Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08P2485
Nº Convencional: 5ª SECÇÃO
Relator: RODRIGUES DA COSTA
Descritores: FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 02/04/2010
Votação: MAIORIA COM * DEC VOT E * VOT VENC
Texto Integral: S
Referência Processo: DR Iª SÉRIE, 46, 08-03-2010, PÁG. 672-688
Privacidade: 1
Meio Processual: FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Decisão: FIXADA JURISPRUDÊNCIA
Sumário :
Constitui modalidade afim, e não jogo de fortuna ou azar, nos termos dos arts. 159º, nº 1, 161º, 162º e 163º do DL nº 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção do DL nº 10/95, de 19 de Janeiro, o jogo desenvolvido em máquina automática na qual o jogador introduz uma moeda e, rodando um manípulo, faz sair de forma aleatória uma cápsula contendo uma senha que dá direito a um prémio pecuniário, no caso de o número nela inscrito coincidir com algum dos números constantes de um cartaz exposto ao público.
Decisão Texto Integral:

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça


I. RELATÓRIO
1. A Magistrada do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa veio, ao abrigo do disposto no art. 437.º do Código de Processo Penal (CPP) interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência do acórdão da referida Relação de 09/04/2008, proferido no processo n.º 6544-07, da 3.ª Secção, com fundamento em estar ele em oposição com o acórdão de 28/11/2007, proferido no processo n.º 07P3186, do Supremo Tribunal de Justiça, transitados ambos em julgado, tendo tais acórdãos sido proferidos no domínio da mesma legislação.
Para tanto concluiu a respectiva motivação do seguinte modo:

1. No acórdão recorrido apreciou-se situação de maquinas de jogos expostas ao público em cafés, sem autorização da DGJ, máquinas para serem utilizadas pelos frequentadores de tais cafés, nas quais o jogador introduz moeda no manípulo fazendo sair, de forma aleatória, cápsula contendo senhas, ficando o jogador na expectativa de receber um prémio em dinheiro, ou em coisas com valor económico, caso as senhas contidas no interior da cápsula uma, ou mais, tenha escrito um número que seja coincidente com outro inscrito no cartaz, não pagando tais máquinas, directamente, fichas ou moedas.
2. No acórdão recorrido decidiu-se que, face às características das máquinas de jogo em causa, o elemento diferenciador entre a configuração do tipo legal do crime de exploração de jogo de fortuna ou azar fora dos locais legalmente autorizados (p. pelos arts. 1°,3°,4°, 108) e o tipo legal da contra-ordenação das modalidades afins de tais jogos (p. pelo art. 159°) radica nas operações oferecidas ao público existentes nas modalidades afins de tais jogos e, inexistentes, no jogo de fortuna ou azar propriamente dito.
2.1. No acórdão recorrido decidiu-se pela existência de crime de exploração de jogo de fortuna ou azar fora dos locais legalmente autorizados p. e p. pelos arts. 1°, 3°,4° e 108° do DL 422/89 de 2 de Dezembro, na redacção conferida pelo DL 10/95 de 19 de Janeiro.
3. Sobre a mesma questão de direito e no âmbito da mesma legislação foi proferido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 28.11.2007, no proc. 07P3186, disponível em www.dgsi.pt. (…) o qual consagrou solução oposta.
4. Estando em causa, no referido acórdão do STJ, máquinas de jogo em tudo semelhantes às referidas em 1., decidiu-se que os jogos que as referidas máquinas proporcionavam, embora os resultados dependessem da sorte e não da perícia do utilizador, não exploravam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar, nem pagavam directamente prémios em fichas ou moedas, faltando, deste modo, as características essenciais que permitam qualificar um jogo como sendo de fortuna ou azar, nos termos descritos e definidos no art. 4.°, n.o 1, do DL 422/89, de 02-12.
Considerou-se que as características e os elementos dos jogos proporcionados por tais máquinas revertem para as modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar, referidas no art. 159° do DL 422/89 de 2 de Dezembro, na redacção conferida pelo DL 10/95 de 19 de Janeiro, constituindo uma espécie de sorteio por meio de rifas ou tômbolas mecânicas. E que mesmo a circunstância de os prémios poderem ser em dinheiro ou em coisas com valor económico, não lhe retira a natureza de modalidade afim, uma vez que a atribuição de prémios em dinheiro, por si só, se não é permitida nos termos do art. 161.°, n.º 3, do DL 422/89, também não integra a específica configuração em que está definido o pagamento de prémios (pagamento directo em fichas ou moedas) nos jogos de fortuna ou azar.
4.1. Considerou-se, pois, no citado acórdão do STJ, que as características e os elementos dos jogos proporcionados por tais máquinas, revertendo para as modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar constituem, tão só, a prática da contra-ordenação p. e p. pelo art. 163° do referido diploma legal.
5 .Tendo ambos os acórdãos transitados em julgado, e não sendo nenhum deles, já, susceptível de recuso ordinário, impõe-se a fixação de jurisprudência.
É parecer da signatária que, no acolhimento da solução consagrada no Acórdão de 28.11.2007 do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo 07P3186, será de decidir neste último sentido.

2.Foram juntas certidões dos acórdãos recorrido e fundamento, com nota do respectivo trânsito em julgado.

3. Admitido o recurso, os autos subiram a este Supremo Tribunal, tendo o Ministério Público, na vista a que se refere o art. 440.º n.º 1 do CPP, emitido parecer no sentido de ocorrerem os pressupostos legais para o prosseguimento dos autos como recurso extraordinário para fixação de jurisprudência.

4. Proferido despacho liminar e colhidos os necessários vistos, teve lugar a conferência a que se refere o art. 441.º do CPP, na qual foi decidido, por acórdão de 12/02/2009, ocorrer oposição de julgados entre o acórdão recorrido e o acórdão-fundamento.

5. Notificado nos termos do art. 442.º n.º 1 do CPP, veio o M.º P.º apresentar as suas alegações.
Começou por se referir à oposição de acórdãos, sustentando a sua existência, tal como decidido no acórdão que resolveu a questão preliminar.
Fez depois o enquadramento legislativo da questão objecto do conflito de jurisprudência, referenciando, no passo seguinte, vários acórdãos no sentido do recorrido (todos das Relações) e vários outros no sentido do acórdão-fundamento, entre os quais, assinado pelo mesmo relator deste, um do Supremo Tribunal de Justiça e vários outros das Relações.
Com adesão à tese do acórdão-fundamento, acabou por concluir deste modo:
1.º - São Tipos de jogos de fortuna ou azar os Jogos em máquinas pagando directamente prémios em fichas ou moedas, ou que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvem temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte - art. 4.°, n.° 1, ai. s f) e g) do Dec. Lei n.° 422/89, de 2 de Dezembro;
2.º - Para que a conduta integre o crime do art. 115.° do Dec.-Lei n.° 422/89, mostra-se necessário, entre outros elementos, que o «material ... seja(m) caracterizadamente destinado à pratica dos jogos de fortuna ou azar;
3.º - Os jogos de fortuna ou azar distinguem-se das “modalidades afins” previstas no art. 159.° do Dec.-Lei n.° 422/89, por um duplo critério: temática do jogo e natureza dos prémios. Tratando-se de um dos temas enunciados no n.°1 do art. 4, explorados apenas em casino, ou de prémios pagos em dinheiro ou fichas convertíveis directamente em dinheiro, são jogos de fortuna ou azar; no caso de prémios pagos em espécie são modalidades afins desses mesmos jogos de fortuna ou azar;
4.º - A máquina que, mediante a introdução de uma moeda no cofre e por mera rotação do manípulo, faz sair de forma totalmente aleatória uma cápsula com três senhas ou rifas com um número cada, ficando o jogador na expectativa de receber um prémio em dinheiro, caso um ou mais dos números seja coincidente com o inscrito num cartaz, não desenvolve temas próprios de jogos de fortuna ou azar, nem paga directamente prémios em fichas ou moedas.
5.° - As características e os elementos dos jogos ... constituem uma espécie de sorteio por meio de rifas ou tômbolas mecânicas, com o sentido e a natureza de modalidades afins de jogos de fortuna ou azar.

Propõe-se, pois, que o Conflito de Jurisprudência existente entre os acórdãos do Tribunal de Relação de Lisboa de 09 de Abril de 2008, proferido nos Autos de Recurso Crime n.° 6544/2007, 3 Secção, e o de 28 de Novembro de 2007, do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo 3 186/07, em 28 de Novembro de 2007, seja resolvido nos seguintes termos:
«A máquina que, mediante a introdução de uma moeda no cofre e por mera rotação do manípulo pelo utilizador, faz sair de forma totalmente aleatória uma cápsula com senha ou rifa contendo um ou mais números, recebendo este ou não um prémio em dinheiro ou um objecto anunciado, caso se verifique coincidência de números com os inscritos num cartaz que acompanha aquela, não constitui o “material ou utensílios que sejam caracterizadamente destinados à prática dos jogos de fortuna ou azar” a que se refere o artigo 115.° do Decreto-Lei n.° 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.° 10/95, de 19 de Janeiro, tratando-se antes de modalidade afim dos jogos de fortuna ou azar a que se reporta o artigo 159.° do mesmo diploma legal.»

Terminou, pedindo que o recurso seja julgado procedente e, em consequência, se fixe a jurisprudência acima proposta, revogando-se a decisão recorrida e determinando-se que os autos sejam enviados à Relação de Lisboa, a fim de ali ser proferida decisão final de harmonia com a fixada por este acórdão.

6. A oposição de acórdãos foi já decidida na fase preliminar, tendo-se concluído na conferência pela oposição de julgados relativamente à mesma questão de direito e no domínio da mesma legislação.
Porém, não tendo a referida decisão força de caso julgado formal, podendo a mesma questão ser reapreciada pelo pleno das secções criminais, como vem sendo decidido uniformemente pelo Supremo Tribunal de Justiça, impõe-se proceder a tal reapreciação.

6.1. No acórdão recorrido, partiu-se da seguinte situação de facto:
(referente ao proc. n.º 06/01.2FIALM)
Abril de 2001
- um expositor, com estrutura metálica e plástica, contendo no seu interior centenas de bolas de forma oval (em plástico, cada uma com três senhas) e cuja parte inferior é dotada de um dispositivo que efectua a troca de uma moeda de cem escudos por uma bola plástica;
- um cartaz tendo, para além do mais, a legenda sorteio dos bons chocolates, um plano de prémios convencionado (com referência a 01 prémio de esc: 10.000$00, 07 prémios de esc: 5 000$00, 02 prémios de esc: 2.000$00, 10 prémios de esc: 1 000$00 e 46 prémios de esc: 500S00), a inscrição "remate final 10" (significando a atribuição de um prémio de esc: 10.000$00 com a aquisição da última "bola") e um quadro com pequenos rectângulos identificados por números de quatro algarismos, aleatoriamente dispostos e separados entre si por um picotado.
O jogo em apreço permite atribuição de prémios em dinheiro, pois cada bola de plástico extraída após a introdução de uma moeda de cem escudos contém três papéis que têm escrito um número que, caso coincida com qualquer dos pequenos rectângulos constantes do cartaz, confere o prémio pecuniário convencionado que surgir depois de destacado o picotado correspondente.

(referente ao proc.n.° 01/02.4FAALM)
22 de Fevereiro de 2002
- um expositor de forma rectangular, com as dimensões aproximadas de 32cm x 75 cm x 25cm, com estrutura metálica, de cor azul e paredes frontal e laterais em fibra de acrílico transparente. Na parte frontal média inferior contém um dispositivo para introdução de moedas de 50 cêntimos e um manipulo rotativo que é desbloqueado para uma só volta após a introdução da moeda, sendo visível no seu interior um número indeterminado de bolas ovais de plástico de cores diversas. Com o expositor, e com o qual forma um conjunto interdependente, foi apreendido um cartaz com o título "A Descoberta dos Oceanos". Logo abaixo do título, seguindo a ordem descendente e da esquerda para a direita, surge: a) a legenda "Cada Bola 100", a significar que cada bola a extrair do expositor custa o equivalente a 50 cêntimos; b) um pequeno rectângulo branco com a identificação da série 775; c) a frase "Preencha a sua caderneta e ganhe magníficos prémios"; d) um quadro amarelo e preto, em fundo branco, contendo 84 pequenos rectângulos destacáveis através de um picotado, dispostos em 14 linhas e 06 colunas e identificados por números salteados de 04 dígitos; e) seis rectângulos, dispostos em coluna, com um plano de prémios estruturado do seguinte modo: 2 x 10.000; 5 x 5.000; 1 x 3.000; 1 x 2.000; 7x 1.000 e 68 x 500; tal plano, que no seu conjunto soma 84 prémios, «tantos quantos os 84 rectângulos do quadro descrito na alínea anterior, corresponde, por convenção, a 02 prémios de esc: 10.000S00 ou 50,00 Euros, 05 prémios de esc: 5.000S00 ou 25,00 Euros, 01 prémio de esc: 3.000$00 ou 15,00 Euros, 01 prémio de esc: 2.000$00 ou 10,00 Euros, 07 prémios de esc: 1.000$00 ou 05,00 Euros, 68 prémios de esc: 500$00 ou 02,50 Euros; f) a frase "Remate final -10.000", a significar a existência de um prémio extra de esc: 10.000S00 ou 50,00 Euros destinado ao jogador que adquiriu a última bola do expositor. O seu sistema de funcionamento é o seguinte: o jogador introduz uma moeda de 50 cêntimos no expositor, de seguida roda o manipulo até ao ponto de bloqueamento e recebe uma pequena bola oval de plástico dentro da qual se encontram 03 senhas/rifas contendo cada uma delas a referência à série 775, o desenho de uma vivenda e um número de 4 dígitos, daí resultando uma de duas situações: a) nenhuma das senhas contém número igual a um dos que identificam qualquer dos 84 rectângulos constantes do quadro do cartaz e nesta situação apenas resta ao jogador tentar a sorte novamente, introduzindo outra moeda de 50 cêntimos no expositor para aquisição de outra bola com 3 novas senhas; b) uma das senhas possui número igual a um dos que identificam os 84 rectângulos existentes no quadro do cartaz e, quando tal acontece, o jogador dá conta disso ao dono do estabelecimento e este destaca tal rectângulo pelo picotado deixando à vista um outro número variável entre 300 e 10.000. Trata-se do número correspondente ao prémio monetário ganho pelo jogador e que, por convenção, poderá variar entre esc: 500$00 ou 02,50 Euros e esc: 10.000$00 ou 50,00 Euros.
Este jogo conduz a resultados que dependem única e exclusivamente da sorte e consiste na atribuição aleatória de prémios pecuniários a quem arrisca dinheiro na esperança de ganhar mais dinheiro.

(referente ao proc.°n° 63/02.4TASXL)
Data anterior a 27/07/99
-um expositor (de forma rectangular, estrutura metálica de cor azul, paredes frontal e laterais em fibra de acrílico transparente, com as dimensões aproximadas de 30cm X 75cm X 25cm) que continha no seu interior um número indeterminado de cápsulas em plástico de diversas cores, cada uma com senhas, e era dotado, na sua parte inferior, de um dispositivo que possibilitava a troca mecânica de uma moeda de cem escudos por um dessas "bolas";
-um cartaz tendo, para além do mais, a legenda "Sorteio dos bons chocolates", um plano de prémios convencionado (com referência a 01 prémio de esc: l0.000.000$00, 07 prémios de esc: 5.000$00, 02 prémios de esc: 2.000$00, 10 prémios de esc: 10.000$00 e 46 prémios de esc: 500$00), a inscrição "remate final 10" (significando a atribuição de um prémio de esc: 10.000$00 com a aquisição da última "bola") e um quadro com 66 pequenos rectângulos identificados por números salteados de quatro algarismos separados entre si por um picotado.
O jogo em apreço permite a atribuição de prémios em dinheiro, pois cada bola de plástico extraída após a introdução de uma moeda de cem escudos contém três papéis que têm escrito um número que, caso coincida com qualquer dos 66 rectângulos constantes do cartaz, confere o prémio pecuniário convencionado que surgir depois de destacado o picotado correspondente.

Como resulta das várias situações acima expostas, e na esteira da síntese feita no acórdão que decidiu a questão preliminar, estava em causa a exposição em três cafés de máquinas de jogos para utilização dos seus frequentadores com as seguintes características essenciais:
«Máquinas de jogos constituídas por um expositor, com estrutura metálica e plástica, contendo no seu interior centenas de bolas de forma oval em plástico, cada uma com três senhas, e cuja parte inferior é dotada de um dispositivo que efectua a troca mecânica de uma moeda de 100 escudos ou de 50 cêntimos, por uma bola plástica;
«- um cartaz tendo, para além do mais, a legenda «sorteio dos bons chocolates» (ou outro de natureza equivalente), um plano de prémios convencionado (de 500$00 ou 2,50 € a 10.0000$00 ou 50 €).
«Em todas as máquinas, a única actuação desenvolvida pelo jogador consiste na introdução de uma moeda de 100 escudos ou de 50 cêntimos na máquina.
«A introdução da moeda faz sair da máquina, seleccionada de forma totalmente aleatória, uma cápsula de plástico, ficando o jogador na expectativa de receber um prémio em dinheiro, caso as três senhas contidas no interior da cápsula, uma ou mais, tenha escrito um número que seja coincidente com outro inscrito no cartaz.
«Nas situações em que a numeração constante da senha não coincidia com as existentes no cartaz, o jogador não tinha direito a qualquer prémio.»

Com este contexto factual, a decisão recorrida veio a proferir decisão condenatória pela prática de três crimes de jogo de fortuna ou azar fora dos locais legalmente autorizados, crime esse previsto e punido pelos arts. 1.º, 3.º. 4.º e 108º do DL 422/89, de 2/12, na redacção introduzida pelo DL 10/95, de 19/01, considerando que o único elemento diferenciador entre o tipo legal de crime de exploração de jogo de fortuna ou azar fora dos locais legalmente autorizados e o tipo legal de contra-ordenação das modalidades afins de tais jogos radica nas operações oferecidas ao público existentes nas modalidades afins de tais jogos e inexistentes no jogo de fortuna ou azar propriamente dito.

6.2. No acórdão-fundamento partiu-se da seguinte situação de facto:
- 1) no dia 07.11.2001, em hora não concretamente apurada, foram aprendidos os bens e numerário constantes do auto de apreensão de fls. 17 e 18, cujo teor se, dá aqui por reproduzido;
2) também nesse dia, em hora não concretamente apurada, nas imediações do estabelecimento comercial de tipo "Café" denominado "Z.....da V....", na Estrada da........., B........, Coruche, foi apreendido o veículo de marca "Mercedes", modelo "Vito", matricula 00-00-00 (…)
3) dos bens constantes do auto de apreensão de fls. 17 e 18, uma máquina com expositor de formato rectangular para um jogo designado "Crisbrinde" e uma máquina com expositor de formato redondo para um jogo designado "Titanic", (…) cada uma com um número indeterminado de cápsulas/bolas de plástico, e ambas com moedas nos respectivos cofres no montante global de 5.100$00, encontravam-se no estabelecimento comercial de tipo "Café" denominado "S......", sito em Santo ......, C......(…)
4) dos bens constantes do auto de apreensão de fls. 17 e 18, uma máquina com expositor de formato redondo para um jogo designado "Titanic" (…) com um número indeterminado de cápsulas/bolas de plástico e com moedas no respectivo cofre no montante de 2.800S00, encontrava-se no referido estabelecimento comercial de tipo "Café" denominado "Z.... da V....", (…) à disposição dos frequentadores desse estabelecimento para nela utilizarem o seu jogo, mediante contrapartida económica que não se logrou apurar;
5) dos bens constantes do auto de apreensão de fls. 17 e 18, uma máquina com expositor de formato rectangular para um jogo designado "Crisbrinde" (…) com um número indeterminado de cápsulas/bolas de plástico e com moedas no respectivo cofre no montante de 3.900S00, encontrava-se no estabelecimento comercial de tipo "Café" denominado "C.............u".sito na Rua ......., ........, Coruche (…) à disposição dos frequentadores desse estabelecimento para nela utilizarem o seu jogo, mediante contrapartida económica que não se logrou apurar;
6) essas máquinas, com funcionamento e jogos semelhantes, eram compostas por tal expositor com um dispositivo para introdução de moedas de 100$00, contendo no seu interior as citadas cápsulas/bolas de plástico, que, por sua vez, tinham, cada uma, três senhas/rifas com um número, sendo fechadas através de dispositivo com chave;
7) em particular as denominadas "Titanic" tinham ainda um expositor exterior com vários objectos como relógios ou isqueiros, em que neles estavam colados números, e um cartaz com a designação "Titanic", no qual constavam vinte e quatro pequenos rectângulos com um número em cada, e, na parte de baixo, um outro rectângulo, subdividido em trinta rectângulos picotados também com números em cada um, em que sob esse picotado descrevia-se o prémio pecuniário atribuído;
8) assim, o seu utilizador ao introduzir nessas máquinas uma moeda de 100S00
que se depositava num cofre, após rodar o respectivo manipulo saía aleatoriamente uma cápsula/bola que continha as três senhas/rifas com um número cada;
9) nas situações em que a numeração da senha/rifa não coincidia com as existentes no cartaz, o jogador não tinha direito a qualquer prémio;
10) essencialmente, se a senha/rifa contivesse no seu interior qualquer dos números que estavam impressos nos rectângulos picotados do citado cartaz era descolado o número por esse picotado e pago em dinheiro ao utilizador a quantia descrita sob o mesmo, que podia variar entre 500S00 e 7.500S00, ou ainda, se o número da senha/rifa coincidisse com o número que se encontrava impresso em qualquer objecto do expositor exterior, teria o utilizador o direito a esse objecto;
11) a máquina instalada no estabelecimento comercial de tipo "Café" denominado "Z... da V....." para o jogo designado "Titanic"continha no seu cofre, e, assim, separadas das outras, quatro cápsulas/bolas de plástico com dois prémios de 7.500S00 e dois de 5.000S00, por motivos que não se lograram apurar;
12) a máquina instalada no estabelecimento comercial de tipo "Café" denominado "S....... para o jogo designado "Titanic", continha igualmente no seu cofre, e, assim, separadas das outras, quatro cápsulas/bolas com prémios que não se lograram apurar, por motivos, que igualmente não se conseguiram apurar;
13) por seu turno, os demais bens e numerário constantes no auto de apreensão de fls. 17 e 18, com excepção dos expositores exteriores e cartazes que pudessem estar agregadas às máquinas/aprendidas nos referidos estabelecimentos comerciais, que não se lograram identificar entre os que constam nesse auto, e de uma máquina com expositor de formato rectangular para o jogo designado "Crisbrinde", pertencente a indivíduo também não concretamente identificado, com um número indeterminado de cápsulas/bolas de plástico, que se encontrava à entrada, na zona de esplanada, do aludido estabelecimento comercial de tipo "Café" denominado "Z.... d... V....., para ser explorada em estabelecimento comercial não apurado mas similar aos citados e ficar à disposição dos seus frequentadores para nela utilizarem o seu jogo, eram transportados no aludido veículo;
14) assim, o arguido AA nesse veículo transportava, designadamente, 299.500S00 em moedas e seis máquinas com expositor de formato rectangular para o referido jogo "Crisbrinde", destinadas a serem exploradas para esse efeito em estabelecimentos comerciais similares aos citados e ficar à disposição dos seus frequentadores para nelas utilizarem o seu jogo, contendo cada uma um número indeterminado de bolas, que por sua vez encerravam no seu interior três senhas/rifas com um número, e quatro senhas com os melhores prémios retidas no interior do respectivo cofre, assim, separadas das restantes;
15) ainda uma máquina com expositor igual às das utilizadas para os jogos "Crisbrinde" e duas máquinas com expositor de formato redondo idênticas as das utilizadas para os jogos "Titanic", todas sem bolas, que igualmente se destinavam à exploração de tais jogos em idênticas condições às já referidas para as outras máquinas;
16) também sete caixas de cartão com a identificação "Desfolhando Malmequer", que continham cada, aproximadamente, 4.000 senhas, com uma abertura amovível no terço inferior destinada a permitir a retirada dessas senhas e quatro senhas com os melhores prémios colados na tampa superior, para serem utilizadas como jogo pelo modo descrito a fls. 126 e 127 do relatório do exame pericial da Inspecção Geral de Jogos (fls. 118 a 128) e exploradas em estabelecimentos comerciais similares aos já citados ficando à disposição dos seus frequentadores;
17) e ainda, uma caixa contendo número não determinado de rifas/senhas, três sacos com bolinhas, "placards" contendo navalhas ou relógios, cartões "Titanic", três cartões ."Super Cabaz", um cartão "Chocolates", dois cartões "O Bombeiro", cinco cartões " É Natal outra vez", três cartões "Merry Christmas", oito cartões "Desfolhando Malmequer", um cartão com o alfabeto e números, um cartão "Elefante Branco , um cartão "Super Estrela, oito cartões "Estrela, quatro cartões utilizados para rifas e um "placard" de prémios com remate final "um forno eléctrico e patins em linha";
18) os cartões aludidos no número antecedente eram para ser utilizados em jogos designadamente com funcionamento idêntico ao do referido no n.° 16 destes factos assentes e explorados nas mesmas circunstâncias aí mencionadas ou, tal como os demais bens aí constantes, o mesmo sucedendo como outros placards e cartões citados no auto de apreensão de fls. 17 e 18, para serem igualmente utilizados em jogos a explorar nas mesmas circunstâncias que as aludidas nos n.°s 13 a 15 destes factos assentes;
Como ressalta das situações de facto referidas, no acórdão-fundamento apreciou-se, em recurso, a situação relativa a máquinas de jogos em tudo semelhantes às mencionadas no acórdão recorrido, destinando-se as mesmas a serem exploradas em estabelecimentos comerciais do tipo “café”, ficando à disposição dos seus frequentadores para nelas jogarem (situação referente ao transporte mencionado sob os números 14 a 18 da factualidade atrás exposta, sobre que versou o recurso)..
Com efeito, para utilizarmos a síntese feita no próprio acórdão, estas máquinas funcionavam do seguinte modo:
O utilizador introduzia na máquina uma moeda de 100$00 que se depositava num cofre, rodava o respectivo manípulo, saindo aleatoriamente uma cápsula/bola, que continha três senhas ou rifas com um número cada;
nas situações em que a numeração da senha/rifa não coincidia com as existentes no cartaz com a indicação dos prémios, o jogador não tinha direito a qualquer prémio;
se a senha/rifa contivesse no seu interior qualquer dos números que estavam impressos nos rectângulos picotados do cartaz que acompanhava a máquina, era descolado o número por esse picotado e paga em dinheiro ao utilizador a quantia descrita sob o mesmo, que podia variar entre 500$00 e 7.500$00, ou ainda, se o número da senha/rifa coincidisse com o número que se encontrava impresso em qualquer objecto do expositor exterior, teria o utilizador direito a esse objecto.

Ora, o acórdão-fundamento decidiu que, nessas situações, «os jogos que as referidas máquinas proporcionavam, embora os resultados dependessem da sorte e não da perícia do utilizador, não exploravam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar, nem pagavam directamente prémios em fichas ou moedas.»
Deste modo, concluiu que faltavam «as características essenciais que permitissem qualificar um jogo como sendo de fortuna ou azar, nos termos descritos e definidos no artigo 4.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro.»
E continuou:
«Tanto basta para que as referidas máquinas não possam ser consideradas como «material» ou «utensílios» «caracterizadamente» destinados à prática de jogos de fortuna ou azar.
«As características e os elementos dos jogos proporcionados revertem para as modalidades afins referidas no art. 159.º do referido diploma; no rigor, constituem uma espécie de sorteio por meio de rifas ou tômbolas mecânicas, com o sentido e a natureza de modalidades afins de jogos de fortuna ou azar.
«Mesmo a circunstância de no jogo “Titanic” os prémios serem em dinheiro ou em coisas com valor económico, não lhe retira a natureza de modalidade afim, uma vez que a atribuição de prémios em dinheiro, por si só, se não é permitida nos termos do art. 161.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 422/89, também não integra a específica configuração em que está definido o pagamento de prémios (pagamento directo em fichas ou moedas) nos jogos de fortuna ou azar.
«Os factos provados não integram, pois, o crime p. no art. 115.º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro.»

6.3. Deste modo, comparando os dois arestos e respectivas situações de facto, não parece restar dúvida de que os mesmos decidem de maneira oposta a mesma questão de direito, no âmbito da mesma legislação.
Impõe-se, pois, confirmar, nesta sede, o julgamento prévio efectuado na conferência que decidiu a questão preliminar, nada obstando ao prosseguimento do recurso com vista à solução do conflito de jurisprudência.

II. FUNDAMENTAÇÃO
7. A questão:
7.1. A questão diz respeito a saber se as máquinas automáticas referenciadas em 6.1. e 6.2. do Relatório se subsumem ao conceito de jogo de fortuna e azar, como decidiu o acórdão recorrido ou, antes, ao conceito de modalidades afins, como decidiu o acórdão-fundamento.
Para isso temos de convocar os textos legais adequados.
Antes, porém, façamos uma introdução destinada a enquadrar a temática dos jogos de fortuna ou azar.

7.1.1. Breve introdução sociológico-jurídica
Desde tempos recuados, os Estados têm chamado a si a tarefa de regulamentar os jogos ditos de fortuna e azar, no intuito de controlar as paixões que o jogo desperta no homem, levando-o a assumir riscos que poderiam (e podem) ter consequências nefastas a vários níveis: moral, patrimonial, social, familiar, etc. Encarado como ocupação ou passatempo ocioso, frequentemente gerador de dependências, a literatura e agora também o cinema dão-nos amplos exemplos de «perdição» por causa do jogo. Veja-se o clássico O Jogador, de DOSTOIEWSKI, invariavelmente citado sempre que se fala da perniciosidade do «jogo», afinal um retrato do próprio escritor russo, convertido em personagem de um outro romance recente de LEONID TSÍPKIN - Verão em Baden-Baden -, que nos dá um Doistoiewski confrangedoramente entregue à paixão do jogo com a indulgência comiserativa da sua segunda mulher. Também o escritor austríaco STEFEN ZWEIG, para além de outras obras em que demonstra a sua paixão pelo jogo num sentido lato, até da vida feita jogo, como sucede na biografia de Casanova, o aventureiro veneziano a quem é atribuída a invenção da lotaria, escreveu uma novela célebre – talvez uma das suas obras mais conhecidas - sobre a obsessão ruinosa e suicida do jogo – 24 Horas na Vida de uma Mulher.
Entre nós, a par de muitas outras referências, cite-se o pungente conto de AQUILINO RIBEIRO, «António das Arábias e seu cão Pilatas», inserido em Quando Ao Gavião Cai A Pena, que nos mostra a paixão do jogador levada a extremos dramáticos, pois o protagonista, uma vez perdido o património, vai ao ponto de apostar e perder o próprio cão, que lhe era inseparável.
A proibição legal que, na maioria das legislações, incidia sobre o jogo de cariz aleatório tinha, no entanto, sobretudo preocupações morais. Era o seu carácter vicioso, quando não mesmo pecaminoso, que se procurava atingir.
De carácter vicioso a patologia do foro psiquiátrico, foi um passo que se deu no último quartel do século XIX (Veja-se MARIA ISABEL NAMORADO CLÍMACO, «Os Jogos De Fortuna E Azar, O Lazer Tolerado Ou O Vício Legalizado?» - Homenagem A José Guilherme Xavier de Basto, Coimbra Editora, 2006, p. 472). A psiquiatrização do jogo, correspondendo a uma sociedade permeável a princípios de laicismo e de afirmação das chamadas ciências do homem e coincidindo com o que MICHEL FOUCAULT designou de “ sociedade disciplinar”, acrescenta ao fundamento moral o fundamento científico, ao vício, a patologia. Daí em diante, não era só a lei, mas também a ciência médica a ocupar-se da repressão do jogo.
Porém, nem só o fundamento moral tem estado na base da regulamentação do jogo e da sua repressão, por via do direito penal. Também outros fundamentos lhe têm servido de justificação, como o património, a protecção da segurança, da paz social e da ordem pública, evitando-se as consequências perniciosas que o jogo pode suscitar (rixas, litígios, fraudes, burlas e até crimes de maior gravidade); familiares, pelas consequências negativas do jogo, muitas vezes projectadas neste âmbito. O fundamento moral, porém, nunca deixou de estar presente, como salientam MARIA ISABEL CLÍMACO, afirmando que, não obstante a liberalização ocorrida nos últimos tempos, «Persiste, no entanto, o elemento conservador que sempre envolveu o jogo por variadas razões – culturais, políticas e sobretudo morais (ob. cit., p. 482) e RUI PINTO DUARTE, de acordo com o qual os valores protegidos pelas normas, sobretudo de carácter penal, são os bons costumes, a propriedade e o interesse fiscal («O Jogo E O Direito», Themis, Ano II, n.º 3, 2001, p. 89), anotando-se os bons costumes como fundamento indicado em primeiro lugar..
Provavelmente, no contexto dos factores culturais que enformam as sociedades modernas, de cariz produtivista, mais do que o vício no sentido moral, não serão alheias aos objectivos que presidem à regulamentação do jogo as ideias de ociosidade, de improdutividade e de dissipação que ele representa. São essas ideias que o último autor citado parece exprimir do seguinte modo: Para retomar a definição de Huinzinga, o que caracteriza o jogo é não ser vida vulgar, ser voluntário e envolver prazer. Uma tal actividade é dissolvente da ordem social estabelecida, que exige que cada um de nós viva uma vida vulgar, trabalhando, cumprindo outras obrigações e renunciando ao prazer.» (ob. cit., p. 93).
Contudo, é inegável que existem aspectos de perniciosidade em relação ao jogo que todos reconhecem e que têm reflexos nas relações sociais, causando danos não só aos próprios (a ruína provocada pelo jogo também é uma causa não despicienda de suicídios, como se sabe), mas também e sobretudo em relação a terceiros, podendo afectar bens jurídicos fundamentais. É isso mesmo que se exprime no Acórdão do Tribunal Constitucional (TC) n.º 99/02, de 27/02/2002, Proc. n.º 482/01, colocando-se contra a posição defendida por RUI PINTO DUARTE, na ob. cit., p. 92, segundo a qual é ilegítima a intervenção do Estado, por via do direito penal, no jogo, por tutelar opções de conduta de que não resultam directamente lesões para os direitos de outros cidadãos. A essa asserção contrapõe o Acórdão do TC, a dado passo: «(…) o fundamento ético-social do sancionamento penal do jogo de azar não se encontra tanto na necessidade de proteger o jogador contra as inclinações, gostos ou vícios que lhe podem – e normalmente são – prejudiciais, quanto na necessidade de reprimir a prática de uma actividade que constitui objecto de uma significativa reprovação social, do ponto de vista ético, tendo em conta os males e prejuízos para a própria sociedade que se considera encontrarem-se-lhe associados – por exemplo, acréscimo de burlas, usuras, fraudes, bem como de litígios e violências, facilitando o alastramento do crime organizado; significativa perturbação da vida familiar dos jogadores, com repercussão na capacidade de manutenção e educação dos filhos; ou, ainda, possibilidade de incidência negativa no domínio das relações laborais ou económicas dos jogadores.»
Claro que tudo isto faz parte da ordem estabelecida, mas a função do Direito é mesmo essa, sucedendo que os «males e prejuízos» referidos se reportam a valores constitucionalmente protegidos. Daí o afã na regulamentação do jogo e na repressão penal dos casos de maior gravidade, isto é, daqueles que são susceptíveis de pôr em causa tais valores. Essa necessidade de regulamentação foi crescendo com a proliferação de jogos de fortuna ou azar proporcionados pelas novas tecnologias (e actualmente, a carecer de nova regulamentação, como se tem afirmado, por via da inflação de jogos da casino através da Internet – jogos on line, jogos digitais, falando-se já não só em patologia, mas em verdadeiro problema de saúde pública), levando o legislador a uma inquietação, que se traduz na ânsia de emitir diplomas regulamentadores sobre a matéria dos jogos, nem sempre fáceis de conciliar uns com os outros.
Uma coisa é certa: é impossível reprimir totalmente o jogo. Por um lado, a sua proliferação, mesmo no seio dos grandes meios de comunicação social, como a televisão, onde diariamente se exibem jogos que, a pretexto do aumento de conhecimentos, uns mais edificantes, outros menos, têm como mola real incentivadora o ganho de prémios em dinheiro (de entre os mais populares, um deles chamava-se mesmo, paradigmaticamente, A febre do dinheiro), a atitude que se tem perante o jogo é diferente: mais aberta, mais tolerante, mais permissiva.
Por outro lado, contribuiu para essa liberalização a constatação de que a pulsão humana para o jogo é uma realidade que se não pode recalcar, pois ele faz parte da vida, que não é só trabalho e produtividade, mas também actividade lúdica, diversão, prazer, paixão de risco e mesmo dissipação. Os momentos de festa são, em qualquer sociedade, momentos de euforia, de desordem controlada, de dissipação ou despesa, de excesso, os quais permitem a reentrada na ordem necessária à produção, como o mostrou brilhantemente GEORGES BATAILLE, embora quase sempre explorando, em toda a sua obra, o lado maldito e obscuro do humano, o do apelo à transgressão.
Ora, de entre as várias atitudes possíveis perante o jogo e que têm sido ensaiadas historicamente (a proibição absoluta; b) ignorância absoluta; c) regulamentaçã), os Estados optam, na sua maioria, pela última via, ou, mais concretamente, por uma submodalidade – a autorização regulamentada, em que se passa a «reconhecer o jogo como um fenómeno social e cultural, particular estado de espírito do homem ou manifestação do espírito que constitui uma forma de expressão e de estar no mundo, cujo poder instintivo de atracção o torna ineliminável e de desterro impossível» (PAULO MOTA PINTO, Jogo E Aposta, Coimbra, 1982).
Desta forma, o Estado tenta controlar os efeitos negativos do jogo, chamando a si a tarefa de regulamentar e disciplinar essa manifestação lúdica do homem, estabelecendo, por meio de leis apropriadas, os locais onde certas modalidades de jogo consideradas mais atentatórias de bens comunitários de relevo podem ser praticadas, as entidades que as podem explorar, o seu modo de funcionamento e de fiscalização, as regras que devem ser observadas para garantir a seriedade e isenção dos jogadores, as restrições e condições de acesso aos locais onde ele se pratica, de modo a assegurar a protecção de certas pessoas, como menores e incapazes, o prestígio de certas funções, a segurança e a tranquilidade públicas.
Por via disso, procura-se extirpar o jogo clandestino, de características perniciosas e muitas vezes associado à marginalidade.
De um modo geral, distingue-se entre jogos de fortuna ou azar e outras modalidades, sendo os primeiros os que merecem mais atenção e cuidado regulamentadores, punindo-se a sua exploração e prática fora dos locais e das condições autorizados em leis que transitaram do Código Penal para uma legislação avulsa, que já se disse ser profusa e nem sempre muito precisa.
Através de tal autorização regulamentada, o Estado, tentando controlar os efeitos nefastos de certo tipo de jogo, canaliza ainda parte das receitas para fins de beneficência social, como sucede com a lotaria nacional, o totobola e o totoloto, explorados em exclusivo pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, que assim compete com os casinos, e para fins de desenvolvimento económico e social e principalmente turístico de certas zonas – fins ou objectivos esses pelos quais se procura dar um emprego socialmente útil aos rendimentos do jogo, ainda como tendência sublimadora que se lhe pretende imprimir, regulamentando as pulsões humanas que lhe estão associadas.
Por fim, o Estado recolhe da prática do jogo importantes réditos, sob a forma de pesados impostos que o oneram, direccionando-os, por sua vez, para fins de interesse público.
Tais objectivos estão presentes na legislação que rege a matéria do jogo, afirmando-se no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 10/95, de 19 de Janeiro (diploma que reformulou e republicou o Decreto-Lei n.º 422/89 de 2 de Dezembro), que, «dada a impossibilidade de reprimir efectivamente todas as manifestações daquele fenómeno, é preferível autorizá-lo e dar-lhe um enquadramento estrito, susceptível de assegurar a honestidade do jogo e de trazer alguns benefícios para o sector público».
É um objectivo que se situa numa vertente eminentemente pragmática, como o qualifica o preâmbulo referido, mas que vem numa linha de preocupações já acentuadas noutros diplomas, como, por exemplo, o Decreto-Lei n.º 22/85, de 17 de Janeiro, cujo proémio tinha o mérito de pôr a tónica no jogo como “fenómeno humano»: “O jogo, sendo embora um fenómeno humano, carece de ser devidamente regulamentado e objecto de rigorosa fiscalização, com vista à minimização dos resultados nefastos que, da sua prática, decorrem para a sociedade”. Alusão que permitiu ao acórdão-fundamento, partindo da noção nuclear do jogo como «comportamento humano», considerá-lo como actividade «ligada a um certo modo de realização da personalidade de cada um, no exercício da liberdade de ser, de actuar e de se comportar no espaço plural de uma sociedade aberta.» E mais: «A sociedade e o Estado devem, por isso, considerar o jogo como actividade que constitui, ainda, a satisfação individual dentro de limites toleráveis de certo modo de ser e de viver».

7.1.2. Resenha histórica dos principais diplomas legais
7.1.2.1. Os jogos de fortuna e azar começaram a ser objecto de disciplina jurídica autónoma e sistemática, contida em diplomas legislativos específicos, que se têm sucedido ao longo do tempo nem sempre de forma muito precisa, como já foi adiantado, desde 1927, com o Decreto 14.643, de 3 de Dezembro, que veio autorizar a exploração de tais jogos em regime de concessão exclusiva, em determinados locais, considerados zonas de jogo.
7.1.2.2. Seguiu-se-lhe o Decreto-Lei n.º 48.912, de 18 de Março de 1969, um dos diplomas fundamentais que serviu de matriz à disciplina jurídica subsequente em tal matéria.
Logo no seu art. 1.º definiam-se os jogos de fortuna ou azar como «os jogos cujos resultados são contingentes, por dependerem exclusivamente da sorte», reservando-se a sua prática para «os casinos existentes na zonas de jogo e nas épocas estabelecidas para o seu funcionamento» (art. 2.º).
O art. 4.º elencava os tipos de jogos de fortuna ou azar, apenas sendo considerados como tais os “jogos bancados” e “jogos não bancados” e, no capítulo das máquinas, “as máquinas automáticas pagando directamente em fichas ou moedas”.
Por seu turno, o art. 43.º, inserido no capítulo VI, designado Das Modalidades Afins Do Jogo De Fortuna Ou Azar, Incluindo A Aposta Mútua, considerava como jogos afins “as operações oferecidas ao público em que a esperança de ganho reside essencialmente na sorte”, ficando os mesmos dependentes de autorização do Ministro do Interior, que fixava as respectivas condições e regime de fiscalização.
O parágrafo 1.º desse artigo enumerava exemplificativamente algumas dessas modalidades, como rifas, tômbolas, sorteios, «assim como quaisquer máquinas automáticas cujo funcionamento não dependa da utilização, nem origine a atribuição, de fichas e para cujos resultados não influa a perícia e, ainda, os concursos de publicidade, ou outros, em que se verifique a atribuição de prémios.»
Só a infracção do art. 2.º (exploração de jogos reservados aos casinos, incluindo máquinas automáticas de fichas ou moedas), fora dos locais próprios, constituía ilícito criminal (art. 56.º).

7.1.2.3. O Decreto-Lei n.º 21/85, de 17 de Janeiro surgiu para disciplinar as chamadas máquinas automáticas, aplicando-se sobretudo às máquinas de diversão - «aquelas que, não pagando prémios em dinheiro, fichas ou coisas com valor económico, desenvolvem jogos cujos resultados dependem exclusiva ou fundamentalmente da perícia do utilizador» (art. 2.º, n.º 1).
As máquinas que desenvolvessem temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentassem pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte passavam a ser reguladas pelo Decreto-Lei n.º 48.912, de 18 de Março de 1969 (art. 2.º, n.º 3).
Por seu turno, este foi modificado pelo Decreto-Lei n.º 22/85, da mesma data, de forma a abranger esta última modalidade de máquinas automáticas.

7.1.2.4. Com efeito, o Decreto-Lei n.º 22/85, referido já no antecedente número (7.1.1.), a propósito do seu proémio, definindo o jogo como «fenómeno humano», que carecia de devida regulamentação e rigorosa fiscalização, veio a considerar, no ponto 2. da mencionada introdução o seguinte: «São muitas e sofisticadas as modalidades de máquinas automáticas, mecânicas, eléctricas ou electrónicas, que, embora não pagando directamente prémios em dinheiro ou em fichas, se têm revelado meios apropriados para a prática ilegal de jogos de fortuna ou azar, na medida em que favorecem a aposta de dinheiro sobre os créditos representados nas pontuações em que se traduzem os seus resultados, dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte.»
Em conformidade com tal ordem de considerações e de forma a abranger essa nova realidade, acrescentou-se mais um número ao art. 4.º do citado Decreto-Lei n.º 48.912, dele ficando a constar, para além das máquinas automáticas que pagavam directamente em fichas ou moedas –
Máquinas automáticas mecânicas, eléctricas ou electrónicas que, não pagando directamente prémios em dinheiro, fichas ou coisas com valor económico, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte.
Deste modo, alargou-se o âmbito das máquinas automáticas incluídas nos jogos de fortuna ou azar.
Quanto às modalidades afins, o art. 2.º do citado Decreto-Lei alterou a redacção do parágrafo 1.º do Decreto 48.912 da seguinte forma:
«São especialmente abrangidos por este artigo rifas, tômbolas, sorteios e concursos de publicidade ou outros em que se verifique a atribuição de prémios.»
Ou seja: desapareceu a alusão a máquinas automáticas cujo funcionamento não dependa de utilização, nem origine a atribuição de fichas e para cujos resultados não influa a perícia.
Relativamente ao ilícito criminal, este ficou confinado, como já antes acontecia, aos jogos de fortuna ou azar definidos no art. 4.º do Decreto 48.912, agora abrangendo, no âmbito das máquinas automáticas, para além das que pagavam directamente em dinheiro, fichas ou coisas com valor económico, as que desenvolvessem temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentassem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte. O ilícito consistia, pois, na exploração desses jogos ou no exercício de actividade na respectiva exploração fora dos locais autorizados (art. 56.º, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 22/85).

7.1.2.5. O Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1990, revogou o Decreto 48.912, com excepção das modalidades afins, definidas no art. 43.º desse diploma, na redacção conferida pelo Decreto-Lei n.º 22/85, e ainda do art. 59.º e respectivos parágrafos, que estabeleciam as punições para as infracções praticadas no âmbito dessas modalidades (multas e respectivo destino).
No que respeita aos jogos de fortuna ou azar, não alterou as espécies consideradas como tal, constantes do seu art. 4.º, nomeadamente no capítulo das máquinas automáticas. No tocante às características do ilícito criminal, mantinham-se idênticas e eram definidas no seu art. 108.º
Há, no entanto, uma diferença a assinalar, que viria a ser muito explorada pela jurisprudência subsequente: os jogos de fortuna ou azar passaram a ser definidos no art. 1.º como sendo aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte.
Por conseguinte, passou a haver, segundo grande parte dessa jurisprudência, uma ruptura que veio desequilibrar os campos semânticos (ou, noutro plano, os elementos típicos) em que assentavam as noções de jogo de fortuna ou azar, por um lado, e de modalidades afins, por outro. Sendo os primeiros definidos, no regime até então vigente, como aqueles cujos resultados dependiam exclusivamente da sorte, e os segundos como sendo aqueles cuja esperança de ganho residia essencialmente na sorte, era evidente que as duas modalidades passavam a ter, depois do Decreto-Lei n.º 422/89, uma zona em que havia sobreposição, visto que os jogos caracterizadamente de fortuna ou azar, podiam também, à semelhança das modalidades afins, não depender exclusivamente da sorte, mas fundamental ou essencialmente da sorte. Assim, os primeiros, sendo mais amplos, na parte em que os resultados dependiam exclusivamente da sorte, podiam, pelo menos em certas modalidades, ter uma zona de confluência com os segundos: aquela em que o resultado do jogo dependesse fundamentalmente ou essencialmente da sorte.
É claro que, se bem repararmos, não era a primeira vez que essa parcial sobreposição era estabelecida. Com efeito, o Decreto-Lei n.º 22/85, ao modificar o art. 4.º do Decreto 48.912, no capítulo das máquinas automáticas, incluiu precisamente aquelas que desenvolvessem temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentassem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte.

7.1.2.6. O Decreto-Lei n.º 10/95, de 19 de Janeiro, que veio reformular o Decreto-Lei n.º 422/89, acentuou ainda mais a tendência para confundir essas noções, do ponto de vista da intervenção do factor sorte, visto que, revogando por completo o Decreto 48.912, que se mantinha em vigor na parte relativa às modalidades afins, com as alterações introduzida precisamente pela primitiva redacção daquele diploma legal, conferiu a seguinte redacção às modalidades afins:
«Modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar são as operações oferecidas ao público em que a esperança de ganho reside conjuntamente na sorte e perícia do jogador, ou somente na sorte, e que atribuem como prémios coisas com valor económico.» Isto, não obstante o legislador afirmar no preâmbulo que (…) «opta-se por regular no âmbito do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, a matéria relativa às modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar, revogando-se assim por completo o Decreto-Lei n.º 48.912, de 18 de Março de 1969, diploma onde tal matéria se encontra presentemente disciplinada, por razões que se prendem não tanto com a necessidade de alterar o regime vigente, cujas soluções se mantêm no essencial, mas antes com a conveniência de disciplinar unitariamente uma realidade próxima da que já é regulada pelo referido Decreto-Lei n.º 422/89
A diferenciação entre as duas modalidades de jogo impõe-se, todavia, por serem, desde logo, muito diferentes as consequências: num caso ilícito criminal, punido com pena de prisão e multa; noutro caso, contra-ordenação, punida com coima.

O art. 1.º, que não foi alterado, define, como vimos, os jogos de fortuna ou azar como sendo «aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte.» Mas não se fica por aí. Essa definição genérica é complementada por uma concretização exemplificativa dos vários tipos de jogos de fortuna ou azar, enumerados nas alíneas a) a g), do n.º 1, do art. 4.º.
No corpo daquele n.º 1, começa-se por nomear o local onde tais jogos são autorizados: «Nos casinos é autorizada a exploração, nomeadamente, dos seguintes tipos de jogos: (…) Depois, nas diversas alíneas, mencionam-se vários tipos de jogos bancados e de jogos não bancados.
Quanto aos jogos em máquinas, estão elencados nas duas últimas alíneas:
f) Jogos em máquinas pagando directamente prémios em fichas ou moedas;
g) Jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte.

Quanto às modalidade afins, vêm definidas no n.º 1 do art. 159.º:
Modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar são as operações oferecidas ao público em que a esperança de ganho reside conjuntamente na sorte e perícia do jogador, ou somente na sorte, e que atribuem como prémios coisas com valor económico.
No n.º 2 desse artigo, fornecem-se vários exemplos dessas modalidades: rifas, tômbolas, sorteios, concursos publicitários, concursos de conhecimentos e passatempos.

A ilicitude criminal está exclusivamente conexionada com a exploração e prática de jogos de fortuna ou azar, definindo-se vários tipos de ilícito nos artigos 108.º a 115.º: exploração ilícita de jogo (isto é, fora dos locais legalmente autorizados), a que corresponde a pena de prisão até dois anos e multa até 200 dias (art. 108.º), prevendo-se uma agravação da pena para o caso de serem encontrados no local menores de 18 anos (art. 109.º); prática ilícita de jogo fora dos locais legalmente autorizados, a que corresponde a pena de prisão até 6 meses e multa até 50 dias (art. 110.º), prevendo-se uma pena reduzida a metade para quem for encontrado no local do jogo ilícito e por causa dele (art. 111.º); coacção à prática de jogo, crime punido com a pena correspondente ao crime de extorsão (art. 112.º); jogo fraudulento, punido com a pena correspondente ao crime de burla agravada (art. 113.º, n.º 1), mas se o crime consistir na viciação ou falsificação de fichas, a pena será a cominada para o crime de moeda falsa (art. 113.º, n.º 2); usura para jogo, crime punido com a pena prevista para o crime de usura (art. 114.º); material de jogo, que é definido deste modo: «Quem, sem autorização, fabricar, publicitar, importar, transportar, transaccionar, expuser ou divulgar material e utensílios que sejam caracterizadamente destinados à prática dos jogos de fortuna ou azar será punido com prisão até 2 anos e multa até 200 dias.» (art. 115.º)

Relativamente às modalidades afins, a violação das respectivas prescrições, constantes dos artigos 160.º a 162.º, constitui contra-ordenação, punível com coima de 50.000$00 a 500.000$00 (€ 250,00 a € 2.500,00), agravada para o décuplo, no caso de se tratar de pessoas colectivas, isto para além da possibilidade de apreensão dos aparelhos e utensílios utilizados na sua prática, bem como das importâncias obtidas, e outras sanções de carácter acessório, uma vez verificados determinados pressupostos (art. 163.º, n.ºs 1, 2,3 e 4).
Será de destacar que, nos termos do art. 161.º, n.º 3, as modalidades afins do jogo de fortuna ou azar «não podem desenvolver temas característicos dos jogos de fortuna ou azar, nomeadamente o póquer, frutos, campainhas, roleta, dados, bingo, lotaria de números ou instantânea, totobola e totoloto, nem substituir por dinheiro ou fichas os prémios atribuídos.»

8. O conflito jurisprudencial e a jurisprudência
8.1. No conflito de jurisprudência que se impõe resolver, o tema ou objecto desse conflito centra-se em jogos proporcionados por máquinas automáticas com as características sobejamente descritas em 6.1. e 6.2.
Já vimos que o acórdão recorrido caracterizou tais jogos como de fortuna ou azar, subsumindo-os ao tipo legal de crime previsto e punido pelos arts. 1.º, 3.º. 4.º e 108º do DL 422/89, de 2/12, na redacção introduzida pelo DL 10/95, de 19/01.
O referido aresto argumenta que o elemento “ganho ou perda de natureza económica”, consoante o resultado do jogo, não é fundamental à caracterização do tipo legal de crime, visto que há máquinas, nos jogos de fortuna ou azar, que não pagam prémios em dinheiro ou fichas, tendo o legislador querido prevenir o mero perigo de isso poder vir a acontecer.
Depois de expender algumas ideias sobre a questão de qual será o elemento diferenciador dos dois ilícitos – o ilícito penal e o ilícito contra-ordenacional -, rejeitando o critério dos prémios previamente fixados ou não previamente fixados, o primeiro, característico das modalidades afins e o segundo, dos jogos de fortuna ou azar, mas achando-o tendencialmente correcto, acaba por concluir do seguinte modo: «O único elemento diferenciador radica nas operações oferecidas ao público existentes nas modalidades afins do jogo de fortuna ou azar e inexistentes no jogo de fortuna ou azar propriamente dito
Em conclusão final, exara o acórdão recorrido:
«Pelo que fica dito, teremos de concluir que, na factualidade dada como provada no acórdão recorrido, estão caracterizados jogos de fortuna ou azar definidos pelo art. 1.º do DL n.º 422/89 e cuja exploração fora dos locais legalmente autorizados é punida como crime no art. 108.º do mesmo diploma.
Com efeito, os resultados dos jogos em causa advêm exclusivamente da sorte, em nada dependendo da perícia ou da habilidade do jogador.
Na verdade, dos factos provados resulta que a única actuação desenvolvida pelo jogador consiste na introdução de uma moeda de 100 escudos ou de cinquenta cêntimos na máquina. Tudo o resto depende exclusivamente da sorte, já que a introdução da moeda faz sair da máquina, seleccionada de forma totalmente aleatória, uma cápsula de plástico, ficando o jogador na expectativa de receber um prémio em dinheiro, caso dos três papéis contidos no interior da cápsula um ou mais tenha escrito um número que seja coincidente com outro inscrito no cartaz.
Por outro lado, não existindo nos três casos dos autos operações oferecidas ao público, dúvidas não existem que o arguido recorrente praticou efectivamente 3 crimes de exploração de jogo de fortuna ou azar fora dos locais legalmente autorizados, pp. e pp pelo art. 108.º, n.º 1 do DL n. 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção dada pelo DL n.º 10/95, de 19 de Janeiro.»

Quanto ao acórdão-fundamento, considerou que «os jogos que as referidas máquinas proporcionavam, embora os resultados dependessem da sorte e não da perícia do utilizador, não exploravam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar, nem pagavam directamente prémios em fichas ou moedas» e que, por isso, não revestiam as características essenciais que permitissem qualificar um jogo como sendo de fortuna ou azar, nos termos descritos e definidos no artigo 4.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro.» Antes, revertiam para as modalidades afins, constituindo «uma espécie de sorteio por meio de rifas ou tômbolas mecânicas (…)», Mesmo a circunstância de os prémios serem em dinheiro não lhes retirava essa natureza, «uma vez que a atribuição de prémios em dinheiro, por si só, se não é permitida nos termos do art. 161.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 422/98, também não basta para integrar a específica configuração em que está definido o pagamento de prémios (pagamento directo em fichas ou moedas) nos jogos de fortuna ou azar, de modo a transformar a proibição do art. 163.º, n.º 3 em infracção penal.»

8.2. No mesmo sentido do acórdão recorrido decidiram, entre outros, os seguintes acórdãos:
- Acórdão da Relação de Lisboa de 26/09/2006, Proc. n.º 3381/06, da 5.ª Secção, o qual expende argumentos em tudo semelhantes aos do acórdão recorrido, considerando que «o verdadeiro elemento diferenciador radica “nas operações oferecidas ao público”, existentes nas modalidades a fins e inexistentes no jogo de fortuna ou azar propriamente dito. Isto é, segundo o mesmo aresto, nas “modalidades afins” (em cuja definição o legislador seguiu técnica análoga à dos exemplos-padrão, combinando uma cláusula geral abrangente com uma enumeração exemplificativa de modalidades que concretizam o conceito-base), “pressupõe-se sempre a procura e oferta ao público, pelas respectivas promotoras e não a mera colocação dos jogos em estabelecimento para o efeito, em que o público aí se dirige para a respectiva prática».
Todavia, a situação de facto subjacente não se enquadrava nas «modalidades afins» logo pelo facto de as máquinas em causa desenvolverem temas próprios dos jogos de fortuna ou azar, como, ao fim e ao cabo, acabou por se reconhecer neste aresto, pelo que a verdadeira ratio decidendi se deve encontrar nesta circunstância e não no apontado elemento diferenciador das duas modalidade de jogos em máquinas.

- Acórdão da Relação de Évora de 14/03/2008, Proc. n.º 1432/07, da 1.ª Secção, que segue exactamente a mesma linha de raciocínio atrás descrita, acabando por concluir: «No caso dos autos dúvidas não existem que a máquina apreendida (…) desenvolve um jogo cujo resultado não está dependente da perícia do jogador, mas da sorte e, encontrando-se a mesma em estabelecimento aberto ao público, onde se dirigem os interessados, não integra a modalidade de “operação oferecida ao público”, na qual o promotor é que vai junto do público oferecer o jogo. Estamos, assim, perante um jogo de fortuna ou azar (…)

8.3. Num sentido parcialmente confluente com esta jurisprudência, mas combinando outro critério, decidiu o Acórdão da Relação do Porto de 27/02/08, Proc. n.º1698/07, da 1.ª Secção. Este aresto conjuga o critério da natureza do prémio com o critério das ofertas ao público. Argumenta-se no acórdão: «O critério de “prémios previamente fixados” nas modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar e “prémios não previamente fixados nos jogos de fortuna ou azar, apesar de tendencialmente correcto, admite-se não ser exacto (há jogos de fortuna ou azar que não pagam prémios em fichas ou moedas e nem por isso deixam de ser classificados como tais (…) A este critério poderá e deverá acrescentar-se um outro elemento diferenciador que radica nas operações oferecidas ao público, existentes nas modalidades afins e inexistentes no jogo de fortuna ou azar propriamente dito…» (Segue-se depois a definição de oferta ao público, em termos idênticos aos já descritos anteriormente).

8.4. Há, porém, jurisprudência que tenta situar a diferença entre os dois ilícitos noutros critérios:
8.4.1. Só na natureza dos prémios:
Acórdão da Relação de Lisboa de 7/02/07, Proc. n.º 8653/2006, da 3.ª Secção, cujo sumário é o seguinte:
1- Para a verificação de crime de jogo ilícito p. e p. pelo art. 108.º, n.º 1, do DL 422/89, de 2/12, não basta provar-se que as máquinas desenvolvem “temas próprios dos jogos de fortuna ou azar”, ou que os resultados são pontuações que “dependem … fundamentalmente da sorte”.
2- Com a alteração àquele diploma operada pelo DL 10/95, de 19/01, o cerne da distinção entre crime e contra-ordenação, em matéria de jogo, passou a colocar-se não já na relevância da sorte ou azar para obtenção do resultado, mas antes na natureza dos prémios atribuídos.
3- Assim, quando tais prémios consistam em dinheiro, estar-se-á perante ilícito criminal, ao passo que a atribuição de prémios de outra natureza caracteriza o ilícito de mera ordenação social.

8.4.2. Na temática e natureza dos prémios:
Acórdãos da Relação de Lisboa de 16/10/2007, Proc. n.º 2728/2007, da 5.ª Secção e de 7/11/2007, Proc. n.º 5955/2007, da 3.ª Secção.
Para estes arestos, as máquinas que desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar (“pocker”, “black jak 21”, etc.) constituem sempre crime independentemente do pagamento de prémio. Mas também entram no domínio do ilícito criminal os jogos proporcionados por máquinas que não desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar, mas que atribuam prémios em dinheiro ou convertíveis em dinheiro, «porque o art. 161.º, n.º 3, na sua parte final, expressamente os exclui ao referir que as modalidades afins de jogos de fortuna ou azar não podem desenvolver temas próprios dos jogos de fortuna ou azar (…) nem substituir por dinheiro ou fichas os prémios atribuídos.»

8.4.3. Posição algo semelhante é adoptada pelo Acórdão da Relação de Évora, de 3/06/2008, Proc. n.º 421/08, da 1.ª Secção, que considera como critério distintivo a natureza do jogo e a natureza do prémio.
Os jogos de fortuna ou azar abarcam todos os jogos (máquinas, mas também todos os outros) que pagam directamente prémios em fichas ou moedas, ou que não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte.
As modalidades afins (através de máquinas ou não) são aquelas que atribuem como prémios coisas com valor económico, não podendo desenvolver temas próprios dos jogos de fortuna ou azar, nem substituir por dinheiro ou fichas os prémios atribuídos.
O critério da perícia do jogador e da sorte seria um critério adjuvante ou secundário, que relevaria sobretudo no confronto com os jogos de diversão, dependendo o resultado destes fundamentalmente da perícia do jogador, enquanto que nos outros tipos de jogos (de fortuna ou azar ou modalidades afins) o resultado dependeria exclusiva ou fundamentalmente da sorte.

8.5. No mesmo sentido do acórdão-fundamento, decidiu o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27/02/2008, Proc. n.º 293/08, da 3.ª Secção, de que foi relator o mesmo daquele, sendo em tudo semelhante a posição adoptada em ambos.
Estes arestos acabaram por ter uma influência decisiva na jurisprudência posterior. Assim:
- Acórdão da Relação do Porto de 2/07/08, Proc. n.º 4284/08, da 1.ª Secção, que segue de perto a argumentação do acórdão-fundamento.
- Acórdão da mesma Relação do Porto de 29/10/2008, Proc. n.º 4414/08, da 4.ª Secção;
- Acórdão da mesma Relação, também de 29/10/2008, Proc. n.º 2289/08, da 4.ª Secção, citando expressamente o acórdão aqui apresentado como fundamento, como, aliás, os anteriores e considerando não ser relevante, só por si, a atribuição de um prémio em dinheiro, se tal facto não integra a específica configuração em que está definido o pagamento de prémios – pagamento directo em fichas ou moedas – nos jogos de fortuna ou azar;
- Acórdão da Relação de Évora, de 10/03/2009, Proc. n.º 1678/07, da 1.ª Secção, que desenvolve argumentação idêntica à do acórdão apresentado como fundamento, embora a situação de facto subjacente se não refira a máquinas que atribuíssem prémios em dinheiro, mas coisas com valor económico. Mesmo assim, os arguidos haviam sido condenados na 1.ª instância por crime de exploração ilícita de jogo de fortuna ou azar, por os resultados dependerem exclusivamente da sorte, tendo sido absolvidos na Relação.
- Acórdão da Relação de Coimbra de 9/04/2008, Proc. n.º 24/05.1FANZR.C1, que está exactamente na mesma situação do anterior, desenvolvendo argumentação idêntica à do acórdão apresentado como fundamento, que expressamente cita (embora com data errada: 27/11/2008, em vez de 27/11/2007), tendo igualmente absolvido os arguidos condenados na 1.ª instância, mas em que as máquinas não proporcionavam prémios em dinheiro, mas coisas com valor económico.

8.6. Merece aqui menção o Acórdão da Relação de Lisboa de 26/10/05, Proc. n.º 7610/2005, da 3.ª Secção.
Este acórdão acaba por chegar a uma posição idêntica à do acórdão-fundamento, mas por uma via diversa. Segundo a argumentação nele explanada, a clareza com que o Decreto-Lei n.º 48.912 distinguia os jogos de fortuna ou azar das modalidades afins – nos primeiros, os resultados dos jogos dependiam exclusivamente da sorte, ao passo que, nos segundos, tais resultados dependiam essencialmente da sorte – «foi abalada logo com a publicação da versão originária do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro», que definiu os jogos de fortuna ou azar como «aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte», deixando intocada a definição das modalidades afins. Com isso, o conceito de jogo de fortuna ou azar «foi alargado em termos de abranger parte das modalidades afins, pelo menos aquelas que podiam ser consideradas como jogos.»
A situação veio a complicar-se ainda mais com a redacção conferida a esse diploma legal pelo Decreto-Lei n.º 10/95, de 19 de Janeiro, que, tendo revogado totalmente o Decreto 48.912, veio a definir as modalidades afins como «as operações oferecidas ao público em que a esperança de ganho reside conjuntamente na sorte e perícia do jogador, ou somente na sorte, e que atribuem como prémios coisas com valor económico».
«Com isto – prossegue o aresto – alterou-se o cerne da distinção entre os dois conceitos, que deixou de assentar na relevância da sorte ou do azar para o resultado», tendo dado origem a uma pluralidade de interpretações (o acórdão fala numa que estava em voga: a distinção através da natureza dos prémios) com o fim de operar a destrinça entre os dois tipos de jogos que servem de base à construção dos respectivos ilícitos: jogo de fortuna ou azar e modalidades afins.
Considerando, porém, que não havia nenhum critério relevante para a distinção, nomeadamente o que assentava na natureza dos prémios, cuja consistência o aresto rechaçava com três argumentos, veio o mesmo a considerar que deixou de haver qualquer distinção material entre os dois conceitos, pelo que o critério a adoptar tinha de ser formal: jogos de fortuna ou azar seriam apenas aqueles cuja exploração, nos termos dos n.ºs 1 e 3 do art. 4.º da actual redacção do Decreto-Lei n.º 422/89 é autorizada nos casinos; os restantes teriam de ser considerados modalidades afins.
Exactamente no mesmo sentido decidiu o Acórdão da mesma Relação de Lisboa, de 31/01/2007, Proc. n.º 9598/06, também da 3.ª Secção.

8.7. Este é o panorama jurisprudencial, como se vê muito diversificado, assentando em vários critérios distintivos e dando origem a soluções variadas, umas vezes considerando crime a prática e exploração de jogos em máquinas que se encontram frequentemente em cafés e outros estabelecimentos do género, ou porque os resultados dependem exclusivamente do factor sorte, ou porque pagam prémios em dinheiro ou simplesmente com valor económico, ou porque não constituem formas de promoção ao público, de modo a enquadrarem o conceito de «operações oferecidas ao público», e outras vezes (bastante menos) considerando que a exploração e prática de tais jogos constitui simplesmente uma contra-ordenação.
O problema reside, portanto, em saber qual o critério a adoptar para a distinção dos jogos em máquinas que devem ser considerados ilícito criminal, daqueles que devem ser considerados como ilícito contra-ordenacional.
Quase todos os critérios passados em revista através da jurisprudência não são aceitáveis, pelo menos em pleno, pois não oferecem as características de completude e exaustividade e, sobretudo, não se baseiam nos critérios relevantes que permitiriam distinguir os dois ilícitos. Daí a multiplicidade de soluções jurisprudenciais, cada qual rechaçando os pontos de vista de outra ou outras, de que pretende demarcar-se.
Não está no nosso fito analisar cada um desses critérios. Sempre se dirá, no entanto, que o critério que faz depender o resultado do jogo exclusivamente da sorte foi nitidamente ultrapassado pela legislação, logo a partir da versão originária do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro e, mais marcadamente, a partir da alteração deste pelo Decreto-Lei n.º 10/95, de 19 de Janeiro.
O critério da distinção pela natureza dos prémios (se consistissem em dinheiro, estar-se-ia em face de um crime; se de outra natureza, em face de uma contra-ordenação) também não serve para operar a destrinça entre os dois ilícitos, pela simples razão de que os jogos em máquinas automáticas considerados de fortuna ou azar, segundo a definição do art. 4.º do Decreto-Lei n.º 422/89, na versão do Decreto-Lei n.º 10/95, não se enquadra de modo algum nesse critério distintivo.
O critério das “operações oferecidas ao público” tem dado origem a diversificadas considerações jurisprudenciais. O que sejam “operações oferecidas ao público” é coisa que a lei não define. Deste modo, a jurisprudência ou tem ido para definições mais ou menos simplistas ou mais ou menos complexas, neste caso envolvendo um promotor, uma oferta da operação e, em certos casos, um ou vários prémios previamente definidos, sendo o número de jogadores ilimitado, ao passo que, nos jogos de fortuna ou azar, não haveria nada disso, sendo o número de jogadores limitado.
O acórdão recorrido, para além de ter considerado que os resultados dos jogos dependiam exclusivamente da sorte (elemento que já vimos não ter relevância para caracterizar os dois tipos de ilícito), entendeu que os jogos em causa não constituíam operações oferecidas ao público. Quanto ao que fossem estas, o acórdão enveredou pela definição mais corrente, entendendo que, na “oferta ao público”, “pressupõe-se sempre a procura e oferta ao público, pelas respectivas promotoras e não a mera colocação dos jogos em estabelecimento para o efeito, em que o público aí se dirige para a respectiva prática”.
O argumento mais comum contra este critério distintivo é o de que «a oferta de operações não carece de ser feita através de publicidade, podendo resultar da colocação do jogo em lugar visível de um qualquer estabelecimento comercial» (Assim, por ex., Ac. da Relação de Lisboa de 11/07/2006, Proc. n.º 1254/06, já citado).
O acórdão da Relação do Porto de 29/10/2008, Proc. n.º 4414/08, da 4.ª Secção, também já citado como seguindo na esteira do acórdão-fundamento, explana uma argumentação mais alargada contra a relevância deste critério:
«O argumento que se quer extrair de “não se tratar de uma operação oferecida ao público” é duplamente improcedente. Por um lado, a definição, para efeitos da lei, da categoria de jogos de fortuna ou azar não deriva do local em que é praticado ser acessível ao público em geral, ser de acesso limitado ou mesmo clandestino, mas das características do próprio jogo. Se faltarem as características essenciais que permitam classificar um jogo como de fortuna ou azar, ainda que ele seja explorado num casino, não passa por isso, a ser um jogo de fortuna ou azar.
«Tratar-se de uma “operação oferecida ao público” – expressão constante do art. 159.º, n.º1 do Decreto-Lei n.º 422/89 -, é ainda um requisito positivo para a definição das modalidades afins do jogo de fortuna ou azar. Para que um jogo se enquadre na categoria de modalidade afim é necessário que, negativamente, se estabeleça que não se enquadra na categoria de jogo de fortuna ou azar e, positivamente, a acessibilidade do povo em geral a esse jogo.»
Quanto aos restantes critérios adoptados e que foram passados em revista, resultam de uma combinação de vários elementos preponderantes neste ou naquele critério, de forma a formarem critérios complexos: temática desenvolvida pelos jogos (ou natureza destes) e natureza dos prémios; natureza dos prémios e ofertas ao público, etc.

8.8. O critério para se distinguirem os dois tipos de ilícito – ilícito criminal e ilícito de mera ordenação social – não pode deixar de ser material, no sentido de que se há-de partir das próprias categorias legais, em que assumem, quanto aos tipos legais de crime, relevo especial, na respectiva interpretação, o critério teleológico, fundamentalmente ligado à protecção de um bem jurídico, como expressão do princípio da legalidade, não só na sua feição formal, mas também na sua vertente material (nullum crimen sine lege, certa et prior) e a que estão associados princípios de matriz constitucional tão importantes como os da dignidade penal, de carência de pena e de máxima restrição penal. Destes princípios decorre que, traduzindo-se a estatuição da pena numa limitação mais ou menos grave da liberdade, a sanção só se justifica quando esteja em causa a necessidade de protecção de um relevante valor com ressonância ético-social, prévio à constituição do tipo legal de crime, ao contrário do que sucede com as contra-ordenações, que são ético-socialmente indiferentes e em que a ilicitude deriva da valoração delas pela lei como proibidas, dando origem a uma sanção de carácter não penal – uma coima. Daí que as sanções penais, enquanto atentam contra o direito fundamental à liberdade, devem limitar-se ao mínimo imprescindível para garantir a paz na vida em comunidade.
Uma das realizações do princípio da legalidade é a da definição, tanto quanto possível precisa, dos respectivos elementos do tipo legal de crime, uns dizendo respeito ao tipo objectivo do ilícito e outros, ao tipo subjectivo, pois o tipo legal de crime tem uma função de garantia dos direitos individuais das pessoas, devendo estabelecer com a máxima objectividade a conduta ou omissão que são valoradas como proibidas..
A definição do tipo legal de crime implica, por consequência, a concretização do princípio da máxima determinabilidade, ou seja, de um certo grau de determinação dos respectivos elementos, definição que, por isso, não pode ser tão genérica, que corresponda praticamente a uma indeterminação, nem tão particularista ou casuística, que dissolva na profusão de elementos o que deve ser tido como essencial. Daí que, muitas vezes, o legislador combine elementos generalizadores com elementos concretizadores, nomeadamente por meio do emprego da técnica de exemplos-regra ou exemplos-padrão. Quanto mais grave for a sanção estabelecida, maior determinação se exige na definição dos elementos do tipo legal, em obediência estrita ao princípio da legalidade, que tem ínsito nas suas implicações o princípio constitucional e, portanto, material, da proporcionalidade. O grau de exigência desta determinação é maior na definição dos tipos legais de crime, do que nos tipos contra-ordenacionais.
Uma outra consequência importante do princípio da legalidade é o de que a norma incriminadora deve ser interpretada restritivamente (odiosa restringenda), ao menos quando haja dúvida séria e firme sobre o seu sentido, e de que o direito penal não tem lacunas, forma uma ordem jurídica completa, na medida em que só as acções ou omissões nela previstas são puníveis, não sendo lícito punir outras condutas omissivas ou activas pelo recurso à analogia (Cf. sobre toda esta problemática FARIA COSTA, «Construção E Interpretação Do Tipo Legal De Crime Á Luz Do Princípio Da Legalidade: Duas Questões Ou Um Só Problema?», Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 134, n.º 3933 (1 de Abril de 2002), pp. 354 e ss. e JOSÉ DE SOUSA E BRITO, «A Lei Penal Na Constituição», Estudos Sobre A Constituição, Livraria Petrony 1978, 2.º Vol., pp. 197 e ss.).
Como vimos em 7.1.2.6., a lei (art. 1.º e 4.º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção do Decreto-Lei n.º 10/95, de 19 de Janeiro), na definição de jogos de fortuna ou azar, combina precisamente uma fórmula generalizadora (art. 1.º) com a técnica exemplificativa (art. 4.º). Por meio da primeira, define os jogos de fortuna ou azar como sendo «aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte»; por meio da segunda, tipifica exemplificativamente esses jogos nas suas diversas alíneas (vários jogos bancados, concretamente determinados – alíneas a) a d); jogos não bancados, também concretamente determinados – alínea e) e jogos em máquinas (alíneas f) e g).
No que respeita a estes últimos, mencionam-se os «jogos em máquinas pagando directamente prémios em fichas ou moedas» (alínea f) e «jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte» (alínea g).
A caracterização dos jogos de fortuna ou azar é essencial para a distinção entre os tipos de ilícito criminal e as denominadas “modalidades afins”. Ora, tendencialmente, os jogos de fortuna ou azar, de resultado contingente, por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte, segundo a formulação genérica do art. 1.º, são os que estão especificados no art. 4.º, n.º 1. Como se afirma no acórdão-fundamento, estes jogos «estão tipificados de modo exemplificativo, mas, no contexto, tendencialmente especificados». Aliás, o referido art. 4.º começa por afirmar que «nos casinos é autorizada a exploração, nomeadamente, dos seguintes tipos de jogos de fortuna ou azar (…)», enumerando a seguir, com precisão, os diversos tipos de jogos: os bancados nas suas várias modalidades (alíneas a) a d); os não bancados, também concretamente especificados (alínea e) e os jogos em máquinas, caracterizados nos seus elementos essenciais em duas alíneas (as alíneas f) e g).
Ora, o que a redacção do preceito inculca é que os diversos tipos de jogos considerados como de fortuna ou azar e que são autorizados nos casinos são os que estão especificados na lei, embora outros possam vir a ser igualmente autorizados, por apresentarem características análogas. Refere, aliás, o n.º 3 do art.4.º que «compete ao membro do Governo da tutela autorizar a exploração de novos tipos de jogo de fortuna ou azar, a requerimento dos concessionários e após parecer da Direcção-Geral de Jogos.»
E o art. 5.º, por seu turno, dispõe que «as regras de execução para a prática dos jogos de fortuna ou azar serão aprovadas por portaria do membro do Governo da tutela, mediante proposta da Inspecção-Geral de Jogos, ouvidas as concessionárias.»
As portarias que actualmente vigoram, contendo as regras de execução dos jogos de fortuna ou azar praticados nos casinos são as Portarias 817/2005, de 13 de Setembro e 217/2007, de 26 de Fevereiro. Ambas elas se referem a vários tipos de jogos bancados e de jogos não bancados, e a última também a jogos praticados em máquinas automáticas, de um modo geral coincidentes com os tipos especificados no Decreto-Lei n.º 422/89, na redacção do Decreto-Lei n.º 10/95, e com as características desses jogos. Aliás, em virtude do princípio da legalidade, os elementos essenciais do ilícito criminal não poderiam ser alterados ou criados por portaria, visto que a definição de crimes é da reserva relativa da Assembleia da República, tendo de revestir a natureza formal de lei ou de decreto-lei, neste caso precedendo lei de autorização legislativa, que defina o objecto, o sentido, a extensão e a duração da autorização (art. 165.º, n.º 1, alínea c) e n.º 2 da Constituição da República.
Por conseguinte, não obstante exemplificativa a especificação dos jogos de fortuna ou azar constante da lei, ela é tendencialmente completa e comporta uma certa rigidez, como é próprio de um tipo legal de crime, que é um tipo de garantia.
Todas as modalidades de jogos que não correspondam às características descritas e especificadas nos referidos artigos 1.º e 4.º do Decreto-Lei n.º 422/89, na redacção do Decreto-Lei n.º 10/95, embora os seus resultados dependam exclusiva ou fundamentalmente da sorte, revertem para as modalidades afins, como se defende no acórdão-fundamento.
No caso das máquinas de jogos, só são de considerar como jogos de fortuna ou azar:
- os jogos em máquinas pagando directamente prémios em fichas ou moedas;
- os jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte.
O facto de os jogos em máquinas terem desaparecido do elenco exemplificativo do art. 159.º, n.º 2 (modalidades afins), após as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 22/85, de 17 de Janeiro, não significa que todos os jogos em máquinas se dividam, pura e simplesmente, em jogos de fortuna ou azar e jogos de diversão, estes de resultados dependentes exclusiva ou fundamentalmente da perícia do utilizador e não pagando prémios em dinheiro, fichas ou coisas com valor económico, nos termos do art. 1.º do DL 21/85, também de 17 de Janeiro.
Ora, os jogos nas máquinas automáticas em causa nos acórdãos em conflito (Cf. supra 6.1. e 6.2)., se apresentavam resultados que dependiam exclusiva ou fundamentalmente da sorte, não desenvolviam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar, nem pagavam directamente prémios em fichas ou moedas.
Por conseguinte, não podiam ser enquadradas em qualquer dos tipos de jogos de fortuna ou azar praticados em máquinas automáticas, tal como descritos nas referidas alíneas f) e g) do n.º 1 do art. 4.º do Decreto-Lei n.º 422/89, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 10/95, revertendo, antes, para as modalidades afins referidas no art. 159.º, pois constituem uma espécie de sorteio por meio de rifas ou tômbolas mecânicas.
É certo que os referidos jogos proporcionavam também prémios em coisas com valor económico e em dinheiro, ou só em dinheiro, mas tal circunstância, se não é permitida pelo art. 161.º, n.º 3 do referido diploma legal, também não é suficiente, por si só, para integrar a «específica configuração em que está definido o pagamento de prémios (pagamento directo em fichas ou moedas) nos jogos de fortuna ou azar», como se diz no acórdão-fundamento. Como vimos atrás, o tipo legal de crime é dotado de uma certa rigidez, que o constitui como tipo de garantia, sendo essa precisamente uma das manifestações do princípio da legalidade. Assim, aquela circunstância não retira aos jogos em causa a natureza de modalidade afim.
Acresce que a tutela penal adscrita à proibição dos jogos de fortuna ou azar fora dos locais autorizados encontra fundamento, como se viu (Cf. supra 7.1.1.), em valores de relevante ressonância ético-social, nomeadamente pelos efeitos devastadores a nível social, familiar, económico e laboral, com incremento de criminalidade grave, não só de carácter patrimonial, mas também de carácter pessoal (vida, integridade física, ameaça, coacção) que a dependência de jogos de grande poder aditivo e potenciação de descontrole pode acarretar.
Tal não sucede relativamente aos jogos em máquinas automáticas que funcionam como espécies de rifas ou tômbolas mecânicas, em que o que se arrisca assume dimensão pouco significativa, pois a expectativa é limitada ou predefinida e o impulso para o jogo tem de ser renovado em cada operação, ao contrário do que sucede com os jogos de casino, mesmo em máquinas, possibilitando uma série praticamente ilimitada de jogadas, numa espécie de encadeamento mecânico e compulsivo, em que o jogador corre o risco de se envolver emocionalmente.



III. DECISÃO
9. Nestes termos, o Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça decide:
a) - Fixar a seguinte jurisprudência:
Constitui modalidade afim, e não jogo de fortuna ou azar, nos termos dos arts. 159º, nº 1, 161º, 162º e 163º do DL nº 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção do DL nº 10/95, de 19 de Janeiro, o jogo desenvolvido em máquina automática na qual o jogador introduz uma moeda e, rodando um manípulo, faz sair de forma aleatória uma cápsula contendo uma senha que dá direito a um prémio pecuniário, no caso de o número nela inscrito coincidir com algum dos números constantes de um cartaz exposto ao público.

b) – Julgar procedente o recurso interposto, revogando a decisão recorrida para que o Tribunal da Relação de Lisboa profira outra em consonância com a jurisprudência agora fixada.

10. Dê-se cumprimento ao disposto no art. 444.º, n.º 1 do CPP.
Sem custas.

Supremo Tribunal de Justiça, 4 de Fevereiro de 2010

Rodrigues da Costa (Relator)
Santos Monteiro
Arménio Sottomayor
Santos Cabral
Oliveira Mendes (voto vencido de acordo com a declaração que junto)
Souto de Moura (vencido nos termos do voto conjunto)
Maia Costa
Pires da Graça (vencido conforme declaração de voto anexa)
Raul Borges
Soares Ramos (vencido, conforme declaração subscrita pelo Exmo. Carmona da Mota)
Fernando Fróis
Isabel Pais Martins
Manuel Braz
Carmona da Mota (vencido, conforme declaração de voto anexa)
António Pereira Madeira
Santos Carvalho (vencido, conforme declaração conjunta)
Henriques Gaspar
Noronha Nascimento

________________________________________________

Declaração de voto
Revendo posição que subscrevi no acórdão deste Supremo Tribunal proferido em 27 de Fevereiro de 2008, no Recurso n.º 293/08, voto vencido pelas seguintes razões:
O que define e caracteriza o jogo de fortuna e azar é, por um lado, o facto de o seu resultado ser aleatório, dependendo exclusiva ou fundamentalmente do acaso, por outro lado, a circunstância de atribuir prémios em dinheiro, sem embargo de não estar vedada a possibilidade de atribuição de prémios de outra natureza.
Por sua vez, o que distingue, em primeira linha, o jogo de fortuna e azar das modalidades afins é a circunstância de nestas o prémio concedido não poder ser dinheiro.
É o que decorre do estabelecido nos artigos 1º e 159º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção do Decreto-Lei n.º 10/05, de 19 de Janeiro.
O jogo desenvolvido nas máquinas automáticas descrito nos acórdãos em oposição, cujo resultado depende exclusivamente da sorte, atribui como prémio dinheiro, pelo que é um jogo de fortuna ou azar, razão pela qual fixaria jurisprudência neste sentido, negando provimento ao recurso.
Oliveira Mendes
Declaração de voto
No caso (seja no do acórdão recorrido seja no do acórdão fundamento), a compra de três bilhetes numerados – aleatoriamente disponibilizados por máquina – confere ao apostador prémios em dinheiro caso algum deles coincida com o rol – pré-afixado à própria máquina – dos números premiados.

Estão, assim, associadas - ao jogo cuja caracterização se discute no acórdão - duas características legalmente rejeitadas pelas chamadas «modalidades afins» (1) : I) o pagamento, além de outros (que pretenderão, a nosso ver, camuflar a verdadeira natureza do jogo), de prémios em dinheiro (sendo certo que as modalidades afins não só não poderão atribuir prémios em dinheiro – mas, simplesmente «coisas com valor económico» - como nem sequer admitem que estas sejam substituídas por dinheiro: v. art.s 159.1 e 161.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 422/89), e II) tratar-se de um «jogo em máquina» (tanto mais que «os jogos em máquinas desapareceram do elenco exemplificativo [das «modalidades afins»] do art. 159.º, n.º 2».

Daí que tal jogo não possa considerar-se – desde logo por atribuir prémios em dinheiro e não, simplesmente, «coisas com valor económico» (vulgo, brindes) – «modalidade afim do jogo de fortuna ou azar».

Antes constituirá, verdadeiramente, um «jogo de fortuna ou azar» (art. 1.º do Dec. Lei 422/89): «Jogos de fortuna ou azar são aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusivamente ou fundamentalmente na sorte» e, nos termos especiais do art. 159.º, não constituam modalidades afins».

Ora, «a exploração e a prática dos jogos de fortuna ou azar só são permitidas nos casinos existentes nas zonas de jogo permanente ou temporário criadas por decreto-lei ou, fora daqueles, nos casos excepcionados nos art.s 6.º a 8.º [«Exploração de jogos em navios ou aeronaves», «Exploração de jogos não bancados em estabelecimentos hoteleiros» e »Jogo do bingo»] » (art. 3.1), sendo que «quem, por qualquer forma, fizer a exploração de jogos de fortuna ou azar fora dos locais legalmente autorizados será punido com prisão até dois anos multa até 200 dias» (art. 108.1).

Está-se, por isso, na presença, de um crime de «exploração ilícita de jogo de fortuna ou azar fora dos locais autorizados» [CAPÍTULO IX, Ilícitos e sanções, Secção I, Dos crimes].

Trata-se, aliás, de um jogo cuja exploração, nos termos do art. 3.1, nem sequer será permitida nos próprios locais de jogo autorizados, nomeadamente nos casinos (2).

Assemelha-se, de resto, ainda que invertidamente, à chamada lotaria nacional (que ninguém negará trata-se de um jogo – ainda que de exploração circunscrita à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa – de fortuna ou azar). Só que esta - ao contrário daquela lotaria de números - não atribui imediatamente o eventual prémio, diferindo-o para a data do sorteio dos números premiados. Mas, tal como o jogo em questão, confere prémios em dinheiro ao portador de um bilhete cuja numeração coincida com a lista oficial dos números premiados. A única diferença é a que, na lotaria nacional, o n.º do bilhete do apostador depende (ressalvadas as disponibilidades) da sua escolha, enquanto, que, na lotaria de números, é atribuído aleatoriamente pela máquina ( 3).

Negamos-lhe, por isso, a característica de «modalidade afim». E, pelo contrário, tendemos a caracterizá-lo - depois de contabilizado o contributo do art. 161.3 para a exemplificação dos jogos de fortuna ou azar (que incluem, «nomeadamente», a «lotaria de números») - como «jogo em máquina» que «desenvolve», afinal, «tema próprio dos jogos de fortuna ou azar» (art. 4.1.g)).

Mas, mesmo que o jogo em causa nos acórdãos recorrido e fundamento «não revestisse a natureza de jogo de fortuna ou azar» (nomeadamente por aquela lotaria de números ou instantânea se dever circunscrever, eventualmente, à vulgar «raspadinha»), isso não implicaria, necessariamente (ao contrário do que se afirma no acórdão), que «revertesse para as modalidades afins», até porque, na definição do tipo, o princípio da legalidade tanto se aplica ao universo criminal como ao mundo contra-ordenacional (art. 2.º do RGCO).

De qualquer modo, não é exacto – como se proclama no acórdão ora votado – que «todas as modalidades de jogos que não correspondam às características descritas e especificadas nos referidos artigos 1.º e 4.º do Decreto-Lei n.º 422/89, na redacção do Decreto-Lei n.º 10/95, embora os seus resultados dependam exclusiva ou fundamentalmente da sorte, revertem para as modalidades afins». Com efeito, aquele art.º 4 destina-se simplesmente – como já atrás ficou dito - a enumerar os jogos de fortuna e azar que, à partida e salvo posterior alargamento por parte do membro do Governo da tutela, podem ser autorizados aos casinos, deixando de fora todos os outros (como, além do mais, a lotaria nacional, o totobola, o totoloto, o joker e o euromilhões, expressamente afastados das “modalidades afins” pelo art.º 161.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 422/89) que são ou podem ser licenciados a outro tipo de entidades, como, emblematicamente, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.
Votámos, por isso, vencidos.

Carmona da Mota


Santos Carvalho


Souto de Moura

(1) As “modalidades afins” pressupõem cumulativamente as seguintes características (art.ºs 159.º e 161.º): 1.º - São operações oferecidas ao público; 2.º - A esperança de ganho reside conjuntamente na sorte e na perícia do jogador, ou somente na sorte; 3.º - Não podem desenvolver temas característicos dos jogos de fortuna ou azar, como o póquer, frutos, campainhas, roleta, dados, bingo, lotaria de números ou instantânea, totobola e totoloto; 4.º - Atribuem como prémios coisas com valor económico e que não podem ser substituídos por dinheiro ou fichas.)
(2) Até que, eventualmente, «o membro do Governo da tutela o venha a autorizar, a requerimento das concessionárias e após parecer da Inspecção-Geral de Jogos» (art.s 3.3, 6.1 e 7.1 e 2).
(3) Nem assim, aliás, poderia deixar de ser, na medida em que, neste caso, a lista premiada é conhecida antes da aposta, ao contrário do que acontece no outro caso, em que os números premiados apenas são sorteados depois da aposta.).


Declaração de voto


1. Como refere o ponto 1. do preâmbulo do Decreto-Lei nº nº 22/85 de 17 de Janeiro: - ”O jogo, sendo embora um fenómeno humano, carece de ser devidamente regulamentado e objecto de rigorosa fiscalização, com vista à minimização dos resultados nefastos que, da sua prática descontrolada, decorrem para a sociedade.”
Essa prática descontrolada, ainda que imanente a fenómeno lúdico, com aspiração de ganho, quando revele carência de tutela e dignidade penal, se não for claramente definida a correspondente ilicitude penal típica, poderá contribuir para a deslegitimação da prevenção geral, e provocar írrita confusão paroxística na protecção do bem jurídico, cuja tutela apenas seria eventualmente garantida, de forma sucedânea e difusa, pela abrangência do ilícito contra ordenacional, sendo certo que “as normas relativas à exploração e prática do jogo são de interesse e ordem pública” como exprime o nº 2 do artº 95º do Decreto –Lei nº 422/99 de 2 de Dezembro, em conformidade com o Decreto-Lei nº 10/95 de 10 de Janeiro.
Por isso, considero que na interpretação da Lei do Jogo, conforme artº 9º do Código Civil, deve ter-se em conta o carácter restrito das normas definidoras e regulamentadoras do jogo, quer por serem de natureza técnica, quer pela especificidade normativa que lhes subjaz,

2. De harmonia com o artigo 1º do Decreto-Lei nº 422/89 de 2 de Dezembro, (com a redacção operada pelo Decreto-Lei nº 10/95 de 19 de Janeiro), jogos de fortuna ou azar “são aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte.”
Assim, constitui denominador comum a qualquer tipo de jogo de fortuna ou de azar que o resultado do jogo seja aleatório por depender exclusiva ou fundamentalmente da sorte.

3. O nº 1 do artigo 4º, identifica, nas respectivas alíneas, tipos de jogos de fortuna ou azar.
Relativamente a jogos em máquinas, a alínea f) do preceito, refere-se a “jogos em máquinas pagando directamente prémios em fichas ou moedas” e, a alínea g) a “jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte.”
    1. 4. Na revisão do enquadramento legal das máquinas consideradas como de diversão, veio o Decreto-Lei nº 22/85 de 17 de Janeiro, explicitar no seu preâmbulo, que:
    2. “2. São muitas e sofisticadas as modalidades de máquinas automáticas, mecânicas, eléctricas ou electrónicas, que, embora não pagando directamente prémios em dinheiro ou em fichas, se têm revelado meios apropriados para a prática ilegal de jogos de fortuna ou azar, na medida em que favorecem a aposta de dinheiro sobre os créditos representados nas pontuações em que se traduzem os seus resultados, dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte.
3.A solução até agora adoptada consistente na qualificação de tais máquinas como de diversão ( ...) tem-se revelado ineficaz para prevenir e reprimir o seu emprego na aludida prática do jogo ilícito.
4. Justifica-se assim, a revisão do enquadramento legal daquelas máquinas, qualificando-se as mesmas como verdadeiros jogos de fortuna ou azar e, consequentemente, restringindo-se o seu uso aos casinos das zonas de jogo autorizadas”

5. A disciplina legal dos jogos de fortuna ou azar veio a ser actualizada pelo Decreto-Lei nº 422/89 de 2 de Dezembro, e, este, pelo Decreto-Lei nº 10/95 de 19 de Janeiro, com vista a encontrar “novas soluções que, não pondo em causa os interesses de ordem pública cuja tutela sempre foi assumida neste domínio, criem um enquadramento susceptível de melhorar as condições de exploração da actividade e de assegurar uma efectiva repressão das infracções (….)”, como explicita o preâmbulo deste último diploma.
Nesta ordem de ideias, o artº 4º nº 3 do Dec-Lei nº 10/95, veio dispor que “o capítulo XI do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro, passa a designar-se «Das modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar e outras formas de jogo»

6. O artigo 159º do Dec-Lei nº 422/89, na redacção do referido Dec.- L.ei nº10/95, abarca especificadamente as “Modalidades afins do jogo de fortuna ou azar e outras formas de jogo.”
Estabelece o nº 1 do artº 159º que “modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar são as operações oferecidas ao público em que a esperança de ganho reside conjuntamente na sorte e perícia do jogador, ou somente na sorte, e que atribuem como prémios coisas com valor económico.”
O nº 2 do mesmo preceito acrescenta que “são abrangidos pelo disposto no número anterior, nomeadamente, rifas, tômbolas, sorteios, concursos publicitários, concursos de conhecimentos e passatempos.”

7. A diferenciação perante os jogos de fortuna ou azar operada pelo Decreto-Lei nº 10/95 ao introduzir as “modalidades afins do jogo de fortuna ou azar e outras formas de jogo” referidas no artº 159º, é positivamente, feita através das características enformadoras da estrutura de tais modalidades, mas também demarcada negativamente, ou, a contrario , pelos limites finalísticos previstos no artigo 161º nº 3 do diploma ao dispor que: - “As modalidades afins do jogo de fortuna ou azar e outras formas de jogo, referidas no artº 159º não podem desenvolver temas característicos dos jogos de fortuna ou azar, nomeadamente o póquer, frutos, campainhas, roleta, dados, bingo, lotaria de números ou instantânea, totobola e totoloto, nem substituir por dinheiro ou fichas os prémios atribuídos”

8. O material de jogo, material e utensílios que sejam caracterizadamente destinados à prática dos jogos de fortuna ou azar, não integra o critério legal de definição e diferenciação dos jogos de fortuna ou azar das modalidades afins ou outras formas de jogo.
Por outro lado, embora a exploração e a prática dos jogos de fortuna ou azar apenas sejam permitidas nos casinos nos termos dos artºs 3º e 4º, sem prejuízo do artº 7º, do Dec-Lei nº 422/89 na redacção conforme Dec-Lei nº 10/95, também não é o local legalmente permitido para essa exploração e prática que caracteriza e define os jogos de fortuna ou azar.
O local legalmente permitido apenas legitima a exploração destes jogos, pois que, quem, por qualquer forma, fizer exploração de jogos de fortuna ou azar fora dos locais legalmente autorizados é punido com prisão até dois anos e multa até 200 dias, constituindo o crime de exploração ilícita de jogo p. e p. no artº 108º nº 1 do mencionado Dec-Lei nº 422/89. de harmonia com a redacção constante do Dec -Lei nº 10/95.

9. A distinção, está, pois, a meu ver, nas características do resultado produzido (o prémio atribuído) e no modo da sua obtenção (o desenvolvimento do jogo), através do funcionamento da máquina automática.

10. Autonomizou-se, tipificando-se, no regime legal do jogo, o enquadramento (explicativo e diferenciado) das modalidades afins do jogo de fortuna ou azar e outras formas de jogo, com relevância jurídica.
Regime legal esse complementado pela Portaria n.º 817/2005 de 13 de Setembro, que ao providenciar sobre as regras de execução para a prática dos jogos de fortuna ou azar, na sequência do disposto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, veio dispor no TÍTULO III, e CAPÍTULO ÚNICO, com referência às máquinas automáticas:
“1—O jogo de máquinas automáticas pode ser praticado em aparelhos de funcionamento mecânico, eléctrico, electromecânico ou electrónico com alguma das seguintes características:
a) Atribuam prémios pagos directa ou indirectamente em fichas, moedas ou outros meios de pagamento;
b) Não atribuindo os prémios referidos na alínea anterior, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte.”

11. Posteriormente, a Portaria n.º 217/2007 de 26 de Fevereiro, após afirmar que: “As regras de execução dos jogos de fortuna ou azar encontram-se reunidas em anexo à Portaria n.º 817/2005, de 13 de Setembro, que as aprovou”., veio actualizá-la no sentido de que: .“O bom curso da actividade e a necessidade de garantir uniformidade na execução das regras vêm sugerindo alguns ajustamentos em ordem à sua clarificação e à agilização das práticas (…)”

Quanto às máquinas automáticas, manteve a redacção dos nºs 1 e 2 do capítulo único do título III, como anteriormente.

12. Do exposto, face ao regime legal, extraio as seguintes conclusões:

I - Ainda que o resultado do jogo nas máquinas automáticas dependa exclusivamente da sorte, só não constitui jogo de fortuna ou azar - constituindo então modalidade afim de jogo de fortuna ou azar - se a modalidade de jogo não atribuir prémios pagos directamente em fichas ou moedas; não desenvolver temas característicos dos jogos de fortuna ou azar, nomeadamente o póquer, frutos, campainhas, roleta, dados, bingo, lotaria de números ou instantânea, totobola e totoloto, ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte, nem substituir por dinheiro ou fichas prémios atribuídos,

II - Porém, mesmo que o resultado do jogo nas máquinas automáticas dependa exclusivamente da sorte, e consista em qualquer prémio – coisas de valor económico - que não seja pago em fichas ou moedas, já constituirá jogo de fortuna ou azar se a modalidade de jogo desenvolver temas característicos dos jogos de fortuna ou azar, como os indicados no nº 3 do artº 161º do Decreto –lei nº 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção do Decreto-lei nº 10/95 de 19 de Janeiro, ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte, ou permitir a substituição de prémios atribuídos por fichas ou dinheiro.

III – O jogo desenvolvido em máquinas automáticas, deve ser considerado de fortuna ou azar quando dependendo exclusiva ou fundamentalmente da sorte:
a- Atribuir prémio que seja pago, directa ou, indirectamente , em fichas ou dinheiro;
b- O jogo desenvolver temas próprios dos jogos de fortuna ou azar;
c- Ou apresente como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte.

13. Definindo a lei o que são jogos de fortuna ou azar, e indicando os limites das modalidades afins e outras formas de jogo, conclui-se que: - Não revestem a natureza de jogos de fortuna ou azar, revertendo antes para as modalidades afins, os jogos em máquinas automáticas cujos resultados, dependendo embora, exclusiva ou fundamentalmente, da sorte e, traduzindo-se em pagamento de prémios em coisas de valor económico, não paguem directamente prémios em fichas ou moedas, nem substituam por fichas ou dinheiro os prémios atribuídos, não desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte”

14. Embora os ilícitos penais típicos integrados na Lei do Jogo pressuponham como elemento constitutivo da tipicidade, a existência de jogo de fortuna ou azar, não definem, porém, na sua estrutura típica, em que consiste tal jogo, o que para a sua determinabilidade, de harmonia com o princípio da legalidade, obriga o intérprete a indagar das suas significações, extra norma típica, numa “valoração adicional para a determinação da matéria proibida”, tendo presente “uma articulação valorativa e global sobre o bem jurídico protegido e os elementos explicitamente cunhados pelo legislador” (as expressões citadas são de Faria Costa in Direito Penal Especial, Coimbra Editora, 2004, p. 69), determinabilidade essa que “residirá sempre em saber se, apesar da indeterminação inevitável resultante da utilização destes elementos, do conjunto da regulamentação típica deriva ou não uma área e um fim de protecção claramente determinados.” - Direito Penal, Questões Fundamentais, A doutrina Geral do crime, Universidade de Coimbra, Faculdade de Direito, 1996, segundo as lições dos Profs. Doutores Jorge de Figueiredo Dias (1ª turma) e Manuel da Costa Andrade (2ª turma), p.173.
Ora, em jogos dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte, e tendo em conta o contexto normativo da Lei do Jogo, as proibições impostas às modalidade afins de jogos de fortuna ou azar e outra formas de jogo, integram-se em jogos de fortuna ou azar, sendo o supra referido artº 161º nº 3 um complemento factual do previsto no artº 4º, cujas indicações enumeradas - no artº 4º - não são taxativas, resultando da conjugação articulada destes preceitos situações de materialidade de jogos de fortuna ou azar, corroboradas, aliás, na harmonia do sistema, pelo disposto nas alíneas do artigo 1º da Portaria n.º 817/2005 de 13 de Setembro.

15. Aliás, mesmo que o resultado numérico atribuído, no caso de lhe caber prémio, pudesse concretizar-se em coisa de valor económico ou em dinheiro, conforme a respectiva coincidência com o número premiado, bastaria o mero facto de esse resultado numérico coincidir com número que atribuísse prémio em dinheiro para que tivesse a natureza de jogo de fortuna ou azar, por força do disposto no supra referido artº 4º nº1 a).

16. Mas a questão da não exclusividade do prémio em dinheiro identificada em 15., em meu entendimento é estranha ao objecto do presente thema decidendum que, ao dar uma resposta ao acórdão recorrido, apenas pode ter em conta a questão de facto descrita no acórdão recorrido que seja idêntica no acórdão fundamento, ou seja apenas quanto à idêntica situação fáctica reportada ao pagamento de prémios em dinheiro,
De outra forma, inexistiria situação factual idêntica que justificasse a oposição de julgados,

17. Tendo em conta que o jogo desenvolvido nas máquinas automáticas, descrito nos acórdãos em oposição, dependia exclusivamente da sorte, em que o resultado numérico atribuído, constante da senha ou rifa, era pago em dinheiro, se assim fosse premiado, de harmonia com o respectivo cartaz agregado a assa máquina, entendo que não pode considerar-se esse jogo como de modalidade afim de jogos de fortuna ou azar ou outra forma de jogo; outrossim reveste a natureza de jogo de fortuna ou azar, uma vez que, e, usando expressão do acórdão recorrido, esse jogo “conduz a resultados que dependem única e exclusivamente da sorte e consiste na atribuição aleatória de prémios pecuniários a quem arrisca dinheiro na esperança de ganhar mais dinheiro.”

18. Manteria, pois o acórdão recorrido e fixaria jurisprudência do seguinte teor:

" I - Revestem a natureza de jogos de fortuna ou azar, os jogos em máquinas automáticas cujos resultados, dependendo embora exclusiva ou fundamentalmente da sorte, se traduzam em pagamento de prémios, directamente em fichas ou moedas; ou substituam por fichas ou dinheiro prémios atribuídos; ou desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar; ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte."
II - Assim, constitui jogo de fortuna ou azar o jogo desenvolvido em máquina automática, que mediante a introdução de uma moeda, selecciona de forma totalmente aleatória, e, disponibiliza ao seu utilizador, uma cápsula ou bola com três papéis – senhas ou rifas – tendo escrito um número, que se coincidir com o número premiado inscrito no cartaz que acompanha a máquina, confere ao jogador o recebimento de um prémio em dinheiro.”


Pires Graça