Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
121/11.4TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: NUNES RIBEIRO
Descritores: CASO JULGADO MATERIAL
NULIDADE DE ACÓRDÃO
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
REPRODUÇÃO DE ALEGAÇÕES
IMPUGNAÇÃO PAULIANA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 07/06/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / GARANTIAS DAS OBRIGAÇÕES / CONSERVAÇÃO DA GARANTIA PATRIMONIAL.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA ( NULIDADES ) / CASO JULGADO / RECURSOS.
Doutrina:
- ALBERTO DOS REIS, “Código de Processo Civil” Anotado, Vol. V, 140.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 616.º, N.º 2.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 158.º, N.º 1, 580.º, N.º 2, 581.º, N.º 1, 607.º, N.º 3, 615.º, N.º 1, AL. B), 641.º, N.º 2, AL. B).
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 205.º, N.º 1.
Sumário :
I - Sendo as conclusões da revista uma mera repetição das conclusões da apelação, existe motivo para não conhecer o respectivo objecto (al. b) do n.º 2 do art. 641.º do CPC).

II - Só a falta absoluta de motivação – e não a sua imperfeição ou incompletude – constitui fundamento para a nulidade a que se refere art. 615.º, n.º 1, al. b) do CPC.

III - Existe caso julgado material entre uma acção de impugnação pauliana na qual, no desenvolvimento do que fora peticionado, se concluiu que a ré e a adquirente eram, nos termos do art. 616.º, n.º 2, do CC, responsáveis pelo prejuízo decorrente da diminuição da garantia patrimonial da recorrente e uma outra acção por esta proposta com vista a responsabilizar aquela ré e o seu gerente pelo prejuízo decorrente da impossibilidade de executar o imóvel por esta alienado nos termos do mesmo preceito.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça[1]:




AA, S.A.. intentou, em 19.01.2011, nas então Varas Cíveis de …, acção declarativa ordinária contra BB - Compra e Venda de Imóveis, Lda. e contra CC, pedindo que, na procedência da acção:

1 - seja a 1ª Ré condenada, por verificação de responsabilidade civil por facto ilícito, a pagar-lhe o montante do seu crédito sobre DD e EE, no valor de € 5.000.000,00 (cinco milhões de euros) a título de dívida de capital, acrescido dos juros de mora vencidos e vincendos, desde 02.10.2006 até efectivo e integral pagamento do montante em dívida, à taxa de juros prevista no artigo 559º, n.º 1 do CC, até ao montante máximo de € 5.893.134,00 (cinco milhões oitocentos e noventa e três mil cento e trinta e quatro euros); e

2 - seja o 2º Réu condenado, a título de responsabilidade civil por facto ilícito ou em virtude de desconsideração colectiva da 1ª Ré, a pagar-lhe o montante do seu crédito sobre DD e EE, no valor de € 5.000.000,00 (cinco milhões de euros) a título de dívida de capital, acrescido dos juros de mora vencidos e vincendos, desde 02.10.2006 até efectivo e integral pagamento do montante em dívida, à taxa de juros prevista no artigo 559º, n.º 1 do CC, até ao montante máximo de € 5.893.134,00 (cinco milhões oitocentos e noventa e três mil cento e trinta e quatro euros).

Alegou, para tanto, em síntese, que, por virtude do exercício da sua actividade de fornecimento de combustíveis, constituiu-se, à data de 19.8.2006, credora da empresa FF - Comércio de Petróleos de Portugal, S.A., no total de € 5 263 312,00, correspondente ao valor de combustível que lhe forneceu e que ela não pagou; que a autora, em cumprimento de contrato de preenchimento de letra que havia celebrado com a referida FF e ainda com DD e EE, preencheu a letra que aquela sociedade havia aceitado e os referidos DD e EE haviam avalizado, pelo valor máximo acordado de € 5 000 000,00, acrescido de juros de mora, no valor total de € 5 037 704,00, letra essa que, em 06.11.2006, deu à execução; que a A. não logrou, porém, encontrar bens imóveis ou móveis sujeitos a registo pertencentes à FF, a qual veio a ser declarada insolvente em 13.7.2009; que, quanto àqueles DD e EE, veio a descobrir que eles, em 27.12.2006, haviam vendido o único imóvel que possuíam e capaz de satisfazer o crédito da autora, à ora 1.ª Ré BB, pelo preço de € 300 000,00, tendo na mesma data esta BB revendido o dito imóvel à sociedade GG - Sociedade de Investimentos Imobiliários, Lda., pela quantia de € 5 839 134,00; que a A. instaurou uma acção de impugnação pauliana com vista à declaração da ineficácia de tais negócios, a qual corre os seus termos pelo Tribunal Judicial de …; que, porém, tomou, entretanto, conhecimento de factos que indiciam que provavelmente a sociedade GG actuou de boa-fé na aquisição do dito imóvel à BB, pelo que ver-se-á impedida de obter o pagamento do seu crédito através do aludido imóvel; que, assim, resta à autora obter da adquirente de má-fé BB, ora 1.ª Ré, a sua condenação nos termos da responsabilidade civil por facto ilícito prevista no art.º 616.º n.º 2 do Código Civil, em conjugação com o art.º 483.º do mesmo Código, devendo a 1.ª Ré ser julgada responsável, perante a A., pelo valor do imóvel que alienou, considerando-se o valor da sua alienação: € 5 893 134,00; que também o 2.º Réu deve ser condenado no pagamento dessa verba à A., pois sendo o único sócio e gerente da 1.ª Ré, actuou em tudo na qualidade de colaborador de longa data de DD, tendo inclusive a sociedade 1.ª Ré sido constituída com capital atribuído por DD e com a finalidade de proporcionar a aludida transação do imóvel, pelo que o 2.º Réu deve ser julgado responsável, por responsabilidade por facto ilícito ou por força da desconsideração da personalidade coletiva da 1.ª Ré.

Os R.R. contestaram, arguindo a incompetência territorial do tribunal, negando a dívida invocada pela A. e requerendo a suspensão do processo, por prejudicialidade, enquanto não se conhecesse o desfecho da acção de impugnação pauliana acima referida e, bem assim, a decisão final na oposição à execução deduzida pelos executados na execução acima também mencionada.

A autora replicou, pugnando pela improcedência da matéria de excepção, rejeitando a pretendida suspensão da acção e concluindo como peticionado.

Foi proferido despacho no qual se julgou improcedente a excepção de incompetência territorial, se negou a invocada relação de prejudicialidade entre esta acção e a mencionada execução, mas se considerou que tal nexo de prejudicialidade ocorria entre a presente acção e a supra referida acção de impugnação pauliana, tendo-se, por via disso, declarado suspensa a instância até que se mostrasse decidida, com trânsito em julgado, a mencionada acção de impugnação pauliana (processo n.º 314/07.9TBALR, pendente no Tribunal Judicial de …).

Junta certidão da sentença proferida na mencionada acção de impugnação pauliana, datada de 14.3.2014 e transitada em julgado em 24.4.2014, o tribunal de 1ª instância, em 03.11.2015, proferiu decisão em que, considerando que a aludida sentença proferida pelo Tribunal Judicial de … havia feito desaparecer o fundamento, a razão de ser, da presente acção, julgou esta improcedente e absolveu os réus do pedido.

Inconformada, a Autora apelou para a Relação de Lisboa que, por acórdão de 29.9.2016, decidiu julgar a apelação parcialmente procedente e consequentemente:

«a) Absolver a 1.ª Ré (“BB”) da instância, em virtude da superveniência de caso julgado; e

b) Determinar o prosseguimento do processo quanto ao 2.º Réu, CC».

De novo inconformada, a Autora interpôs revista para este Supremo Tribunal cuja alegação remata com as seguintes conclusões:

A - Nos autos sub iudice peticionou a Recorrente pela condenação da 1ª R. pela verificação de responsabilidade civil por facto ilícito, e pagamento de indemnização devida.

B - O tribunal a quo, erradamente, sustenta a tese de improcedência da presente acção com base no argumento que foi intentada pela Autora/Recorrente acção de impugnação pauliana contra a aqui 1ª Ré e contra a Sociedade GG — Sociedade de Investimentos Imobiliários, L.da, processo que correu termos com o n.º 314/07.9TBALR.

C - E alicerçando o mesmo tribunal a quo na tese de prejudicialidade e dependência entre as acções intentadas pela A,

D - 0 tribunal a quo assim decidiu sem qualquer na análise ou exame crítico quanto aos factos carreados para os autos,

E - Nem tão pouco fazendo qualquer juízo ou valoração acerca da responsabilidade civil por facto ilícito e suas consequências.

F - Na verdade, a sentença recorrida merece censura, pois não procede à análise em concreto do teor da sentença dita prejudicial, não explicando porque razão o ali vertido impõe a improcedência da acção,

G - Inexistindo fundamentação, ou sequer explicação plausível que pudesse escrutinar o bom juízo,

H - Concluindo-se que a sentença não se pronunciou acerca dos pedidos formulados e causa de pedir elencados pela Autora, ignorando os mesmos.

I - Existe clara violação do artigo 607° do CPC, que impõe ao juiz o dever de discriminar os factos que considera provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes.

J - Estatui o mesmo artigo que na fundamentação da sentença, o juiz tomará em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal colectivo deu como provados, fazendo o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer.

K - Não existe na sentença qualquer menção à prova produzida, nem sequer à prova que fundamentou a matéria dada como assente,

L - Nem sendo feita qualquer menção que seja à prova produzida ou qual foi o meio de prova que levou à conclusão que a sentença precede,

M - Redundando-se numa clara falta de fundamentação da sentença.

N - Fundamentação que se exige e cumpre a função de sufrágio da legitimidade e autocontrole das decisões, ao arrepio do estatuído no artigo 154° CPC e artº 205.° da CRP,

0 - A justificação de qualquer sentença não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento.

P - In casu, verificando-se o vazio de fundamentação da sentença, esta é, sem mais, irregular.

Q - No presente processo, a Petrogal peticiona o reconhecimento do direito à indemnização pela conduta ilícita da 1ª Ré traduzida na prática de actos ilícitos, ao passo que, na acção de impugnação paulina que instaurou contra a 1ª Ré (e contra a outra sociedade Ré GG) foi peticionada a ineficácia das operações de venda.

R - Contrariando a tese do tribunal a quo, não se verifica qualquer matéria prejudicial relativamente à presente, nem a explanação do seu raciocínio, não se alcançando da sentença que, pelo facto de ter sido sentenciada a ineficácia dos negócios jurídicos ardilosa e ilicitamente celebrados pelos RR, se conclua que seja inútil a procedência da presente acção!

S - Não obstante a procedência da impugnação pauliana, a A. continua sem ver o seu crédito ressarcido e a dívida ainda por liquidar, da qual a AA é ainda devedora, deve-se em exclusivo aos actos censuráveis e ilícitos praticados pela 1ª Ré, aqui Recorrida, cuja condenação no pagamento de indemnização viu a A. Recorrente ser declarada, pasme-se, improcedente.

T - A procedência da acção pauliana não inutiliza os efeitos pretendidos pela A. no presente processo antes pelo contrário — potencia e legitima-os, até porque, da própria sentença da acção de impugnação paulina decorre que o bem alineado não retoma à esfera jurídica do alienante (devedor) onde a Autora poderá obter, através da respectiva penhora, obter coercivamente o pagamento da quantia exequenda.

U - 0 que só por si bastaria para fazer vingar a tese de clara ausência de prejudicialidade e dependência.

V - Devendo o presente recurso ser julgado procedente por provado e bem assim o Acórdão do Tribunal da Relação ser anulado e substituído por outro que determine o prosseguimento do processo contra a 1ª Ré, para que o Tribunal a quo aprecie o direito à indemnização da Autora pela conduta ilícita da 1ª R. traduzida na prática de actos ilícitos.

Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e bem assim o acórdão do Tribunal da Relação ser anulado e substituído por outro que determine o prosseguimento do processo contra a 1ª Ré.  Apenas assim se fará a costumada Justiça.

Não foi apresentada resposta.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.


*

Fundamentação

I - De Facto:

Mostra-se provada documentalmente, com relevo para a decisão do recurso, a seguinte factualidade:

1 - A aqui autora intentou no Tribunal Judicial da Comarca de …, contra DD, EE, BB - Compra e Venda de Imóveis, Lda, e contra GG - Sociedade de Investimentos Imobiliários, Lda., acção de impugnação pauliana, à qual foi atribuído o nº 314/07.9TBALR, e em que pediu fosse julgada procedente, por provada, e, em consequência, declarada a ineficácia, em relação à A., dos negócios de compra e venda titulados pelas escrituras públicas outorgadas em 27-12-2006, com as consequências previstas nos artigos 616.º, n.ºs 1, 2 e 4 e 617º do C. Civil;

2 - Alegou nessa acção que, no exercício da sua atividade de fornecimento de combustíveis, se havia constituído credora da empresa FF – Comércio de Petróleos de Portugal, S.A., no total, à data de 19.8.2006, de € 5 263 312,00, correspondente ao valor de combustível entregue a esta empresa e que ela não pagou; que, em cumprimento de contrato de preenchimento de letra que havia celebrado com a referida Compete e ainda com DD e EE, preencheu a letra que aquela sociedade havia aceitado e os referidos DD e EE haviam avalizado, pelo valor máximo acordado, ou seja, € 5 000 000,00, acrescido de juros de mora, no total de € 5 037 704,00, tendo, em 06.11.2006, dado a letra à execução, execução esta que corre os seus termos; que não logrou encontrar bens imóveis ou móveis sujeitos a registo pertencentes à FF, e que, quanto a DD e EE, veio a descobrir que estes em 27.12.2006 haviam vendido o único imóvel capaz de satisfazer o crédito da A., à Ré BB, pelo preço de € 300 000,00, tendo na mesma data esta BB revendido o dito imóvel à também Ré GG - Sociedade de Investimentos Imobiliários, Lda., pela quantia de € 5 839 134,00; que os R.R. DD, EE e BB conheciam a dívida que os dois primeiros tinham para com a AA, como tinham conhecimento que com a aludida transação impossibilitariam a satisfação do crédito da AA; que, por outro lado, também a Ré GG não pode ter deixado de conhecer os contornos de toda esta operação e da má-fé que presidia à conduta dos restantes contraentes; que, deste modo, verifica-se a previsão do disposto no art.º 612.º do CC quer relativamente à 3.ª Ré (BB), quer relativamente à 4.ª Ré (GG), devendo ser declarada a ineficácia das sucessivas vendas do imóvel identificado:

3 - A pendência desse processo determinou a prolação do despacho de fls. 1250-1255 dos autos, no qual se decidiu «declarar suspensa a instância até que se mostre decidida, com trânsito em julgado, a acção declarativa que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de …, sob o nº 314/07.9TBALR na medida em que ocorre prejudicialidade da mesma em relação à ora instaurada pela A. (artº 279º, nº 1 e nº 3 do CPC)»;

4 - No referido proc. nº 314/07.9TBALR, do Tribunal Judicial da Comarca de …, foi proferida sentença, no dia 14 de Março de 2014,  certificada a fls. 1341-1362, transitada em julgado a 24 de Abril de 2014, cuja parte dispositiva é do seguinte teor: «Com os fundamentos expostos, julga-se parcialmente procedente, por provada, a presente ação e, consequentemente, absolvendo do demais peticionado os réus DD, EE, BB - Compra e Venda de Imóveis, Unipessoal, L.da e GG - Sociedade de Investimentos Imobiliários, Lda., declara-se a impugnabilidade da compra e venda - do prédio registado na Conservatória do Registo Predial de B… sob o nº 04… da freguesia de B… - outorgada em 27 de Dezembro de 2006, pelos réus DD e EE, enquanto alienantes e a ré BB - Compra e Venda de Imóveis, Unipessoal, L.da enquanto adquirente, e a sua consequente ineficácia relativamente à autora Petróleos de Portugal – AA, SA, com vista à cobrança do crédito da mesma sobre os alienantes, que em 30/10/2006 ascendia ao montante global de 5.037.704,00€ (cinco milhões trinta e sete mil setecentos e quatro euros), condenando-se a ré BB - Compra e Venda de Imóveis, Unipessoal, L.da, no pagamento à autora de indemnização correspondente ao valor do referido prédio – 5.893.134,00 (cinco milhões oitocentos e noventa e três mil cento e trinta e quatro euros) – até ao montante global do referido crédito.


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II - De Direito

Os recursos constituem, como é sabido, um instrumento processual destinado à reapreciação por um tribunal superior de questões concretas, de facto ou de direito, que a parte entenda mal decididas pelo tribunal recorrido. E o seu objecto é delimitado pelas conclusões da alegação respectiva, não podendo o Tribunal ad quem conhecer de questões nelas não compreendidas, salvo tratando-se de questões de conhecimento oficioso.

No caso, rigorosamente, a recorrente não apresenta alegação e conclusões respectivas, já que, terminando embora a peça que de tal apelida com o que rotula de “conclusões”, não enuncia nestas, porém, quaisquer razões de facto e ou de direito que mostrem merecer censura o acórdão recorrido, uma vez que se limita a reproduzir, com uma ou outra alteração de pormenor, as conclusões em que estribara o recurso de apelação.

Efectivamente, não foi o Tribunal da Relação que concluiu que a acção de impugnação pauliana decidida pelo tribunal de … constituía causa prejudicial relativamente à presente acção, e que a sua procedência tinha feito desaparecer o fundamento ou a razão de ser desta, julgando-a improcedente, com a absolvição de ambos os R.R. do pedido: o tribunal que assim julgou foi antes o tribunal de 1ª instância.

A Relação de Lisboa o que disse, no acórdão que constitui fls…, foi: «Pensamos, divergindo parcialmente da decisão recorrida, que a relação entre a sentença proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de … e o litígio objeto destes autos se traduz em caso julgado parcial. Ou seja, a pretensão formalizada pela A., nesta ação que foi instaurada perante as Varas Cíveis de …, foi definitivamente apreciada pelo Tribunal Judicial de … no que diz respeito à relação entre a ora A. e a R. BB. Existe, quanto a estas partes, caso julgado, na medida em que há equivalência, não só quanto a elas enquanto sujeitos processuais nas duas ações, mas também quanto à causa de pedir e ao pedido (artigos 580.º e 581.º do Código Civil). O caso julgado não determina a absolvição do pedido, mas a absolvição da instância da parte afetada, no processo pendente (artigos 576.º n.º 2 e 577.º alínea i))». Tendo, com esse fundamento, absolvido a Ré BB da instância.

Tal facto constituiria motivo suficiente para não se conhecer do objecto da revista ( artº 641º nº 2 al. b) do C. P. Civil ).

Não obstante, sempre diremos que não se antolha razão para a alteração do acórdão recorrido no sentido pretendido pela recorrente, isto é, no sentido do prosseguimento do processo quanto à dita Ré BB.

Com efeito, o caso julgado pode ser de natureza formal, se relativo a questões de mero carácter processual; ou material, se referente à relação material ou substancial objecto do processo. 

E enquanto o caso julgado material tem força obrigatória dentro do processo ou fora dele, visando evitar que o tribunal seja colocado na contingência de contradizer ou de reproduzir uma anterior decisão de fundo transitada em julgado (vide n.º 2 do art.º 580º do C. P. Civil); o caso julgado formal, por seu turno, tem força obrigatória apenas dentro do processo respectivo, não obstando, por isso, a que noutra acção a mesma questão processual concreta possa ser apreciada e decidida em termos diferentes pelo mesmo ou por outro tribunal.

O caso julgado material pressupõe, assim, a repetição de uma causa depois da primeira ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário.

E há repetição, de acordo com a lei, quando se propõe uma causa idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir (art.º 581º nº 1 do C. P. Civil).

A identidade de sujeitos ocorre quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica; a identidade de pedido, quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico; e identidade de causa de pedir, quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico – vide o citado art.º 581º do Código de Processo Civil.

No caso, para além da aqui Autora e Ré BB serem igualmente partes naquela supramencionada acção de …, é também idêntica a causa de pedir e o pedido em ambas, pois que, como se assinala no acórdão recorrido, a A., pretendia através da acção de impugnação pauliana, que dirigiu nomeadamente contra a dita BB, «que o imóvel que antes da primeira venda impugnada integrava o património dos seus devedores, DD e EE, e que entretanto fora ( por aquela) revendido a um terceiro, fosse à mesma executado até ao necessário para satisfação do crédito da A. sobre esses dois Réus (art.º 616.º n.º 1 do CC), respondendo os adquirentes de má fé pelo valor do imóvel que tivessem alienado e que já não fosse possível atingir (n.º 2 do art.º 616.º). Sendo que na «pendência da referida ação de impugnação pauliana a A. intentou a presente ação, contra a BB e o seu sócio e gerente, CC, na qual, na previsão de que em virtude da boa fé da adquirente GG a A. não lograria executar o aludido imóvel, pretendia responsabilizar estes dois R.R. pelo prejuízo resultante da perda dessa garantia patrimonial, até ao valor desse bem, nos termos do art.º 616.º n.º 2 do Código Civil», e o tribunal julgou a impugnação parcialmente procedente, «ou seja, considerou que se verificavam todos os requisitos da impugnação pauliana no que respeitava aos devedores (DD e EE) e à primeira adquirente (BB), mas entendeu que não se provara a má-fé por parte da subadquirente do imóvel, a R. GG. Assim, o Tribunal de … não autorizou a sujeição à execução, para satisfação do crédito da AA, do aludido imóvel (uma vez que este ingressara na esfera jurídica de quem estava de boa-fé, a GG), mas, afinal no desenvolvimento do que fora peticionado e ao abrigo do disposto no n.º 2 do art.º 616.º do Código Civil, considerou a adquirente e Ré BB responsável pelo prejuízo da A. decorrente da referida diminuição de garantia patrimonial, correspondente ao valor do bem transacionado, e consequentemente condenou a Ré BB no pagamento à A. AA de indemnização correspondente ao valor do referido prédio - € 5 893 134,00 – até ao montante global do crédito da A. perante os RR. alienantes, DD e EE».

Por isso, o prosseguimento da presente acção contra a Ré BB, como pretende a recorrente, chocaria com o disposto no n.º 2 do citado artº 580º do C. P. Civil, pois conduziria à possibilidade de contradição ou repetição da decisão de mérito proferida, com trânsito em julgado, na aludida acção do tribunal de ….

Daí que, a vinculação do tribunal da presente acção ao caso julgado da decisão transitada em julgado proferida naquela mencionada acção nº 314/07.9TBALR, do Tribunal Judicial da Comarca de …, obrigue a que o mesmo se abstenha de conhecer do mérito da presente acção, pelo menos no que à Ré BB concerne, como se concluiu e decidiu no acórdão recorrido.

E o acórdão não é «irregular», por «vazio de fundamentação da sentença». Embora a recorrente não qualifique ou especifique essa alegada irregularidade, não oferece dúvidas que pretende imputar-lhe (embora tudo aponte, atentas razões acima expostas, que a imputação se dirige antes à sentença da 1ª instância e não propriamente ao acórdão da Relação) a nulidade da al. b) do n.º 1 do art.º 615º do novo C. P. Civil.

Ora, em obediência ao imperativo constitucional do nº 1 do art.º 205º que manda fundamentar as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente, prescreve o nº 1 do art.º 158º do C. P. Civil que «as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas». Considerando, o referido art.º 615º n.º 1 al. b) do C. P. Civil nula a sentença “quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.

Mas é preciso esclarecer que só a falta absoluta de motivação constitui nulidade. A insuficiência ou mediocridade da motivação - como ensinava o Prof. ALBERTO DOS REIS, in Código de Processo Civil Anotado Vol. V, pag 140, afecta o valor doutrinal da sentença, mas não produz nulidade.

A nulidade apontada tem correspondência com o n.º 3 do art.º 607º do mesmo C. P. Civil que impõe ao juiz o dever de, na parte motivatória da sentença, «discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes...».

Significa tal que não basta que o Juiz decida a questão que lhe é colocada, tornando-se indispensável que refira as razões que o levaram a ditar aquela decisão e não outra de sentido diferente; torna-se necessário que demonstre que a solução encontrada é legal e justa.

Ora, como decorre do já acima exposto, concretamente dos segmentos transcritos do acórdão, é fora de dúvida que a recorrente não tem a mínima razão, já que o aresto especifica não só os factos como as razões de direito determinantes da decisão. Sendo, assim, evidente que não enferma do apontado vício de nulidade.


Decisão

Nos termos expostos, acordam em negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.


Lisboa, 06 de Julho de 2017


Nunes Ribeiro (Relator)

Maria dos Prazeres Beleza

Salazar Casanova

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[1] Relator: Nunes Ribeiro
Conselheiros Adjuntos: Dra Maria dos Prazeres Beleza e Dr. Salazar Casanova