Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
551/13.7TVPRT.P1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores: RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
DUPLA CONFORME
FUNDAMENTAÇÃO ESSENCIALMENTE DIFERENTE
CADUCIDADE
EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
EXCEÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
SEGURO DE CRÉDITOS
Data do Acordão: 06/16/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: DEFERIDA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / ADMISSIBILIDADE DA REVISTA.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC) / 2013: - ARTIGO 671.º, N.º 3.
LEI N.º 41/2013, DE 26 DE JUNHO: - ARTIGO 7.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 28 DE ABRIL DE 2014 (PROC. N.º 473/10.3TBVRL.P1-A.S1), DE 18 DE SETEMBRO DE 2014 (PROC. N.º 630/11.5TBCBR.C1.S1), OU DE 28 DE MAIO DE 2015 (PROC. N.º 1340/08.6TBFIG.C1.S1), TODOS DISPONÍVEIS EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I - O STJ tem observado, repetidamente, que para afastar o obstáculo da dupla conforme, impeditivo do recurso de revista, nos termos do n.º 3 do art. 671.º do NCPC (2013), não basta que a sentença e o acórdão da Relação que a confirme por unanimidade apresentem fundamentação diferente; exige-se que essa diferença seja essencial.

II - Não se verifica tal obstáculo se o efeito do caso julgado material formado é relevantemente diverso: improcedência definitiva fundada na caducidade, conforme decidiu a sentença; improcedência não definitiva assente na excepção de não cumprimento, conforme decidiu o acórdão.

III - Assim, apesar de, em ambas as instâncias estar em causa o incumprimento de um dever contratual de informação por parte do tomador de seguro em relação à seguradora de crédito, sendo essencialmente diverso o enquadramento jurídico aplicado pelas instâncias para julgar improcedente a acção, deve ser admitido o recurso de revista.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:



1. Pelo despacho de fls. 291, não foi admitido o recurso de revista interposto por AA, S.A. por se entender verificado o obstáculo da dupla conformidade de decisões entre a sentença de fls. 137 e o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de fls. 210.

A recorrente reclamou, sustentando que «o acórdão recorrido fundou a decisão em factos diferentes e segundo um entendimento jurídico diverso da sentença proferida em 1ª instância. (…) a sentença proferida em 1ª instância julgou a acção improcedente com fundamento na caducidade do direito da recorrente reclamar o seu crédito; o acórdão recorrido considerou que não ocorre a referida caducidade do direito da recorrente nem por via legal nem por via contratual tendo decidido manter a sentença proferida em 1ª instância por via de uma alegada “excepção de não cumprimento” consubstanciada na falta de cumprimento do dever de informação por parte da recorrente».

A recorrida não respondeu.


2. A sentença de fls. 137 julgara improcedente a acção na qual a ora recorrente pedira a condenação da recorrida no pagamento da quantia de € 80.203,72, com juros de mora, alegando a ocorrência de um sinistro coberto pelo contrato seguro de crédito entre ambas celebrado, com fundamento em caducidade: “(…), verifica-se em resumo que a autora comunicou um sinistro à ré no valor de 100 mil euros, a ré veio a saber que o sinistro era superior a 200 mil euros, apesar de diversas notificações para o efeito a autora não esclareceu tais divergências no prazo contratual (mesmo após prorrogação), pelo que, usando do direito que lhe assistia, a ré comunicou à autora o encerramento do processo sem o pagamento de qualquer indemnização. (…) pelo que caducou o direito da autora em ver-se ressarcida pela ré dos prejuízos (sinistros) ocorridos”.

Mas o Tribunal da Relação do Porto, em acórdão tirado por unanimidade, considerou que a falta da informação pedida “não fez caducar o direito do segurado de exigir a indemnização mas apenas desonerou a seguradora da obrigação de regularizar extrajudicialmente o sinistro e pagar uma indemnização no prazo previsto no contrato sob pena de incorrer em mora”; apenas permite à ré invocar com êxito a excepção de não cumprimento.

Analisando as consequências da correspondente recusa legítima de cumprimento, a Relação concluiu que, de entre as soluções abstractamente possíveis para a procedência da excepção de não cumprimento – “improcedência da acção ou (…) condenação do demandado a pagar quando for eliminada a causa da excepção”, ”no caso concreto e atentas as suas especificidades, a solução final deve ser mesmo a da absolvição da ré do pedido já que isso não obsta a que a autora, caso tenha prestado ou venha (se ainda a tempo) a prestar a informação necessária, demande novamente a ré para obter o pagamento da indemnização demonstrando então a satisfação dessa condição de prestação de toda a informação”.

Por isso, negou provimento à apelação (ou seja, confirmou a decisão de absolvição do pedido).


3. Apesar de a presente acção ter sido instaurada antes da respectiva entrada em vigor, é aplicável à aferição da admissibilidade do presente recurso de revista o disposto no artigo 671º do Código de Processo Civil de 2013, vigente à data em que foi proferido o acórdão da Relação (cfr. nº 1 do artigo 7º da Lei nº 41/2013, de 26 de Junho).

Ora, à luz deste preceito e como o Supremo Tribunal de Justiça tem observado repetidamente, para afastar o obstáculo da dupla conforme, impeditivo do recurso de revista (nº 3 do artigo 671º do Código de Processo Civil de 2013), não basta que a sentença e o acórdão da Relação que a confirme por unanimidade apresentem fundamentação diferente; exige-se que essa diferença seja essencial.

Cfr., a propósito, e a título de exemplo, os acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Abril de 2014 (www.dgsi.pt, proc. nº 473/10.3TBVRL.P1-A.S1), de 18 de Setembro de 2014 (www.dgsi.pt, proc. nº 630/11.5TBCBR.C1.S1), ou de 28 de Maio de 2015 (www.dgsi.pt, proc. nº 1340/08.6TBFIG.C1.S1, dos quais se retira que “só pode considerar-se existente – no âmbito da apreciação da figura da dupla conforme no NCPC (2013) – uma fundamentação essencialmente diferente quando a solução jurídica do pleito prevalecente na Relação tenha assentado, de modo radicalmente ou profundamente inovatório, em normas, interpretações normativas ou institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam justificado e fundamentado a decisão proferida na sentença apelada – ou seja, quando tal acórdão se estribe decisivamente no inovatório apelo a um enquadramento jurídico perfeitamente diverso e radicalmente diferenciado daquele em que assentara a sentença proferida em 1.ª instância” (acórdão de 28 de Maio de 2015).

4. No caso presente, entende-se que, apesar de estar em causa o incumprimento de um dever contratual de informação, é essencialmente diverso o enquadramento jurídico aplicado pelas instâncias para julgar improcedente a acção.

Para além de realmente estarem em causa dois institutos jurídicos diversos e autónomos, a excepção de não cumprimento e a caducidade, eles próprios assentes em razões materiais distintas – a inexigibilidade de cumprimento, num caso, a segurança jurídica, no outro –, a verdade é que nem se pode dizer que o alcance da decisão de improcedência seja o mesmo, num caso e noutro. Como o acórdão recorrido salienta, o efeito do caso julgado material formado é relevantemente diverso: improcedência definitiva, se fundada na caducidade, improcedência não definitiva, se assente na excepção de não cumprimento.

5. Nestes termos, defere-se a reclamação e, consequentemente, admite-se o recurso de revista interposto por AA, S.A

Sem custas.

Lisboa, 16 de Junho de 2016

Maria dos Prazeres Beleza (Relatora)

Pires da Rosa (vencido pelas razões constantes do meu despacho de fls. 291)

Salazar Casanova