Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1916/18.3T8STS.P1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: LUIS ESPÍRITO SANTO
Descritores: PODERES DA RELAÇÃO
DUPLA CONFORME
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
REAPRECIAÇÃO DA PROVA
PROCESSO EQUITATIVO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
REVISTA EXCECIONAL
Data do Acordão: 04/05/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA (COMÉRCIO)
Decisão: NÃO SE CONHECE DO OBJECTO DO RECURSO.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :
I - As questões relacionadas com o incorrecto uso dos poderes de facto conferidos por lei ao tribunal da Relação, com violação do disposto no art. 662.º do CPC, não se encontram abrangidas pelos efeitos da dupla conforme, impeditiva da interposição da revista normal nos termos do art. 671.º, n.º 3, do CPC.
II - Se for omitida ou incorrectamente exercida tal actividade processual de sindicância da matéria de facto impugnada - que constitui pronúncia originária que compete unicamente à 2.ª instância - esse incumprimento dos deveres impostos no art. 662.º do CPC comporta naturalmente a interposição de revista normal para o STJ.
III - É o que sucede, por exemplo, quando o tribunal da Relação rejeita indevidamente a impugnação de facto com fundamento em incumprimento das exigências consignadas no art. 640.º, n.os 1 e 2, do CPC que afinal não se verifica; quando não se debruça, com a suficiência, a autonomia e a completude exigíveis, sobre a análise de toda a matéria concretamente impugnada, refugiando-se em considerações de natureza geral ou tabelar que não se traduzem em qualquer efectivo reexame dos factos que o recorrente alegou encontrarem-se incorrectados decididos; quando descura a exposição da fundamentação que permite objectivamente compreender o percurso intelectual subjacente à reanálise da prova.
IV - Na situação sub judice, aquilo de que o recorrente discorda, a pretexto da avocação do art. 662.º do CPC dos princípios gerais de negação do direito a um processo justo e equitativo, é do próprio conteúdo e sentido da reapreciação dos factos que foram adoptados pelo acórdão recorrido, entendendo que os elementos à disposição do tribunal (mormente a prova documental e testemunhal que foi produzida) imporiam, a seu ver, decisão diversa daquela que foi proferida, o que equivale a discutir e consequentemente discordar do mérito do juízo de facto autónomo de que o tribunal da Relação do Porto se socorreu.
V - Quanto a esta matéria - discussão da matéria de facto -, carece o STJ da necessária competência, conforme resulta expressamente do disposto no art. 662.º, n.º 4, do CPC, bem como do preceituado nos arts. 674.º, n.º 3, e 683.º, n.º 2, do mesmo diploma legal, não sendo a revista normal admissível, o que significa que se constituiu in casu dupla conforme nos termos do art. 671.º, n.º 3, do CPC, impeditiva da interposição de revista normal prevista no art. 671.º, n.º 1, do CPC.
VI - Resta, portanto, a remessa dos autos à Formação para a verificação dos pressupostos da revista excepcional, nos termos do art. 672.º, n.º 3, do CPC, de que a recorrente, a título subsidiário, fez uso.
Decisão Texto Integral:


 
Processo nº  1916/18.3T8STS.P1.S1.

Acordam, em Conferência, os Juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Sessão).
Apresentado o presente recurso de revista ao relator para apreciação liminar, foi por este proferida decisão singular nos seguintes termos:
“Instaurou Burford Capital, Ltd., acção declarativa comum contra AA.
Alegou essencialmente:
O Réu foi gerente da Sociedade SLURP.!, Lda., (de que a A. é sócia), até 15 de Março de 2018, tendo nessa qualidade praticado actos de gestão que constituíram violação dos seus deveres enquanto gerente, o que provocou prejuízos à sociedade, assentando a sua responsabilidade no disposto nos artigo 64º e 79º, nº 1, do Código das Sociedades Comerciais, e no artigo 483º, nº 1, do Código Civil.
Conclui pedindo a condenação do Réu a pagar, à Sociedade os montantes relativos aos prejuízos que está sofreu ou vier a sofrer, como consequência dessa sua actuação, a apurar posteriormente em sede de execução de sentença; a pagar à Autora os montantes relativos aos prejuízos que está sofreu ou vier a sofrer, como consequência da mesma actuação, a apurar posteriormente, em sede de execução de sentença.
Citado o R, o mesmo veio contestar a acção, concluindo pela improcedência do pedido.
Após a apresentação pelas partes de articulados supervenientes, foi proferido despacho de saneamento do processo.
Por despacho proferido nos autos (ref....90) (cf. fls. 613 e seguintes), não foi admitido o depoimento de parte do legal representante da Autora, Dr. BB.
De tal despacho veio a Autora interpor recurso, apresentando desde logo as suas alegações (cf. fls. 623 e seguintes).
Foi proferida sentença que julgou a acção improcedente por não provada e em consequência, foi o Réu absolvido do pedido principal, bem como do pedido de litigância de má-fé; foi a Autora condenada como litigante de má-fé, em indemnização a liquidar oportunamente, nos termos do nº3 do art.º 543º do CPC, e numa multa processual de 10 (dez) UC’s.
Interpostos recursos de apelação, o Tribunal da Relação ..., por acórdão datado de 15 de Dezembro de 2021, julgou-os improcedentes, confirmando a decisão recorrida.
Intentou a A. recurso de revista (normal e, a título subsidiário, excepcional), apresentando as seguintes conclusões:
1. A recorrente interpõe o presente recurso por entender que o Tribunal a quo não fez a melhor e mais correta interpretação do direito quanto às questões mencionadas supra em §2 e que se resumem ao seguinte:
a) Pedido de litigância de má-fé da autora, por violação de normas de direito adjetivo, seja no que concerne à apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto proferida pela primeira instância (cf. artigo 662 do CPC) seja da responsabilidade no caso de má-fé e da sua noção (cf. artigo 542 do CPC) e excesso de pronúncia [cf. artigo 615 (1, d, e)], violação do princípio do contraditório (na vertente da proibição de decisão-surpresa), violação da garantia constitucional do acesso à justiça, consagrada no artigo 20 (1) (4), da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), do dever de administração da justiça imposto aos Tribunais no artigo 202 (1) da CRP, do artigo 47 §2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (“CDFUE”), com respaldo no artigo 2 do Tratado da União Europeia (“TUE”) e do artigo 6 (1) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (“CEDH”) – vide § 8.1 e 8.2 supra;
b) Pedido de litigância de má-fé da ré, por violação de normas de direito adjetivo, seja no que concerne à apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto proferida pela primeira instância (cf. artigo 662 do CPC), do dever de administração da justiça imposto aos Tribunais no artigo 202 (1) da CRP, do artigo 47 §2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (“CDFUE”), com respaldo no artigo 2 do Tratado da União Europeia (“TUE”) e do artigo 6 (1) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (“CEDH”) – vide § 8.3 supra;
c) Ao pedido de acareação entre partes e testemunhas, por violação do artigo 47 §2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (“CDFUE”), com respaldo no artigo 2 do Tratado da União Europeia (“TUE”)e do artigo 6 (1)da Convenção Europeia dosDireitos do Homem (“CEDH”) – vide § 8.1 e 8.2 supra;
d) A admissão e valoração de documento de prova (com superveniência objetiva relativamente à entrada em juízo da ação e subjetiva relativamente à audiência de julgamento) suscetível de afirmar o depoimento do representante legal da autora e de infirmar as declarações de parte do réu, por violação do artigo 47 §2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (“CDFUE”), com respaldo no artigo 2 do Tratado da União Europeia (“TUE”) e do artigo 6 (1) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (“CEDH”) – vide § 3.2. supra;
e) Omissão de pronúncia sobre o pedido de redução da multa de 3 UCs aplicada à autora, ali apelante, aqui recorrente – vide § 3.2.1. supra;
f) Omissão de pronúncia sobre requerimento de prova formulado na petição inicial e reiterado posteriormente por requerimento, por violação da garantia constitucional do acesso à justiça, consagrada no artigo 20 (1) (4), da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), do dever de administração da justiça imposto aos Tribunais no artigo 202 (1) da CRP, do artigo 47 §2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (“CDFUE”), com respaldo no artigo 2 do Tratado da União Europeia (“TUE”) e do artigo 6 (1) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (“CEDH”) – vide § 3.3. supra;
g) A omissão de pronúncia em relação ao requerimento probatório enquadrado na concretização da obrigação de fundamentação que incide sobre o julgador em sede de motivação, designadamente no que concerne à apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto proferida pela primeira instância, por violação de normas de direito adjetivo (cf. artigo 662 do CPC), violação da garantia constitucional do acesso à justiça, consagrada no artigo 20 (1) (4), da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), do dever de administração da justiça imposto aos Tribunais no artigo 202 (1) da CRP, do artigo 47 §2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (“CDFUE”), com respaldo no artigo 2 do Tratado da União Europeia (“TUE”) e do artigo 6 (1) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (“CEDH”) – vide § 4, 5 e 7 supra;
h) O indeferimento das declarações de parte do legal representante da autora, aqui recorrida, por violação da garantia constitucional do acesso à justiça, consagrada no artigo 20 (1) (4), da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), do dever de administração da justiça imposto aos Tribunais no artigo 202 (1) da CRP, do artigo 47 §2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (“CDFUE”), com respaldo no artigo 2 do Tratado da União Europeia (“TUE”) e do artigo 6 (1) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (“CEDH”) – vide § 9 supra;
i) À necessidade (obrigação) de reenvio para o TJUE para uma interpretação prejudicialrelativamente ao direito que emanadado artigo 47 §2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (“CDFUE”), com respaldo no artigo 2 do Tratado da União Europeia (“TUE”), eartigo 267 do Tratado de Funcionamento da União Europeia (“TFUE”) – vide § 10 supra.
2. São, no essencial, destas 9 questões que a aqui recorrente recorre e que têm como pano de fundo a violação do direito Europeu contido no artigo 47 da CDFUE, com respaldo no artigo 2 do TUE e do artigo 6 (1) da CEDH, para além do direito interno supra mencionada, incluindo os direitos fundamentais vertidos na CRP.
3. Isto porque o Tribunal recorrido resolveu cada uma dessas questões em violação do supra preceituado ao ter decidido:
4. Quanto à nulidade por alegado impedimento da ilustre mandatária da Autora de realizar o seu trabalho que tal decisão foi emitida no âmbito dos poderesconcedidos ao Tribunal pelo artigo 602 do CPC epara valer nas audiências de discussão e julgamento dos dias 16.04.2021 e 23.04.2021, tendo concluído que nada nos autos faz concluir que a “proibição” do uso do telemóvel impediu ou limitou o trabalho da ilustre mandatária em apreço, apesar de isso ter alegado a autora em requerimento enviado ao tribunal. Entende ainda que o direito da ali apelante foi prelúcido por arguir tal nulidade de forma extemporânea.
5. A recorrente discorda com tal posição pelas razões que expõe em §3.4. mas que se resumem à violação de um processo equitativo na vertente da violação do direito à igualdade de armas e no excesso de formalismos.
6. Quanto ao despacho que não admitiu a junção de dois documentos requerida através dos requerimentos com a referência ... e com a referência ...37 entendeu o Tribunal recorrido que não foram cumpridas as regras previstas no artigo 644 (2, d) do CPC e que em todo o caso a junção de tais documentos se revelava extemporânea.
7. A recorrente discorda com tal posição pelas razões que expõe em §3.2. mas que se resumem à violação de um processo equitativo na vertente da violação do direito à igualdade de armas e no excesso de formalismos.
8. Quanto à alegada nulidade do processo por omissão de pronúncia relativamente aos documentos de prova requeridos com a petição inicial e outros, com superveniência objetiva, requeridos em audiência de julgamento, o tribunal entendeu que o recurso nesse segmento é extemporâneo, poisnão foramcumprindo osprazosimpostospelo artigo 199 (1) do CPC.
9. A recorrente discorda com tal posição pelas razões que expõe em §3.3. mas que se resumem à violação de um processo equitativo na vertente da violação do direito à igualdade de armas e no excesso de formalismos e porque apenas com a sentença essa omissão de pronúncia foi conhecida e verificada, pois até à sentença e na própria sentença podia o Tribunal de primeira instância pronunciar-se sobre os mesmos, nomeadamente indeferindo os mesmos com um qualquer fundamento – pressuposto que reforça a violação do direito a um julgamento mediante um processo equitativo e justo, sem excesso de formalismos que impeçam a aplicação da boa justiça.
10. Também quanto ao pedido de acareação o Tribunal recorrido socorreu-se da falta de cumprimento dos prazos legalmente previstos para a sua arguição, defendeu que o recurso deveria ser interposto autonomamente e ainda do facto de considerar as acareações, em geral, são por si improfícuas, indeferimento nessa parte o recurso.
11. A recorrente discorda com tal posição pelas razões que expõe em §3.1. mas que se resumem à violação de um processo equitativo na vertente da violação do direito a apresentar as suas provas e no excesso de formalismo quanto ao tipo de recurso, tendo em conta que sendo recurso autónomo ou a correr no próprio recurso da sentença, a justiça e o direito a um processo equitativo nunca seria prejudicada, muito pelo contrário, ganhava em todas as suas vertentes incluindo na celeridade processual.
12. A recorrente apresentou 56 factos provados, contraditando ou completando os que na sua opinião não estavam corretamente assentes com vários documentos juntos aos autos (registos notariais e documentos juntos pelo próprio réu) e com a indicação dos depoimentos, incluindo da companheira do próprio réu, que impediam que tais factos fossem dados como provados como foram; ofereceu para cada um dos factos uma alternativa do que devia ser dado como provado.
13. O Tribunal recorrido decidiu sufragar tais factos dados como provados pelo Tribunal da primeira instância, decalcando o entendimento da sentença ali recorrida, incluindo o facto provado 18 e 22, sobre os quais fundamentou a sua convicção apenas com os depoimentos prestados pelo legal representante da Autora, do réu e das testemunhas CC, DD, EE e FF, ignorando no entanto documentos juntos pelo próprio réu e documentos notárias que infirmavam essa factualidade e demonstravam ainda que o réu mentia, metia mesmo, de forma absolutamente descarada, sobre tal factualidade (vide, com a atenção e honestidade intelectual que se sabe sempre nortear as decisões do STJ, o detalhe do alegado em § 5.1. relativamente a esses factos).
14. Entende a recorrente que sobre o Tribunal recorrido recaia a obrigação de indicar, em sede de motivação da sentença, os meios de prova e essa indicação deve conter os elementos que dão o substrato racional, à luz das regras da experiência e dos critérios lógicos, que permitiu preparar, sedimentar e conduzir à convicção do tribunal em determinado sentido, incluindo a razão de ter valorado de determinada forma os diversos meios de prova apresentando pelas partes.
15. Ou seja, na opinião da recorrente, não basta ao tribunal, tal como fez o Tribunal recorrido, decalcar a sentença recorrida e aceitar os factos dados como provados na sentença com a mera, sumária, generalista e até mesmo abstrata justificação da conjugação de determinados depoimentos, sem qualquer análise critica desses mesmos depoimentos e sem indicar as partes que fundamentam tal decisão.
16. Muito menos o pode fazer, ignorando em absoluto as provas documentais que a ali apelante chamou para sustentar a impugnação e modificação de tais factos, sem explicar como é que as mesmas não foram valoradas ou qual interpretação a tirar de cada uma delas que permitisse assentar os factos como decidiu assentar. Ou seja, salvo melhor opinião, não basta o Tribunal declarar que procedeu à análise da prova documental produzida nos autos, pondo particular atenção no conteúdo dos documentos antes melhor referidos e que sustentaram a decisão recorrida e daqueles a que a autora/apelante dá particular relevo no seu recurso, quando inclusivamente não referiu, em alguns casos, qualquer documento que a ali apelante trouxe à colação e deu especial relevo, por infirmar de forma clara, os factos provados que pretendia reverter.
17. Veja-se, por exemplo, e sem prejuízo de uma leitura atenta do §5.1., o facto 18 da sentença (e supra mencionado), para o qual o Tribunal recorrido justificou a sua convicção com a simples tirada: resulta da conjugação dos depoimentos prestados pelo legal representante da Autora, do Réu e das testemunhas CC, DD, EE e FF.
18. Ou seja, não indicou os elementos objetivos desses depoimentos que lhe permitiram formar essa convicção (e veja-se a contradição do depoimento da companheira do réu – FF) e, pior, deixou de se pronunciar sobre os documentos que a ali apelante convocou para contrariar tal facto (como se sustentou em 5.1 supra – veja-se o facto 18).
19. Na opinião da aqui recorrente, o Tribunal a quo deveria, pelo menos, explicar porque não valorou os documentos que serviram de sustentação à impugnação de tal facto por parte da apelante ou então, mesmo que os valorasse, até porque alguns foram trazidos pelo próprio réu, explicasse a interpretação alternativa dos mesmos que conduzissem a interpretação diferente da ali alegada. Mas não, o Tribunal recorrido omitiu a sua pronúncia sobre tais documentos na apreciação de tais factos.
20. O Tribunal recorrido, ao omitir os elementos objetivos de prova que permitiram a todos, nomeadamente à aqui recorrente, constatar se a decisão respeitou ou não a exigência de prova e ao deixar de indicar o iter formativo da convicção – a valoração cuja análise haveria de permitir comprovar se o raciocínio foi lógico ou absurdo – violou o direito a um processo equitativo (cf. artigo 6 da CEDH e artigo 47 da CDFEU) que imbrica profundamente no Estado de Direito (cf. artigo 2 do TUE).
21. O Tribunal recorrido devia ter elencado as provas carreadas para o recurso, em sede de impugnação da matéria de facto, pela ali apelante e apresentar a sua análise crítica e racional, com os motivos que levaram a conferir relevância a determinadas provas (os ditos depoimentos) e a negar importância de outras (os documentos aludidos pela ali apelante com as respetivas interpretações).
22. Só com uma concatenação racional e lógica das provas relevantes a que a ali apelante “deitou mão” em sede de impugnação da matéria de facto, declarada no acórdão, era possível arrumar lógica e metodologicamente os factos então dados como provados e não provados e a sua apreciação à luz do direito vigente.
23. Só desse modo, que faltou no acórdão recorrido, se garante uma tutela judicial efetiva e o direito a um processo equitativo nos termos em que alude o artigo 6 da CEDH e do artigo 47 § 2 da CDFEU.
24. Claro que apreciação da prova é discricionária, masmesmo essa discricionariedade tem limites que não podem ser ultrapassados, tal como se verificou no acórdão decorrido. Há pois de perseguir a chamada “verdade material” e isso implica que a apreciação, ainda que discricionária, se reconduza por critérios objetivos e, portanto, seja suscetível de motivação e, também, de controlo.
25. A decisão proferida falhou nesses aspetos e violou os limites de discricionariedade que é dado ao julgador, sendo por isso suscetível de recurso, ainda que o tribunal ad quem conheça, em princípio, apenas matéria de direito.
26. Assim, por violação dos artigos 6 da CEDH, artigo 47 da CDFED e artigo 2 do TEU, entende a recorrida que deve verificar-se a nulidade do acórdão recorrido e deve ordenar-se a baixa dos autos ao Tribunal recorrido com vista o respetivo suprimento.
27. O douto acórdão valoriza uma declaração emitida pela autora, ali apelante, aqui recorrente, em sede de assembleia geral de sócios por intermédio do seu representante, para considerar o instituto do abuso do direito e da má-fé na modalidade venire contra factum proprium.
28. Salvo o sempre muidevido respeito poropinião diversa, parece-nos francamente errado, pelas razões extensamente tratadas no §7 e 8.1. supra para onde se remente, mas que em resumo, se defende que tal declaração visava apenas a renúncia a todos e quaisquer pontos constantes dos pedidos de realização de assembleias extraordinárias, designadamente, qualquer demanda judicial contra o gerente AA, apreciação sobre o trabalho da gerência, realização de auditoria à sociedade e destituição de gerência [transcrito ipsis verbis da ata para onde foi transcrita tal declaração].
29. Ou seja, como se percebe do adverbio “designadamente” a demandada judicial renunciada era a que constava dos pedidos de realização de assembleias extraordinárias.
30. Essa demandada judicial era a referida na deliberação proposta nessa ordem de trabalhos em que visava exatamente decidir sobre eventuais processos judiciais contra o gerente AA por violação dos deveres de cuidado, lealdade inerentes a uma sã e diligente gestão da sociedade, portanto tratava-se de uma ação de responsabilidade da gerência para com a sociedade fundada nos termos conjugados nos artigos 72 e 75 do CSC. Isto porque, para uma ação nos termos do artigo 79 (1) do CSC ou nos termos do artigo 77 (1) do CSC, tal como se discute na presente ação, não era necessário uma qualquer deliberação dos sócios [como exige o artigo 75 (1) do CSC] e nem faria sentido a mesma ser discutida com a gerência e com o sócio que integrava a própria gerência em assembleia geral de sócios.
31. Assim, se percebe que a única interpretação que pode ser extraída da aludida declaração e é que tal renúncia era sobre discutir e deliberar sobre uma ação de responsabilidade da gerência pela própria sociedade nos termos do artigo 72 do CSC (como aliás consta na justificação do pedido de tal convocação da assembleia de sócios), com a necessária formalidade imposta pelo artigo 75 (1) do CSC, e não na renúncia de uma ação promovida pela própria autora e muito menos ao abrigo do artigo 79 (1) do CSC.
32. Mas mesmo uma declaração nesse sentido, de que tal renúncia cairia também sobre a ação de responsabilidade da gerência pela própria sociedade nos termos do artigo 72 do CSC, nunca obstaria ali sócia, aqui apelante, poder propor uma ação de responsabilidade da gerência nos termos dos artigos 79 (1) e 77 ambos do CSC.
33. Para além do mais, falta de prestação de informação e a recusa na convocação das assembleias gerais resulta num dano direto à autora e não num dano à sociedade (e dano indireto à autora), pelo que cai na responsabilidade da gerência para com os sócios (cf. artigo 79 CSC), o que não era o discutido no ponto três da ordem de trabalhos (renunciada), pois nesse ponto três da ordem de trabalhos o que era proposto a deliberar é que o réu fosse obrigado a indemnizar a sociedade.
34. Depois, existem ainda os atos de gestão do réu que têm superveniência objetiva e subjetiva a tal declaração.
35. Tendo sido trazido a este processo factos de superveniência objetiva e subjetiva, assim como factos que caem na responsabilidade do réu perante os sócios e não perante a sociedade, parece obvio que quanto a isso tal declaração de renúncia não pode operar, como aliás entendeu o próprio Tribunal de primeira instância quando decidiu sobre a exceção da falta de legitimidade da ali autora suscitada pelo réu exatamente com esse mesmo argumento do abuso de direito – decisão transitada em julgado (e sobre a qual recai, pelo menos, a autoridade de caso julgado), mas que depois, ainda que com outras vestes (da litigância de má-fé) veio mudar de opinião.
36. Sem prejuízo, tratando-se de uma declaração (negócio) gratuita (sem nenhuma contrapartida para o declarante), a interpretação que deve prevalecer é a menos gravosa para o declarante [cf. artigo 236 (1) do CSC]. Logo, a declaração que deve prevalecer é de que tal renuncia apenas produz efeitos para factos já conhecidos à altura da sua declaração e apenas sobre factos que possam resultar na condenação do réu a indemnizar a sociedade nos termos do artigo 75 (1) do CSC pois era isso que se discutia naquela assembleia.
37. Portanto, não existe aqui qualquer abuso de direito que paralise o direito da autora e muito menos a possa condenar como litigância de má-fé.
38. A recorrente, foi ainda condenada como litigante de má-fé por violação do dever de cooperação, mas não consegue perceber a razão para tal, pois foi exemplar a sua cooperação, como refere no §8.2.
39. Isto porque a autora, aqui apelante, foi ainda condenada como litigante de má-fé por força das declarações de parte do seu legal representante, uma vez que o Meritíssimo Juiz a quo entendeu que a autora, por via do seu representante legal, não respondeu com verdade, ocultando elementos ao tribunal, no que concerne à forma como o negócio da compra dos ativos aprendidos à massa falida

 e à composição societária das sociedades em causa [que adquiriram esses ativos].
40. Espantou e foi uma surpresa tal entendimento, pois tanto o Tribunal da primeira instância como o Tribunal da Relação classificaram o depoimento do representante legal da autora, apelante, aqui recorrente, de rigoroso e pormenorizado ainda que tenham entendido que se revelou parcial.
41. Do que é mencionado e justificado no aludido §8.2., ponto 6.2., destaca-se que tal observação e condenação, só pode ocorrer, diga-se sempre com o mui merecido respeito, por manifesta distração do julgador.
42. Isto porque o representante legal da autora não procurou ocultar absolutamente nada, muito pelo contrário, revelou mais do que lhe seria exigível como se percebe de uma leitura do § 8.3.
43. Depois, não se vislumbra qual o interesse para o Tribunal e para a boa decisão da causa, saber como se procedeu a aquisição dos ativos apreendidos à massa falida e a composição societária das sociedades que o fizeram direta ou indiretamente, porquanto a insolvência da sociedade é superveniente a entrada em juízo da presente ação e a causa de pedir e o pedido nada se relacionam com a venda de tais ativos, para além do mais:
a. a operação em questão (venda dos ativos) foi aberta a qualquer interessado, incluindo o réu;
b. a presente ação recai sobre a responsabilidade da gerência sobre a gestão da sociedade e não sobre o processo de insolvência que foi concluído e transitou em julgado;
c. o processo de insolvência foi instaurado no mesmo tribunal em que a presente demandada correu termos, pelo que tudo que ao mesmo diga respeito era do conhecimento, ainda que oficioso, do ali Meritíssimo Juiz;
d. o processos de insolvência foi decido muito depois – vários meses depois – da presente ação ter dado entrada em juízo.
44. Acresce que o Tribunal apreciou e decidiu a questão da litigância de má-fé por violação do dever de cooperação com excesso de pronúncia, porquanto este problema concreto nunca foi suscitado pela parte contrária.
45. Para além disso, a autora, aqui recorrida, foi apanhada de surpresa, em sede de sentença, sem hipótese de contraditório. Isto porque, só em sede de sentença a autora, aqui recorrida, ficou a saber da hipótese de condenação como litigante de má-fé por ter praticado omissão do dever de cooperação.
46. O réu, aqui recorrido, apenas pediu a condenação da autora, aqui recorrente, pelas razões apresentadas no seu requerimento e que se reproduziu no § 8 supra para onde se remete, e que em nada se relacionam com o dever de cooperação, até porque foi um requerimento apresentado antes do depoimento do representante legal da autora, aqui recorrente.
47. Assim, entende a recorrente que o Tribunal de primeira instância violou o artigo 3 (3) do CPC. Por sua vez, o Tribunal recorrido, ignorou essa violação.
48. Pode-se dizer que Tribunal recorrido decidiu em contradição com o acórdão do Supremo Tribunal de justiça, processo 2326/11.09TBLLE.E1.S1, nomeadamente do ponto 3 do sumário.
49. O douto acórdão do STJ foi muito bem, pois é essa a única forma de garantir que o artigo 6 da CEDH, o artigo 47 § 2 da CDFUE e concomitante o artigo 2 do TUE não são violados.
50. Assim, por estes motivos, não deve a autora, aqui recorrida, ser condenada como litigante de má-fé, mais não seja deve concedida revista e anulado o acórdão recorrido no que respeita a esta condenação da recorrente como litigante de má-fé, descendo os autos à primeira instância, onde a autora, aqui recorrida, foi condenada, para que o Meritíssimo Juiz de cumprimento ao disposto no artigo 3 (3) do CPC e, observado o contraditório, decida em conformidade.
51. Ainda, relativamente à má-fé, apenas por mera cautela, sempre se dirá que a indemnização a favor do réu em sede de má-fé não tem efeito ressarcitório, mas sim meramente compensatório em relação a este, sendo que para evitarmos uma repetição do que acima foi dito (em §8.), para lá se remete com as mesmas consequências.
52. Também e sem conceder relativamente à manifesta e clara inexistência de má-fé por parte da autora nos termos e pelas razões supra, mas ainda por mero exercício se aceite, haveria sempre que se respeitar o artigo 543 (2), conjugado com o artigo 542 (1) in fine, ambos do CPC, e ser fixada a indemnização em quantia certa, considerando o disposto no artigo
543 (1) do CPC, o que não se verificou.
53. Ao contrário da autora, o réu foi quem manifestamente litigou em má-fé, por várias vezes, seja na forma não verdadeira como contestou, como depôs e como se comportou durante o processo.
54. O facto é que a forma como o réu litigou, entorpeceu a justiça de tal maneira que conduziu o julgador e o Tribunal da Relação a julgar em erro, como se demonstrou abundantemente em 5.1. supra, com especial relevância sobre factos próprios do réu e que este não podia desconhecer.
55. Isto porque o réu, aqui recorrido, MENTIU.
56. MENTIU, quando contestou e depois depôs, mostrando-se muito firme, sereno e convicto, afirmando que tinha convocado as assembleias gerais que a autora, aqui recorrente solicitou em 26.06.2017, 13.07.2017, 14.07.2017 (esta por intermédio da sociedade MNA advogados), 19.07.2017 e 02.08.2017, todas por cartas registadas, e onde pelo menos um dos pontos da ordem do dia era deliberar, em todas elas, a destituição, por justa causa, do gerente AA.
57. Se o réu, aqui recorrido, na qualidade ali de gerente tivesse convocado uma qualquer dessas assembleias pedidas, nunca tinha havido processo, pois tinha deixado de ser gerente, uma vez que a autora, aqui recorrida, sozinha, com 50% do capital e o réu, recorrido, com os seus 12,5% de capital impedidos de votar, aprovaria essa deliberação e os problemas tinha terminado logo ali.
58 – Os exemplos dessa atuação em má-fé doréu estão bemnarrados em 5.1.
59. Em consequência e nos termos do disposto nos artigos 542º e 543º do Código de Processo Civil, deve o Réu ser condenado como litigante de má fé nos termos já peticionados.
60. A autora, aqui recorrente, apresenta ainda um pedido de reenvio para o TJUE para interpretação prejudicial nos termos e para os efeitos vertidos no §10 para onde se remete, mas que em resumo trata-se de:
61. As 9 questões supra mencionada, como já se adiantou, violam o disposto no artigo 47 da CDFUE, artigo 2 do TUE relativa direito a um processo equitativo, o qual deve ser interpretado pelo TJUE.
62. Entende a autora, aqui recorrente, que é de absoluta importância e particularmente útil que o pedido seja imediatamente formulado por se tratar de uma questão de interpretação nova que apresenta um interesse geral para a aplicação uniforme do Direito da União Europeia.
63. Assim, requereu a autora, aqui recorrente, a Vossas Excelências, Venerandos Juízes Conselheiros, que convidem a autora, nos termos e quando acharem por conveniente, para que venham sugerir e contribuir para a formulação das questões a colocar ao TJUE, suspendam a instância e procedam ao reenvio para o TJUE por forma a obter a melhor interpretação prejudicial para as questões supra referidas, tendo em vista a aplicação uniforme do direito em toda a União Europeia.
64. Por fim, entende a autora que o presente recurso deve ser admitido, por inexistência de dupla conforme, mas caso os Venerandos Juízes Conselheiros entendam que a revista ordinária não é admissível, deverá ser admitida a revista excecional [cf. artigo 672 (1,c,b) do CPC], atentos à relevância jurídica da questão e por estarem em causa interesses de particular relevância social e questões de direito europeu – já suscitadas em sede de recurso para o Tribunal da Relação.
65. A recorrente sustenta esse entendimento no § 2.2., para onde se remete, evitando ser repetitiva e fastiosa numas conclusões que já vão longas, mas que muito resumidamente tem sustento no facto problemática trazida neste processo ser inédita, pois nunca foi apreciada, e importante por forma a permitir a correta e melhor aplicação do direito, nomeadamente perante normas de direito adjetivo (cf. artigo 662 do CPC), da garantia constitucional do acesso à justiça, consagrada no artigo 20 (1) (4) da CRP, do dever de administração da justiça imposto aos Tribunais no artigo 202 (1) da CRP, do artigo 47 §2 da CDFUE, com respaldo no artigo 2 do TUE e do artigo 6 (1) da CEDH.
66. Sustenta ainda que tem sido entendimento do STJ que quando estejam em causa questões de direito europeu, como aqui se verifica, a revista excecional deve ser sempre aditiva, chamando à colação o acórdão dos Senhores Juízes Conselheiros Alexandre Reis (relator), Abrantes Geraldes (Processo 389/17.2T8VNG.P1.S2), que em apenas 3 simples páginas, de uma racionalidade brilhante, formulada pela dogmática jurídica e num exemplo de uma decisão judicial assente numa metodologia objetiva, epistemologicamente fundamentada e cujo preparo intelectual e intimidade do Venerando Juiz Conselheiro com os textos normativos e as soluções dogmáticas permite depositar boa parte da confiança que há a ter na justiça.
§11 Pedido
Termos em que, para a eventualidade de entenderem Vossas Excelências, Exmos. Senhores Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça que é necessária a intervenção do Tribunal de Justiça da União Europeia, nos termos e para os efeitos supra requeridos, entende a recorrente, que a pronúncia do TJUE, no caso sub judice, nos termos do artigo 267 do TFUE, será indispensável para a decisão da controvérsia jurídica que constitui objeto da presente ação. Por essa razão, requer-se a suspensão da presente instância até que o TJUE se pronuncie, a título prejudicial, expressa e especificamente, sobre tais questões.
Em qualquer caso, deve o presente recurso ser julgado procedente e emconsequência serrevogadao douto acórdão recorrida, substituindo-se por outra que condene o recorrido nos pedidos, a absolvição da autora, aqui recorrente, do pedido de condenação como litigante de má-fé e, se assim VossasExcelências, Venerandos Juízes Conselheiros, entenderem que sejam as nulidades requeridas procedentes com as legais consequências.
Apreciando liminarmente da admissibilidade da revista normal:
Relativamente à questão de fundo (de natureza substantiva) que foi discutida nos presentes autos – a responsabilidade delitual do gerente da sociedade em referência, nos termos dos artigos 64º, 79º, nº 1, do Código das Sociedades Comerciais, e 483º, nº 1, do Código Civil, pelos prejuízos alegadamente causados através dos actos de gestão que incorrectamente praticou - não há a mínima dúvida de que o acórdão do Tribunal da Relação ... confirmou, sem qualquer voto de vencido e sem fundamentação essencialmente divergente, a decisão de 1ª instância, constituindo-se assim, indiscutivelmente, dupla conforme.
Pelo que, nos exactos termos do artigo 671º, nº 3, do Código de Processo Civil, encontra-se processualmente vedada à parte vencida (a ora A.) a possibilidade de interposição de revista normal, no sentido de procurar inverter o veredicto constante do acórdão recorrido.
Relativamente à possibilidade de admissão da presente revista normal nas particulares circunstâncias em que tal é permitido, afastando os efeitos associados à dupla conforme, haverá que aquilatar, com o rigor exigível, de qualquer situação processual a coberto desses efeitos ou que justifique, por si só e autonomamente, a possibilidade de impugnação do acórdão recorrido, por esta via, para o Supremo Tribunal de Justiça.
Quanto aos fundamentos do recurso de revista que, no entender da recorrente, legitimariam a admissão da revista normal, contornando o efeito impeditivo associado à dupla conforme, respeitam a:
1º - Condenação por litigância de má fé da A. Violação de normas de direito adjectivo (impugnação de facto, noção, excesso de pronúncia, violação do princípio do contraditório, violação da garantia constitucional do acesso à justiça, violação do dever de administração da justiça)
2º - Pedido de litigância de má fé do Réu, por violação de normas de direito adjectivo (impugnação de facto, violação do dever de administração da justiça)
3º - Pedido de acareação entre partes e testemunhas (violação do artigo 47º, parágrafo segundo, da Carta dos Direito Fundamentais da União Europeia).
4º - Admissão e valoração de documento de prova (com superveniência objectiva relativamente à entrada em juízo da acção e subjectiva relativamente à audiência de julgamento, com violação do do artigo 47º, parágrafo segundo, da Carta dos Direito Fundamentais da União Europeia).
5º - Omissão de pronúncia sobre o pedido de redução de multa de 3 UCs aplicada à A.
6º - Omissão de pronúncia sobre o requerimento de prova formulado na petição inicial e reiterado posteriormente por requerimento (violação da garantia constitucional do acesso à justiça e violação do dever de administração da justiça, impugnação de facto, violação da garantia constitucional do acesso à justiça, violação do dever de administração da justiça)
7º - Omissão de pronúncia em relação ao requerimento probatório enquadrado na concretização da obrigação de fundamentação que incide sobre o julgador em sede de motivação (impugnação de facto, violação da garantia constitucional do acesso à justiça, violação do dever de administração da justiça).
8º - Indeferimento das declarações de parte do legal representante da A. (violação da garantia constitucional do acesso à justiça, violação do dever de administração da justiça).
9º - Necessidade de reenvio para o TJUE para uma interpretação prejudicial relativamente ao direito que emana do artigo 47º, parágrafo segundo, da Carta dos Direito Fundamentais da União Europeia)
Analisemos, um por um:
1º - Condenação por litigância de má fé da A. Violação de normas de direito adjectivo (impugnação de facto, noção, excesso de pronúncia, violação do princípio do contraditório, violação da garantia constitucional do acesso à justiça, violação do dever de administração da justiça).
A condenação da A. como litigante de má-fé, em multa e indemnização, foi expressamente pedida pelo Réu nos presentes autos.
De todo o modo, e com exclusão da vertente indemnizatória associada à condenação em litigância de má-fé, sempre esta matéria poderia ser apreciada oficiosamente por qualquer das instâncias, nos termos gerais do artigo 542º, nº 1, do Código de Processo Civil, desde que cumprido previamente o indispensável contraditório (artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil).
Ora, a sentença de 1ª instância considerou sobre esta matéria que:
“Dos factos reportados e da análise de toda a prova, resulta assim patente, o modus operandi do legal representante da Autora, tendo tido um comportamento em manifesto abuso de direito, depois da deliberação tomada na AG de 07.08.2017, violando o princípio da confiança e em todo o comportamento processual (quando procura ficar como gerente da sociedade, em deliberações em ata de AG de dia 28/08/2018, sendo tais deliberações anuladas), litigando, de forma manifesta de má fé.
Com efeito, todos os elementos que foram juntos aos autos (documentos, emails, atas, etc.) eram do conhecimento integral do legal representante da Autora, e por essa razão, e na falta de uma auditoria à contas da empresa ou outros elementos concludentes, depois da deliberação tomada na AG de 07.08.2017, sabia que estava a atuar em abuso de direito e de má fé.
A má fé resultou também claramente do seu depoimento quanto à compra do ativo da sociedade Slurp, Lda, não tendo respondido com verdade, ocultando elementos ao Tribunal no que concerne à forma como o negócio se processou e à composição societária das sociedades em causa.
Tais circunstâncias não são mitigadas pelo facto de o legal representante da Autora ter uma visão diferente da atuação como gerente da empresa ou vivenciar a empresa de uma forma diferente, por gostar ou produzir gelados artesanais,
Ao fazê-lo, dúvidas não restam de que a sua conduta entorpeceu de forma flagrante e danosa o caminho da justiça, integrando-se tal comportamento no preconizado no disposto no art. 542.º, n.º 2 a) e b) do CPC, impondo-se, por isso, a sua condenação como litigante de má fé.
A litigância de má-fé implica a condenação em multa – a fixar entre 2 e 100 UC, art. 27.º do RCP e indemnização quando seja pedida, sendo que esta pode corresponder ao reembolso das despesas originadas pela má-fé, honorários dos mandatários inclusive acrescida dos demais danos sofridos pela parte contrária em consequência direta ou indireta da má-fé, art. 542.º, ns. 1 e 2 e 543.º do CPC.
Foi peticionada pelo Réu indemnização a fixar pelo Tribunal que cubra os honorários dos mandatários da ação e as despesas e custos suportados pelo Réu (vd. ponto d) – fls. 189, referência ...).
Note-se que não estão, nesta sede, a ser ponderados os sucessivos requerimentos enviados ao processo pela Autora, cujos incidentes, anómalos e autónomos já foram tributados em sede de custas (vd. despachos proferidos em 15.07.2020 (referência ... 29), 21.04.2021 (referência ...90) e em sede de questão prévia à presente sentença.
Nestes termos, considerando a exposta conduta processual da Autora, a sua repercussão na regular tramitação do processo e correcta decisão da causa de natureza societária – aliás cerne da questão debatida nos autos - decido condenar a Autora, como litigante de má fé, numa indemnização que cubra os honorários dos mandatários do Réu na ação e as despesas e custos suportados pelo Réu (custas processuais), a liquidar oportunamente, nos termos do art.º 543.º, n.º 3 do CPC.
Face ao exposto, decido ainda condenar a Autora como litigante de má fé, aplicando uma multa que se fixa em 10 (dez) UC”.
Interposto o recurso de apelação, o Tribunal da Relação ..., concordando inteiramente com as razões enunciadas na sentença de 1ª instância, confirmou a condenação da A. como litigante de má fé, encontrando-se indubitavelmente assegurado, deste modo, o duplo grau de jurisdição quanto à condenação da parte a este título (cfr. artigo 542º, nº 3, do Código de Processo Civil).
Não é assim entendível e/ou atendível a alegada violação do princípio do contraditório, da violação da garantia constitucional do acesso à justiça, da violação do dever de administração da justiça, nada disto tendo ainda a ver com o incorrecto ou inadequado uso dos poderes de facto pelo Tribunal da Relação, concedidos nos termos gerais pelo artigo 662º, do Código de Processo Civil.
Registe-se que no acórdão recorrido foram devidamente explanadas as razões para a ausência de modificação dos factos considerados como provados, através da análise exaustiva dos depoimentos prestados e documentos juntos, não se descortinando o censurável uso desses poderes de facto.
Aconteceu simplesmente in casu o que amiúde sucede em processos judiciais: a parte pediu a condenação da outra como litigante de má-fé, em multa e indemnização; o tribunal de 1ª instância, analisando o respectivo comportamento processual da parte contrária, concordou com as razões expostas pelo requerente e, explicando devidamente os seus fundamentos, condenou-a na multa que teve por adequada; o Tribunal da Relação, na sequência do recurso interposto pela condenada, confirmou tal veredicto.
É óbvio e absolutamente indiscutível que desta decisão final não compete recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, conforme resulta do preceituado no artigo 542º, nº 3, do Código de Processo Civil (“Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admitido recurso, em um grau, da decisão que condene por litigância de má-fé”).
A narrativa prolixamente desenvolvida pela recorrente para tentar contrariar esta limitação à sua possibilidade de recurso, que a lei clara e imperativamente estabelece, é necessariamente contraproducente, não podendo ser acolhida, sendo frontalmente contrária à norma legal aplicável.
Refira-se finalmente que na análise global do comportamento processual das partes, no sentido da aferição da sua litigância como de má-fé, o tribunal goza de poderes amplos, incondicionados e abrangentes, justificados desde logo pela oficiosidade do conhecimento desta matéria, não se encontrando de algum modo limitado pelas alegações produzidas por qualquer uma das partes neste tocante.
Pelo que a revista normal é naturalmente inadmissível neste tocante.
2º - Pedido de litigância de má-fé do Réu, por violação de normas de direito adjectivo (impugnação de facto, violação do dever de administração da justiça).
Escreveu-se na decisão de 1ª instância a este propósito:
“Reconhecendo a importância da aplicabilidade da boa-fé ao âmbito processual, por forma a evitar a funcionalização do processo a fins individuais ou egoísticos, o Novo Código de Processo Civil impõe a observância do dever de boa-fé processual, logo no seu art. 8.º Todavia, não obstante o legislador se refira à boa-fé enquanto dever, estamos em crer que esta transcende o mero dever jurídico.
Como bem salienta Luso Soares (Luso Soares, A Responsabilidade Processual Civil, Almedina, 1987, p. 164), “a boa fé integra-se no próprio conceito de processo e participa na estruturação da sua finalidade”, configurando-se como verdadeiro princípio norteador de todo o ordenamento jurídico processual (vd. Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, 4ª reimpressão, Almedina, 2011, p. 375. 14 Cf. Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. III, Coimbra Editora, 1946, p. 4 e 5; e Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 3ª edição, reimpressão, Coimbra Editora, 2012, p. 263. 15 – Para maior desenvolvimento, vd. ALGUMAS REFLEXÕES EM MATÉRIA DE LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ Marta Alexandra Frias Borges, Coimbra, 2014,
A título exemplificativo, na jurisprudência, veja-se o acórdão do STJ de 07.06.2001, n.º Convencional JSTJ00041444, relator Ferreira de Almeida, cujo sumário é:
I- Quando o titular do direito se deixou cair numa longa inércia sem a respectiva exercitação, susceptível de criar na contraparte a fundada convicção de que o direito não mais será exercido e que a sua posição jurídico-substantiva se encontra consolidada, nela tendo investido, em conformidade, as suas expectativas e o seu capital é ilegítimo e abusivo em tais circunstâncias, o exercício do direito, que, por isso, não deve ser reconhecido.
II- Litiga de má fé, nos termos dos ns. 2 e 3, do artigo 456, CPC67, aquele que deduz pretensão cuja falta de fundamento não ignorava, ou altera conscientemente a verdade dos factos, fazendo um uso manifestamente reprovável do processo, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, de entorpecer a acção da justiça, ou de impedir a descoberta da verdade.
Compulsados os autos, não se vislumbra a atuação de má fé no que concerne ao Réu, pois este limitou-se a defender da presente ação e dos sucessivos requerimentos enviados aos autos por parte da Autora, nessa medida tal pedido deverá decair”.
Perante a concordância do Tribunal da Relação ... no que se refere à não condenação do Réu a título de litigância de má-fé, não se vislumbra qualquer possibilidade deste segmento deixar de ser abrangido pela citada previsão, de cariz limitativo, do artigo 542º, nº 3, do Código de Processo Civil.
Tratou-se de uma decisão judicial apreciada uniformemente em duas instâncias judiciais, exactamente pelas mesmas razões, para as quais remeteu aliás o Tribunal da Relação ..., e encontra-se plenamente assegurado o duplo grau de jurisdição.
Assim, pelos fundamentos supra enunciados para os quais por comodidade se remete, a revista normal não será igualmente admissível neste tocante.
3º - Pedido de acareação entre partes e testemunhas (violação do artigo 47º, parágrafo segundo, da Carta dos Direito Fundamentais da União Europeia).
A matéria em causa, revestindo cariz estritamente processual, não se reconduz a qualquer tipo de violação do direito probatório material que, a verificar-se, justificaria então, nessa circunstância, a intervenção, sempre excepcional, do Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 674º, nº 3, e 682º, nº 2, do Código de Processo Civil.
Saber se deve, ou não, haver lugar à desejada acareação entre dois depoimentos prestados em audiência de julgamento é matéria que ficou definitivamente resolvida pelo acórdão recorrido, no qual se sublinhou, aliás, que:
“(...) resulta claro que neste recurso não se questiona o segmento do despacho em que indeferiu o pedido de acareação entre o legal representante da Autora e o Réu e a testemunha. O que mais ainda se verifica é que em nenhum outro momento processual veio a autora/apelante questionar o indeferimento dos seus pedidos de acareação (...) Em suma, só agora no âmbito do recurso interposto da sentença final a questão é suscitada. E estando em causa a rejeição de um meio de prova já sabemos todos que o correspondente recurso deveria ter sido interposto autonomamente e ao abrigo do previsto no artigo 644º, nº 2, alínea d), o que inviabiliza a sua apreciação”.
Logo, não há cabimento algum para a sua inclusão no recurso de revista, visando-se indevidamente uma apreciação e valoração jurídicas que, como se disse, não compete ao Supremo Tribunal de Justiça realizar.
É assim totalmente irrelevante e inútil que a recorrente, através das transcrições de excertos de depoimentos a que procedeu nas suas alegações de revista, venha - nesta fase - tentar convencer o Supremo Tribunal de Justiça – que apenas conhece de matéria de direito e não de matéria de facto, nos termos dos artigos 674º, nº 3, e 682º, nº 2, do Código de Processo Civil – quanto à conveniência, utilidade ou oportunidade da produção do meio de prova que constitui a acareação entre diversos depoimentos e que ficou por realizar, tratando-se aliás de uma questão jurídica e processual resolvida definitivamente pela última instância a quem competia pronunciar-se.
No mesmo sentido e contexto, não qualquer cabimento apreciar da invocada integração de lacuna, com recurso à analogia, pretensamente existente no artigo 523º do Código de Processo Civil.
Também nos parece evidente que a decisão de não admissão da acareação, confirmada pelo Tribunal da Relação competente, não pode servir de pretexto para a invocação de uma suposta “violação da garantia a um julgamento justo”, enquanto fundamento aberto, amplo e atípico, que serviria tão simplesmente para subverter por completo o sistema de recursos cíveis que vigora no nosso ordenamento jurídico, o qual é particularmente claro e necessariamente imperativo neste tocante.
Acresce que o direito europeu não impõe qualquer regra específica de apreciação e valoração das provas pelos tribunais nacionais neste particular, os quais são absolutamente soberanos quanto a esta matéria (saber se deve ou não ter lugar uma determinada acareação entre depoimentos e declarações de sujeitos diversos), como não podia deixar de ser.
É assim simplesmente inconcebível a pedida anulação do julgamento e realização de novo julgamento sob este difuso fundamento da dita “violação das regras de um processo justo”, conceito que acaba tão somente por consubstanciar profunda (e legítima) discordância da recorrente relativamente ao que foi decidido – e que na sua perspectiva meramente pessoal e subjectiva não considera ser justo (tal como sucede com a maioria dos litigantes aos quais o tribunal não reconhece a razão).
Logo, o recurso de revista normal é inadmissível neste particular.
4º - Admissão e valoração de documento de prova (com superveniência objectiva relativamente à entrada em juízo da acção e subjectiva relativamente à audiência de julgamento, com violação do do artigo 47º, parágrafo segundo, da Carta dos Direito Fundamentais da União Europeia).
Outrossim a matéria em causa, revestindo cariz estritamente processual, não consiste em qualquer tipo de violação do direito probatório material que, a verificar-se, justificaria a intervenção, sempre excepcional, do Supremo Tribunal de Justiça nos termos do artigo 674º, nº 3, do Código de Processo Civil.
Tal como se afirmou no acórdão recorrido:
“Neste seu recurso a autora/apelante também questiona o despacho que não admitiu a junção de dois documentos requerida através dos requerimentos com a ref.ª ...01 e com a ref.ª ....
A este propósito pode desde já dizer-se que não foram cumpridas as regras previstas no artigo 644º, nº 2, alínea d) do CPC.
Assim, estando em causa como está um despacho em que não foi admitido um meio de prova, o recurso do mesmo devia ter sido interposto autonomamente e não em conjunto com o recurso interposto da decisão final (cf. a alínea a) do nº1 do mesmo art.º 644º).
Mas mesmo que assim se não entenda a verdade é que a junção de tais documentos se revela extemporânea.
Assim e quanto ao momento da apresentação da prova por documentos todos sabemos que vale em regra o disposto nos nºs 1 e 2 do art.º 423º do CPC.
No limite e depois de ter decorrido o prazo previsto no nº 2, só podem ser admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até esse momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior (cf. nº3 do mesmo artigo).
De todo o modo mesmo nestes casos limite não pode ser ultrapassado o regime previsto no nº 1 do art.º 607º do CPC.
Assim, encerrada que seja a audiência final, a mesma só pode ser reaberta ouvindo-se as pessoas que o tribunal entender e ordenando-se outras diligências tidas por necessárias por iniciativa do juiz do processo e quando este não se julgar suficientemente esclarecido”.
Ou seja, estamos perante meras decisões interlocutórias decididas definitivamente em 2ª instância, que corroborou as razões assumidas na sentença recorrida.
Não colhe assim manifestamente a afirmação genérica produzida pela recorrente no sentido de que “a admissibilidade ou não da junção de documento de prova apresentado, enquanto meio indicado pela ali autora, depois apelante, para firmar ou infirmar as declarações e depoimentos das partes, ou seja, a descoberta da verdade, é uma questão de direito da competência do Supremo Tribunal de Justiça”.
Esquece, a este propósito, a recorrente que, tratando-se, em qualquer circunstância, de uma questão interlocutória (não final), a mesma teria que ser suscitada através dos meios técnico-jurídicos adequados (e não foi) e só poderia fundamentar a revista dentro de um condicionalismo específico (artigo 671º, nº 2, do Código de Processo Civil) que aquela não observou.
Por outro lado, não faz o menor sentido a invocação do tratamento diferenciado e penalizador dado pelo tribunal em relação à Autora, e o correspectivo benefício concedido, a seu ver, nas mesmas condições, ao Réu quanto à admissão de documentos por eles apresentados, uma vez que a junção dos documentos em causa pela A. teve lugar depois do encerramento da audiência, nos termos do artigo 607º, nº 1, do Código de Processo Civil, e por isso mesmo não foram – e bem - admitidos, o que não sucedeu com os documentos apresentados pelo segundo, justificando desse modo a sua normal admissão, nos termos gerais do artigo 423º do Código de Processo Civil.
Daí ser totalmente despropositada a alegação da violação de um processo justo e equitativo por este fundamento, cuja invocação destina-se simplesmente a procurar contornar os efeitos associados à dupla conforme entretanto constituída.
Logo, o recurso de revista normal é inadmissível neste particular.
5º, 6º e 7º - Omissão de pronúncia sobre o pedido de redução de multa de 3 UCs aplicada à A.; Omissão de pronúncia sobre o requerimento de prova formulado na petição inicial e reiterado posteriormente por requerimento (violação da garantia constitucional do acesso à justiça e violação do dever de administração da justiça, impugnação de facto, violação da garantia constitucional do acesso à justiça, violação do dever de administração da justiça); Omissão de pronúncia em relação ao requerimento probatório enquadrado na concretização da obrigação de fundamentação que incide sobre o julgador em sede de motivação (impugnação de facto, violação da garantia constitucional do acesso à justiça, violação do dever de administração da justiça).
Apreciando:
Em caso de inadmissibilidade da revista a invocação de nulidades da sentença nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea d), 2ª parte do Código de Processo Civil (omissão da pronúncia devida), não é susceptível de fundar, autonomamente, enquanto fundamento exclusivo, o recurso de revista, só sendo conhecidas pelo Supremo Tribunal de Justiça se houver lugar ao conhecimento desse mesmo recurso.
(Neste sentido, vide, entre outros e em termos perfeitamente uniformes, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Dezembro de 2020, proferido no processo nº 85/12.7TVLSB.L2.S1; 18 de Março de 2021, proferido no processo nº 2111/12.0TVLSB.L1-A.S1; de 18 de Março de 2021, proferido no processo nº 1575/17.0T8PRT.P1.S2, cujo relator foi (em todos eles) o Conselheiro Nuno Pinto de Oliveira; de 10 de Dezembro de 2019 (relator Ricardo Costa), proferido no processo nº 2386/17.9T8VFX-A.L1.S1; de 24 de Novembro de 2016 (relator Tomé Gomes), proferido no processo nº 470/15.2T8MNC.G1-A.S1; de 20 de Dezembro de 2017 (relatora Rosa Tching), proferido no processo nº 22388/13.3T2SNT-B.L1-A.S1, todos disponíveis in www.dgsi.pt).
Pelo que, salvo a possibilidade de conhecimento com base noutro fundamento, não há fundamento para admitir a revista normal com vista ao conhecimento exclusivo das mencionadas nulidades.
Acresce que as nulidades da decisão que foram apontadas pela recorrente - omissão de pronúncia sobre o pedido de redução de multa de 3 UCs que foi aplicada à A. pelo despacho datado de 15 de Julho de 2020 (cfr. fls. 417 a 419 e conclusão 10ª do recurso de apelação); omissão de pronúncia sobre o requerimento de prova formulado na petição inicial e reiterado posteriormente por requerimento e omissão de pronúncia em relação ao requerimento probatório enquadrado na concretização da obrigação de fundamentação que incide sobre o julgador em sede de motivação – já tinham sido invocadas pela apelante no recurso de apelação (cfr. conclusões 11ª a 19ª), reportando-se a vícios da sentença de 1ª instância e não propriamente do acórdão recorrido.
Ora, ao Supremo Tribunal de Justiça não assiste competência para o conhecimento de nulidades que inquinam decisões de 1ª instância e não o Tribunal da Relação.
(Neste sentido, vide acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Dezembro de 2021 (relatora Maria Clara Sottomayor), proferido no processo nº 2952/15.7T8FNC.L2.S1, publicado in www.dgsi.pt, no qual é feita referência à uniformidade jurisprudencial sobre este ponto).
Sobre esta temática, vide ainda António Abrantes Geraldes in “Recursos em Processo Civil”, Almedina 2020, 6ª edição, a páginas 641 a 642, onde pode ler-se: “(…) quando nos depararmos com uma situação de dupla conforme, ou seja, quando, independentemente dos motivos que a tal conduziram, a Relação tenha confirmado, sem voto de vencido e com fundamentação essencialmente idêntica a decisão de 1ª instância, em tais casos, para efeitos de aplicação, ou não, da regra do artigo 615º, nº 4, nos termos das quais as nulidades são integradas no âmbito do recurso quando a decisão o “admitir”, o recurso de revista é, em abstracto, admissível, mas a sua aceitação fica dependente da verificação de alguma das situações excepcionais previstas no artigo 672º, nº 1. (…) Se o recurso não for admitido, nem como revista excepcional (por falta dos requisitos especiais do artigo 672º), nem como revista normal (por falta dos pressupostos gerais), o processo terá de ser devolvido à Relação para que nesta sejam apreciadas as nulidades que no mesmo foram invocadas” .
Pelo que igualmente por este motivo não há lugar à admissibilidade da revista normal neste tocante.
8º - Indeferimento das declarações de parte do legal representante da A. (violação da garantia constitucional do acesso à justiça, violação do dever de administração da justiça).
Afirmou-se a este respeito no acórdão recorrido:
“Esse novo meio de prova que a lei adjectiva veio consagrar, constitui uma homenagem ao direito à prova (com eco constitucional) – pois que em muitos casos pode ser difícil ou mesmo impossível demonstrar certos factos por via diversa da do próprio relato das partes -, e ao princípio/finalidade da descoberta da verdade - pois que muitas das vezes as partes terão conhecimento privilegiado dos factos que alegam ou presenciaram. (cf. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre in “Código de Processo Civil, Anotado, Vol. 2º, Almedina, 3ª ed., pág. 307.”).”.
Segundo A. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, pág. 531, “O direito da parte pode ser exercido até ao início das alegações orais (art.º 604º, nº 3, al. e)), mas tal não significa que seja ela a determinar o momento preciso da sua audição. É da competência do juiz determinar o momento preciso da sua audição. É da competência do juiz determinar o momento mais ajustado (art.º 602º, nº 2, al. a)), para a prestação de declarações, que tanto pode ser logo em seguida ao respectivo requerimento, como em momento posterior.”.
Nos autos o que se verifica é o seguinte:
Como se fez constar no despacho recorrido, na audiência de julgamento de 16.04.2021, veio a Autora juntar novos documentos e perante eles, requerer que sejam novamente prestadas declarações de parte pelo seu representante legal.
Para tanto, faz referência ao princípio da igualdade de armas. A tal pretensão opôs-se o Réu.
E foi de acordo com tais posições que veio o Tribunal “a quo” referir o seguinte:
Que o referido Dr. BB, na qualidade de legal representante da Autora já prestou depoimento de parte (cf. acta de julgamento de 12.01.2021);
Que tal depoimento versou sobre tais matérias, designadamente sobre os factos contidos nos artigos 31º, 94º e 103º dos temas de prova;
Que por sua expressa vontade, assistiu à prova testemunhal produzida sobre tal matéria (cf. despacho e respectiva produção de prova documentada na acta de 13.04.2021);
Que o depoimento de parte prestado pelo Réu foi prestado numa altura em que os documentos em questão ainda não estavam juntos ao processo;
Que tal depoimento incidiu sobre a supra referida matéria.
E foi de acordo com tais circunstâncias que concluiu que o indeferimento do novo pedido de declarações de parte do legal representante da Autora não consubstancia qualquer violação dos princípios da igualdade de armas, igualdade das partes e do contraditório.
Ora contrariamente ao que defende a autora/apelante não vemos qualquer razão para questionar o despacho recorrido.
Isto porque a mesma explica devidamente as razões pelas quais se entendeu que não havia qualquer justificação para ouvir (de novo) o representante legal da Autora em declarações.
Por ser assim e porque nenhum dos princípios invocados foi violado, o que cabe fazer é julgar improcedente o recurso interposto e confirmar o despacho proferido.
Mais uma vez, cumpre referir que a decisão em causa, revestindo cariz estritamente processual, não consiste em qualquer tipo de violação do direito probatório material que, a verificar-se, justificaria a intervenção, sempre excepcional, do Supremo Tribunal de Justiça nos termos do artigo 674º, nº 3, e 682º, nº 2, do Código de Processo Civil.
Trata-se de uma questão que não tem manifestamente a ver com o fundo da causa, reportando-se à anómala pretensão da A. em ouvir o seu representante legal duas vezes no mesmo processo, quando a lei não obrigava o juiz a quo a fazê-lo.
Igualmente não se descortina qualquer violação do direito à igualdade entre as partes, como nos parece óbvio e dispensa quaisquer particulares desenvolvimentos.
Logo, o recurso de revista normal é inadmissível neste particular.
9º - Necessidade de reenvio para o TJUE para uma interpretação prejudicial relativamente ao direito que emana do artigo 47º, parágrafo segundo, da Carta dos Direito Fundamentais da União Europeia)
Este é único ponto do recurso de revista que não se encontra juridicamente a coberto dos efeitos da dupla conforme, constituída nos termos do artigo 671º, nº 3, do Código de Processo Civil.
Não sendo o tribunal de 1ª instância a ordenar o reenvio prejudicial, a decisão sobre essa matéria tomada pelo Tribunal da Relação constitui uma pronúncia originária sobre o tema.
Todavia, para que seja viável o prosseguimento do recurso circunscrito a esta temática (decisão a ordenar o reenvio prejudicial) sempre seria indispensável que tivesse sido suscitada pelo interessado, no âmbito dos seus articulados, uma questão referente à interpretação e aplicação do direito comunitário, sem o que não existe pura e simplesmente, por falta de objecto, obrigação jurídica de ordenar o reenvio prejudicial.
Isto é, sendo suscitadas dúvidas quanto à interpretação de normas da União Europeia aplicáveis no processo judicial pendente, nesse caso (apenas) o Tribunal tem o dever processual de accionar o mecanismo do reenvio prejudicial perante o Tribunal de Justiça da União Europeia.
Refira-se, a este propósito, que o artigo 234.º do Tratado da Comunidade Europeia assegura a interpretação e a aplicação uniformes do direito comunitário e determina os casos em que o reenvio prejudicial não se traduz numa uma mera faculdade ao dispor do juiz nacional, mas como uma obrigação que directamente o vincula.
Se esse órgão jurisdicional não fosse obrigado a reenviar a questão prejudicial em causa ao Tribunal de Justiça, podendo resolvê-la sozinho, estaria naturalmente em causa a interpretação e aplicação uniformes do direito comunitário.
Neste sentido, o artigo 220.º do TCE impõe que se considere competente o Tribunal de Justiça no sentido de proferir a última palavra, tratando-se da interpretação e da validade do direito comunitário e, portanto, da definição do seu âmbito de aplicação.
Tal instituto destina-se essencialmente a submeter às instâncias europeias as questões concretas de interpretação de normas jurídicas comunitárias que serão depois tomadas em consideração no acórdão que o tribunal nacional proferirá.
Por outro lado, cumpre referir que o reenvio prejudicial não constitui uma via de recurso aberta aos particulares, não sendo um processo de partes.
Trata-se de processo entre juízes (nacionais, por um lado, e comunitários, por outro), através do qual o juiz nacional coloca a questão prejudicial ao Tribunal de Justiça, que decide, em resposta a questão, para que seja aplicada a decisão prejudicial do Tribunal de Justiça ao caso concreto.
De resto, os particulares não têm o direito de fazer chegar ao Tribunal de Justiça da União Europeia uma questão prejudicial, nem de se opor a que o juiz nacional a reenvie, constituindo uma competência exclusiva deste.
Da sua decisão caberá recurso judicial de direito interno, nos termos gerais aplicáveis.
(Sobre a possibilidade de recurso da decisão que determina o reenvio prejudicial vide, de Alessandra Silveira e Sophie Perez Fernandez, publicado in “Revista Julgar”, nº 14, Maio-Agosto de 2011, artigo intitulado “O porteiro e a li. A propósito da possibilidade de interposição de recurso do despacho de reenvio prejudicial à luz do Direito da União Europeia”, páginas 113 a 133.
A propósito da discricionariedade do tribunal nacional quanto à necessidade e oportunidade do reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), vide o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17 de Janeiro de 2013 (relator Ezaguy Martins), publicado in Colectânea de Jurisprudência, Ano XXXVIII, Tomo 1, páginas 67 a 72, onde se concluiu: “Quando esteja em causa um acto claro – acte claire – sobre cujo sentido não haja qualquer dúvida razoável, a discricionaridade do tribunal nacional acaba por ser limitada, dado que, neste caso, não deve proceder ao reenvio, ainda que seja obrigatório”
Sobre as condições em que deverá ou não ser ordenado o reenvio prejudicial, vide o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Janeiro de 2021 (relatora Graça Amaral), proferido no processo nº 17264/15.8SNT-C.L2.S1; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Março de 2021 (relator Ricardo Costa), proferido no processo nº 910/10.7TVPRT.P1.S1; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Abril de 2019 (relator Henrique Araújo), proferido no processo nº 2926/16.0T8BRG.G1.S2; e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Setembro de 2021 (relator Tibério Silva), proferido no processo nº 249/18.0YHLSB.L1.S1, todos publicados in www.dgsi.pt).
De salientar que, segundo uma jurisprudência constante, só há lugar à dispensa do reenvio prejudicial se o próprio tribunal nacional de última instância verificar uma das seguintes eventualidades: a questão suscitada não ser pertinente para a solução do litígio pendente perante ele; ser materialmente idêntica a uma que já foi objecto de decisão prejudicial do TJ, ou impor-se a correcta aplicação do direito comunitário com tal evidência que não dá lugar a qualquer dúvida razoável.
Tal deve ser apreciado em função das características específicas do direito comunitário, das especiais dificuldades que levanta a sua interpretação e do risco de divergências de jurisprudência no interior da Comunidade.
Neste mesmo sentido, é muito importante ter em conta que através do instituto do reenvio prejudicial não é possível colocar questões respeitantes à interpretação ou apreciação das normas legislativas ou regulamentares de direito interno; relacionadas com a compatibilidade destas normas ou regulamentos com o direito comunitário; ou que tenham a ver com a validade ou interpretação das decisões dos tribunais nacionais.
Ora, na situação sub judice, é absolutamente evidente - e mesmo ostensivo - que nos encontramos apenas e só perante a análise de questões respeitantes à interpretação e aplicação do direito nacional português, conforme claramente se evidenciou no acórdão recorrido.
Neste sentido, na sua petição inicial a A, ora recorrente, não configurou a sua pretensão em termos que obrigassem a analisar e a interpretar normas de direito comunitário, tudo se cingindo à interpretação e aplicação de direito interno.
Apenas, em sede de recurso de apelação, junto do Tribunal da Relação ..., o recorre se lembrou de requerer o reenvio prejudicial, através das suas conclusões 120º, 121º, 122º, 123º, 124º, 125º e 126º.
Consta das mesmas:
“120º A autora, aqui apelante, apresenta ainda um pedido de reenvio para o TJUE para interpretação prejudicial nos termos e para os efeitos vertidos no §7 para onde se remete, mas que em resumo trata-se de:
121º - As decisões do Tribunal a quo relativamente às acareações pedidas (2.1. supra) e à admissão de documentos (2.2. supra) e assim como a omissão de pronúncia (2.3. supra) viola, o disposto no artigo 6 da CEDH relativa direito a um processo equitativo, o qual deve ser interpretado pelo TJUE.
123º - Entende a autora, aqui apelante, que é de absoluta importância e particularmente útil que o pedido seja imediatamente formulado por se tratar de uma questão de interpretação nova que apresenta um interesse geral para a aplicação uniforme do Direito da União Europeia.
124º - No caso, o que é relevante saber é se a recusa de acareação entre testemunhas e partes e a junção de documento essencial à prova do que tinha vindo alegar e para contra prova do que a parte contraria se fazia valer, em momento que ainda era de utilidade ao tribunal para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, pode, à luz da legislação da União Europeia, nomeadamente do artigo 47 §2 da Carta e artigo 6 (1) da CEDH, ser negado colocando a parte que o requer numa situação de nítida desvantagem face à outra que assim beneficia com encobrimento da verdade.
125º - No mesmo sentido e pelas mesmas razões, saber se a omissão de pronúncia sobre o pedido de junção de documentos em posse da parte contraria e/ou terceiros é aceite à luz da supra referida legislação da União Europeia.
126º - Assim, requerer a autora, aqui apelante, a Vossas Excelências, Venerandos Senhores Desembargadores, que convidem a autora, nos termos e quando acharem por conveniente, para que venham sugerir e contribuir para a formulação das questões a colocar ao TJUE, suspendam a instância e procedam ao reenvio para o TJUE por forma a obter a melhor interpretação prejudicial para as questões supra referidas, tendo em vista a aplicação uniforme do direito em toda a União Europeia.”
É óbvio que nenhuma destas matérias, respeitantes exclusivamente à interpretação e aplicação de normas processuais relativas à instrução e julgamento da causa, tem a ver com a interpretação e análise de normas do direito comunitário, sendo inoportuna e absolutamente descabida a sua (indevida) sujeição, por via do reenvio prejudicial, ao Tribunal de Justiça da União Europeia.
Daí não fazer o menor sentido a invocação pela recorrente da necessidade/obrigatoriedade do reenvio prejudicial, o qual é totalmente despropositado na situação em apreço, em que a matéria objecto das decisões das instâncias se circunscreve exclusivamente à aplicação do direito interno nacional.
Desde logo, e por uma questão de economia processual e de proibição de prática no processo de actos inúteis, conforme se dispõe no artigo 130º do Código de Processo Civil, impõe-se não admitir liminarmente a revista normal que se destinaria, nestas circunstâncias, apenas ao conhecimento da questão do fundamento do reenvio prejudicial, sendo certo que os autos revelam, de forma absolutamente evidente e insofismável, que inexiste em discussão qualquer matéria relacionada com a interpretação e aplicação do direito comunitário.
Pelo que, igualmente neste particular, a questão invocada não é susceptível de servir autonomamente de fundamento de admissibilidade da presente revista.
Por todo o exposto, cumpre concluir que a recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão do Tribunal da Relação ... em referência apenas será viável por via da eventual admissão, por parte da Formação (artigo 672º, nº 3, do Código de Processo Civil), da revista excepcional, que a recorrente interpôs, a título subsidiário, avocando em seu favor o disposto no artigo 672º, nº 1, alíneas b) e c), do Código de Processo Civil, encontrando-se reunidos, in casu, todos os pressupostos gerais de recorribilidade.
Oportunamente, serão, portanto, os autos remetidos à Formação, nos termos e para os efeitos do artigo 672º, nº 3, do Código de Processo Civil.
Notifique as partes, nos termos do artigo 655º, nº 1, do Código de Processo Civil, para pronunciarem-se, querendo, no prazo de dez dias, sobre a (in)admissibilidade da revista normal.”.   
Notificado nos termos do artigo 655º, nº 1, do Código de Processo Civil, a recorrente manifestou-se inequivocamente no sentido de que a revista é, a seu ver, admissível, não concordando portanto com a posição assumida pelo relator.
Referiu a este propósito:
“Impõe-se, antes de mais, apontar um esmero no teor, pleno de interpretações e raciocínios bem fundamentados numa profunda e cuidada análise de cada ponto, à decisão singular de não admissão de revista ordinária normal, o que aliás nos levou a ponderar não responder à mesma por praticamente esvaziados que ficamos de argumentos.
Vencidos e, mais do que isso, convencidos pela força dos argumentos doutamente apresentados pelo Venerando Juiz Conselheiro, teríamos de concordar com a não admissão da revista ordinária normal, não fossem três pequenas questões que, todavia, duas delas não permitem divergir da decisão de não admissão da revista ordinária normal.
§1 Reenvio prejudicial
Assim, ainda quecommera função de obiterdicta, começamospordizer que tivemos dificuldade em acompanhar a interpretação do douto Conselheiro, como seja o que ensina concluir em torno da obrigação de reenvio para interpretação prejudicial pelo Tribunal de Justiça de União Europeia “TJUE” e o pormenor da citação do Tribunal da Relação de Lisboa de 19.01.2013, em que foi relator o Venerando Senhor Juiz Desembargador  Ezaguy Martis, como seja a prodrómica qualificação tecida em torno da doutrina do acte éclairé, também conhecido como o citério CILFIT, por ter sido despontado no processo Srl CILFIT e Lanificio di Gavardo SpA v. Ministry of Healt (C-283/81).
Isto porque, tal doutrina, não é deixada ao acaso daquilo que cada tribunal se considera capaz de interpretar (o que sempre estaria sujeito a grande subjetividade e discricionariedade), mas sim perante a verificação de determinados requisitos que são pacientemente vertidos nos §16 a §20 do C-283/81 e que veio a ser acompanhada no Caso Lyckeskog (C-99/00, Kenny Roland Lyckeskog v Åklagarkammeren i Uddevalla).
Julgamos, que a pretendida égide dos restantes acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça (“STJ”), aludidos pelo Venerando Juiz Conselheiro relator, não permite afastar o entendimento da jurisprudência uniforme do TJUE, desde logo por força da hierarquia entre os diferentes instrumentos geradores de Direito.
A jurisprudência do TJUE contraria, de forma medianamente inteligível, os aludidos acórdãos quanto à obrigação de reenvio para interpretação prejudicial imposta pelo artigo 267 § 3 do TFUE.
No âmbito do processo de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o TJUE instituído pelo artigo 267 do TFUE, o juiz nacional, cuja decisão, à luz do direito interno, seja insuscetível de recurso ordinário, deve aceitar o reenvio para interpretação judicial de normas de direito da União Europeia:
Por fim chama-se à colação uma das mais recentes sentenças proferidas pelo STJ processo 7617/15.7T8PRT.S2, em que foi relatora a Veneranda Juíza Conselheira Maria dos Prazeres Pizzaro Beleza, que relativamente ao pedido de reenvio para interpretação prejudicial pelo TJUE de normas de direito da União Europeia, entendeu que a obrigatoriedade de reenvio imposta pelo artigo 267 § 3 do TFUE cessava exatamente fazendo uso do citério CILFIT, no caso ao interpretar, por analogia, um outro caso supostamente análogo, que aliás foi indicado pelos ali autores / recorrentes existir no TJUE, muito antes de o mesmo ter sido decidido e publicado na Curia.
A ali autora apresentou queixa ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (“TEDH”) por violação do artigo 6 da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (“CEDH”), a qual apesar de subscrita pela ali queixosa foi preparada pelo aqui subscritor e, cuja melhor informação, terá sido admitida pelo TEDH, o que só acontece depois de uma análise preliminar por um juiz singular desse tribunal Europeu e se, mediante um crivo apertadíssimo, for entendido que a queixa preenche os requisitos de admissibilidade, nomeadamente quanto à sua viabilidade perante as normas violadas da CEDH.
No entanto, tais considerações não permitem divergir do entendimento do Venerando Juiz Conselheiro relator, Luís Espirito Santo, quanto à questão invocada não ser suscetível de servir autonomamente de fundamento de admissibilidade da revista ordinária normal, mas apenas porque o TJUE não é um tribunal de recurso e a validade da interpretação prejudicial dependeria sempre da possibilidade de uma sentença proferida por um tribunal nacional, da qual depende a admissão do recurso por qualquer uma das outras razões invocadas pela aqui recorrente.
Ou seja, caso se demonstre que as instâncias ficaram esgotadas com a decisão do Tribunal da Relação ..., estamos perante um erro judiciário, que ainda que ostensivo e grave na administração da justiça, não permite sustentar a admissão do recurso de revista ordinária normal. O erro judiciário terá de ser discutido noutras sedes.
§2 Omissão de pronúncia
O tribunal de primeira instância deixou de se pronunciar sobre o requerimento de prova formulado na petição inicial e reiterado posteriormente por requerimento.
Sobre este segmento o Tribunal da Relação ... pronunciou-se e decidiu assente em razões de cariz estritamente processual, designadamentepor entender que a ali apelante não cumpriu as regras previstas no artigo 644 (2, d) do CPC

Relevando esta situação uma efetiva dissonância das duas instâncias sobre, pelo menos, este segmento essencial ao interesse da aqui recorrente.
Merece total censura o desvio que se acata no arco da negligência censurável, do erro clamoroso, evidente, indiscutível e intolerável, com que o tribunal da primeira instância não se pronunciou sobre a admissão de tais documentos essências para a descoberta da verdade e a boa administração da justiça, que deu inclusivamente azo ao labéu acusatório de condenar a ali autora como litigante de má-fé e deixar de condenar o réu nesse mesmo instituto.
O aziago desacerto de tal sentença, in casu da omissão de pronúncia, num claro e evidente erro judiciário, assim como o guilhotinar a pretexto de uma formalidade processual do direito a um julgamento justo, mediante um processo equitativo, pelo Tribunal da Relação ..., não permite fundar, autonomamente, enquanto fundamento exclusivo, o recurso de revista, tal como bem fundamenta o Venerando Juiz Conselheiro relator, Luís Espirito Santo. O erro judiciário é, como já se percebeu da posição supra expressa, tema a ser resolvido em outras sedes.

Portanto, o mesmo é dizer, em termos muito claros, que a decisão do douto Conselheiro relator não é suscetível de qualquer censura e por isso com a mesma, agora, temos de concordar e nos conformar.
§3 Violação das normas de direito adjetivo
Por fim, cingimo-nos à violação das normas de direito adjetivo em que, enunciativamente, parece que foi uma questãi lateralizada e perfunctoriamente tratada na decisão singular de não admissão de recurso à qual aqui se responde.
Destarte, reitera-se o o entendimento já expresso no recurso de revista, de que não se verifica o pressuposto do artigo 671 (3) do CPC quando é imputado ao acórdão do Tribunal da Relação a violação de normas de direito adjetivo, como acontece aqui, no tocante à apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto proferida pela primeira instância, nomeadamente a prevista no artigo 662 do CPC.
A violação de normas de direito adjetivo (cf. artigo 662 do CPC), na apreciação da matéria de facto, enquanto garantia constitucional do acesso à justiça, consagrada no artigo 20 (1) (4), da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), do dever de administração da justiça imposto aos Tribunais no artigo 202 (1) da CRP, do artigo 47 §2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (“CDFUE”), com respaldo no artigo 2 do Tratado da União Europeia (“TUE”)e do artigo 6(1)da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (“CEDH”), não dá lugar à limitação dos graus de jurisdição decorrente da aplicação do disposto do artigo 671 (3) do CPC, sendo, por essa razão e a discordando da douta decisão singular, a presente revista ordinária normal admissível.
Isto porque, olhando apenas para três flagrantes factos, que por sua vez têm impacto também na prova de que o réu, aqui recorrido, litigou em manifesta e ostensiva má-fé, que aqui estritamente se impõe convocar e  analisar em sede de violação dos direitos supra referidos e consagrados na CRP e no direito da União Europeia, se afigura fundamental e de direito a admissão da revista ordinária normal.
São esses factos, que não admitem um juízo silente, que nos suscita posição divergente à douta decisão singular a que ora se responde. É porisso essencial repetir aqui os mais gritantes e as nefastas sequelas de, perante os mesmos, ter sido violado o direito adjetivo:
1.     (16) – Em 26/06/2017, a Autora solicitou a convocatória de uma assembleia de sócios para deliberar, entre outras matérias, sobre a destituição, por justa causa, do gerente AA (Ponto Três da Ordem de Trabalhos) e sobre a realização de uma auditoria externa à sociedade, relativamente ao cumprimento dos vários contratos, matéria-prima em armazém, perdas, amostras fornecidas e ofertas (Ponto Cinco da Ordem de Trabalhos).
Emque a aliapelante, aquirecorrente, considerou-se este facto concreto incorretamente julgado, por incompleto, tendo sustentando tal entendimento no seguinte:
a)   De fls 93 e 94: Ata n.º 4 de 07.08.2017 (documento junto pelo réu) em que é referido a desistência da convocatória de assembleia-geral efetuada por cartas registadas enviadas pela autora à gerência, a 26.06.2017, 13.07.2017 e 14.07.2017;
b)   Requerimento       referência ...68 (referência Citius ..., Documento 2) e referência ...53 (referência Citius ...43, Documento 4): Interpelação para a convocação de assembleia geral de sócios, datada de 19 de Junho de 2017, a requerer a convocatória da assembleia de sócios, onde, entre outros pontos da ordem de trabalhos, consta o ponto três – pronunciar-se e decidir sobre a sociedade Slurp! Lda., demandar judicialmente o gerente AA pedindo que esteja seja destituído judicialmente desse mesmo cargo por justa causa e obrigado a indemnizar a sociedade por eventuais prejuízos causados pela sua conduta na gestão da mesma, cabendo para o efeito ao sócio com a maior quota de capital instruir e acompanhar todo o processo, nomeadamente a escolha dos advogados que o instruirão. A aludida missiva, enviada, várias vezes, por carta com registo CTT Expresso foi, pelo menos na carta enviada em 02.08.2017 às 18:53 [cf. referência ...53 (referência Citius ...43, Documento 4, ver data de registo CTT Expresso canto superior direito], acompanhada pelo documento notarial de reconhecimento de assinatura e na qualidade de diretor, do legal representante da autora. Isto pela senhora notária GG em 02.08.2017.
c)   Requerimento       referência ...53 (referência Citius ...43, Documento 7): - Interpelação para a convocação de assembleia geral de sócios, datada de 14 de Julho de 2017, enviada por correio registado com aviso de recção, por parte da sociedade de advogados M…, advogados, enquanto mandatária da autora (conforme procuração e documento anexa). Nessa missiva dirigida ao réu, na qualidade degerente da sociedade Slurp!, depois de umpequeno preâmbulo onde dava conta de a autora ter pedido a convocação de uma assembleia geral em 26.06.2017, sem que a mesma tivesse sido convocada nos prazos legais. É ali dito que, com esse expediente [de não convocar a assembleia de sócios], visava o réu, impor-se e eternizar-se no cargo de gerente, contra a vontade anunciada da maior sócia da empresa. É ali pedido que o réu proceda imediatamente à convocatória da assembleia de sócios conforme o réu estaria obrigado.
d)   Testemunho de CC [ficheiro som ...15, entre otempo 14:08 a14:33]de que se transcreve (destaque nosso]:
[advogada da autora] A B... era ou não sócia quando convocou as referidas assembleias de sócios?
[CC] Diria que era.
[advogada da autora] Sim, ou seja, todos os sócios, incluindo o réu AA, sabiam ou não que a B... era sócia e que o Senhor BB era o legal representante da empresa, da sociedade?
[CC] Diria que saberiam.
2.   (17) O Réu recusou a convocatória da referida assembleia de sócios, alegando a necessidade das pessoas que representavam a Autora terem de fazer prova documental, com cada comunicação expedida, da legitimidade e poderes que possuem para representar a referida autora.
3.   (18) O Réu tinha em seu poder documentos recentes que demonstravam quem representava a Autora, que o Réu tinha utilizado semanas antes para instruir o pedido de registo de cessão de quotas a favor da Autora e a partir dai convocou as assembleias gerais.
O Tribunal da Relação, quanto a este facto concreto, in fine, considerou corretamente julgado (que a assembleia geral requerida acabou por ser convocada), sustentando, apenas, nas declarações do réu e testemunhas.
É MENTIRA que tal assembleia geral de sócios tenham alguma vez sido convocada (e bastaria consultar o livro de atas, não fosse o desacerto da primeira instância ao não se pronunciar sobre esse requerimento de prova, e por isso o mesmo nunca ter sido junto pelo réu, que o tinha na sua posse). Mas essa MENTIRA era facilmente provada pelos restantes documentos supra referidos, como se demostrou, o que não aconteceu e não se percebe como não aconteceu.
Pois, cabia ao Tribunal da Relação ... a obrigação de indicar, em sede de motivação da sentença, os meios de prova.
Essa indicação dos meios de prova deve conter os elementos que dão o substrato racional, à luz das regras da experiência e dos critérios lógicos, que permitiu preparar, sedimentar e conduzir à convicção do tribunal em determinado sentido, incluindo a razão de ter valorado de determinada forma os diversos meios de prova apresentando pelas partes.
Ou seja, não basta ao tribunal, tal como fez o tribunal recorrido, decalcar a sentença recorrida e aceitar os factos dados como provados na sentença com a mera, sumária, generalista e até mesmo abstrata justificação da conjugação de determinados depoimentos, sem qualquer análise critica desses mesmos depoimentos e sem indicar as partes que fundamentam tal decisão.
Muito menos o pode fazer, ignorando em absoluto as provas documentais que a ali apelante chamou para sustentar a impugnação e modificação de tais factos.
Veja-se, por exemplo, o facto 18 da sentença (e supra mencionado). O tribunal recorrido justificou a sua convicção com a simples tirada: resulta da conjugação dos depoimentos prestados pelo legal representante da Autora, do Réu e das testemunhas CC, DD, EE e FF.
Tirada essa, decalcada acriticamente da sentença de primeira instância, quando existem documentos (incluindo documentos de prova plena), que contradizem tais depoimentos e a conclusão do Tribunal da Relação .... Documentos de prova que o Tribunal da Relação ... ignorou, quando não podia ignorar.
Para além disso, o tribunal recorrido, não indicou os elementos objetivos desses depoimentos que lhe permitiram formar essa convicção (e veja-se a contradição do depoimento da companheira do réu – FF) e, pior, deixou de se pronunciar sobre os documentos que a ali apelante convocou para contrariar tal facto (como se sustentou em 5.1 do recurso que aqui se dá por integralmente reproduzido – veja-se o facto 18 supra).
O tribunal a quo deveria, pelo menos, explicar porque não valorou os documentos que serviram de sustentação à impugnação de tal facto por parte da apelante ou então, mesmo que os valorasse, até porque alguns foram trazidos pelo próprio réu e outros são documentos autênticos (com força probatória plena), explicasse a interpretação alternativa dos mesmos que conduzissem a interpretação diferente da ali alegada. Mas não, o tribunal recorrido omitiu a sua pronúncia sobre tais documentos na apreciação de tais factos.
O tribunal recorrido, ao omitir os elementos objetivos de prova que permitiram a todos, nomeadamente à aqui recorrente, constatar se a decisão respeitou ou não a exigência de prova e ao deixar de indicar o iter formativo da convicção – a valoração cuja análise haveria de permitir comprovar se o raciocínio foi lógico ou absurdo – violou o direito a um processo equitativo (cf. artigo 6 da CEDH e artigo 47 da CDFEU) que imbrica profundamente no Estado de Direito (cf. artigo 2 do TUE).
O tribunal recorrido devia ter elencado as provas carreadas para o recurso, em sede de impugnação da matéria de facto, pela ali apelante e apresentar a sua análise crítica e racional, com os motivos que levaram a conferir relevância a determinadas provas (os ditos depoimentos) e a negar importância de outras (os documentos aludidos pela ali apelante com as respetivas interpretações).
Só com uma concatenação racional e lógica das provas relevantes a que a ali apelante “deitou mão” em sede de impugnação da matéria de facto, declarada no acórdão, era possível arrumar lógica e metodologicamente os factos então dados como provados e não provados e a sua apreciação à luz do direito vigente.
Só desse modo, que faltou no acórdão recorrido, se garante uma tutela judicial efetiva e o direito a um processo equitativo nos termos em que alude o artigo 6 da CEDH e do artigo 47 § 2 da CDFEU.
Pois, ainda mais que justificar tal decisão perante as partes, o julgador deverá justificar a mesma perante si mesmo. Isto porque, só com a exposição do raciocínio lógico que estribou tal decisão, o próprio pode apresentar e conferir a lógica e racionalidade do processo pelo qual atingiu o resultado.
Também só assim, com a exposição desse processo, garante a respetiva comunicabilidade às partes e a terceiros.
A aqui recorrente discorda que seja suficiente justificar a decisão, remetendo, de forma generalista, para o conjunto de depoimentos e sem se perceber o que nesses depoimentos permitiu formar a convicção do julgador sobre determinados factos, principalmente quando tal convicção é profundamente contra aquilo que a prova documental (alguma documentos autênticos) evidência.
Isto porque, só com todo o processo supra referido, incluindo a análise crítica dos aludidos documentos e mesmo dos depoimentos nos segmentos relevantes, é garantido que a prova juridicamente relevante foi corretamente recolhida, produzida e apreciada de acordo com cânones claramente entendíveis.
A motivação só será suficiente se existir e por seu intermédio for possível conhecer as razões do decisor, o que manifestamente não aconteceu neste caso.
Claro que apreciação da prova é discricionária, mas mesmo essa discricionariedade tem limites que não podem ser ultrapassados, tal como se verificou no acórdão decorrido. Há pois de perseguir a chamada verdade material e isso implica que a apreciação, ainda que discricionária, se reconduza por critérios objetivos e, portanto, seja suscetível de motivação e, também, de controlo.
A decisão proferida falhou nesses aspetos e violou os limites de discricionariedade que é dado ao julgador, sendo por isso suscetível de recurso, ainda que o tribunal ad quem conheça, em princípio, apenas matéria de direito.
Assim, por violação dos artigos 6 da CEDH, artigo 47 da CDFED e artigo 2 do TEU, deve o recurso ordinário normal ser admitido e, a verificar-se a nulidade do acórdão recorrido, deve ordenar-se a baixa dos autos ao tribunal recorrido com vista o respetivo suprimento.
Pode-se cair na tentação de considerar que o aresto recorrido limitou-se a rejeitar as vias que estava obrigado a seguir na apreciação das provas carreadas ao processo pelas partes. Pelo que, ainda que violando normas de direito adjetivo, não pode ser a via do recurso de revista ordinária normal, como aqui se pretende, a sanar o erro judiciário, o que sempre será de ter tratado em sede bem distinta desta. Tal seria sustentável, porquanto a decisão, sem voto de vencido, moveu-se dentro do mesmo quadro jurídico emque se moveu a sentençada primeira instância para alcançar um resultado idêntico.
No entanto, veja-se a este respeito o acórdão proferido no processo 802/13.8TTVNF.P1.G1-A.S1, em que foi relatora a Veneranda Juíza Conselheira, Ana Luísa Geraldes, que concluiu que não há dupla conforme nos casos em que é imputado ao Acórdão da Relação a violação de normas de direito adjetivo no que concerne a apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto proferida pela 1.ª instância, nomeadamente as previstas nos arts. 640.º e 662.º, ambos do NCPC. Efetivamente, em tais circunstâncias, ainda que simultaneamente a Relação tenha confirmado a decisão recorrida no que respeita a matéria de direito, não se verifica uma situação de dupla conformidade no que concerne ao modo como foi reapreciada a matéria de facto.
Nessa matéria, também o Venerando Juiz Conselheiro Abrantes Geraldes apud Ana Luísa Geraldes ibidem, é perentório:
Em tais circunstâncias e noutras similares em que seja apontado à Relação erro de aplicação ou interpretação da lei processual e seja invocado no recurso de revista a violação de normas adjetivas relacionadas com a apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto, não existe dupla conforme
É assim, neste único aspeto, como começamos logo por adiantar, que cingimos a nossa divergência perante a decisão singular à qual respondemos.
Neste termos, deve o recurso de revista ordinária normal ser admitido, sem prejuízo, óbvio, de outros recursos que a aqui recorrente possa deitar mão perante a sua não admissão, para além do já suscitado recurso de revista excecional, designadamente a impugnação acórdão proferido pelo Venerando Tribunal ..., nos termos e ao abrigo do disposto no artigos 671 (4) do CPC, a ação de responsabilidade civil extracontratual contra o Estado Português por erro judiciário e queixa ao TEDH – o que, confessadamente, se pretende evitar.
Apreciando:
Notificada nos termos e para os efeitos do artigo 655º, nº 1, do Código de Processo Civil, a recorrente definiu desta forma a sua posição quanto a (in)admissibilidade da revista normal:
Identificou três posições assumidas no despacho singular que lhe merecem reservas, a saber: o indeferimento do pedido de reenvio prejucial; questões referentes a nulidades do acórdão recorrido por omissão de pronúncia; a violação de normas de direito adjectivo.
Em relação aos dois primeiros temas, o recorrente acabou por aceitar o sentido do despacho, não divergindo do entendimento do relator dos autos (no caso do reenvio prejudicial por não ser susceptível de servir autonomamente de fundamento da admissibilidade da revista ordinária normal); no caso da nulidade por omissão de pronúncia, devido ao desacerto da sentença não permitir fundar autonomamente, enquanto fundamento exclusivo, o recurso de revista).
Sobra, portanto, o terceiro tema, respeitante à violação das normas de direito adjectivo, em relação ao qual o recorrente entende dever ser admitida a revista normal, discordando do sentido do despacho de que foi oportunamente notificado.
Apresenta, para o efeito, a seguinte ordem de razões:
1 – Não se verifica o pressuposto do artigo 671º, nº 3, do Código de Processo Civil, quando é imputado ao acórdão do Tribunal da Relação a violação de normas de direito adjectivo, como acontece aqui, no tocante à impugnação da decisão de facto proferida pela primeira instância, nomeadamente a prevista no artigo 662º do Código de Processo Civil.
2 – Há três flagrantes factos, também com impacto na prova de que o réu, ora recorrido, litigou em manifesta e ostensiva má fé, que não admitem um juízo silente.
3 – Referencia-os da seguinte forma:
a) Foi dado como provado que “em 26 de Junho de 2017, a A. solicitou uma assembleia de sócios para deliberar, entre outras matérias, sobre “a destituição por justa causa, do gerente (Ponto Três da Ordem de Trabalhos) e “sobre a realização de uma auditoria externa à sociedade, relativamente ao cumprimento de vários contratos, matéria prima em armazém, perdas, amostras fornecidas e ofertas” (ponto 16), tendo a recorrente considerado que este facto está incorrectamente julgado, por incompleto.
b) Foi dado como provado que “o Réu recusou a convocatória da referida assembleia de sócios, alegando a necessidade das pessoas que representavam a Autora terem de fazer prova documental, com cada comunicação expedida, da legitimidade e poderes que possuem para representar a referida Autora” (ponto 17).
c) Foi dado como provado que “O Réu tinha em seu poder documentos recentes que demonstravam quem representava a Autora, que o Réu tinha utilizado semanas antes para instruir o pedido de registo de cessão de quotas a favor da Autora, e a partir daí convocou as assembleias gerais” (ponto 18).
O recorrente entende, quanto a esta factualidade, que o ponto 16 foi respondido de forma incompleta; é mentira que a assembleia geral tivesse alguma vez sido convocada, cabendo ao Tribunal da Relação ... a obrigação de indicar em sede de motivação da sentença, os meios de prova; acrescenta que o acórdão recorrido ignorou em absoluto as provas documentais que a ali apelante chamou para sustentar a impugnação e modificação de tais factos.
Acrescentou igualmente que o Tribunal a quo deveria, pelo menos, explicar porque não valorou os documentos que serviram de sustentação à impugnação de tal facto por parte da apelante ou então, mesmo que os valorasse, até porque alguns foram trazidos pelo próprio réu, explicasse a interpretação alternativa dos mesmos que conduzissem a interpretação diferente da ali alegada. Mas não, o Tribunal recorrido omitiu a sua pronúncia sobre tais documentos na apreciação de tais factos.
Por isso mesmo, violou, no entender do recorrente, o direito a um processo equitativo.
Finalmente, refere que só com uma concatenação racional e lógica das provas relevantes a que a ali apelante “deitou mão” em sede de impugnação da matéria de facto, declarada no acórdão, era possível arrumar lógica e metodologicamente os factos então dados como provados e não provados e a sua apreciação à luz do direito vigente, negando uma tutela judicial efetiva e o direito a um processo equitativo nos termos em que alude o artigo 6 da CEDH e do artigo 47 § 2 da CDFEU.
Apreciando:
Não subsiste qualquer dúvida de que as questões relacionadas com o incorrecto uso dos poderes de facto conferidos por lei ao Tribunal da Relação, com violação do disposto no artigo 662º do Código de Processo Civil, não se encontram abrangidas pelos efeitos da dupla conforme, impeditiva da interposição da revista normal nos termos do artigo 671º, nº 3, do Código de Processo Civil.
Ou seja, constitui dever específico do Tribunal da Relação exercer efectivamente os seus poderes de reavaliação do juízo de facto emitido em 1ª instância, na sequência da impugnação apresentada pela apelante.
Se for omitida ou incorrectamente exercida tal actividade processual respeitante à sindicância da matéria de facto impugnada – que constitui pronúncia originária que compete unicamente à 2ª instância - esse incumprimento dos deveres impostos no artigo 662º do Código de Processo Civil comporta naturalmente  a interposição de revista normal para o Supremo Tribunal de Justiça.
É o que sucede, por exemplo, quando o Tribunal da Relação rejeita indevidamente a impugnação de facto com fundamento em incumprimento das exigências consignadas no artigo 640º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil que afinal não se verifica; quando não se debruça, com a suficiência, a autonomia e a completude exigíveis, sobre a análise de toda a matéria concretamente impugnada, refugiando-se em considerações de natureza geral ou tabelar que não se traduzem em qualquer efectivo reexame dos factos que o recorrente referiu encontrarem-se incorrectados decididos; quando descura a exposição da fundamentação que permite objectivamente compreender o percurso intelectual subjacente à reanálise da prova.
Conforme escreve sobre esta matéria Abrantes Geraldes in “Recursos em Processo Civil”, Almedina 2020, 6ª edição, a páginas 415 a 416:
“Uma situação, a carecer de intervenção do elemento racional para determinação da resposta mais correcta, respeita aos casos em que é invocada no recurso de revista a violação de normas de direito adjectivo relacionadas com a apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto.
Pode acontecer que a Relação rejeite pura e simplesmente a impugnação da decisão da matéria de facto por motivos ligados à falta de identificação dos pontos de facto impugnados, a omissão de indicação dos meios de prova, ou à falta de enunciação da resposta alternativa. Por exemplo, a Relação não admitiu o recurso de apelação na parte em que foi impugnada a decisão da matéria de facto, com o fundamento no incumprimento de alguns dos ónus previstos no artigo 640º; ou, noutro plano que demanda a aplicação do artigo 662º, recusou a apreciação dos meios de prova, a pretexto de alegadas dificuldades ou impedimentos decorrentes dos princípios da imediação ou da livre apreciação de prova.
Numa determinada perspectiva mais formal, em tais circunstâncias ocorreria uma dupla conformidade: literal e finalisticamente a Relação teria confirmado nesses casos a decisão recorrida sem voto de vencido e sem fundamentação substancialmente diversa. Todavia, tal conclusão não parece a mais ajustada, já que, relativamente à questão adjectiva relacionado com o ónus de alegação ou com o dever de reapreciação dos meios de prova, a interposição do recurso de revista constitui a única possibilidade de fazer reverter a situação a favor do recorrente nos casos em que o acórdão da Relação esteja eivada de erro de aplicação da lei processual a respeito da decisão da matéria de facto.
Nessas situações, e noutras similares, em que seja apontada à Relação erro de aplicação ou de interpretação da lei processual, ainda que seja confirmada a sentença recorrida no segmento referente à apreciação do mérito da apelação, não se verifica, relativamente àqueles aspectos, uma efectiva efectiva situação de dupla conforme, já que as questões emergiram ex novo do acórdão da Relação proferido no âmbito do recurso de apelação, sem que tenham sido objecto de apreciação na 1ª instância”.
(Sobre esta temática, vide, entre outros:
- acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Setembro de 2013 (relator Azevedo Ramos), proferido no processo nº 1965/04.9TBSTB.E1.S1, publicado in www.dgsi.pt;
- acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Dezembro de 2020 (relator Nuno Pinto de Oliveira), proferido no processo nº 22/17.2T8CLB.C1.S1, publicado in www.dgsi.pt;
- acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Janeiro de 2020 (relatora Fátima Gomes), proferido no processo nº 12422/16.0T8LSB.L1.S1, publicado in ECLI; STJ;
- acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Setembro de 2020 (relator Ilídio Sacarrão Martins), proferido no processo nº 4794/16.3T8GMR.G1.S1, publicado in www.dgsi.pt;
- acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Fevereiro de 2020 (relator José Rainho), proferido no processo nº 1863/16.3T8PNF.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt;
- acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Dezembro de 2020 (relator Rijo Ferreira), proferido no processo nº 277/12.9TBALJ.G1.S1, publicado in www.dgsi.pt;
- acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Dezembro de 2020 (relator Tomé Gomes), proferido no processo nº 4016/13.9TBVNG.P1.S3, publicado in www.dgsi.pt;
- acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Junho de 2020 (relatora Ana Paula Boularot), proferido no processo nº 247/11.1TBMTR.G1-A.S1, publicado in ECLI; STJ;
- acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Janeiro de 2021 (relator Fernando Samões), proferido no processo nº 668/18.6T8PVZ.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt;
- acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Maio de 2021 (relator Luís Espírito Santo), proferido no processo nº 3277/12.5TBLLE-F.E2.S1, publicado in www.dgsi.pt).
Ora, a recorrente apresentou, a este propósito, as seguintes conclusões de revista:
“a)  Pedido de litigância de má-fé da autora, por violação de normas de direito adjetivo, seja no que concerne à apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto proferida pela primeira instância (cf. artigo 662 do CPC) seja da responsabilidade no caso de má-fé e da sua noção (cf. artigo 542 do CPC) e excesso de pronúncia [cf. artigo 615 (1, d, e)], violação do princípio do contraditório (na vertente da proibição de decisão-surpresa), violação da garantia constitucional do acesso à justiça, consagrada no artigo 20 (1) (4), da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), do dever de administração da justiça imposto aos Tribunais no artigo 202 (1) da CRP, do artigo 47 §2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (“CDFUE”), com respaldo no artigo 2 do Tratado da União Europeia (“TUE”) e do artigo 6 (1) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (“CEDH”) – vide § 8.1 e 8.2 supra”;
“b)  Pedido de litigância de má-fé da ré, por violação de normas de direito adjetivo, seja no que concerne à apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto proferida pela primeira instância (cf. artigo 662 do CPC), do dever de administração da justiça imposto aos Tribunais no artigo 202 (1) da CRP, do artigo 47 §2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (“CDFUE”), com respaldo no artigo 2 do Tratado da União Europeia (“TUE”) e do artigo 6 (1) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (“CEDH”) – vide § 8.3 supra”;
“g)  A omissão de pronúncia em relação ao requerimento probatório enquadrado na concretização da obrigação de fundamentação que incide sobre o julgador em sede de motivação, designadamente no que concerne à apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto proferida pela primeira instância, por violação de normas de direito adjetivo (cf. artigo 662 do CPC), violação da garantia constitucional do acesso à justiça, consagrada no artigo 20 (1) (4), da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), do dever de administração da justiça imposto aos Tribunais no artigo 202 (1) da CRP, do artigo 47 §2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (“CDFUE”), com respaldo no artigo 2 do Tratado da União Europeia (“TUE”) e do artigo 6 (1) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (“CEDH”) – vide § 4, 5 e 7 supra”;
“65. A recorrente sustenta esse entendimento no § 2.2., para onde se remete, evitando ser repetitiva e fastiosa numas conclusões que já vão longas, mas que muito resumidamente tem sustento no facto problemática trazida neste processo ser inédita, pois nunca foi apreciada, e importante por forma a permitir a correta e melhor aplicação do direito, nomeadamente perante normas de direito adjetivo (cf. artigo 662 do CPC), da garantia constitucional do acesso à justiça, consagrada no artigo 20 (1) (4) da CRP, do dever de administração da justiça imposto aos Tribunais no artigo 202 (1) da CRP, do artigo 47 §2 da CDFUE, com respaldo no artigo 2 do TUE e do artigo 6 (1) da CEDH.”
Vejamos:
Num primeiro momento a recorrente invocou a violação do disposto no artigo 662º do Código de Processo Civil no contexto global da impugnação da sua condenação como litigante de má fé e da absolvição do Réu a esse mesmo título, citando os pontos 16 e 18 dos factos dados como provados.
Encimou, de resto e sintomaticamente, tal alegação nos seguintes termos: “Vejamos, resumindo apenasa doisflagrantesfactosque porsua vez têm impacto também na prova de que o réu, aqui recorrido, litigou em manifesta e ostensiva má-fé”.
E como se evidenciou no despacho singular proferido pelo relator dos autos, encontrando-se assegurado o duplo grau de jurisdição, o artigo 542º, nº 3, do Código de Processo Civil, não admite recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça.
Seguidamente, no que concerne ao elenco dos factos dados como provados, circunscritos pontualmente àqueles que foram discriminados pela recorrente na revista (apenas o 16º e 18º, não havendo o 17º sido objecto da impugnação de facto), a sua invocação não tem rigorosamente a ver, em termos substantivos, com o incorrecto exercício dos poderes de facto pelo Tribunal da Relação ..., nos termos do artigo 662º do Código de Processo Civil, ou seja e em concreto, com a rejeição da impugnação, ou com a indevida omissão de reavaliação da juízo de facto emitido em 1ª instância, ou ainda com a ausência da sua explicação fundamentada, em sede de motivação do decidido.
Concretamente, aquilo de que a recorrente discorda, a pretexto da avocação do artigo 662º do Código de Processo Civil e dos princípios gerais de negação do direito a um processo justo e equitativo, é do próprio conteúdo e sentido da reapreciação de factos que foram adoptados pelo acórdão recorrido, entendendo que os elementos à disposição do Tribunal (mormente a prova documental e testemunhal que foi produzida e é por si referenciada) imporiam, a seu ver, decisão diversa daquela que foi proferida.
Ou seja, sustenta que os depoimentos produzidos pelas testemunhas inquiridas (que aliás transcreve no seu recurso de revista) e a análise dos documentos que tiveram lugar - ou que poderiam ter tido lugar e não tiveram -, determinariam por si só uma resposta diversa e antagónica em relação ao veredicto “provado” que ambos os pontos de facto, a seu ver indevidamente, receberam.
O que equivale a discutir e consequentemente discordar do mérito do juízo de facto autónomo de que o Tribunal da Relação ... se socorreu.
Acrescenta ainda a recorrente que a fundamentação utilizada no acórdão recorrido não lhe permite compreender a improcedência da sua impugnação quanto a esta matéria, que aliás constitui apenas um breve segmento do conjunto total, muitíssimo mais amplo, dos pontos de facto impugnados (16º, 18º, 21º, 30º, 41º, 42º, 43º, 44º, 53º, 55º, 56º, 71º, 72º, 77º, 78º, 82º, 85º, 87º, 94º, 98º), e que foram, em termos formais, individualmente apreciados pelo Tribunal da Relação com esparsa referência à análise dos meios de prova (descrição dos depoimentos produzidos e referência ao valor da prova documental junta).
Pelo que esta apontada insuficiência enquadra-se, mais uma vez, no âmbito da legítima discordância relativamente ao que foi decidido sobre os pontos 16º e 18º dos factos provados, e nada mais do que isso.
Em suma, o que verdadeiramente constitui objecto da presente revista normal não consiste, em substância e efectivamente, no incorrecto exercício dos poderes de facto por parte do Tribunal da Relação, tal como se encontra previsto no artigo 662º do Código de Processo Civil, mas na frontal divergência, que profusamente manifestou, contra a concreta decisão tomada nessa sede e que incluiu, com a completude necessária e suficiente, o conhecimento da sua impugnação de facto quanto a dois pontos especificamente localizados (o 16º e o 18º), acompanhada da respectiva fundamentação, objectivamente compreensível.
Ora, quanto a esta matéria – discussão da matéria de facto provada e não provada -, carece o Supremo Tribunal de Justiça da necessária competência, conforme resulta expressamente do disposto no artigo 662º, nº 4, do Código de Processo Civil, bem como do preceituado nos artigos 674º, nº 3 e 683º, nº 2, do mesmo diploma legal, não sendo a revista normal admissível.
Pelo que não assiste razão à recorrente/reclamante.
O que significa que se constituiu in casu dupla conforme nos termos do artigo 671º, nº 3, do Código de Processo Civil, impeditiva da interposição de revista normal prevista no artigo 671º, nº 1, do Código de Processo Civil.
A única via para a possibilidade do conhecimento pelo Supremo Tribunal de Justiça da presente revista consiste na figura da revista excepcional, genericamente prevista no artigo 672º do Código de Processo Civil, de que a recorrente, igualmente e a título subsidiário, se socorreu.
Em suma, competirá à Formação ajuizar da admissibilidade da revista excepcional em conformidade com o disposto no artigo 672º, nº 3, do Código de Processo Civil.
 Serão os autos, por isso mesmo, enviados à Formação, não havendo cabimento para a admissibilidade da revista normal.

Pelo exposto, acordam, em Conferência, os juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção) em considerar inadmissível a interposição de revista normal e ordenar a remessa dos autos à Formação, nos termos do artigo 672º, nº 3, do Código de Processo Civil, com vista à apreciação dos pressupostos da revista excepcional.
                                                    
                                                    
                                         

Lisboa, 5 de Abril de 2022.

Luís Espírito Santo (Relator)

Ana Paula Boularot
                                         
José Rainho


V – Sumário elaborado pelo relator nos termos do artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil.