Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
028282
Nº Convencional: JSTJ00004332
Relator: CRUZ ALVURA
Descritores: ESPECULAÇÃO
CULPA
FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ195401220282823
Data do Acordão: 01/22/1954
Votação: MAIORIA COM 6 VOT VENC
Referência de Publicação: DG IªS DE 11-02-1954 ; BMJ 41, 123
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO
Decisão: FIXADA JURISPRUDÊNCIA
Indicações Eventuais: ASSENTO 2/1954
Área Temática: DIR CRIM - DIR PENAL ECON.
Legislação Nacional: DL 29964 DE 1939/10/10 ARTIGO 2 PAR2 ARTIGO 7 PARUNICO ARTIGO 8 PAR1.
DL 35809 DE 1946/08/16 ARTIGO 2 PAR2 ARTIGO 4.
DL 32086 DE 1942/06/15 ARTIGO 1 ARTIGO 2.
DL 32334 DE 1942/10/20 ARTIGO 4.
DL 32407 DE 1942/11/21.
D 20282 DE 1931/08/31 ARTIGO 57 ARTIGO 58.
CP886 ARTIGO 110.
PORT 13492 DE 1951/04/03.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1951/11/07 IN BMJ N5 PAG133.
ACÓRDÃO STJ DE 1951/12/12 IN BMJ N5 PAG154.
ACÓRDÃO STJ PROC28282 DE 1952/10/22.
ACÓRDÃO STJ PROC26848 DE 1948/06/16.
ASSENTO STJ DE 1936/03/20.
ACÓRDÃO STJ PROC26702 DE 1948/02/18.
ACÓRDÃO STJ PROC27454 DE 1950/03/22.
ACÓRDÃO STJ PROC27550 DE 1950/06/14.
Sumário :
O crime de especulação culposa e punido nos termos do paragrafo 2 do artigo 2 do Decreto-Lei n. 35809, de 16 de Agosto de 1946.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

Por sentença do Segundo Juizo Correccional da comarca de Lisboa, foi condenado A, como autor do crime previsto no artigo 7 do Decreto-Lei n. 29964, de 10 de Outubro de 1939, e punido nos termos do artigo 2, paragrafo 2, segunda parte, do Decreto-Lei n. 35809, de 16 de Agosto de 1946, por força do artigo 8, paragrafo 1, daquele decreto, em 25055 escudos de multa e 200 escudos de imposto de justiça, por, em
8 de Agosto de 1951, no estabelecimento comercial de B Limitada", nesta cidade, onde era empregado, haver tentado alterar e alterado, por mera negligencia e contra a ordem expressa do representante dessa sociedade, o preço de trezentos e quarenta e oito quilogramas de bacalhau, fixando-o em 5011 escudos e dez centavos, quando, pela Portaria n. 13492, de 3 de Abril desse ano, esse preço era so de 4180 escudos.
Em acordão de 22 de Outubro de 1952 deste Supremo Tribunal, foi dado provimento ao recurso do reu, que pedia para ser incriminado de harmonia com os acordãos de 7 de Novembro e 12 de Dezembro de 1951, publicados no Boletim do Ministerio da Justiça, n. 5, paginas 133 e 154, e, assim foram alteradas a incriminação e a pena e o reu condenado, pelos referidos factos, em tres meses de multa a razão de 20 escudos por dia, como autor do mesmo crime do artigo 7 do Decreto-Lei n. 29964 mas punido nos termos do assento de 20 de Março de 1936, conforme o artigo 110 do Codigo Penal.
O Ministerio Publico interpos recurso para uniformização de jurisprudencia e, invocou para isso o acordão tambem deste Tribunal, de 16 de Junho de 1948, proferido no processo n. 26848 e registado no livro 83, a folhas
101 verso, de cujo registo juntou copia autentica.
Verificada pela Secção Criminal a oposição de doutrina dos dois acordãos, o Ministerio Publico e o reu alegaram a sustentar a orientação do acordão recorrido e a pretender um assento no mesmo sentido, de a especulação culposa ser punida nos termos do assento de 20 de Março de 1936, conjugado com o artigo 110 do Codigo Penal.
Cumpre decidir, em Tribunal Pleno:
O acordão recorrido na sequencia dos acordãos invocados pelo reu no seu recurso da sentença, considerou revogado pelo Decreto-Lei n. 35809 o preceito do paragrafo 1 do artigo 8 do Decreto-Lei n. 29964 - que mandava aplicar ao crime de especulação o disposto no paragrafo 2 do artigo 2 desse decreto, que, por sua vez, estabelecia a pena aplicavel ao crime de açambarcamento, quando houvesse negligencia - e inadmissivel aplicar a especulação culposa o paragrafo 2 do artigo 2 do Decreto-Lei n. 35809 - que substituiu, quanto ao açambarcamento, o artigo 2, paragrafo 2, do Decreto-Lei n. 29964 - visto nem aquele decreto nem qualquer outro diploma legal o mandar fazer e em aplicação de penas não se poder usar do argumento da analogia ou da força maior, e aplicou, como se disse e a falta de disposição especial, o preceito do assento de 1936 e a penalidade do artigo 110 do Codigo Penal.
No acordão de 1948, invocado em oposição, julgou-se uma venda de azeite em que, por negligencia, se frez preço superior ao legalmente devido, crime de especulação previsto no artigo 7 e paragrafo unico do Decreto-Lei n. 29964 mas punido pelo artigo 8, paragrafo 1, combinado com o paragrafo 2 do artigo 2 desse decreto, sendo a redacção desse artigo 8 a que lhe foi dada pelo artigo 4 do Decreto-Lei n. 35809, que unicamente se refere a penalidade no crime de especulação e que ja tinha sido agravada pelos artigos 1 e 2 do Decreto-Lei n. 32086, de 15 de Junho de 1942, mas os seus paragrafos mantiveram-se para estabelecerem a pena unica de multa que podera ser reduzida a metade do valor indicado no Decreto-Lei n. 35809 e regularem a reincidencia.
O conflito de doutrina dos dois acordãos, proferidos no dominio da mesma legislação, e manifesto, pois que um considera vigente o paragrafo 1 do artigo 8 combinado com o paragrafo 2 do artigo 2 do Decreto-Lei n. 29964 e o outro considera-o revogado.
O transito em julgado do acordão de 1948 e de presumir. E, assim, dão-se os pressupostos legais para se conhecer do recurso e se decidir esse conflito de jurisprudencia.
Este acordão, invocado em oposição, seguiu a doutrina que era pacifica neste Tribunal ate ser proferido aquele de 7 de Novembro de 1951, como se ve dos acordãos de 18 de Fevereiro de 1948 e de 22 de Março e 14 de Junho de 1950, nos processos numeros 26702, 27454 e 27550, registados nos livros n. 82, folhas 90 verso, n. 89, folhas 138 e n. 90, folhas 95.
Ambas essas correntes de jurisprudencia admitem a incriminação da especulação culposa mas enquanto por uma dessas correntes a incriminação e punição se faz por disposição especial, a outra incrimina-se e pune-a nos termos gerais, por considerar essa disposição especial revogada.
De nenhum artigo do Decreto-Lei n. 35809 ou doutro diploma legal consta a revogação do paragrafo 1 do artigo 8 do Decreto-Lei n. 29.964 referido ao paragrafo 2 do artigo 2 deste mesmo decreto, que assim punia a especulação culposa nos mesmos termos em que era punido o crime culposo de açambarcamento, isto e, com metade da pena correspondente ao crime doloso. E de todo o contexto daquele decreto não consta nem resulta que ele substituisse inteiramente a disciplina juridica prevenida no anterior, a que faz algumas referencias como vigente e a que ate da nova redacção ao artigo que definia o delito de açambarcamento. Quanto a especulação, e expresso o artigo 4 do Decreto-Lei n. 35809 em remeter para o artigo 7 e paragrafo unico do Decreto-Lei n. 29964, sobre a definição desse crime.
Assim e como as leis so se revogam ou de modo expresso ou por incompatibilidade das sucessivas disposições ou dos regimes juridicos, ha que concluir pela subsistencia da disposição especial relativa a especulação por negligencia.
E em nada e prejudicada esta conclusão com ter sido regulada no paragrafo 2 do artigo 2 do Decreto-Lei n. 35809 a penalidade do açambarcamento cometido por mera negligencia, porque tambem pelo Decreto-Lei n. 29964 era quanto a esse delito culposo que directamente se dizia a forma da punição e ainda porque se esclareceu a duvida que a publicação do ja mencionado Decreto-Lei n. 32086 causou, se mesmo na forma culposa, os crimes de açambarcamento, especulação e contra a economia nacional eram sempre punidos com multa e prisão ate seis meses sem possibilidade de substituição ou suspensão.
O Tribunal Militar Especial, devido as palavras " atenta a gravidade da infracção " do artigo 1 desse decreto, consultou o Ministerio da Economia e, por despacho ministerial de 10 de Setembro de 1942, foi esclarecido que o pensamento do legislador fora o de punir sempre com prisão os delitos referidos neste artigo.
Mas logo, a 20 de Outubro seguinte, foi publicado o Decreto-Lei n. 32334, que no seu artigo 4, mesmo com a redacção do Decreto-Lei n. 32407, de 21 de Novembro desse ano, de 1942, fez acrescer, as penas por avariação, alteração, corrupção e falsificação de generos alimenticios, a de prisão ate seis meses, mas não incluiu os mesmos delitos quando culposos, prevenidos nos artigos 57 e 58 do Decreto-Lei n. 20282, de 31 de Agosto de 1931. E o Decreto-Lei n. 35809 veio punir o crime culposo de açambarcamento so com multa.
Disto resulta mais harmonico o sistema juridico com a interpretação dada a este decreto pelo acordão invocado em oposição, a considerar em vigor a remissão do paragrafo 1 do artigo 8 do Decreto-Lei n. 29964 ao paragrafo 2 do artigo 2 desse decreto, substituido este paragrafo pela actual norma de punição do açambarcamento culposo, constante do paragrafo 2 do artigo 2 daquele Decreto-Lei n. 35809. Sem esta substituição a dita remissão perdia o significado de a punição dos crimes culposos de açambarcamento e de especulação ser feita da mesma maneira, embora com referencia a respectiva penalidade base de cada um desses delitos, do artigo 2 e artigo 4 do mesmo Decreto-Lei n. 35809.
Tal interpretação, adoptada no acordão de 16 de Junho de 1948, conforme com o intuito deste decreto, de reforçar a repressão dos delitos antieconomicos, tambem e, normalmente, mais benevola do que qualquer outra, sem se afastar do verdadeiro sentido da disposição do paragrafo 1 do artigo 8 citado.
Assim, revoga-se o acordão recorrido, condena-se o reu no minimo do imposto de justiça e ordena-se a remessa do processo a secção criminal a fim de se fazer a aplicação da doutrina que agora se julga mais conforme a lei e que se fixa no seguinte assento:
O crime de especulação culposa e punido nos termos do paragrafo 2 do artigo 2 do Decreto-Lei n. 35809, de 16 de Agosto de 1946.



Lisboa, 22 de Janeiro de 1954

A. Cruz Alvura (Relator) - Campelo de Andrade - Filipe Sequeira - A. Baltasar Pereira - Beça de Aragão - Julio M. de Lemos (Vencido quanto a remessa do processo a Secção Criminal) - Piedade Rebelo (Vencido: O crime de especulação culposa era punido pelo paragrafo 1 do artigo 8 com referencia ao paragrafo 2 do artigo 2 do Decreto-Lei n. 29964 com metade da pena correspondente ao crime doloso. Esta norma manteve-se em vigor mesmo depois da publicação do Decreto-Lei n. 32086 e, portanto, mesmo depois de ao crime ser aplicavel, alem da multa, a prisão correccional. O Decreto-Lei n. 35809 não a revogou. A circunstancia deste diploma ter alterado a punição do açambarcamento culposo e irrelevante, porque nenhum preceito foi nele estabelecido ordenando que essa alteração fosse extensiva a especulação culposa e porque do citado Decreto-Lei n. 29964 se não pode concluir que o legislador quis que este crime fosse sempre punido como açambarcamento culposo. Votei, por isso, que se decidisse que a especulação culposa e punida com metade da pena correspondente ao crime doloso.
Vencido tambem quanto a remessa do processo a Secção Criminal. Dos preceitos que regulam o recurso para o Tribunal Pleno não se pode concluir que a sua competencia seja restrita a solução do conflito de jurisprudencia, cumprindo-lhe não so definir o direito mas tambem aplica-lo) - Roberto Martins (Vencido quanto ao fundo pelas mesmas razões) - Jaime Tome (Vencido nas mesmas condições e pelos fundamentos do voto do excelentissimo Conselheiro Piedade Rebelo). - A. Bartolo (Vencido nos termos do voto do excelentissimo Conselheiro Piedade quanto ao fundo da questão) - Rocha Ferreira (Vencido quanto ao fundo, nos termos da declaração de voto do excelentissimo Conselheiro Piedade Rebelo).

Tem voto de conformidade dos excelentissimos Juizes Conselheiros senhores Drs. Abreu Coutinho e Horta e Vale, como consta do livro de lembranças. A. Cruz Alvura.
Os acordãos em oposição eram os do Supremo Tribunal de Justiça, de 22 de Outubro de 1952 (Processo n. 28282) e de 22 de Outubro de 1952 ( Processo n. 28282) e de 16 de Junho de 1948 ( Processo n. 26848).
O agente do Ministerio Publico junto da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça, Dr. Antonio Miguel Caeiro Junior, na sua alegação sustentou a doutrina de que " a especulação culposa e punida nos termos do assento de 20 de Março de 1936, conjugado com o artigo 110 do Codigo Penal".