Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
074072
Nº Convencional: JSTJ00004312
Relator: CASTRO MENDES
Descritores: CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
PROMESSA BILATERAL
NULIDADE
PROMESSA UNILATERAL
EFICACIA DO NEGOCIO
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ198911290740722
Data do Acordão: 11/29/1989
Votação: MAIORIA COM 3 VOT VENC
Referência de Publicação: DR IS 1990/02/23, PÁG. 770 A 773 - BMJ Nº 391 ANO 1989 PÁG. 101
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO.
Decisão: UNIFORMIZADA JURISPRUDÊNCIA
Indicações Eventuais: ASSENTO DO STJ. CASTRO MENDES IN CONCEITO DE PROVA.
Área Temática: DIR CIV - DIR OBG / TEORIA GERAL.
Legislação Nacional: CPC67 ARTIGO 763 ARTIGO 767 N2 ARTIGO 768 N3.
CCIV66 ARTIGO 9 N2 ARTIGO 220 ARTIGO 238 ARTIGO 292 ARTIGO 293 ARTIGO 410 N2 ARTIGO 411.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1985/05/28.
ACÓRDÃO STJ DE 1972/04/25.
Sumário :
No dominio do texto primitivo do n. 2 do artigo 410 do Codigo Civil vigente, o contrato-promessa bilateral de compra e venda de imovel exarado em documento assinado apenas por um dos contraentes e nulo, mas pode considerar-se valido como contrato-promessa unilateral, desde que essa tivesse sido a vontade das partes.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em tribunal pleno, no Supremo Tribunal de de Justiça:

A e mulher, recorrem para o tribunal pleno do Acordão do Supremo Tribunal de 28 de Maio de 1985 (que decidiu ser nula e irredutivel a promessa unilateral de venda - o contrato- -promessa de compra e venda de imovel cujo documento contentor se mostra apenas assinado pelos promitentes vendedores), alegando encontrar-se ele, no dominio da mesma legislação (n. 2 do artigo 410 do Codigo Civil, em sua formulação originaria), em frontal oposição com o decidido pelo Acordão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Abril de 1972 (que defende a validade do contrato-promessa unilateral de venda de imovel constante de documento apenas assinado por uma das partes, o promitente vendedor).
O que, ex adverso, se rebate.
O Excelentissimo Magistrado do Ministerio Publico, com notavel brilho, sustenta a tese defendida no acordão fundamento.
Pese embora a unanimidade da decisão, que aceitou a existencia de oposição, cumpre reexaminar de novo o problema, ex vi do estatuido no artigo 767, n. 2, do Codigo de Processo Civil.
Como e sabido, para que seja possivel o recurso para o tribunal pleno necessario e que se verifiquem, simultaneamente, duas identidades (de situações juridicas e de normas legais disciplinadoras) e uma inidentidade [divergencia total entre as partes injuntivas de dois - e so dois - acordãos sobre questão fundamental de direito (artigo 763 do Codigo de Processo Civil)].
Pois unicamente situações juridicas, ponto por ponto, coincidentes podem gerar decisões opostas.
E identico raciocinio se pode elaborar no que a normas disciplinadoras concerne. Se tais normas são dissemelhantes, conduzirão, logicamente, a soluções dissemelhantes, que não podem gerar conflitos de opinião integrativos da problematica em analise.
No que tange a inidentidade, tem ela de surgir da oposição frontal entre as partes dispositivas de dois - e so dois - acordãos, proferidos em processos diferentes, que expressamente solucionem uma ou mais questões fundamentais de direito dentro do mesmo campo juridico (adjectivo ou substantivo).
Esta a lição da corrente doutrina (por todos, Professor Castro Mendes, Recursos, pagina 96) e de pacifica jurisprudencia (A. Neto, pagina 621 da 6 edição, nota 15).
Examinemos agora a hipotese vertente a luz dos principios gerais que examinados ficaram.
Duvidas não surgem quanto a identidade de situações juridicas.
Ambos os arestos decidem a questão de saber qual o efeito que produz a falta de assinatura de uma das partes no documento que encerra contrato unilateral de promessa de venda de imovel.
Tão-pouco duvidas serias se levantam no tocante ao dominio da mesma legislação. Ambos os acordãos sub judice estruturam os seus raciocinios no mesmo normativo juridico [n. 2 do artigo 410 (primitiva redacção) e artigo 411, ambos do Codigo Civil vigente].
Ja no que ao problema da inidentidade de decisões concerne se podem levantar duvidas.
O acordão recorrido, de 28 de Maio de 1985, ipsis verbis, decide:
O Supremo Tribunal de Justiça concede a revista e, revogando o acordão recorrido, condena os reus a pagar aos autores a quantia de 960000 escudos, como restituição do sinal passado.
E o acordão-fundamento, apertis verbis, decide:
Termos em que e concedida a revista, em parte, condenando-se o recorrido a restituir aos recorrentes os 50000 escudos que deles recebera como sinal.
So aparentemente existe identidade.
Com efeito, se e ponto assente na doutrina que os fundamentos da sentença não cabem no perimetro da decisão, todavia, podem e devem eles ser utilizados sempre que tal se mostre necessario para fixar o sentido e alcance dela (neste sentido, A. Varela, Manual, pagina 697).
Nesta optica, verifica-se que o acordão recorrido manda restituir o sinal por entender que o contrato ajuizado e nulo e nem pode ser reduzido ou convertido.
A falta de factos alegados susceptiveis de permitirem o recurso aos fenomenos de redução ou conversão da promessa ferida de nulidade (proposição imediatamente anterior a decisão) poderia levantar a duvida de saber qual a atitude do acordão caso inexistisse tal falta.
Toda a estrutura logica do aresto citado leva a concluir pela identidade de solução. Ainda que alegados, tais factos em nada alterariam a decisão.
Ao passo que o acordão-fundamento manda restituir o sinal por considerar valido - parcialmente - o contrato no tocante ao promitente vendedor.
A palavra "sinal" exprime - posto que laconicamente
- a necessaria conexão minima entre o texto defendido e o legal, satisfazendo o estatuido no n. 2 do artigo 9 e no n. 2 do artigo 238, ambos do Codigo Civil.
Finalmente, importa averiguar se os acordãos analisam uma mesma questão fundamental de direito.
Procuremos definir o conceito.
A escassez de recursos faz surgir numerosas situações de confronto entre duas ou mais pessoas em relação a um ou mais bens ou valores. O conflito de interesses, todavia, so quando entra em crise e e introduzido em juizo logra alcançar a dignidade de lide ou litigio. A lide surge de um ou mais factos (lato sensu, compreendendo os actos juridicos) e analisa-se em uma ou mais afirmações contraditorias, que podem limitar-se, tão-so, a descrever, empiricamente, uma dada alteração no mundo sensivel (questão de facto ou afirmação de facto, na terminologia de C. Mendes, Conceito de Prova, pagina 149, A. Varela, Manual, pagina 98, e J. R. Bastos, Notas, III, pagina 407) ou a interpretar e sustentar a aplicabilidade de certa norma a certa situação factual (questão ou afirmação de direito).
Tem interesse ler a breve nota sobre a materia que subscreve o Professor A. Varela in Revista de Legislação e de Jurisprudencia, n. 122, pagina 112.
Apreciando a hipotese vertente sob os principios atras expostos, verificamos que a questão sub judice tem de ser resolvida antes de proferir decisão e resolve-se num mesmo plano (o substantivo), mas em sentidos diametralmente opostos - o acordão recorrido, por forma negativa total, o acordão-fundamento, por forma parcialmente afirmativa.
Parece, pois, licito confirmar a existencia de oposição.
Analisemos, de seguida, a questão de fundo.
Desde as Ordenações Filipinas que entre nos se procura obter uma uniformidade de decisões judiciais tal que, sem quebra da indispensavel liberdade do juiz, todavia, alcance a maxima optimização da certeza e segurança do trafico (para mais desenvolvimentos, confira Santos Silveira, Impugnação, pagina 418).
Tendo o n. 2 do artigo 410 do Codigo Civil vigente reconhecido validade ao contrato-promessa de imovel unilateral (desde que constasse de documento assinado por ambos os contraentes), a disputa gira em torno de saber se tal contrato pode ou não alcançar validade por via de redução (artigo 292 do Codigo Civil) ou conversão (artigo 293 do citado diploma) em contrato-promessa unilateral de venda de imovel, ficando a contraparte vinculada apenas a um contrato equivalente a contrato de opção.
Defensores da tese da nulidade total sistematica: o conselheiro Abel de Campos e o Professor Galvão Teles.
O argumento basilar de Abel de Campos parte do principio de que no nosso sistema juridico o negocio unilateral so e fonte de obrigações nos casos em que a lei expressamente o admita (Revista de Legislação e de Jurisprudencia, n. 108, pagina 284). Este principio da tipicidade invalidaria quer a possibilidade de reduzir como a de converter o negocio nulo por falta de forma (artigo 220 do Codigo Civil).
Vaz Serra, op. cit., loc. cit., pagina 294, responde que o problema e de integração do negocio juridico, onde tem especial relevo a figura da boa fe; dai que se deva atender a vontade hipotetica racional terminologia de Ennecerus, apud Revista de Legislação e de Jurisprudencia, n. 108, pagina 294.
E a tipicidade não constitui obice, uma vez que o contrato validado se não reduz ou converte em negocio, mas em contrato, liberto de numerus clausus.
O argumento principal invocado pelo Professor Galvão Teles assenta no indispensavel mutuo consentimento para surgir um qualquer contrato (confere Obrigações, 3 edicão, pagina 74).
Argumento a que responde o Professor Antunes Varela, in Revista de Legislação e de JUrisprudencia, n. 119, pagina 258, nota 2, sustentando que a tese defensora da validação não prescinde da necessidade de consentimento de ambos os contraentes, apenas sendo diferente (e, compreensivelmente, mais gravosa) a prova em relação ao unico contraente que se vinculou a uma determinada conduta (in casu, vender), ja que o outro contraente fica apenas vinculado a uma opção (in casu, comprar ou não comprar, em certo periodo temporal, certo imovel por certo preço).
O Excelentissimo Magistrado do Ministerio Publico, em seu muito brilhante parecer, faz notar a injustiça decorrente da adopção da tese que defende a nulidade sistematica e defende que não se devem presumir factos contrarios a redução, devendo recair o onus probandi da existencia de facto excepcional sobre o contraente interessado na nulidade total do negocio juridico.
Que pensar do problema?
Parece-nos (salvo o devido respeito) que ele arranca do facto de o nosso jurista (legislador, professor, magistrado, advogado) ainda se encontrar dominado pelo principio conceptualista, de raiz positivo -voluntarista, que desde Savigny tem imperado nos direitos de fundo greco-romano-germanico, não tendo ainda o novo tipo de pensamento aberto, historicamente situado, concretamente referenciado a um eu concreto, defendido por Perel Man, chegado ate nos com força suficiente para destronar aquele racionalismo tradicional (mais pormenores em Baptista Machado,
"Introdução" a tradução do livro de karl Enguisch Introdução ao Pensamento Juridico).
O pensamento tradicional não consegue facilmente conceber um contrato sem, concomitantemente, surgirem pelo menos duas vontades interconexionadas em relação a um dado objecto.

So que o artigo 411 do Codigo Civil vigente vem tornar licito o contrato-promessa unilateral.
Temos, pois, de aceitar a ideia de um contrato onde um dos contraentes fica vinculado a contratar e o outro tem o direito de optar.
E como, na verdade, o problema e de integração e contrato, seja por presunção de vontade hipotetica (Almeida Costa, in Revista de Legislação e de Jurisprudencia, n. 119, pagina 22) ou por força dos ditames da boa fe, parece-nos que devemos aceitar a possibilidade de existirem contratos nos quais so uma das partes se obriga a contratar, muito embora ambas as partes se obriguem, pois ambas prometem, uma, celebrar contrato, a outra, realizar definitivamente uma prestação.
Dai que devamos aceitar a ideia da nulidade do contrato-promessa bilateral por falta de forma, ex vi do disposto no artigo 220 do Codigo Civil, mas nulidade apenas parcial, por serem autonomos os negocios e o vicio registado afectar apenas o suporte volitivo da declaração do contraente que não assinou o documento titulador do negocio juridico viciado.
Em suma, a hermeneutica classica ensinava o contrato como um negocio juridico necessariamente ao menos bilateral, com conteudos diversos, ate opostos, mas que se harmonizam ou conciliam reciprocamente. Esta a lição de M. Andrade in Teoria Geral de Relação Juridica, II Volume pagina 38.
Hoje ha que admitir a existencia de contratos (promessa) de natureza bilateral, mau grado qualquer das declarações negociais que o compõem constituam objecto de negocio juridico autonomo.
A tese que expomos parece-nos, salvo o devido respeito, a unica capaz de abrir caminho a solução mais justa que o problema comporta - pragmatismo que repugna ao filosofo, mas que não pode deixar indiferente o magistrado.
E sera a parte onerada com a prova tendente a ilidir a presunção de vontade hipotetica (demonstrando, por todos os meios, que, apesar da falta da parte viciada do contrato, este teria sido querido por ambos os contraentes, quanto a parte restante, como tal devendo ser mantido) aquela interessada na validade parcial, como defende A. Varela in Revista de Legislação e de Jurisprudencia, n. 119, n. 326.
Tese que pode invocar a adesão de Larenz e Federico de Castro, apud op. cit., loc cit., paginas 325 e 326.
Problematica esta de tal sorte complexa que não temos por irrespondiveis os argumentos que defendemos, não tanto em guisa de demonstração, mas antes em jeito mais de persuasão.
Como e timbre da moderna filosofia do direito Larenz, Metodologia, passim.
Cabendo, neste caso, aos autores alegar factos tendentes a demonstrar a validade do negocio juridico como contrato-promessa unilateral e constando do acordão recorrido que eles não se mostram articulados, resulta que o assento a proferir não tem utilidade alguma para o caso concreto em litigio.
Termos em que, tudo visto: a) Se declara haver oposição entre o decidido pelo acordão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Maio de 1985 e o de 25 de Abril de 1972; b) Subsiste a decisão recorrida e, nos termos do artigo 768, n. 3, do Codigo de Processo Civil, se firma o seguinte assento:
No dominio do texto primitivo do n. 2 do artigo 410 do Codigo Civil vigente, o contrato-promessa bilateral de compra e venda de imovel exarado em documento assinado apenas por um dos contraentes e nulo, mas pode considerar-se valido como contrato-promessa unilateral, desde que essa tivesse sido a vontade das partes.
Custas pelos recorrentes.


Lisboa, 29 de Novembro de 1989


Afonso de Castro Mendes - Julio Carlos Gomes dos Santos
- João Solano Viana - Antonio Carlos Vidal de Almeida Ribeiro - Jose Alfredo Soares Manso Preto - Manuel Augusto Gama Prazeres - Antonio Alexandre Soares Tome
- Salviano Francisco de Sousa - Joaquim Jose Rodrigues Gonçalves - Fernando Maria Xavier Brochado Brandão
- Cesario Dias Alves - Jorge de Araujo Fernandes Fugas - Jose Saraiva - Alberto Carlos Antunes Ferreira da Silva - Jose Isolino Enes Calejo - Jose Manuel de Oliveira Domingues - Eliseu Rodrigues Figueira Junior - Mario Augusto Fernandes Afonso - Adelino Barbosa de Almeida - Jose Alexandre Paiva Mendes Pinto - Vasco Eduardo Crispiano Correia Lacerda A. Tinoco - Alberto Baltazar Coelho - Pedro de Lemos e Sousa Macedo - Flavio Parreira da Trindade Pinto Ferreira - Jorge da Cruz Vasconcelos - Fernando Faria Pimentel Lopes de Melo - Jose Henriques Ferreira Vidigal - Abilio Jose Valverde - Manuel da Rosa Ferreira Dias - Silvino Alberto Villa Nova - Licinio Adalberto Vieira de Castro Caseiro - Jose Manuel Meneres Sampaio Pimentel (para o texto do assento teria proferido uma formula em que se dissesse expressamente tratar-se de nulidade parcial; todavia, votei favoravelmente por interpretar o assento no sentido atras preconizado) - João Alcides de Almeida (vencido. Entendi que, tendo sido proposito das partes, ao celebrarem um contrato
- promessa, ficarem vinculadas a um contrato bilateral no contrato de compra e venda, no caso sujeito, nulo, ele, na sua totalidade, por não estar assinado por uma das partes, assim ficando afectado todo o seu conteudo, pois o artigo 220 do Codigo Civil diz que a declaração negocial que careça de forma legalmente prescrita e nula quando outra não seja a sanção especialmente prevista na lei e o n. 2 do artigo 410 do mesmo diploma exige a assinatura dos promitentes, de ambos os promitentes, portanto, não pode tal contrato transformar-se em qualquer outro que vincule apenas uma das partes, pelo que devia ser formulado assento em conformidade.
O actual n. 2 daquele artigo 410 e claramente inovador, e não interpretativo) - Mario Sereno Cura Mariano (vencido, de harmonia com a declaração de voto que antecede) - Fernando Heitor de Barros Sequeiros (vencido, de harmonia com a declaração de voto do Excelentissimo Conselheiro Alcides de Almeida).