Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3454/14.4TCLRS.L1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
INUNDAÇÃO
PRIVAÇÃO DO USO
FRACÇÃO AUTÓNOMA
FRAÇÃO AUTÓNOMA
IMPOSSIBILIDADE TEMPORÁRIA
ARRENDAMENTO URBANO
NULIDADE POR FALTA DE FORMA
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
CONFISSÃO
PRESSUPOSTOS
ADVOGADO
REPRESENTAÇÃO SEM PODERES
CONDOMÍNIO
ADMINISTRADOR
Data do Acordão: 04/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DOS DIREITOS / PROVAS / CONFISSÃO / CAPACIDADE E LEGITIMIDADE.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / FUNDAMENTOS DA REVISTA.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 353.º, N.º 1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 635.º, N.º 4 E 674.º, N.º 3.
Sumário :
I. Não merece censura o acórdão da Relação que, numa acção de responsabilidade civil como a presente, dá como provado que, em virtude da impossibilidade temporária de residirem na fracção autónoma dos autos, o autor e a sua família tenham habitado durante um determinado período de tempo em imóvel pertencente a um terceiro, entregando-lhe, como contrapartida da utilização do dito imóvel, a quantia mensal de € 700,00, ainda que tais factos correspondam a um contrato de arrendamento inválido por falta de forma.

II. Considera-se ser também de acompanhar o juízo da Relação de não atribuir valor confessório à declaração inserida em carta que o advogado do autor remeteu à administração do réu condomínio, no contexto de uma negociação extrajudicial, no intuito de alcançar um acordo que evitasse o recurso à via judicial, tanto por faltar a essa declaração carácter inequívoco como por não estar provado que o advogado tivesse poderes para dispor do direito a que o facto confessado se refere (art. 353º, nº 1, do CC).

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça




1. AA intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra Condomínio do prédio sito na BB, …, pedindo a condenação do R. no pagamento da quantia de € 45.505,75, acrescida de juros de mora à taxa legal até efectivo pagamento.

Funda a sua pretensão no facto de ter ocorrido uma inundação na sua fracção autónoma, causada pelo entupimento de uma prumada geral de esgotos do edifício, em consequência da falta de manutenção da mesma pelo R., daí resultando diversos danos patrimoniais e não patrimoniais, e tendo do conjunto de tais danos ficado por ressarcir danos equivalentes à quantia de € 45.505,75.

O R. contestou, excepcionando com o pagamento do valor global dos danos provocados pelo entupimento alegado pelo A., e impugnando os danos alegados pelo A. e os respectivos valores indemnizatórios. Suscitou a intervenção acessória provocada das seguradoras para as quais foi transferida a sua responsabilidade civil, e concluiu pela improcedência da acção com a sua absolvição do pedido.

Foi exercido o contraditório pelo A. quanto às excepções suscitadas pelo R. e indeferido o incidente da intervenção acessória provocada.

Por sentença de fls. 534 a acção foi julgada improcedente, absolvendo-se o R. do pedido.

Inconformado, o A. interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, pedindo a modificação da decisão relativa à matéria de facto e a reapreciação da decisão de direito.

Por acórdão de fls. 661 foi alterada a matéria de facto e, a final, foi proferida a seguinte decisão:

“Em face do exposto julga-se parcialmente procedente o recurso, revogando-se a sentença recorrida e substituindo-a por outra em que, na parcial procedência da acção, se condena o R. no pagamento ao A. da quantia de € 34.612,13, bem como de juros de mora à taxa legal, vencidos e vincendos desde a citação do R. e até integral pagamento, absolvendo-o do demais peticionado.”


2. Vem o R. interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões:

“1. Erro na apreciação da prova por ofensa de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova - artigo 674°, n°. 3, CPC

2. Considerou a douta sentença do Tribunal de 1ª Instância a quo, como factos não provados que "O autor e a sua família viveram numa casa arrendada entre 1 de outubro de 2011 e maio de 2012". (alínea f), e "Que o Autor pagou a titulo de renda, entre 1 de Outubro de 2011 a maio de 2012, o valor de 700,00 mensais" (al. G.)

3. E fundamentou o Tribunal de 1ª Instância a quo tal decisão, sustentando que, "Com efeito o contrato de arrendamento é um contrato formal, pois, segundo estatui o artigo 1069° do CC na redacção dada pela Lei 31/2012 de 14.08 o contrato de arrendamento urbano tem que ser celebrado por escrito, sendo que à data estava em vigor a redacção que havia sido data pela -Lei n°. 6/2006 de 27.02, a qual impunha a celebração por escrito apenas aos contratos com duração a 6 meses, o que foi o caso dos Autos. Como a lei não diz (nem claramente, nem doutro modo) que o documento é exigido para prova da declaração, trata-se de uma formalidade ad substanciam e a prova tem de ser feita através da apresentação desse documento, não podendo ser substituída por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior - cfr. Artigo 364°, n°.s 1 e 2 do Código Civil"

4. Não obstante, os Venerandos Desembargadores no aliás Douto Acórdão ora recorrido, referem expressamente que "não se discorda das afirmações do tribunal recorrido sobre as características de forma que deve revestir um contrato de arrendamento urbano, nem sobre a necessidade de existência de recibos, tudo em conformidade com os preceitos do CC e do NRAU que regulam o arrendamento urbano".

5. E continuam, (...) afirmando que "a questão que aqui se coloca não é a de apurar se há um facto chamado "arrendamento", já que o arrendamento não é uma realidade puramente fáctica, mas desde logo uma denominação para uma determinada relação jurídica.

6. Para depois concluir inopinadamente, salvo o devido respeito, que: Assim, e para afirmar conclusivamente a existência (ou não) dessa realidade da vida diária (com dimensão simultaneamente fáctica e jurídica) que é um contrato de arrendamento torna-se necessário apurar previamente os factos que sustentam e concretizam essa conclusão. (...) Melhor dizendo, uma vez que o A. alega na P.I. que, em consequência da inundação da sua habitação, deixou de aí poder residir e foi viver temporariamente para casa do seu cunhado, tendo depois ido viver para outra casa que "arrendou", para não sobrecarregar o mesmo cunhado, pagando "a título de renda, ao "dono do imóvel, € 700,00 mensais

7. Ora foi o Autor, aqui Recorrido, que na sua PI, nos artigos 56°, e seguintes, que balizou o objecto da prova e a causa de pedir, ao alegar expressa e taxativamente que "arrendou uma casa para si e para a sua própria família a partir do dia 01 de Outubro de 2011," e que "pagou a título de renda o valor de 700,00 € mensais (...) tendo despendido em arrendamento a quantia de 5.600,00 € (...)". (negrito nosso)

8. E nos termos das disposições legais citadas, estamos perante uma formalidade ad substanciam como muito bem refere a sentença de 1ª Instância pois "nos termos do disposto nos art° 1069° do CC, na redacção dada pela Lei 31/2012 de 14.08, o contrato de arrendamento urbano tem que ser celebrado por escrito quando celebrado por período superior a seis meses" e a prova tem que ser feita, mediante a apresentação desse documento, não podendo ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior, art.364° n°1 e 2 do CC.

9. Assim esteve muito bem o Meritíssimo Juiz do Tribunal de 1ª Instância quando não considerou provado a existência do contrato de arrendamento, o que decorre expressamente do regime de prova aplicável.

10. Não podia o Meritíssimo Julgador responder diferentemente no tocante à prova do alegado contrato de arrendamento, quando é a Lei que expressamente lhe impõe a exigência legal de documento escrito com igual valor probatório, o que não é o caso dos autos...

11. E leitura diferente não se pode querer fazer da Douta Sentença, nem da transcrição in fine da mesma, salvo o devido respeito.

12. Neste sentido o Acórdão do TRG de 31/03/2013, proferido no processo 500/08.4TBMNC.G1: "Não basta invocar um contrato e um dano para se concluir pela obrigação de indemnizar."

13. E também a jurisprudência é pacífica na distinção entre a formalidade ad substanciam e a formalidade ad probationem, mormente no tocante ao regime de prova,

14. Neste sentido o Acórdão do TRC de 31/01/2006, proferido no processo 3965/05: "Quando o documento é exigido para a celebração do acto, como requisito de forma e por consequência como condição de validade (formalidade ad substantiam), também se coloca um problema de prova, ou seja, a prova de que se fez o documento com determinado conteúdo, visto que a sua existência e validade depende do documento. (...) Equacionando o problema no âmbito da excepção ao princípio da livre apreciação, conforme o n°2 do art.655 do CPC, a necessidade do documento resultaria de "imposição indirecta", visto que "a lei exige um documento, autêntico ou particular, como forma da declaração negocial (art.364 n°1 CC), o que implica o ónus de conservação do documento e a sua apresentação para prova dessa declaração, com consequente afastamento de outros meios de prova (cf. arts.351 CC, 354 CC, 393 CC, 394 CC, 485-d e 490-2)" (cf. LEBRE DE FREITAS, Código de Processo Civil Anotado, vol.2°, pág.636). Uma vez assente a imperatividade da respectiva prova documental, a sanção será de considerar não escrita tal factualidade (...)"

15. E não se pretenda, como fez o Autor e ora recorrido, que "o tribunal a quo deveria ter considerado a privação do uso do imóvel"

16. Quando a causa de pedir e o pedido não consubstanciam tal realidade e estão perfeitamente elencados pelo Autor, vinculando assim o Julgador, que não pode ir além do pedido e da causa de pedir que o determina...como é o caso em apreço

17. O A, teria, para fazer prova de tal, e para o efeito, de juntar contrato de arrendamento, ou recibos de renda, o que também não fez...nem se percebendo o motivo porque não o fez

18. Tratando-se, como se trata, de uma formalidade ad substanciam, o Meritíssimo juiz da 1ª Instância a quo considerou não provada a existência do contrato de arrendamento, o que decorre expressamente do regime de prova aplicável.

19. Não podia o Meritíssimo Julgador responder diferentemente no tocante à prova do alegado contrato de arrendamento, quando é a Lei que expressamente lhe impõe a exigência legal de documento escrito com igual valor probatório, o que não é o caso dos autos...

20. Assim o Supremo Tribunal de Justiça não poderá ficar indiferente a este erro de apreciação de prova resultante da violação do Direito Probatório material, sendo fundamento de revista a violação de disposição legal expressa que exija certa espécie de prova.

21. Neste sentido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/12/2015, proferido na 2ª Secção, Processo 940/10.9 TVPRT.P1.S1, onde se sustenta que “No capítulo da apreciação das provas, a regra contida no n° 3 do art. 674°, conexa com as funções prioritárias atribuídas ao Supremo, é a de que este órgão não pode interferir na decisão da matéria de facto, da exclusiva competência das instâncias. (...) Trata-se de uma regra que não é absoluta, sendo de admitir uma intervenção do STJ quando o acórdão recorrido esteja eivado de erro determinado por uma ofensa a disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.”

22. Os factos que o Autor e ora recorrido alega é que "arrendou uma casa para si e para a sua própria família a partir do dia 01 de Outubro de 2011," e que "pagou a título de renda o valor de 700,00 € mensais (...) tendo despendido em arrendamento a quantia de 5.600,00 € (...)". (negrito nosso)" e não quaisquer outros...

23. A realidade fáctica é determinada pelas partes na sua narrativa...e é esta que está em causa e é sindicável, e não outra presumível...

24. Se o Autor e ora Recorrido alegou que "arrendou uma casa" e que "pagou a título de renda" e despendeu em "arrendamento", não pode o Tribunal recorrido, salvo o devido respeito, alterar a realidade fáctica para sustentar a alteração do regime legal de prova exigível, como fez

25. Na verdade decorre expressamente dos arts° 1069° do CC, na redacção dada pela Lei 31/2012 de 14.08, que o contrato de arrendamento urbano tem que ser celebrado por escrito quando celebrado por período superior a seis meses, bem como decorre em consequência, do disposto no artigo 364°, n°. 1 e 2 do CC que tratando-se de uma formalidade ad substanciam, a prova tem de ser feita através da apresentação desse documento, não podendo ser substituída por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior - cfr. Artigo 364°, n°.s 1 e 2 do Código Civil"

26. O que o Autor, ora Recorrido, não logrou fazer...

27. Face ao exposto, deverá o Acórdão ora recorrido ser modificado, no sentido de confirmar a decisão do douto Tribunal de 1ª Instância, considerando não provados os factos constantes das alíneas F) e G): "O autor e a sua família viveram numa casa arrendada entre 1 de Outubro de 2011 e Maio de 2012". (alínea f), e "Que o Autor pagou a título de renda, entre 1 de Outubro de 2011 a maio de 2012, o valor de 700,00 mensais ". (al. G.)

28. O Douto Acórdão recorrido padece de violação de lei substantiva, por manifesto erro de interpretação ou de aplicação, como no erro de determinação da norma aplicável; pois o conjunto da prova dos autos, documental e testemunhal, conjugada com uma correcta apreciação do Direito aplicável à causa não permite sustentar a decisão ora recorrida

29. Relativamente à matéria de facto, foi aditado pelo Douto Acórdão o ponto xlvi., tendo considerado que se impunha o aditamento à matéria de facto dada como provada, por acordo entre as partes, decorrente da não impugnação do envio e recepção de comunicação, a par da não impugnação do teor da mesma,

30. Tendo assim, sido aditado o ponto xlvi dos factos considerados provados:

“Por comunicação de correio electrónico de 5/7/2013 o A., (através de Advogado), enviou ao R. (dirigido a uma sua administradora) uma carta com o teor que consta do documento 19 junto com a p.i. (constante de fls, 55) dando-se por integralmente reproduzido, aí lhe declarando, para além do mais, que: «No seguimento do encontro que tivemos e que agradeço, venho indicar-lhe o valor global dos danos sofridos pela minha constituinte provocados pelo Entupimento Saída de Esgoto das Máquinas de Lavar, da prumada do edifício. Tal valor ascende a 46.095,48 €, incluindo os danos na habitação, o recheio, a privação do uso do apartamento e encargos conexos (...).»

31. Ora, uma declaração feita por alguma das partes à contraparte que envolva o reconhecimento de um facto que lhe seja desfavorável e favoreça a parte contrária é qualificada como declaração confessória, nos termos e para efeitos dos arts. 352° e 358°, n° 2, do CC

32. E a confissão extrajudicial inserida em documento autêntico ou particular (cuja falsidade não seja invocada) goza de força probatória plena, nos termos do art. 358°, n° 2, do CC, que apenas pode ser contrariada mediante a produção de meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que foi objecto da confissão (art. 347°, 1ª parte);

33. E a verdade é que o ora recorrido não logrou fazer prova de que tais factos não eram verdadeiros...

34. E discorda-se da decisão ora recorrida quando, salvo o devido respeito, ali se refere e conclui que "a declaração não se enquadra na definição de confissão, desde logo porque não se apresenta como inequívoca",

35. O que é manifestamente incorrecto, atendendo aos documentos e prova juntos aos autos...

36. Sustentando ainda o Douto Acórdão recorrido que “para afirmar que o A. renunciou ao exercício do seu direito, perdoando ao R. a obrigação de pagamento da quantia indemnizatória acima referida, torna-se necessária encontrar declarações de vontade inequívocas e concordantes nesse sentido.”

37. Mais referindo que seria necessário criar no R. a impressão da reparação integral,

38. Para depois concluir erradamente, salvo o devido respeito, que tal impressão não se criou no R. pelo facto de este ter respondido à comunicação do Autor como demonstra o documento 20 da p.i. constante de fls 57...

39. Mas esta conclusão é contrária aos documentos juntos com os articulados, mormente a carta de resposta da Ré datada de 19/09/2013 e junta como documento 8 da contestação, onde a Ré refere, para além de outras, que : "Vem a Administração do prédio sito na BB, em …, na sequência da comunicação entretanto recebida e após análise da documentação em nosso poder, bem como informação prestada pela anterior Administração do edifício, responder à mesma:

6. Os danos sofridos pela constituinte do Ex.mo Sr. Dr., embora quantificados, não estão descriminados, nem junta qualquer comprovativo dos mesmos, o que para a Administração é essencial para efeitos de reclamação às Companhias de Seguros;

7. Assim solicitamos que nos sejam remetidos comprovativos dos danos ora reclamados, bem como detalhe dos mesmos.

8. Por outro lado, só agora, com esta comunicação, foi facultada pela condómina em questão, a extensão e valor dos respectivos danos, não obstante várias solicitações para o efeito, pois de facto, foi sempre aquela que quis gerir o processo junto das respectivas seguradoras, nunca tendo permitido sequer acesso à habitação para efeitos de vistoria... (...)

9. Claro que nesta fase, tardiamente vai esta administração entrar no processo, com desconhecimento total de grande parte da informação sobre o sinistro, designadamente, resultados de peritagens, valores recebidos, valores reclamados, etc.

10. Ainda assim, e porque valorizamos a função de colaboração da administração, vamos concerteza envidar esforços para reclamar junto das seguradoras os valores de indemnização necessários, o que não poderemos fazer, sem que nos seja facultada a informação acima referida."

40. Ou seja, criou-se na Ré a convicção de que a obrigação de pagamento da quantia indemnizatória correspondente à totalidade dos danos sofridos "ascende a 46.095,48 €, incluindo os danos na habitação, o recheio, a privação do uso do apartamento e encargos conexos"

41. E não pode o Tribunal a quo concluir que não se pretende dizer o que expressamente se diz... Como faz...

42. Na verdade os factos ocorreram em 28/08/2011 e atendendo à prova produzida, mormente a documental e identificada nos factos considerados provados, a quantificação do valor dos danos reclamados pelo Autor, estava fixada e devidamente contabilizada em momento muito anterior à data de envio da comunicação acima referida,

43. O que significa que o Autor, ora recorrido, não ignorava, pelo contrário, forçosamente conhecia (ao contrário da Ré) o valor global dos danos sofridos "incluindo os danos na habitação, o recheio, a privação do uso do apartamento e encargos conexos" no momento em que emanou a comunicação à Ré...tendo-o fixado expressamente na quantia global de 46.095.48 €.

44. E aquela comunicação é clara, concisa e taxativa...não podendo ser desvirtuada e ignorada enquanto tal, motivando a injusteza do processo judicial e a falta de confiança na verdade material que deverá estar subjacente a qualquer decisão judicial

45. Ao contrário, salvo o devido respeito, da interpretação forçada e incongruente que sustenta o Douto Tribunal aqui recorrido...

46. Neste mesmo sentido o Acórdão do STJ acima já referido quando aduz que "Representando a confissão extrajudicial o reconhecimento de um facto - in casu, a extinção do direito de crédito emergente do contrato de cessão de quotas - o beneficiário de tal declaração não poderia evidentemente ser colocado no mesmo plano em que ficaria se acaso não houvesse qualquer declaração confessória."

47. No mesmo sentido Ac. da Rel. de Lisboa, de 27-4-10, no qual se concluiu, além do mais, que "a declaração de quitação do credor face ao devedor consiste no reconhecimento do acto de pagamento, nessa medida favorável ao devedor e desfavorável ao credor, pelo que constitui prova por confissão", revestindo força probatória plena, que poderá ser infirmada "com fundamento na inadmissibilidade da confissão ou em vício que afecte a própria validade formal ou substancial do acto confessório" ou "por impugnação directa da eficácia probatória da confissão, com vista a provar não ser verdadeiro o facto que dela foi objecto". Nele se acrescenta ainda que, incumbindo ao confitente ilidir a prova legal, não pode fazê-lo mediante prova por presunção judicial nem por prova testemunhal, a não ser que seja meramente contextual ou complementar dos outros meios de prova autorizados.

48. Ora do confronto dos articulados resulta que existe acordo das partes quanto a determinado facto e que o facto alegado por uma das partes foi objecto de declaração confessória com força probatória plena, o qual não [foi] valorado como tal pela decisão ora recorrida, o que se impunha, atendendo ao explanado,

49. Incorrendo assim o Douto Acórdão recorrido em vício de violação de lei substantiva, por manifesto erro de aplicação.

50. Devendo em consequência ser a decisão ora recorrida revogada e substituída por outra que reconheça que o valor global dos danos sofridos pelo Autor, incluindo os danos na habitação, o recheio, a privação do uso do apartamento e encargos conexos, somam o valor global de 46.095,48 €,

51. Que o Autor e ora recorrido já recebeu, a titulo de indemnização pelos danos sofridos, o valor global de 48.495,39 € (pontos xxxv a xxxviii),

52. Estando extinta, em consequência, a obrigação da Ré e ora Recorrente de indemnizar o Autor.”


         O Recorrido contra-alegou, concluindo nos seguintes termos:

“1. Falece fundamento ao recurso, quer do ponto de vista formal, quer de conteúdo.

2. Não se vislumbra o mais ténue erro na apreciação da prova por parte do douto acórdão recorrido.

3. Também não se alcança qualquer violação de qualquer norma expressa para a prova da existência dos danos invocados na acção.

4. Não existindo, pois, o fundamento legal exigido pelo art.° 674.°, n.° 3 do CPC.

5. Devendo, por isso, ser liminarmente rejeitado o recurso de Revista.

Se assim não se entender,

6. Os factos dados por assentes pelo Venerando Tribunal da Relação resultam de uma análise e fundamentação rigorosas, aplicando-lhes, de forma fina, o melhor Direito.

7. Decisão é justa e adequada aos danos sofridos pelo recorrido.

8. A tal montante, deverá ser acrescentada a quantia fixada por litigância de má fé, invocada e manifestada ao longo de todo o processo pelo recorrente, deixando-se a extensão de tal indemnização ao superior critério de V. Exas. (…)

9. Termos em que, V. Exas (…) não admitindo o recurso ou não lhe concedendo provimento, confirmarão o douto acórdão recorrido”


3. Tendo em conta o disposto no nº 4 do art. 635º do Código de Processo Civil, o objecto do recurso delimita-se pelas respectivas conclusões. Assim, o presente recurso tem como objecto as seguintes questões:

- Erro na apreciação da prova, por ofensa de disposição legal, ao considerar provado o contrato de arrendamento do A., devendo ser dados como não provados os factos constantes das alíneas F) e G): “O autor e a sua família viveram numa casa arrendada entre 1 de Outubro de 2011 e Maio de 2012” e “Que o Autor pagou a título de renda, entre 1 de Outubro de 2011 a maio de 2012, o valor de 700,00 mensais”;

- Valor confessório da declaração constante do ponto xlvi dos factos provados.


Esclareça-se desde já que, embora o Recorrente invoque (conclusões 28 e 49), existir “violação de lei substantiva, por manifesto erro de interpretação ou de aplicação”, não concretiza em que consista tal violação de lei substantiva, limitando-se a suscitar, de forma repetida e prolixa, a questão do alegado valor confessório da declaração constante do ponto xlvi dos factos provados. Constata-se assim que a pretensão do Recorrente se reconduz a que, pela sindicância da decisão relativa à matéria de facto, venha a ser alterada a decisão de direito em sentido que lhe seja favorável.

As questões objecto de recurso são, pois, as supra enunciadas.

     Em sede de contra-alegações, suscita o Recorrido a questão prévia da inadmissibilidade do recurso, por ter como objecto apenas questões relativas à matéria de facto, a qual não cabe nas competências do Supremo Tribunal de Justiça. Subsidiariamente, pugna pela manutenção da decisão do acórdão recorrido e ainda pela condenação do R. Recorrente como litigante de má fé.

Quanto à questão da (in)admissibilidade do recurso, quid iuris?

É certo que, nos termos da primeira parte do nº 3 do art. 674º do CPC, “O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista”. Mas, na segunda parte do mesmo nº 3, ressalvam-se as hipóteses em que esteja em causa “ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”.

Ora, a primeira questão suscitada pelo Recorrente (Erro na apreciação da prova, por ofensa de disposição legal, ao considerar provado o contrato de arrendamento do A.) integra a situação de alegada “ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto” e a segunda questão formulada pelo Recorrente (Valor confessório da declaração constante do ponto xlvi dos factos provados) corresponde a uma situação de alegada “ofensa de uma disposição expressa de lei (…) que fixe a força de determinado meio de prova”.

Verificando-se que as questões objecto do recurso se enquadram nas excepções da segunda parte do nº 3 do art. 674º do CPC, conclui-se assim pela admissibilidade do recurso.


4. Vem provado o seguinte (mantêm-se a identificação e a redacção das instâncias):

i. A aquisição do direito de propriedade sobre a fracção autónoma designada pela letra “T”, correspondente ao primeiro andar B do prédio urbano em regime de propriedade horizontal descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº 391, encontra-se inscrita a favor do A., à data solteiro e maior, através da Ap.28 de 1998/05/28.

ii. O prédio é composto por 11 andares, sendo que o A. habita o 1º andar, existindo, assim, por cima da sua habitação, 10 apartamentos habitados que utilizavam cada uma das prumadas B e C.

iii. Em 29/8/2011, quando regressava de férias com a sua família, o A. encontrou a sua habitação completamente inundada e com um odor nauseabundo.

iv. Face ao estado em que se encontrava a habitação, o A. e a sua família não puderam ficar em casa, tendo ido nessa noite (de 28 para 29 de agosto) dormir a casa do cunhado do A., CC.

v. Tratava-se de uma inundação de águas provenientes dos esgotos das máquinas de lavar loiça e roupa e dos lava-loiças das cozinhas do prédio.

vi. Na parede da cozinha, por onde passa a prumada geral das cozinhas do prédio, escorria água impregnada de gordura.

vii. Em 28/8/2011 (domingo), a administração [do R.] foi alertada para a existência de inundação pela Dr.ª DD – que havia sido contactada nesse mesmo dia pela proprietária da Loja 2, sita no mesmo prédio do A.

viii. A mesma Dr.ª DD chamou um canalizador ao prédio, tendo tal canalizador apurado, em 29/8/2011, que a prumada geral de esgotos entupiu, o que provocou a saída de águas sujas pelos esgotos das máquinas, na cozinha, inundando as habitações e provocando danos no 1.º andar B, o do A., e Loja 2.

ix. O A. accionou o seu seguro das partes comuns junto da sua seguradora “EE”.

x. O Sr. FF, perito da empresa GG, prestando serviços para a Seguradora “EE”, efectuou uma vistoria ao apartamento do autor em 9/9/2011.

xi. Em 16/9/2011 a administração do condomínio [R.] começou por accionar algumas das companhias seguradoras.

xii. A mesa da cozinha, cadeiras e armários ficaram irrecuperáveis.

xiii. Nos quartos e sala o chão, que era de lamparket, ficou todo levantado e irrecuperável.

xiv. Os guarda-fatos dos quartos ficaram irrecuperáveis.

xv. Toda a roupa das camas, nomeadamente edredons, colchas, lençóis e restantes peças não puderam ser recuperados.

xvi. Os colchões das camas dos quartos do A. e da sua filha, bem como do quarto de hóspedes também não puderam ser recuperados.

xvii. Os 2 computadores de trabalho do A. e as colunas da aparelhagem sonora “Tecnics” que estavam no chão ficaram também avariados.

xviii. No dia do regresso a casa, ao deparar-se com a inundação o A., a mulher e a filha, uma menor de 5 anos de idade, foram viver temporariamente para casa de um cunhado no Montijo.

xix. O A. solicitou um orçamento, parcial, à empresa de construções “HH, Lda.” para:

1) Reconstruir móveis de cozinha, com as mesmas características dos existentes;

2) Substituir duas portas de vidro com bite de almofada, uma porta dupla de vidros e bite de almofada, cinco portas lisas com bite de almofada, uma porta maciça com várias almofadas, colocar guarnições novas em todas as portas, lixar e envernizar as aduelas existentes;

3) Arrancar o lamparquet em todas as divisões que foram afectadas, remover lixo e reparar chão, colocar novo chão de lamparquet em madeira de jatobá afagado e envernizado, idêntico ao parquet anterior;

4) Arrancar todo o rodapé, recompor pequenas pontas de estuque que se danificassem ao arrancar o rodapé, colocar novo rodapé em madeira de sapele, lixar e envernizar;

5) Retirar dois roupeiros e substituir por novos;

6) Pintar paredes da sala, quarto e corredor;

7) Retirar banheira de WC social, repor nova banheira em acrílico, fazer remates de azulejos em volta, mais substituição do móvel do lavatório.

xx. O A. pagou pela realização de todos esses trabalhos o valor global de € 25.970,22 (vinte e cinco mil, novecentos e setenta euros e vinte e dois cêntimos).

xxi. Os móveis de cozinha, sala de jantar e quartos ficaram irrecuperáveis.

xxii. O A. pediu um orçamento à empresa de móveis “II, Lda.”, conforme lista discriminada:

a) Uma mesa de cozinha em castanho

b) 6 cadeiras de cozinha em castanho

c) 1 móvel de entrada com moldura com 1 metro

d) Uma estante em castanho com 1.90 x 2.16m

e) 1 mesa de apoio, 0,55 x 0,55 em castanho

f) 1 mesa de centro de 1m x 1m

g) 1 louceiro em castanho de 1,50 x 2,00m

h) 1 aparador em castanho, com 2,00m

i) 1 mesa de jantar em castanho, com 1,75m

j) 6 cadeiras em pele

k) 2 sofás em pele, com 2 metros

l) 1 cama de corpo e meio lacada de branco

m) 1 camiseiro com 0,70 x 1,20m de altura

n) 1 roupeiro em castanho com 1,90 x 2,15 de altura

o) 1 cama de casal em castanho

p) 2 camiseiros em castanho

q) 1 cabide de quarto

r) 1 cadeirão

xxiii. A empresa “II, Lda.” remeteu-lhe, com data de 3/12/2011, o orçamento n.º 0201, no qual o valor dos móveis discriminados no artigo anterior e orçamentados ascendia a € 25.685,00, acrescido de IVA à taxa legal, num valor final de € 31.592,55.

xxiv. O A. mandou reparar o seu computador na empresa “Staples - easy tech”, em …, em 16/9/2011.

xxv. O A. reclamou todos estes danos junto da sua seguradora e o perito confirmou os valores reclamados, achando-os conformes com os preços praticados no mercado (à excepção dos preços dos edredons, dos electrodomésticos da cozinha e da recuperação de dados do disco do computador).

xxvi. No tempo em que não pôde utilizar a sua residência o A. e família tiveram de fazer algumas das refeições em restaurantes, nas quais despenderam a quantia de € 464,50.

xxvii. Em portagens gastou a quantia de € 151,45.

xxviii. O A. pagou à empresa que procedeu à limpeza da sua fracção a quantia de € 88,56.

xxix. O A. solicitou e a empresa “JJ” apresentou-lhe um orçamento, datado de 4/2/2012, para proceder ao transporte dos móveis do A. para o … e depois do …. para …., devendo pagar por tal serviço a quantia de € 760,00.

xxx. O A. pagou o valor de € 467,40 à Sociedade “JJ”.

xxxi. Em 2/1/2012 o A. e a sociedade “HH, Lda.” celebraram um contrato através do qual a segunda cedeu ao primeiro o gozo de uma fracção autónoma com a finalidade de “arrumação de mobiliário” como contrapartida do pagamento mensal de € 125,00, pelo prazo de três meses, renovável automaticamente.

xxxii. O A. não pagou qualquer renda relativa ao contrato referido no ponto anterior, tendo sido interpelado em 12/11/2013 para efectuar o pagamento das rendas que até aí estavam em dívida, no montante de € 2.981,11.

xxxiii. A filha menor do A. viu-se privada do seu espaço, especialmente preparado para a sua idade e dos seus objectos de estimação e brinquedos.

xxxiv. O A. tinha um seguro de Multirriscos contratado junto da seguradora “EE”, titulado pelas apólices nº 00…2.

xxxv. Por via de tal seguro, a seguradora indemnizou o A. no montante total de € 40.937,74.

xxxvi. O R., por sua vez, pagou ao A. a quantia de € 2.115,04, conforme cópia do cheque emitido sobre a CGD, com data de 3/12/2013.

xxxvii. A título de indemnização pelo sinistro em causa, o A. [a referência ao R. na sentença recorrida deve-se a lapso evidente, face ao teor do art.º 5º da contestação] recebeu da Seguradora “KK” a quantia de € 2.721,29.

xxxviii. O A. [a referência ao R. na sentença recorrida deve-se a lapso evidente, face ao teor do art.º 5º da contestação] recebeu da “LL - Companhia de Seguros” a quantia de € 2.721,32 a título de indemnização pelo sinistro em causa.


Factos aditados pela Relação:

xxxix. O A. e a sua família foram viver para um imóvel de terceiro entre 1/10/2011 e Maio de 2012, entregando a esse terceiro, como contrapartida por essa utilização, a quantia mensal de € 700,00, entre 1/10/2011 e Maio de 2012.

xl. O orçamento referido nos pontos xxii. e xxiii., para substituição dos móveis de cozinha, sala de jantar e quartos, referia-se a móveis com iguais características aos que o A. tinha em sua casa antes da inundação.

xli. Pela intervenção referida no ponto xxiv., o A. pagou a quantia de € 236,94.

xlii. Por falta de condições económicas também não foi possível ao A. suportar a recuperação de dados existentes no computador, orçamentada em € 1.490,00.

xliii. O A. viu-se forçado a celebrar o contrato de arrendamento referido no ponto xxxi. para guardar os seus pertences não atingidos pela inundação, necessitando por isso de manter o arrendamento até Maio de 2012, data em que pôde voltar a colocar tais pertences na sua habitação.

xliv. O não pagamento da renda do contrato referido nos pontos xxxi. e xxxii., ficou a dever-se à falta de capacidade económica do A.

xlv. O A. solicitou orçamento à empresa “MM”, com sede no Largo …, em …, para substituição dos cortinados, colchas, edredons, reposteiros, tapetes e tapetão, danificados na inundação e irrecuperáveis, somando tal conjunto de peças a quantia de € 13.440,90.

xlvi. Por comunicação de correio electrónico de 5/7/2013 o A. (através de advogado), enviou ao R. (dirigido a uma sua administradora) uma carta com o teor que consta do documento 19 junto com a P.I. (constante de fls. 55) e que aqui se dá por integralmente reproduzido, aí lhe declarando, para além do mais, que: “No seguimento do encontro que tivemos, e que agradeço, venho indicar-lhe o valor global dos danos sofridos pela minha constituinte, provocados pelo Entupimento Saída de Esgoto das Máquinas Lavar, da prumada do edifício. Tal valor ascende a 46.095,48€, incluindo os danos na habitação, o recheio, a privação do uso do apartamento e encargos conexos (…)”.


5. Recordem-se as questões objecto do recurso, conforme supra enunciadas, no ponto 3 do presente acórdão):

- Erro na apreciação da prova, por ofensa de disposição legal, ao considerar-se provado o contrato de arrendamento do A., devendo ser dados como não provados os factos constantes das alíneas F) e G): “O autor e a sua família viveram numa casa arrendada entre 1 de Outubro de 2011 e Maio de 2012” e “Que o Autor pagou a título de renda, entre 1 de Outubro de 2011 a maio de 2012, o valor de 700,00 mensais”;

- Valor confessório da declaração constante do ponto xlvi dos factos provados.


6. Quanto à questão do alegado erro na apreciação da prova, por ofensa de disposição legal, ao considerar-se provado o contrato de arrendamento do A., devendo ser dados como não provados os factos constantes das alíneas F) e G): “O autor e a sua família viveram numa casa arrendada entre 1 de Outubro de 2011 e Maio de 2012” e “Que o Autor pagou a título de renda, entre 1 de Outubro de 2011 a maio de 2012, o valor de 700,00 mensais”, importa precisar que, ao referir-se a tais alíneas, o R. Recorrente está a reportar-se à matéria de facto dada como não provada pela sentença da 1ª instância.

         Impugnada a matéria de facto pelo A. apelante, veio a Relação a dar como provados os ditos factos, mas fundindo-os no ponto xxxix., e dando-lhes a seguinte redacção:

“O A. e a sua família foram viver para um imóvel de terceiro entre 1/10/2011 e Maio de 2012, entregando a esse terceiro, como contrapartida por essa utilização, a quantia mensal de € 700,00, entre 1/10/2011 e Maio de 2012.”


     A sentença deu como não provado que, entre 01/10/2011 e Maio de 2012, o A. e a sua família tenham habitado numa casa arrendada pelo valor de € 700,00 mensais, por entender essencialmente o seguinte: à data dos factos, o art. 1069º do Código Civil, na redacção dada pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, dispunha que “O contrato de arrendamento urbano deve ser celebrado por escrito desde que tenha duração superior a seis meses”; a exigência de forma escrita é aplicável ao caso dos autos, uma vez que a duração do alegado contrato é superior a seis meses; constituindo tal exigência uma formalidade ad substantiam, a sua prova não pode ser feita por outro meio (art. 364º, nºs 1 e 2 do CC), sendo de concluir pela falta de prova do alegado arrendamento.

       A Relação fundamentou a decisão de alteração da matéria de facto, dando como provado o ponto xxxix. (“O A. e a sua família foram viver para um imóvel de terceiro entre 1/10/2011 e Maio de 2012, entregando a esse terceiro, como contrapartida por essa utilização, a quantia mensal de € 700,00, entre 1/10/2011 e Maio de 2012.”) nos seguintes termos:


Não se discorda das afirmações do tribunal recorrido sobre as características de forma que deve revestir um contrato de arrendamento urbano, nem sobre a necessidade de existência de recibos, tudo em conformidade com os preceitos do Código Civil e do NRAU que regulam o arrendamento urbano.

Todavia, a questão que aqui se coloca não é a de apurar se há um facto chamado “arrendamento”, já que o arrendamento não é uma realidade puramente fáctica, mas desde logo uma denominação para uma determinada relação jurídica. E sem prejuízo dessa denominação ter também uma dimensão fáctica (embora de natureza conclusiva) já que está suficientemente enraizada na linguagem comum, assim se justificando que se possa afirmar que alguém vive em “casa arrendada”, por contraponto a viver em “casa própria”, ou que se possa afirmar que determinado dono de um imóvel tem um “inquilino” que lhe paga “renda” por esse imóvel.

Assim, e para afirmar conclusivamente a existência (ou não) dessa realidade da vida diária (com dimensão simultaneamente fáctica e jurídica) que é um [contrato de] arrendamento, torna-se necessário apurar previamente os factos que sustentam e concretizam essa conclusão.

Por isso é que aquilo que o tribunal recorrido deveria fazer, em sede de julgamento de matéria de facto, era apurar os factos concretizadores desse conceito de arrendamento, ao abrigo dos seus poderes de cognição decorrentes do art.º 5º, nº 2, do Novo Código de Processo Civil.

Melhor dizendo, uma vez que o A. alega na P.I. que, em consequência da inundação da sua habitação, deixou de aí poder residir e foi viver temporariamente para casa do seu cunhado, tendo depois ido viver para outra casa que “arrendou”, para não sobrecarregar o mesmo cunhado, pagando “a título de renda” ao “dono do imóvel” € 700,00 mensais e tendo aí ficado a viver até Maio de 2012 (art.º 55º a 58º da P.I.), o que importa apurar não é se há ou não “arrendamento”, mas se o A. teve o dispêndio mensal invocado, como contrapartida da utilização de uma casa, em substituição da sua habitação inundada, já que é esta realidade factual que releva para a subsunção ao conceito de dano indemnizável, tal como o A. enquadra juridicamente a questão, e independentemente da validade ou invalidade dos negócios jurídicos que lhe estão subjacentes.

Ora, reconduzindo tais considerações ao que resulta dos meios de prova acima referidos, é inequívoco que o identificado NN, manifestando-se dono do 5º C do nº 8 da Av. …, em …, declarou por escrito ao A. que lhe entregava tal imóvel “a título temporário”, para o A. dele “usufruir” (o que só pode ter o sentido comum de usar e fruir), e entregando o A. ao referido NN mensalmente € 700,00, como contrapartida dessa cedência do uso do referido imóvel. E também é inequívoco que, após o A. ter começado a usar tal imóvel como sua habitação (e do seu agregado familiar), começou a transferir mensalmente para a conta bancária titulada pelo NN a referida quantia mensal de € 700,00.

Já a circunstância desta realidade corresponder a um arrendamento inválido por falta de forma (como acentuou o tribunal recorrido), é questão que não interessa ao julgamento da matéria de facto e que não tem qualquer virtualidade para fazer negar essa realidade, tal como a mesma se expressa através dos documentos indicados, conjugados com os referidos depoimentos de CC e de OO.

Aliás, que o próprio tribunal recorrido acolheu a realidade em questão decorre da parte final da sentença, quando determina a comunicação dessa mesma realidade à Autoridade Tributária, face à sua eventual relevância no plano tributário.

Ou seja, tendo presente tudo o que se acaba de expor, há que afirmar, estar demonstrado ter o A. e a sua família ido viver para um imóvel de terceiro, entre 1/10/2011 e Maio de 2012, entregando a esse terceiro, como contrapartida por essa utilização, a quantia mensal de € 700,00, entre 1/10/2011 e Maio de 2012, e não fazendo sentido constar do elenco dos factos não provados a matéria referida nos seus pontos f. e g., que se reporta aos conceitos jurídicos de arrendamento e de renda.” [negritos nossos]


A decisão do acórdão recorrido não merece censura. Com efeito, na presente acção de responsabilidade civil o que está em causa é a prova dos danos alegados. Para tal, o que importa é que, em virtude da impossibilidade temporária de residirem na fracção autónoma dos autos, o A. e a sua família tenham habitado durante um determinado período de tempo (entre 01/10/2011 e Maio de 2012) num imóvel pertencente a um terceiro, entregando, como contrapartida da utilização do dito imóvel a quantia mensal de € 700,00. Que estes factos correspondam a um contrato de arrendamento inválido por falta de forma em nada afecta a prova do dano sofrido pelo A.

   Conclui-se, assim, ser de manter o ponto xxxix dos factos provados acrescentados pela Relação.


7. Quanto à questão do alegado valor confessório da declaração constante do ponto xlvi dos factos provados, tal ponto xlvi foi aditado pela Relação, dando-o como provado por acordo das partes. Tem o seguinte teor:

“Por comunicação de correio electrónico de 5/7/2013 o A. (através de advogado), enviou ao R. (dirigido a uma sua administradora) uma carta com o teor que consta do documento 19 junto com a P.I. (constante de fls. 55) e que aqui se dá por integralmente reproduzido, aí lhe declarando, para além do mais, que: ‘No seguimento do encontro que tivemos, e que agradeço, venho indicar-lhe o valor global dos danos sofridos pela minha constituinte, provocados pelo Entupimento Saída de Esgoto das Máquinas Lavar, da prumada do edifício. Tal valor ascende a 46.095,48€, incluindo os danos na habitação, o recheio, a privação do uso do apartamento e encargos conexos (…)’.”


Sobre a questão do valor confessório desta carta, pronunciou-se a Relação nos seguintes termos:

“Nem tão pouco se pode afirmar que a mesma declaração corresponde ao reconhecimento de um facto desfavorável ao A. e favorável ao R. (a inexistência do direito do A. a ser indemnizado pelo R. dos danos sofridos em consequência da inundação), enquadrando-se na definição de confissão que decorre do art.º 352º do Código Civil, desde logo porque não se apresenta como inequívoca (art.º 357º do Código Civil).”


Segundo o Recorrente, na declaração constante da carta endereçada pelo advogado do A. ao R. Condomínio teria sido reconhecido, de forma inequívoca, o facto de que os danos suportados pelo A. se limitavam ao montante nela indicado (€ 46.095,48), o que, ao abrigo do art. 352º do CC, conjugado com o art. 357º, nº 1, do mesmo Código, teria valor de confissão; com força probatória plena, de acordo com o previsto no nº 2 do art. 358º do CC.

Considera-se, também relativamente a esta questão, ser de acompanhar o juízo da Relação. Com efeito, os termos da carta que o advogado da A. (junta com a p.i. como doc. 19 - fls. 55) remeteu à administração do R. Condomínio inseriam-se no contexto de uma negociação extrajudicial, na tentativa de as partes chegarem a um acordo que evitasse o recurso à via judicial. Não podendo, por isso, considerar-se que a declaração do indicado montante dos danos revista carácter inequívoco. Para além de não estar provado que o advogado da A. tivesse poderes para dispor do direito a que o facto confessado se refere (cfr. art. 353º, nº 1, do CC).

     Conclui-se, assim, pela improcedência da pretensão do Recorrente de que se atribua valor confessório à declaração constante do ponto xlvi dos factos provados.


8. Não se afigura que o facto de o R. vir, em sede de recurso de revista, suscitar questões relativas à matéria de facto, alegando verificar-se “ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto” assim como “ofensa de uma disposição expressa de lei (…) que fixe a força de determinado meio de prova” permita, sem mais, dar como verificados os pressupostos da condenação por litigância de má fé previstos no art. 542º, nº 2, do CPC.


9. Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente, mantendo-se a decisão do acórdão recorrido.


Custas pelo Recorrente.


Lisboa, 11 de Abril de 2019


Maria da Graça Trigo (Relator)

Maria Rosa Tching

Rosa Maria Ribeiro Coelho