que fundaram a douta decisão recorrida;

2ª O que consubstancia falta de especificação dos fundamentos, de facto e de direito, da decisão recorrida que conduziram a uma eventual modificação da matéria de facto julgada como provada;

3ª Caso assim se não entenda, o douto Acórdão também padece de manifesta ambiguidade e/ou obscuridade que o torna ininteligível;

4ª O que, ao abrigo das alíneas b) e c) do n° 1 do artigo 615°, aplicável ex vi do disposto no artigo 666°, ambos do CPC na redacção actualmente em vigor, determina a nulidade do Acórdão em crise;

5ª Dos elementos documentais disponíveis nos autos decorre que a Exequente, ora Recorrida, intentou uma acção contra Construções e Imobiliária BB, Lda. e a Recorrente, que correu termos sob o n° 884/03.0TCGMR, e que, julgando parcialmente procedente os pedidos da Recorrida, declarou ineficaz o negócio celebrado pelas Rés desses autos;

6ª Não obstante a procedência da impugnação pauliana resultante da sentença proferida no Proc. n° 884/03.0TCGMR, ainda não estava judicialmente reconhecido o direito de crédito da Recorrida sobre a executada Construções e Imobiliário BB, Lda., o qual foi reconhecido no âmbito do Proc. n° 229/08.3TCGMR e do qual resultou somente condenação desta executada no pagamento à Recorrida de uma quantia pecuniária;

7ª Para que a Recorrida tivesse um título executivo plenamente eficaz e vinculativo - já possuindo a sentença transitada em julgado em que se declarou de ineficácia do negócio jurídico entre a Recorrida e a aludida Construções e Imobiliário BB, Lda., deveria ter intentado a acção que correu termos sob o n° 229/08.3TCGMR também contra a ora Recorrente;

8ª Deste modo, a sentença proferida nos autos que correram termos sob o n° 229/08.3TCGMR não tem força de caso julgado contra a Recorrente;

9ª Assim sendo, não podia a Recorrida invocar e fazer prevalecer-se, no caso concreto, de um título executivo do qual não resulta qualquer responsabilidade da Recorrente pelo pagamento da, eventual e hipotética, dívida exequenda;

10ª E, não sendo aplicável ao caso dos autos nenhum dos desvios à regra prevista no artigo 55° (actual 53°) supra aludido, a Recorrente é parte ilegítima na execução que corre termos nos autos principais.


A oponente contra-alegou.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II. Fundamentos:

De facto:

1 - Na acção executiva para pagamento de quantia certa, de que os presentes autos são um apenso, foram apresentadas, como título executivo, duas sentenças judiciais, transitadas em julgado, sendo a primeira proferida nos autos de acção de processo ordinário com o n.º 229/08.3TCGMR, sendo autora a aqui exequente e ré a co-executada Construções e Imobiliário BB, Lda., e a segunda que correu termos sob o n.º 884/03.0TCGMR em que consta como autora a aqui exequente e como rés ambas as executadas – cfr. docs. de fls.6 a 43 dos autos executivos principais.

2 - Na sentença proferida nos autos com o n.º 229/08.3TCGMR foi proferida a seguinte decisão: - «Termos em que se decide julgar parcialmente procedente a acção e, consequentemente, condenar a Ré a pagar á Autora a quantia de € 91.030,62, acrescida dos juros de mora, à taxa de 4%, desde a data da citação até efectivo pagamento (artºs 559º, 805º, n.º e 806.º do CC) (…).

3 - Na sentença proferida nos autos com o n.º 884/03.0TCGMR foi julgado procedente o pedido subsidiário formulado pela ali autora (aqui exequente), e, em consequência foram as ali rés (e executadas no âmbito dos autos executivos principais), condenadas no pedido subsidiário, qual seja o de declarar ineficaz o negócio celebrado pelas rés através da escritura pública junta.

4 - No requerimento executivo, alegou a exequente a seguinte factualidade: «No âmbito da acção ordinária n.º 229/08.3TCGMR da 1ª Vara Mista da Comarca de Guimarães, foi proferida sentença, transitada em julgado, que condenou a Primeira Executada, além do mais, no pagamento à Exequente da quantia de 91.030,62 €, acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, vencidos e vincendos, calculados desde a data da citação e até integral pagamento, A Executada nada pagou à Exequente até à presente data. Sucede que no âmbito da acção ordinária nº 884/03.0TCGMR, da 1ª Vara Mista, da comarca de Guimarães, instaurada pela Exequente contra ambas as Executadas, foi proferida sentença, transitada em julgado, que declarou ineficaz o contrato de compra e venda, celebrado entre ambas as Executadas, no dia 4 de Julho de 2003, por escritura pública outorgada no Primeiro Cartório Notarial de Braga, relativo à parcela de terreno para construção, com a área de mil oitocentos e um metro quadrados, designada por LOTE nº …, situada no lugar de …, da freguesia de Aldão, concelho de Guimarães, descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o n.º …/Aldão, inscrito na matriz sob o artigo …. A Segunda Executada havia prestado caução, através de garantia bancária, pelo montante de 93.079,77 €, que foi julgada validamente prestada através de sentença transitada em julgada, e destinada a evitar que a ora Exequente, em caso de procedência da acção nº 884/03.0TCGMR executasse o prédio transmitido à Segunda Executada, pelo que a mesma está obrigada igualmente a pagar a quantia que exceder o valor constante da garantia prestada».

5 – Por apenso aos autos de acção declarativa com o n.º 884/03.0TCGMR, correu termos o incidente de caução (apenso A), em que é requerente a aqui oponente e requerida a aqui exequente, ali tendo sido proferida sentença, transitada em julgado, que julgou validamente prestada, através de garantia bancária, a caução oferecida pela requerente CC Construções Lda, decisão essa confirmada pelo Tribunal da Relação de Guimarães,

6 – Considera-se aqui reproduzido o teor das sentenças acima mencionadas, juntas com o requerimento executivo e por certidão aos presentes autos a fls. 122 a 164.

De direito:

1. A recorrente invoca a nulidade do acórdão recorrido, nos termos do disposto nas alíneas b) e c) do n° 1 do artigo 615°, aplicável ex vi do disposto no artigo 666°, ambos do actual Código de Processo Civil

As causas de nulidade referidas verificam-se, no que ora releva, quando a decisão sob recurso não especifique os fundamentos de facto e de direito que a justificam (al. b)) e quando ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível (al. c), 2ª parte).

Segundo a recorrente, as referidas causas de nulidade derivam da circunstância de o Tribunal da Relação ter considerado assente nos pontos 5 e 6 da matéria de facto matéria sobre a qual a decisão da 1ª instância não se havia pronunciado.

A modificabilidade da decisão proferida sobre a matéria de facto pela Relação está inequivocamente consagrada no actual artigo 662º do Código de Processo Civil, como já estava no artigo 712º da sua anterior versão.

Para além dos poderes que lhe são conferidos relativamente ao conhecimento e alteração da decisão de facto, desde que, como é óbvio, verificados os necessários pressupostos legais, está ainda a Relação vinculada na elaboração do acórdão à observância, na parte aplicável, do preceituado no nº 4 do artigo 607º por força do disposto no artigo 663º, ambos do Código de Processo Civil vigente (anteriores artigos 659º nº 3 e 713º nº 2).

Assim, na fundamentação do acórdão deve a Relação tomar em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência, não estando para tanto dependente da iniciativa das partes.

Razão por que, ao considerar os pontos consignados sob os nºs 5 e 6 da matéria de facto do acórdão recorrido extraídos de certidões de decisões judiciais já transitadas em julgado e juntas aos autos, documentos dotados de força probatória plena (artigos 363º nº 2, 369º e 383º nº 1 do Código Civil), o Tribunal da Relação agiu em conformidade com a imposição legal contida no citado no nº 4 do artigo 607º.

Como se escreveu no Tribunal da Relação, em obediência ao comando legal inserto no artigo 617º nº 1 do citado código, «Este Tribunal limitou-se a atender aos mesmos elementos de prova plena para que remete a fundamentação de facto da sentença da 1ª instância, concretamente às certidões extraídas do processo nº 884/03.0TCGMR e seu apenso, juntas aos autos e a que no saneador sentença se faz referência nos nºs 3 e 4, esclarecendo apenas o facto alegado no requerimento executivo, reproduzido no facto nº 4 da sentença (…) que se encontra plenamente provado por documento autêntico oportunamente junto à execução e oposição (…).

Em suma, este Tribunal (…) completou apenas a selecção dos factos plenamente provados, mormente a remissão genérica para o alegado no requerimento executivo».

Não ocorrem, por conseguinte, as nulidades suscitadas nem qualquer outra, mostrando-se o douto acórdão recorrido devidamente fundamentado, de facto e de direito, e isento de qualquer ambiguidade ou obscuridade, que a recorrente, aliás, não concretiza e que só se verificariam caso algum segmento do acórdão recorrido comportasse dois ou mais sentidos ou o pensamento do julgador fosse ininteligível (cfr. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, pág. 693).

2. A questão nuclear a resolver consiste em saber se a oponente, aqui recorrente, que é terceiro em face da obrigação exequenda, visto que apenas a co-executada Construções e Imobiliária BB, Lda., foi condenada, por sentença transitada em julgado, no pagamento à exequente do crédito que esta pretende cobrar pela via executiva, pode ser também accionada unicamente com base em sentença, também com trânsito em julgado, que julgou ineficaz a venda de um imóvel à oponente em acção de impugnação pauliana.

Sustenta a recorrente, por um lado, que tal só seria possível se tivesse sido também demandada na acção declarativa de condenação que fixou a obrigação pecuniária cujo pagamento coercivo se visa, pois só assim a sentença condenatória ali proferida constituiria caso julgado quanto a si, ficando a exequente munida do necessário título executivo. E, por outro lado, que não obstante a procedência da impugnação pauliana, o direito de crédito só foi judicialmente reconhecido posteriormente.

E conclui pela sua ilegitimidade por não ter, no caso, aplicação nenhum dos desvios à regra prevista no artigo 55° do Código de Processo Civil, na versão do DL nº 303/2007, de 24 de Agosto, então vigente (actual 53°), nos termos da qual na execução tem de figurar do lado passivo quem tiver a posição de devedor no título executivo.

Um dos casos em que esta regra é afastada, legitimando a execução contra terceiros, está contemplado no nº 2 do artigo 56º do mesmo código (actual artigo 54º nº 2). De harmonia com este normativo, na execução por créditos providos de garantia real sobre bens de terceiro, nomeadamente por os ter adquirido após a constituição da garantia, aquela seguirá directamente contra este, se o exequente pretender fazer valer a garantia, sem prejuízo de poder ser desde logo demandado o devedor.

A 1ª instância, procedendo a uma interpretação restritiva deste preceito, determinou o seu sentido interpretativo apenas com base no texto da lei e excluiu a sua aplicação ao caso dos autos, enquanto o Tribunal da Relação considerou «que para pagamento do crédito exequendo, relativo a uma dívida da Imobiliária BB, Lda. para com a ora exequente, esta poderia executar o prédio da oponente, a que se refere o negócio impugnado no proc. 884/03.0TCGMR, pois que esse negócio é ineficaz em relação à exequente, podendo (alguns entendem que só pode, pois não há lugar à restituição efectiva ao património do devedor) executar o bem em causa no património da oponente (artº 616º nº 1 do CC)».

Argumentou, para tanto, que «este é um dos casos em que não sendo a oponente a devedora do crédito exequendo, pode e deve ser demandada na execução, relativamente ao prédio que adquiriu à devedora, por tal aquisição ser ineficaz em relação à credora e esta o poder executar no património do terceiro. Em tese, poderia apenas demandar na execução a oponente, por ser dela o único bem que constitui a garantia patrimonial do seu crédito.

Isto mesmo refere o artº 818º do CC, estatuindo que o direito à execução pode incidir sobre bens de terceiro, quando estejam vinculados à garantia do crédito, ou quando sejam objecto de acto praticado em prejuízo do credor, que este haja procedentemente impugnado».

Concorda-se com este entendimento.

A impugnação pauliana, enquanto garantia geral das obrigações visa, a par de outras como a sub-rogação e o arresto, a conservação da garantia patrimonial do credor, uma vez que pelo cumprimento das obrigações respondem todos os bens que integram o acervo patrimonial do devedor (artigo 601º do código Civil). A procedência da impugnação confere ao credor o direito à restituição dos bens na medida do seu interesse, o direito à prática dos actos de conservação autorizados por lei e o direito de executá-los no património do obrigado à restituição (artigos 610º e 616º nº 1 do Código Civil).

Trata-se de um dos casos em que o credor tem direito à execução dos bens no património de terceiro adquirente, podendo o credor dirigir contra ele directamente a execução, embora circunscrita à medida do seu interesse. Só nessa medida, e apenas dentro desse limite, o acto impugnado é ineficaz, mantendo a sua validade e produzindo efeitos em tudo o que vai para além do interesse do credor.

Reconhecendo o direito substantivo no citado artigo 818º do Código Civil o direito de execução sobre bens de terceiro não só quando estiverem onerados com garantia real, mas também quando tiver sido praticado qualquer acto em prejuízo do credor, desde que impugnado com êxito, hipótese que abarca, sem dúvida, a impugnação pauliana julgada procedente, não pode vedar-se ao credor que se encontre no segundo caso um meio processual semelhante ao conferido ao primeiro - credor provido de garantia real - pelo citado artigo 56º nº 2 do Código de Processo Civil para exercitar o seu direito de crédito.

Efectivamente, a todo o direito corresponde a tutela jurídica adequada, incluindo a possibilidade da sua realização coerciva, designadamente pela via executiva (artigo 2º nº 2 do Código de Processo Civil).

Outro entendimento seria incompatível com as regras de direito material.

Para além da doutrina e jurisprudência citadas no douto acórdão recorrido, já há muito o Professor Anselmo de Castro[1] defendia que por força do regime previsto no referido artigo 616º do Código Civil e seguintes, a regra da legitimidade do possuidor – em nome próprio – de bens onerados com garantia real é aplicável aos bens em poder de adquirente do devedor por acto que tenha sido objecto de impugnação pauliana. Idêntica é a posição dos Professores P. Lima e A. Varela.[2]

A circunstância de a sentença que decretou a procedência da impugnação pauliana ter antecedido a proferida na acção declarativa que condenou a devedora Imobiliária BB, Lda., também executada nos autos, no pagamento da quantia exequenda não constitui obstáculo à aplicação analógica, no caso vertente, do estabelecido no nº 2 do mencionado artigo 56º do Código de Processo Civil, de harmonia com a previsão do artigo 10º do Código Civil.

Na verdade, o artigo 610º al. a) do Código Civil apenas exige que o crédito seja anterior à prática do acto lesivo da garantia patrimonial do credor. Não impõe o prévio reconhecimento judicial desse direito e a condenação do devedor no cumprimento da obrigação.

Por tal razão, a sequência temporal das referidas acções é irrelevante para efeitos de cumprimento coercivo da obrigação exequenda à custa do imóvel transferido pela executada Imobiliária BB, Lda., para a titularidade da oponente.

Aliás, tal questão prende-se com a verificação dos requisitos de procedência da impugnação pauliana e foi já, oportunamente, objecto de apreciação no âmbito da acção própria.

A oponente é, assim, parte legítima na execução a que se refere esta oposição à luz das sentenças que constituem título executivo, pois que só demandando a adquirente do bem imóvel na acção executiva poderá a exequente alcançar a satisfação do seu direito de crédito através daquele bem ou do seu equivalente.

Consequentemente, tendo a oponente prestado validamente caução no âmbito do processo de impugnação pauliana, garantindo por essa forma o pagamento do crédito pelo valor do prédio cuja venda foi impugnada, tem o credor exequente o direito de executar directamente a oponente, que é parte legítima, para obter o pagamento coercivo do seu crédito através da garantia prestada, recaindo a penhora sobre esta, na medida do necessário, uma vez que, de acordo com a previsão do artigo 821º nº 2 do Código de Processo Civil (actual artigo 735º nº 2), a penhora pode incidir sobre bem de terceiro desde que tal esteja previsto na lei e a execução tenha sido contra ele movida, como sucede no presente caso.

 

III. Decisão:

Termos em que se nega a revista e se confirma o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.


Lisboa, 16 de Outubro de 2014


Fernanda Isabel Pereira

Pires da Rosa

Maria dos Prazeres Beleza

____________________
[1] A Acção singular, Comum e Especial, 3ª ed., Coimbra Editora, pág.82.
[2] Código Civil Anotado, vol. II, 4ª ed. Revista e Actualizada, pág. 90.