Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2758/15.3T8BCL.G1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: TOMÉ GOMES
Descritores: INTERESSE CONTRATUAL NEGATIVO
CULPA IN CONTRAHENDO
LIMITE DA INDEMNIZAÇÃO
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA
NEGLIGÊNCIA
DOLO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
DANOS PATRIMONIAIS
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
DIREITO DE PROPRIEDADE
DIREITOS DE PERSONALIDADE
CONTRATO DE CRÉDITO AO CONSUMO
VEÍCULO AUTOMÓVEL
CONTRATO DE COMPRA E VENDA
NULIDADE DO CONTRATO
OBRIGAÇÃO DE RESTITUIÇÃO
DEVER DE INFORMAÇÃO
DEVER DE COMUNICAÇÃO
ASSINATURA
FALSIFICAÇÃO
NULIDADE DE ACÓRDÃO
EXCESSO DE PRONÚNCIA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Data do Acordão: 04/11/2019
Nº Único do Processo:
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGOCIO JURÍDICO / DECLARAÇÃO NEGOCIAL / PERFEIÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / RESPONSABILIDADE POR FACTOS ILÍCITOS.
Doutrina:
- Almeida Costa, Direito das Obrigações, Almedina, 11.ª ed., 2008, p. 302-304 e 764;
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. 1.º, 10.ª ed., Almedina, p. 605;
- Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, Coimbra Editora, 2008, p. 679-681 e 704-705;
- Maria Graça Trigo, Comentário ao Código Civil Parte Geral, Universidade Católica Editora, 2014, p. 512-513;
- Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol I, Coimbra Editora, 1987, p 216.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 227.º, N.º 1 E 483.º, N.º 1.
Sumário :
I. Da declaração de nulidade de um contrato de concessão de crédito para aquisição de automóvel e do contrato de compra e venda que lhe está associado, fundada, além do mais, em violação das regras de contratação – mormente dos deveres de informação, de comunicação e de formalização do contrato – imputável à concedente do crédito - aqui 1.ª ré -, independentemente dos efeitos restituitórios a que pudesse haver lugar, emerge ainda a obrigação de a parte responsável por essa nulidade indemnizar a parte não faltosa – os aqui autores - pelos danos que esta teve e que não sofreria se não tivesse celebrado tais contratos, o que se reconduz a uma situação de responsabilidade pré-contratual ou de culpa in contrahendo, nos termos previstos no artigo 227.º, n.º 1, do CC.

II. Nesta base, à parte não faltosa – os aqui autores - assiste o direito de ser indemnizada pelo interesse contratual negativo ou dano de confiança decorrente daquela nulidade assim fundada.

III. Tendo concorrido para a produção dos mesmos danos, também como causa originária, a violação dos direitos de personalidade e de propriedade dos autores, imputável ao 2.º réu nos termos do artigo 483.º, n.º 1, do CC, por tais danos respondem solidariamente ambos os réus. 

IV. Todavia, sendo a responsabilidade da 1.ª ré imputada a título de mera culpa e a do 2.º réu a título de dolo, justifica-se que o limite da responsabilidade solidária daquela, a título de indemnização por danos não patrimoniais, seja fixado em montante inferior ao devido pelo 2.º réu.  

Decisão Texto Integral:
Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:



I – Relatório


1. AA e cônjuge BB (A.A.) instauraram, em 15/12/2015, ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra a CC - Instituição de Crédito, S.A. (1.ª R.) e DD (2.º R.), alegando, em síntese, que:   

. O 2.º R. DD, em nome A. AA, promoveu a celebração, com 1.ª R. CC, de um contrato de financiamento para aquisição de um automóvel;

. Porém, tal contrato foi celebrado com violação dos deveres de comunicação e de informação, por parte daquela R., e com a falsificação da assinatura da A. BB, tendo sido o 2.º R. quem beneficiou em exclusivo do dito veículo, do qual os A.A. nunca dispuseram, tanto mais que não possuíam habilitação legal de condução;

. Além disso, o 2.º R. atuou de forma a que o A. marido assinasse um contrato de crédito que não queria, apenas para que aquele beneficiasse indevidamente do veículo automóvel;

. Por seu lado, a 1.ª R. aceitou o contrato que não foi assinado junto dela nem por si verificado, recusando-se depois a cancelar a inscrição em nome do A. do veículo automóvel cuja aquisição o dito contrato financiava, mesmo após a respetiva resolução por aquela R., beneficiando de uma reserva de propriedade em seu nome;

. O referido contrato de crédito acabou por ser declarado nulo, em ação judicial intentada pelos ora A.A. contra os aqui R.R.;

. Não obstante isso, desde a celebração desse contrato e mesmo após aquela declaração de nulidade, os A.A. suportaram incómodos e despesas, quer pela existência do registo do veículo em nome do A. marido quer pela falta do seu cancelamento, resultantes de: processos crimes em que os A.A. figuraram como ofendidos e o 2.º R. como denunciado; uma ação executiva instaurada contra eles pela aqui 1.ª R. e respetivos embargos de executado; uma ação declarativa movida pelos aqui A.A. contra os ora R.R. para declaração da nulidade do contrato de financiamento; uma providência cautelar deduzida pela aqui 1.ª R. contra os ora A.A.; impugnações judiciais de contra-ordenações resultantes da circulação do veículo; várias notificações para pagamento de taxas de portagem decorrentes da circulação do mesmo; perda do benefício de isenção de I.M.T. por serem tidos como devedores do imposto único automóvel; sinalização do A. marido junto da Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal por falta de pagamento de quantias alegadamente devidas em virtude do contrato de financiamento; diversas deslocações que os A.A. foram obrigados a fazer; múltiplos custos inerentes à obtenção de documentação, duplicação e envio da mesma, e com honorários;

. Sendo os A.A. pessoas de parcos recursos, baixa escolaridade, simples e humildes, sofreram, com toda essa situação, medo, inquietação, angústia, stress, ansiedade, nervosismo, enorme desgosto e mau estar físico e psicológico;

. Assim, devem os A.A. ser indemnizados, pelos danos patrimoniais, no valor de € 7.500,00 e, a título de danos não patrimoniais, num valor nunca inferior a € 40.000,00.

Concluíram os A.A. a pedir que os R.R. fossem solidariamente condenados a pagar-lhes tais quantias, na proporção de 75% para a 1.ª R. e 25% para o 2.º R., acrescidas de juros de mora, à taxa de juro supletiva, desde a citação.

2. Citada a 1.ª R. por carta registada com A/R e o 2.º R. mediante éditos, só aquela apresentou contestação, sustentando, em resumo, que:

. A R. se limitou a considerar como fidedignos os documentos que lhe foram enviados pelo vendedor do veículo automóvel cuja aquisição financiou e a acreditar que o mesmo teria cumprido a sua obrigação de explicar as cláusulas do contrato e de verificar a validade das assinaturas, ao contrário do 2.º R. que convenceu o A. de que apenas seria seu fiador, que não o contratante do crédito, e que falsificou a assinatura da A., no mesmo contrato de financiamento;

. Os alegados prejuízos não decorreriam do contrato de financiamento celebrado consigo, mas sim diretamente do contrato de compra e venda celebrado pelo A. marido com o vendedor do automóvel em referência, e indiretamente da omissão dos A.A. em pedirem, oportuna e judicialmente, o cancelamento do registo da respetiva propriedade a favor deles próprios;

. Não podia a R. pedir o cancelamento da inscrição da propriedade a favor dos A.A. do veículo automóvel em referência, mas apenas o cancelamento da reserva de propriedade inscrita em seu nome, devendo aqueles tê-lo pedido em prévia ação que intentaram contra si, o que não fizeram;

. Ainda que a R. tivesse pedido o cancelamento da dita reserva de propriedade, apenas teria conseguido o reforço do registo de propriedade a favor dos A.A.;

. Assim, não justifica a atribuição à 1.ª R. de uma percentagem de 75% na pretendida indemnização.

. Além disso, o direito de indemnização peticionado encontra-se prescrito, já que os A.A., desde 2009, tiveram conhecimento dos vícios que afetariam o contrato de financiamento depois declarado nulo, podendo, desde logo, ter exercido o tal direito.

Nessa base, concluiu a 1.ª R. pela improcedência da ação quanto a ela.

 3. Os A.A. deduziram resposta relativamente à exceção da prescrição, a pugnar pela sua improcedência, sustentando que:

. Só em 01/03/2015 foi proferida a decisão a declarar a nulidade do contrato de financiamento em referência, pelo que só a partir dessa data poderiam os A.A. exercer o direito de indemnização em causa, só então se tendo iniciado o prazo prescricional de três anos;

. Sendo contínua e atual a verificação dos danos invocados, nunca estaria prescrito tal direito.

4. Dispensada a audiência prévia e fixado o valor da ação em € 47.950,00, foi proferido despacho saneador tabelar, seguido de despacho de identificação do objeto do litígio e de enunciação dos temas da prova.

5. Realizada a audiência final, foi proferida a sentença de fls. 612-636, datada de 17/04/2018, a julgar a ação parcialmente procedente, decidindo:

A - Condenar o 2.º R. DD a pagar aos A.A.:

a) – A quantia de € 500,00 pelos danos patrimoniais sofridos, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação;

b) – A quantia de € 3.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, desde a data da prolação da sentença;

B - Condenar a 1.ª R. CC, S.A., a pagar aos A.A. a quantia de € 6.000,00, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, desde a data da prolação da sentença;

C - Absolver os R.R. do mais peticionado.

6. Inconformados, os A.A. interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, pedindo a alteração da decisão recorrida no sentido de serem condenados ambos os R.R. a pagar aos A.A. as quantias de € 7.950,00 e € 40.000,00, respetivamente, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais. 

Através do acórdão de fls. 705-784, datado de 18/10/2018, o Tribunal da Relação, julgando a apelação parcialmente procedente, alterou a sentença recorrida, condenando solidariamente os R.R. a pagarem aos A.A. as seguintes quantias:

   a) – € 2.000,00, pelos danos patrimoniais;

   b) – € 20.000,00, a título de danos não patrimoniais.

7. Desta feita, a 1.ª R. CC, S.A., vem pedir revista, formulando as seguintes conclusões:

1.ª - Contrariamente ao decidido no acórdão recorrido, a R. vem impugnar o mesmo por discordar da aplicação e interpretação conferida às seguintes normas:

- O art.º 483.º, n.º 1, do CC, por ter entendido que a não observância dos deveres previstos no Dec.-Leis n.º 133/2009, de 02/06, e n.º 446/85, de 25/10, implicam necessariamente o preenchimento da ilicitude de um facto;

 - O art.º 483.º, n.º 1, do CC, por ter entendido que existia culpa da Recorrente, tendo atuado pelo menos com negligência ao delegar em terceiro o cumprimento das regras de contratação a que estava adstrita (art.º 800.º, n.º 1, do CC);

- Os arts.º 483.º, n.º 1, e 563.º do CC, por ter condenado a Recorrente no pagamento de indemnização quanto a danos patrimoniais, os quais não dispõem uma relação causal com os factos ilícitos, interpretando incorretamente o que se deve entender por "nexo de causalidade adequada";

- Os arts.º 483.º e 563.º , n.º 1, do CC, por ter por ter condenado a Recorrente no pagamento de indemnização quanto a danos não patrimoniais, os quais não dispõem uma relação causal com os factos ilícitos, interpretando incorretamente o que se deve entender por “nexo de causalidade adequada”;

- Os arts.º 483.º e 487.º, n.º 2, do CC, por não ter valorado subjetivamente o grau de culpa da Recorrente para cada facto ilícito que objetivamente lhe imputou;

 - Os arts.º 496.º, n.º 4, e 494.º do CC, por não ter respeitado a delimitação do quantum indemnizatório em caso de mera culpa e demais circunstâncias do caso concreto;

- O art.º 497.º do CC, por ter entendido que a responsabilidade da Recorrente e do 2.º Réu era solidária e qualificando a culpa de ambos de modo equivalente.

2.ª - A sindicância da matéria de facto efetuada pela Relação agrupou em 4 os factos geradores de responsabilidade civil extracontratual e nesse conspecto: (1) incumprimento das regras de contratação; (2) cumprimento coercivo de obrigação inexistente; (3) comunicação de incumprimento inexistente à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal; (4) não cancelamento da inscrição do direito de propriedade do veículo em causa, a favor do A. marido na Conservatória do Registo Automóvel.

3.ª – No que se reporta às consequências indemnizatórias e indo para além da discordância no que respeita à integração dos respetivos pressupostos da responsabilidade civil, insurge-se também de modo concreto a Recorrente quanto ao quantum indemnizatório e à responsabilidade solidária pelo seu pagamento;

4.ª - De modo transversal, a Recorrente não se conforma ainda com a fundamentação constante do acórdão por, em determinados momentos, se revelar inexistente (em violação da al. b) do n.º 1 do art.º 615.º, ex vi art.º 666.º, n.º 1, do CPC) e noutros por perfilhar uma aplicação de normas não invocadas nos autos por qualquer uma das partes, ou padecer de erro fundamental na interpretação das normas aplicáveis (violando nos termos do disposto na al. d) do n.º 1 do art.º 615.º, ex vi art.º 666.º, n.º 1, do CPC).

5.º - Dessa forma, andou mal a Relação ao ter entendido que a conduta da Recorrente em não ter observado os (1) deveres de contratação consubstanciava um facto ilícito culposo, pois que, segundo o juízo da Relação, tendo sido declarado nulo o contrato de financiamento no processo n.º 886/09.3TBBCL por força da falsidade da assinatura da A. mulher e pela não observância dos deveres previstos no DL n.º 359/91, de 21-09, que tal significa que a Recorrente “(…) atuou ilicitamente, violando disposição legal a cujo cumprimento estava adstrita (omitindo um comportamento que lhe era imposto em benefício de quem com ela contratava)”;

6.ª – Porém, sufragar tal posição com base nos preceitos por si explicitados, para além de não ter sido sustentado na P.I. pelos A.A. – coartando a oportunidade defesa a R. - não é o correto, por não integrarem eles mesmos o conceito de ilicitude, isto em decorrência da mera declaração de nulidade do contrato de financiamento;

7.ª - Isto porque, atento o art.º 483.º, n.º 1, do CC, a ilicitude abrange quer a violação ilícita do direito de outrem, quer a violação de qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, e não se cinge à mera inobservância de uma qualquer norma – jamais invocadas pelas par-tes nos articulados e nem na sentença de 1.ª instância - no que respeita às do Dec.-Leis n.º 359/91 e n.º 446/85;

8.ª - Pelo que o raciocínio do Tribunal “a quo” nunca foi abordado nos autos e faz tábua rasa do facto das normas constantes do Dec.-Lei n.º 359/91 e Dec.-Lei n.º 446/85 estarem fora do escopo do art.º 483.º, não obstante delas se socorrer para concluir que existe um juízo de ilicitude.

9.ª - Dessa posição se discorda, atenta a jurisprudência plasmada inclusive num outro acórdão da mesma Relação, onde se pode ler que:

[a]s normas do Decreto-Lei nº 359/91 de 21 de Setembro (diploma legal em vigor na data dos factos e posteriormente substituído pelo Decreto-Lei nº 133/2009 de 2 de Junho), que estabelecem o regime do contrato de financiamento para aquisição dos bens de consumo, protegem interesses colectivos dos consumidores na segurança dos negócios jurídicos, procurando garantir a formação correcta da vontade de contratar e podem beneficiar reflexamente os consumidores, mas não são susceptíveis de atribuírem directamente algum direito subjectivo, nem visam proteger interesses particulares. O mesmo se pode afirmar em relação às normas do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro que regulam a obrigação de informação aos consumidores de todas as cláusulas do contrato", concluindo que “(…) salvo melhor entendimento, a eventual violação das normas destes dois diplomas legais pelos representantes das sociedades demandadas, por si só, não integra nenhuma das formas de ilicitude previstas no artigo 483.º do CC como pressuposto da obrigação de indemnização. (…) Como é sabido, este tribunal só pode agora apreciar os factos descritos pelos demandantes no requerimento inicial e, salvo melhor entendimento, a eventual violação das normas destes dois diplomas legais pelos representantes das sociedades demandadas, por si só, não integra nenhuma das formas de ilicitude previstas no artigo 483.º do CC como pressuposto da obrigação de indemnização. (sublinhado nosso) - acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 10/07/2014, processo n.º 2647/06.2TAGMR.G1.

10.ª - Nessa senda, a previsão do artigo 483.º não abrangerá o caso em apreço nos autos, até porque o seu fito é apenas prevenir certos interesses gerais ou coletivos, mau grado a sua aplicação possa também beneficiar interesses particulares, posição aliás também seguida doutrinariamente:

"[as normas] directamente apenas protejam a colectividade como tal, especialmente o Estado e que só beneficiam o indivíduo na medida em que cada um está interessado no bem da colectividade." Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela in "Código Civil Anotado" I, 4.ª Edição, págs. 473 e ss..

11.ª - Compulsado o teor do aresto recorrido, constata-se que existe excesso de pronúncia nos termos do art.º 615.º, n.º 1, alínea d), ex vi art. 666.º, n.º 1, CPC configurando nulidade do mesmo;

12.ª - E ainda atenta a manifesta contrariedade entre a fundamentação do acórdão recorrido e o já supra citado, ignorando o sentido conferido à norma do art.º 483.º, n.º 1 - de não consubstanciar um facto ilícito a conduta da Recorrente não tendo observado os deveres de contratação plasmados nos Dec.-Leis n.º 359/91 e n.º 446/85 – deverá desde logo cair por terra a análise dos demais pressupostos da responsabilidade civil da Recorrente.

13.ª - Idêntica discordância detém a Recorrente no que se reporta ao juízo de culpa, uma vez que, ainda que se admitisse que estava preenchido o juízo de ilicitude por violação das regras de contratação, ainda assim existiria também excesso de pronúncia do acórdão recorrido, nos termos do art.º 615.º, n.º 1, alínea d), ex vi art. 666.º, n.º 1, CPC, atendendo a que o fundamento que estaria na base da culpa da ora Recorrente encaminha-se, no acórdão recorrido (pág. 52, 3.º parágrafo), no sentido da culpa "in elegendo" ou "culpa in vigilando", avaliando a medida na culpa com base na sua escolha (escolha dos auxiliares) - art. 800º, n.º 1, CC - jamais foi alegada pelos A.A. quer na P.I. e por conseguinte na sua alegação de recurso – e remete para uma questão não aflorada e sobre a qual não foi sequer produzida qualquer prova mas a qual sustenta culpa da Recorrente na formação do contrato mercê da ação do fornecedor do veículo financiado, imputando-lhe a obrigação/direito de praticar atos jurídicos em sua representação, como auxiliar no seu interesse ou por sua conta, nem que fosse por recurso a delegação e nessa medida o acórdão recorrido será igualmente nulo;

14.ª - No que concerne ao juízo da ilicitude e culpa inerentes ao "(2) cumprimento coercivo de obrigação inexistente" e à "(3) comunicação de incumprimento inexistente à Central de Responsabilidades do Banco de Portugal", ambas foram objeto da mesma fundamentação, por parte do acórdão recorrido.

15.ª - Assim, relativamente à conduta da Recorrente em ter intentado (2) ação executiva para pagamento de quantia certa, vem a Relação, contrariamente à 1.ª Instância, decidir que tal facto é ilícito e culposo, pois que, no seu entender, "violou, sem aquela idónea causa de justificação, os seus [dos A.A.] direitos de personalidade e de propriedade (maxime, ao promover contra eles uma ação executiva, com penhora da casa de morada de família)" , afirmando que a causa de justificação que abonava a favor da Recorrente deixou de se verificar, atento o efeito retroativo da declaração de nulidade do contrato de financiamento.

16.ª - Quanto à (3) comunicação de incumprimento inexistente à Central de Responsabilidades do Banco de Portugal, explicita que:

“(…) as considerações expedidas no ponto anterior, nomeadamente relativas ao efeito retroactivo da declaração de nulidade do contrato de financiamento; e mercê dele, ao inexistente incumprimento de quaisquer obrigações contratuais que pudesse ser assacado aos Autores (…)”

17.ª - Neste âmbito seja (2) "intentar uma acção executiva com base em incumprimento definitivo" e (3)"comunicar uma situação de incumprimento à Central de Responsabilidades do Banco de Portugal" não eram, à data, factos ilícitos e às condutas da Recorrente não lhe era imposto nenhum juízo de censura e passando as mesmas a ilícitas e culposas após a declaração de nulidade, atentos os seus efeitos ex tunc.

18.ª - Esta posição não pode a Recorrente acolher, uma vez que o acórdão recorrido, ao decidir desta forma, considera que o efeito retroativo associado à declaração de nulidade faz surgir na esfera jurídica do visado uma cognoscibilidade passada sobre o que só pôde saber no futuro, quase prescrevendo uma receita para a transversalidade da existência de ilicitude e culpa em todos os casos em que qualquer contrato seja declarado nulo (!),

19.ª - Nessa linha de interpretação, o retrocesso dos efeitos jurídicos da nulidade, que se alcançam desde a celebração do contrato e, não se discutem, fariam surgir na consciência do agente um conhecimento atual do facto ilícito, que não conhecia, mas que, por força do efeito ex tunc do art.º 289.º do CC, passa a conhecer, retroativamente.

20.ª - Neste sentido tal entendimento não é defensável e gera uma valoração dos estados mentais passados, apenas visando responsabilizar alguém no futuro, e não acolhe suporte legal.

21.ª - Para além da particular exigência desse quadro mental, a Relação faz depender a ilicitude dos factos e a culpa do agente de uma eventual e futura culminação jurídica que, por natureza retroage os feitos jurídicos até ao momento da formação do negócio, não separando aquilo que são os efeitos jurídicos decorrentes da declaração de nulidade, daquilo que é a valoração que o direito faz relativamente a uma certa conduta.

22.ª - Salientando a Recorrente, aliás já expressa em sede de contra-alegações de recurso (pág 8), que "O Tribunal “a quo” não poderia ignorar o facto de os A.A. não terem peticionado - como o deveriam ter feito - desde logo no âmbito da ação judicial n.º 886/09.3TBBCL, não só o pedido de cancelamento dos inerentes registos (da viatura e reporte ao Banco de Portugal…), mas também a eventual compensação por prejuízos sofridos. Aliás, a situação podia àquela data (2009) ter sido objeto de pedido em sede judicial e evitando-se assim a produção de todos os danos sobrevindos e que seriam evitáveis, os quais se avolumaram", pelo que a análise retroativa não pode ter sentido único, pois que os A.A. na sua inércia em agir, recolocados na mesma posição provavelmente também alterariam o seu comportamento, evitando os danos que sobrevieram no entretanto.

23.ª - Pelo que corrobora-se o juízo da 1ª instância, onde são fixados em termos temporais, os factos produzidos numa determinada data e mediante um específico estado mental, igualmente datado e idóneo em face do quadro em que baseou as suas decisões, sendo esses factos, à data, lícitos e não culposos,

24.ª - Não se aceitando que seja passível de valorar a posteriori os factos e sua valoração subjetiva, que estão sedimentados, alegando que afinal os factos que dantes eram lícitos já não são e que passam também a ser culposos, quando anteriormente não o eram, sendo essa a base da fundamentação do juízo “a quo” ao indicar que a Recorrente fora advertida em 2009 para a possibilidade da ilícita formação do contrato e optou por manter a sua postura ", tendo optado por ignorá-la" o que significa que "não pode deixar de ser responsabilizada quando se venha apurar que não existia a causa de justificação legal para a sua escolhida violação de direitos, já que a respectiva possibilidade foi por si antecipadamente conhecida e aceite".

25.ª - Em face deste juízo, confrontada com a alegação por dois devedores em situação de incumprimento de que a dívida que se tinha como certa, afinal não existe, uma vez que os mesmos foram alvo de burla, na posição diligente do homem médio, a Recorrente ficaria paralisada, uma vez que na generalidade dos casos forma o seu estado mental no sentido de aguardar (à laia de Estado de Direito) por alguma decisão judicial que determine se existiu ou não burla,

26.ª - Não só é incongruente alegar que a Recorrente tinha a obrigação de saber o que não sabia e não deveria saber, como é também impraticável por mitigar a segurança no comércio jurídico, deixando a Recorrente de poder exercer licitamente o seu direito de recuperação de crédito em incumprimento e entrando ela própria em situação de incumprimento por não respeitar a obrigação de comunicação de situações de incumprimento ao Banco de Portugal, situação aliás obrigatória, alias em face da Instrução n.º 7/2006 do Banco de Portugal, que o próprio acórdão recorrido cita (p. 50 - 2.º parágrafo).

27.ª - E imputava à Recorrente um dever de extra-diligência (roçando quase a culpa levíssima), para além do padrão médio, por ter de agir de modo a ver os seus direitos exercidos, respeitando os direitos de terceiros e, ao mesmo tempo, equacionar a possibilidade de haver uma causa de ilicitude que desconhece e que nem faz a menor ideia da sua veracidade, e que pode fazer com que, a verificar-se, retire a causa de justificação para a sua atuação, que tinha como lícita, mas que será valorada, a posteriori, num juízo de prognose póstuma.

28.ª - Nesta senda, no que toca ao (2) "cumprimento coercivo de obrigação inexistente" e à (3) "comunicação de incumprimento inexistente à Central de Responsabilidades do Banco de Portugal", a Recorrente limitou-se a fazer uso dos meios legais à sua disposição e a cumprir os deveres de reporte a que está obrigada, não podendo as suas condutas ser tidas como ilícitas ou culposas, nem pela errada valoração dos efeitos retroactivos da nulidade, nem pela posterior verificação de invalidade da causa de justificação das condutas, que à data em que se verificaram se tinham como certas, lícitas e não culposas.

29.ª - No respeitante à valoração do nexo de causalidade entre os factos e danos patrimoniais e prosseguindo análise das normas violadas no aresto, se evidenciou que decidiu a Relação "(…) os comportamentos ilícitos e culposos da Ré (…) [têm] adequado nexo de causalidade com os danos sofridos pelos A.A. (…), nomeadamente com a violação dos seus direitos de personalidade e de propriedade, resultantes de inicial e aparente celebração com ela de um contrato de financiamento para aquisição de um automóvel, das posteriores exigência coerciva do cumprimento de inexistentes obrigações dele resultantes e comunicação de inexistente incumprimento seu à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal, e não cancelamento da inscrição do direito de propriedade do veículo em causa, a favor do A. marido, na Conservatória do Registo Automóvel, de 09/05/ 2016 até 15/09/2017"

30.ª - Daqui se nota que o acórdão recorrido padece de nulidade por manifesta falta de justificação, nos termos da al. b) do n.º 1 do art.º 615.º ex vi art.º 666.º, n.º 1, do CPC, uma vez que a fundamentação da Relação para demonstrar a existência de nexo de causalidade, repetiu apenas, numa petição de princípio, que estava demonstrado o nexo de causalidade, sem mais.

31.ª - Concretamente no que respeita aos danos patrimoniais, verifica-se que, conforme ficou provado na sentença da 1.ª instância, se podem agrupar como sendo provindos de (1) processos judiciais tidos com a 1.ª R. e (2) contra-ordenações e outros processos com respeito pelo uso ilícito do veículo automóvel pelo 2.º R..

32.ª - A Recorrente não se conforma com a decisão por entender que os danos assim elencados têm, todos eles, uma dependência causal direta das condutas criminosas do 2.º R., i.e., a falsificação das assinaturas, a concessão de crédito e compra de veículo em nome dos A.A. e uso ilícito continuado desse mesmo veículo.

33.ª - De facto, os A.A. sofreram danos com as liquidações das coimas, perda de benefício fiscais e ações/impugnação das mesmas por força, apenas e só do uso indevido exclusivo do veículo pelo 2.º R. e ainda, a título antecedente, devido à falsificação das assinaturas efetuada pelo 2.º R., no respeitante à concessão de crédito e compra de veículo em nome dos A.A. pelo 2.º R..

34.ª - Deste modo, havendo um nexo de causalidade tão forte entre todos estes danos e as condutas criminosas do 2.º R., não entende a Recorrente a razão de ser do entendimento da Relação – repita-se omisso em relação à fundamentação da imputação dos danos patrimoniais à 1ª R. – ao afirmar que se não fosse o crédito concedido não se verificariam os danos, e terá de ser sempre esta a responsável pelos danos.

35.ª - Tal sustentação nega o apoio literal que a lei confere ao nexo de causalidade adequada no seu sentido negativo, olvidando que obriga a que se atente a “conditio sine qua non” dos danos verificados, a qual pode apenas ser a conduta criminosa do 2.º R.;

36.ª - O que significa que à pergunta: era possível a consumação dos danos, se não fosse o plano operado pelo 2.º R. e a sua conduta criminosa? A resposta terá sempre de ser: não.

37.ª - Efetivamente, os danos patrimoniais já citados não dispõem de qualquer conexão com a não observância das regras de contratação ou com a comunicação à Central de Responsabilidades do Banco de Portugal e defender a existência de nexo de causalidade adequada entre aqueles e estas seria estender “ad infinitum” o conceito de "causa" até ao ponto em que se tivesse de responsabilizar o agente da 1.ª de todas as causas.

38.ª - É jurisprudencialmente assente que na formulação negativa da teoria da causalidade adequada, o facto que atuou como condição do dano só deixa de ser considerado como causa adequada, quando para a sua produção tiverem contribuído decisivamente circunstâncias anormais, excecionais, extraordinárias ou anómalas,

39.ª - Assim, não existe qualquer nexo de causalidade adequada entre os danos verificados e o facto da Recorrente ter intentado ação executiva contra os Recorridos ou ter comunicado a situação de incumprimento ao Banco de Portugal, já que aqueles são alheios a estas condutas, pelo simples factos de terem surgido pelo uso ilícito do veículo e pelas restantes condutas criminosas do 2.º R. circunstâncias verdadeiramente anómalas!

40.ª - De um mesmo modo, infundadamente por certo, decidiu a Relação que o facto da Recorrente não ter (4) cancelado a inscrição do direito de propriedade do veículo em causa, a favor do A. marido, na Conservatória do Registo Automóvel, foi também causa adequada à verificação dos danos patrimoniais.

41.ª - Fundamentação que não se entende, padecendo aqui o acórdão de nulidade por ser contraditório nos termos da al. c) do n.º 1 do art.º 615.º ex vi n.º 1 do art.º 666.º do CPC,

42.ª - Já que determina que o facto de não ter procedido ao cancelamento da inscrição do direito de propriedade do veículo em causa, a favor do A. marido, na Conservatória do Registo Automóvel, tornou-se ilícito apenas a partir de 09/05/2016 e até 15/09/2017, porém, decide, posteriormente, pela integral responsabilidade de pagamento da indemnização referente a danos anteriores à verificação de mesma ilicitude (!).

43.ª - Ora tal é demonstrativo (como o é também a inexistência de fundamentação) de que a Relação não avaliou caso a caso, cada nexo alegadamente existente entre cada facto e cada dano,

44.ª - Por outro lado, e cingindo-nos à valoração do nexo de causalidade entre os factos e os danos não patrimoniais também aqui a Relação decidiu que todos os danos não patrimoniais tinham provindo da acção da Recorrente.

45.ª - Os danos não patrimoniais invocados dividem-se no aresto recorrido em dois grupos:

- Um primeiro grupo, em que todos têm uma forte (e única) relação causal com as condutas criminosas do 2.º R., como sendo o medo, inquietação, angústia, stress, nervosismo, ansiedade e sofrimento e mau estar psicológico sentidos pelos Recorridos por serem executados numa ação executiva com as possibilidades de alienação de bens e penhora de vencimentos; por estarem com os seus nomes assinalados na central de responsabilidade de crédito do Banco de Portugal; por se verem responsabilizados por dívidas e perdas de benefícios fiscais e por serem arguidos em autos de contra-ordenação pela circulação do veículo conduzido pelo 2.º R.;

- Um segundo grupo, em que a causa se deve ao cumprimento tardio das sentenças condenatórias e que levou à manutenção de alguns desses danos não patrimoniais, nomeadamente aqueles relacionados com a manutenção dos nomes dos Recorridos (3) na central de incumprimentos do Banco de Portugal e o não (4) cancelamento da inscrição do direito de propriedade do veículo em causa, a favor do A. marido, na Conservatória do Registo Automóvel, imediatamente a seguir ao trânsito em julgado das aludidas sentenças condenatórias.

46.ª - Contrariamente ao que ficou assente pela 1.ª Instância – em que se ponderar dois nexos causais distintos, sendo um deles decorrente da conduta criminosa do 2.º R. e o outro com o não cumprimento das sentenças condenatórias por parte da Recorrente -, a decisão da Relação pauta-se por ter aglomerada sem mais, todos os danos e todos os factos, como se não existissem tantos nexos quantos factos e danos.

47.ª - A Recorrente apenas pode reafirmar que a decisão de 1.ª instância concluiu e bem que fora o efeito exclusivo da conduta criminosa do 2.º R. que provocou as "demandas judiciais administrativas e tributárias" ao praticar ilícitos vários com o veículo em nome dos A.A. e tal não pode deixar de ser tido como causa imediata dos danos morais invocados.

48.ª - Igualmente se mostrando demonstrado que foi a conduta criminosa do 2.º R. em ter acedido a crédito em nome dos A.A. que potencialmente despoletou neles "inquietação, angústia, stress, ansiedade, nervosismo, humilhação, desgosto e mau estar físico e psicológico",

49.ª - E como se não tivesse sido igualmente por causa do 2.º R. que os Recorridos tiveram de "demandar o auxílio de terceiros para lhes lerem a correspondência recebida, e por terem de realizar múltiplas e reiteradas deslocações e diligências exigidas pela sua defesa".

50.ª - Por isso não pode conformar-se a Recorrente com as ponderações feita pela Relação especialmente ao afirmar que:

«(…) ela própria [a Recorrente] esteve relevantemente na base da violação dos seus direitos [dos Autores], ao viabilizar levianamente a celebração do inicial contrato de compra e venda de automóvel, por financiamento de bem a ele subjacente" , indo conclusivamente ainda mais longe e afirmando que "(…) não fora o leviano financiamento da aquisição de um veículo automóvel pretendida fazer por aquele [o 2.º Réu], levada a cabo pela Ré (…) e a dita situação não teria condições para se verificar, ou tê-lo-ia sido em moldes necessariamente diferentes».

51.ª - Ora, em primeiro lugar, importa notar a petição de princípio feita pela Relação ao afirmar que os danos se verificaram pela conduta da Recorrente porque, se não fosse a conduta da Recorrente, os danos nunca se tinham verificado,

52.ª - O que, mais uma vez corrobora a falta de fundamentação latente em todo o acórdão, pois que justificar a veracidade de uma premissa com a própria veracidade da premissa não se enquadra nos moldes daquilo que é a obrigação de fundamentação prevista no art.º 615.º, n.º 1, al. b) do CPC, ainda para mais em sede recursiva, culminando sim em nulidade.

53.ª - Em segundo lugar, novamente, a Relação estende o conceito de causalidade adequada “ad infinitum”, o que, conforme já explanado, não pode ser permitido por não ser esse o entendimento plasmado para o art.º 563.º do CC, desprovido de apoio literal, que leva a resultados que, à partida, seriam tidos como absurdos, mas que se baseados nesta teoria da causalidade infinita até teriam suporte.

54.ª - Como ficou consignado em outro aresto jurisprudencial com raciocínio similar, é necessário efetuar uma análise hipotética para se verificar qual “a conditio sine qua non” para se determinar qual a causa do prejuízo, e se ele é imputável ao réu no processo ou a qualquer outro elemento estranho. A teoria da causalidade adequada pondera as condições sob o prisma de um conceito subjetivo do curso natural das coisas, que revelará se a condição é apropriada para produzir o dano, sem ser necessário que o gere direta e exclusivamente, mas que, independentemente de ser mais próxima ou mais remota, seja essencialmente decisiva na produção do dano a partir de uma perspetiva social e de uma valoração geral de todas as circunstâncias e do encadeamento de fatos;

55.ª - O que não se aceita que tenha sucedido em face da Relação ter optado por juntar todos os factos como se de um só se tratasse e determinado a existência de nexo de causalidade entre este(s) e todos os danos não patrimoniais, não se descortinando limites temporais adequados na sua individualização e, independentemente das especificidades, tanto de uns como de outros;

56.ª - De facto, correto encontrava-se o entendimento da 1.ª Instância, especialmente ao afirmar que "[foi o comportamento do R. DD que causou todos os danos que os autores sofreram, que determinou uma reviravolta na vida daqueles, que lhe retirou a tranquilidade e o sossego, que os fez passar por momentos de angústia, inquietação e sofrimento. / Foi por causa da conduta do R. DD que os A.A. se viram responsabilizados por dívidas, designadamente fiscais, que não contraíram e pela circulação de veículo automóvel que não possuía. / Foi por causa da conduta do R. DD que o A. se viu responsabilizado por contra-ordenações que não praticou.",

57.ª - Devendo admitir-se apenas que a responsabilidade da Recorrente, nos exatos limites que se descreveu até ao momento, pelo pagamento dos danos não patrimoniais verificados, possa ser fixada apenas e quanto àqueles resultantes pelo não cumprimento das sentenças condenatórias.

58.ª - Sem prejuízo, no que se refere ao quantum indemnizatório fixado em 2.ª instância, decidiu a Relação que a Recorrente é co-responsável pelos danos patrimoniais, fixando a indemnização a atribuir em € 2.000,00, e a responsabilidade por danos não patrimoniais em € 20.000,00.

59.ª - O que não pode aceitar a Recorrente, em face do já exposto quanto à falta de preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil no que toca aos danos verificados, em especial o nexo de causalidade, mas ainda, por não se afigurar acertado em termos equitativos a condenação do pagamento da totalidade do montante da indemnização, pelas razões que se exporão quanto se debruçar sobre a responsabilidade solidária.

60.ª - Contudo, no que respeita à quantificação, em momento algum pode a Recorrente ser considerada responsável pelos danos patrimoniais, ou sequer, pela grande parte dos danos não patrimoniais, com excepção daqueles cuja produção se verificou apenas pelo não cumprimento das sentenças condenatórias, certo é que o quantum indemnizatório por referência aos danos não patrimoniais se encontra exponencialmente acima do valor que se deveria ter como correto em termos de jurisprudência corrente e, não se aceitando o determinado pela Relação, que teve "(…) por mais ajustada à indemnização dos danos não patrimoniais sofridos pelos A.A. (…) a quantia de € 20.000,00, pela qual serão ambos os R.R. solidariamente responsáveis.”

61.ª - As parcas justificações para tal subida do montante indemnizatório entre instâncias cingem-se no "grau de culpabilidade do agente", admitindo que "(…) tais danos advieram da conduta criminosa do R. (…), que inclusivamente se aproveitou para o efeito da boa vontade e solidariedade   social dos A.A. (…) e da conduta reiteradamente negligente e, depois dolosamente relapsa, da Ré (…), não obstante dispor de uma organização empresarial para assegurar o cumprimento dos seus deveres"; na "situação económica dos Réus", sendo que "(…) nada foi alegado em tempo oportuno pelos Autores; e, por isso, nada se provou a propósito [sabendo-se], porém, ser a Ré (…) uma sociedade comercial, que se acredita de larga capacidade económico-financeira (a mesma que lhe permite e justifica que continue a operar no mercado, onde as sociedades comerciais só se deverão manter se tiverem os lucros que determinaram a sua constituição, e determinam a sua operação)" ; na "situação económica dos Autores", a qual "(…) apurou-se ser a mesma precária" e nas "demais circunstâncias do caso", atendendo "(…) às condições pessoais dos A.A,. (…), ao enormíssimo lapso de tempo a que estiveram sujeitos à reiterada compressão dos seus direitos, inclusivamente mercê da mobilização da máquina do Estado (…) e à total ausência de justificação para o prolongado comportamento relapso da R. (…), uma vez sabedora da razão que assistia aos A.A., sendo certo que ela própria esteve relevantemente na base da violação dos seus direitos, ao viabilizar levianamente a celebração do inicial contrato de compra e venda de automóvel, por financiamento da aquisição de bem a ele subjacente" ,

62.ª - E igualmente o aresto recorrido indica ter-se socorrido da comparação com as diversas decisões jurisprudenciais relativas a factualidade idêntica.

63.ª - Porém, afigura-se ser uma fundamentação assim exposta contraditória, pois que a Relação havia avisado que "não deve confundir-se a equidade com a pura arbitrariedade ou com a total entrega da solução a critérios assentes em puro subjetivismo do julgador”, mas, mais à frente na sua motivação a respeito da valoração do grau de culpa do agente e para cada facto em análise, entende a Relação, que no que respeita ao (2) cumprimento coercivo de obrigação inexistente, que o " seu comportamento foi também culposo, pelo menos a título de negligência”, pese embora essas ações consubstanciem também “a prática de facto ilícitos e culposos da sua parte”;  

64.ª - Por sua vez, no que toca à (3) comunicação de incumprimento inexistente à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal, que o “seu comportamento foi também culposo, pelo menos a título de negligência”, mas que afinal “consubstancia a prática de facto ilícito e culposo seu”;

65.ª - O que leva a Recorrente a questionar se afinal foi valorado o grau de culpa do agente, por ser o próprio aresto a afirmar repetidas vezes que há "culpa pelo menos a título de negligência", apenas para equiparar a final, um juízo de censura às condutas da mesma com um “quantum” indemnizatório acriterioso e idêntico ao do 2.º R..

66.ª - Ao lado do enquadramento casuístico na análise do grau de culpa, vem a Relação, certamente com conhecimento próprio da realidade económico-financeira, determinar que, pelo facto da Recorrente ser uma sociedade comercial, a mesma terá necessariamente de ser de larga capacidade,

67.ª - O que significa que a arbitrariedade, que a Relação avisou que havia de ser afastada, afinal teve um papel decisivo na determinação do quantum indemnizatório, visto que, sem elementos, sem conhecer, especulando apenas, o acórdão delimita um pressuposto para fazer uso da equidade, apenas em termos puramente arbitrários.

68.ª - A acrescer a tudo, vem ainda a Relação avocar contra si mesma, ao ponderar as demais circunstâncias do caso, afirmando que ajudou ainda à determinação do “quantum” indemnizatório, o facto da Recorrente ser “sabedora da razão que assistia aos A.A., sendo certo que ela própria esteve relevantemente na base da violação dos seus direitos, ao viabilizar levianamente a celebração do inicial contrato de compra e venda de automóvel, por financiamento da aquisição de bem a ele subjacente”;

69.ª - A este respeito o aresto vem invocar de novo a retroatividade do estado mental da Recorrente, justificando a Relação que a Recorrente deveria ter previsto que os A.A. tinham razão, ao arrepio da decisão de 1.ª Instância, não podendo a Relação determinar estados mentais passados que desconhece, por, além de ser facticamente impossível, estar também fora do seu grau de jurisdição.

70.ª - Assim, só pode a Recorrente assumir que também aqui foi casuisticamente determinado pela Relação a valoração subjetiva da sua postura que a primeira fez quanto aos portadores da razão, à semelhança do critério da sua situação económico-financeira, o que notoriamente não se aceita, pois que se lembrará que a ação humana depende de um tipo específico de consciência que a possibilite, não sendo tal compatível com a ideia que a Relação pretende fazer passar de que a Recorrente agiu sabendo que a razão assistia aos A.A., ainda que todas as suas condutas indiquem que aquela achava que estes se encontravam em incumprimento, ou seja, que não tinham razão.

71.ª - Por tudo isto, ainda que se decida em definitivo que a Recorrente é considerada responsável por todos os danos em causa, nem assim a determinação do quantum indemnizatória pode chegar a valores tão elevados, por conta da incorreta aplicação dos critérios para se fazer uso da equidade, pois que terá sempre de revestir natureza proporcional à gravidade do dano, ajuizando o tratamento de casos semelhantes por via dos princípios da igualdade e da proporcionalidade e tomando em conta para a sua fixação as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação da realidade e todos os dados disponíveis nos autos.

72.ª - Por fim, a fixação da solidariedade da responsabilidade assim decidida pela Relação, existe um novo excesso de pronúncia, por ter decidido que a obrigação de pagamento da indemnização era solidária, condenando, até para além do petitório dos A.A. (na proporção que requerem na P.I.), já que condena ambos os R.R. (a Recorrente e o 2.º R.) no pagamento de € 2.000,00 a título de danos patrimoniais e € 20.000,00 a título de danos não patrimoniais, a título solidário.

73.ª - A Recorrente já explicitou que tal análise fragmentada das condutas de ambos os R.R. em contraposição com a ponderação dos requisitos da responsabilidade civil, conforme se demonstrou, conclui que a culpabilidade de ambos os intervenientes é idêntica natureza (Cfr. p. 70.º, 3.º parágrafo, p. 75, 1.º parágrafo, e p. 76, 4.º parágrafo).

74.ª - Raciocínio baseado por um lado nas imputações objetiva e subjetiva dos vários factos e por balizar tantas condutas da Recorrente quantos danos houvesse, impondo, infundadamente, nexos causais entre estes e tantos atos que podia ou deveria ter adotado na sua posição,

75.ª - Ora, acompanhar tal decisão é de extrema incorreção, porque o n.º 1 do art.º 497.º do CC apenas tem aplicabilidade nos casos de concurso de responsabilidade pelos danos e não nos casos em que várias pessoas são responsáveis por diferentes danos.

76.ª - Pois que ainda que a Relação não tenha separado as condutas do 2.º R. e os danos por si causados, das condutas da Recorrente e os danos por esta causados, tal erro de análise não pode servir de justificação para a errada aplicação da aludida norma.

77.ª - De facto, a Relação não andou bem quando assumiu que todos os danos verificados, tanto foram culpa das condutas da Recorrente (ainda que negligentes na sua maioria), como das do 2.º R. (dolosas na sua totalidade), porque não foram, bastando para tanto ler os factos dados como provados em sede de 1.ª Instância.

78.ª - Assim, concretamente, no respeitante aos danos patrimoniais e equacionando o cenário da sua responsabilidade como mera hipótese académica, ainda aí a Relação decidiu mal porque mesmo de acordo com a sua teoria da retroatividade da ilicitude e da culpa, haveria danos notoriamente dependentes da conduta exclusiva do 2.º R., como as coimas, as contra-ordenações, as ações tributárias e administrativas, etc.,

79.ª - Com a mesma posição quanto aos danos não patrimoniais, decidindo que estes haviam sido todos causados, tanto pela Recorrente, como pelo 2.º R., o que não se admite, pelo que deveria ter determinado que a responsabilidade pelos mesmos não haveria de ser solidária.

80.ª - O que teria sido a decisão correta, pois que também nesta sede existem danos que foram exclusivamente causados em decorrência da ação direta do 2.º R. e outros que foram consequência de ambos e outros apenas pela Recorrente,

81.ª - Daí que não mereça nenhuma censura a sentença da 1.ª Instância, pois que, contrariamente à Relação, analisou cada pressuposto da responsabilidade civil, determinou quais os danos causados pelo 2.º R. e, fundamentadamente, delimitou quais aqueles que haviam sido causados pela Recorrente, sendo estes últimos aqueles respeitantes ao não cumprimento das sentenças condenatórias.

82.ª - Face ao exposto, tem-se que a Relação andou mal ao condenar ambos os R.R., solidariamente, no pagamento de € 2.000,00 a título de danos patrimoniais e € 20.000,00 a título de danos não patrimoniais aos A.A., repartindo ainda a proporção de culpa em 50%, sendo o correto, o ajuizado pela 1.ª Instância, devendo, por conseguinte, ser revogado o acórdão proferido.

8. Os A.A. apresentaram contra-alegações a pugnar pela confirmação do julgado.


         Cumpre apreciar e decidir.


   II - Delimitação do objeto do recurso


Do teor das conclusões da Recorrente em função das quais se delimita o objeto do recurso, extrai-se que o objeto da presente revista excecional incide sobre as seguintes questões:   


A - As questões das invocadas nulidades do acórdão recorrido com fundamento em:

   a) – Vícios de excesso de pronúncia no respeitante: ao juízo de ilicitude imputado à 1.ª R. (conclusões 5.ª a 11.ª); à imputação da culpa à mesma R. a título de culpa in elegendo ou in vigilando de auxiliar no cumprimento da prestação (conclusão 13.ª); à condenação solidária dos R.R. na totalidade das indemnizações arbitradas para além da repartição que fora peticionada pelos A.A. (conclusão 72.ª);   

   b) – Falta de fundamentação e contradição quanto à existência de nexo de causalidade entre os danos sofridos pelos A.A. e os factos ilícitos imputados à 1.ª R. – conclusões 29.ª a 52.ª;


B – As questões sobre o mérito da decisão recorrida, com fundamento em erro de interpretação e aplicação do direito, quanto:

a) – Aos juízos de ilicitude e de culpa imputados à 1.ª R. na perspetiva dos danos ocorridos antes da declaração de nulidade dos contratos em referência;  

b) – Ao estabelecimento do nexo de causalidade adequado entre a conduta imputada à 1.ª R. e tais danos;

c) – À quantificação dos montantes indemnizatórios, que a Recorrente tem por excessiva;

d) – À determinação da responsabilidade solidária dos R.R., sem diferenciação dos danos pelos quais um e outro são responsáveis e dos respetivos graus de culpa.   


III - Fundamentação


1. Factualidade dada como provada pelas instâncias


         Vem dada como provada pelas instâncias a seguinte factualidade:

1.1. Em 10/03/2009, AA e mulher BB, aqui autores, intentarem contra CC, S.A., aqui 1.ª R., e DD, ora 2.º R., uma ação declarativa sob a forma de processo ordinário, que correu termos sob o n.º 886/09.3TBBCL, na Comarca de …. - …. - Instância Central, 1ª Secção Cível, J…, na qual peticionaram, a título principal, que fosse declarado nulo o contrato de crédito n.º 61…2 celebrado entre eles próprios e a 1.ª R. e os contratos a ele associados, por terem sido todos celebrados com violação dos deveres de comunicação e informação previstos no Regime Geral das Cláusulas Contratuais Gerais, e ainda, do princípio da boa-fé.

1.2. O referido contrato de crédito n.º 61…2 destinou-se à aquisição de um veículo automóvel de marca Audi, modelo A4, matrícula ...-DX-..., no valor de € 19.115,00;

1.3. Por sentença proferida em 01/03/2015, na ação declarativa sob a forma de processo ordinário, que correu termos sob o n.º 886/09.3TBBCL, pela Comarca de …. - … - Instância Central, 1ª Secção Cível, J…, transitada em julgado em 29/04/2015, foi declarada a falsidade da assinatura da A. BB aposta no contrato de financiamento para a aquisição do crédito n.º 618062, foi declarado nulo o dito contrato de financiamento, e bem assim os contratos a ele associados; e foram os ali autores/reconvintes, AA e mulher BB, absolvidos do pedido de restituição formulado pela ré /reconvinte (CC, S.A.);

1.4. Na referida sentença, foi considerada provada a seguinte factualidade:

A) - O autor assinou o documento n.º 1 junto com a petição inicial, denominado de «Contrato de Financiamento para Aquisição a Crédito com n.º 61...2»;

B) - O referido contrato destinava-se à aquisição de um veículo automóvel de marca Audi, modelo A4, matrícula ...-DX-..., no valor de € 19.115,00;

C) - Ao crédito concedido acresceram encargos administrativos e fiscais, o que perfez um total de financiamento e encargos de € 34.157,89;

D) - O montante financiado e encargos seriam pagos através de 96 prestações mensais, iguais e sucessivas de € 352,95, com início em 23 de janeiro de 2008;

E) - Como garantia de cumprimentos das obrigações emergentes do citado contrato a 1.ª ré beneficiaria, como beneficia, de reserva de propriedade do veículo;

F) - O “Contrato de Financiamento para Aquisição a Crédito com n.º 61…2” encontra-se associado a um contrato de seguro automóvel de responsabilidade civil e danos próprios, celebrado através de «Declaração de Adesão ao Seguro Automóvel» em que é proponente o autor marido;

G) - O referido seguro foi contratado com a companhia de seguros “EE” e foi celebrado contra o pagamento de um prémio mensal de € 34,38;

H) - Ao contrato de fornecimento está também associado um seguro de vida com a apólice nº 3…6, celebrado através de “Declaração Individual de Adesão”, com a FF, para garantia de morte ou invalidez absoluta e permanente do titular, o autor marido;

I) - A adesão ora referida implica o pagamento de um prémio mensal de € 6,69;

J) - Os documentos foram todos assinados pelo autor marido nas instalações do Stand da …, em …., …, sem que se tivesse dirigido às instalações da 1.ª ré ou algum representante desta tivesse contactado consigo ou com a autora mulher;

K) - O contrato em causa foi apenas assinado por representante da 1.ª ré em data posterior à da assinatura do autor marido;

L) - Em meados de dezembro de 2007, o autor marido foi contatado pelo 2.º réu para assumir a qualidade de fiador, na compra de um veículo automóvel;

M) - Foi então que o 2.º réu concertou a compra de um veículo automóvel junto do Stand da …., propriedade da sociedade GG, Lda, com sede em …., ….;

N) - Naquele stand em … o 2.º réu negociou com o responsável de nome «HH» a compra do veículo automóvel de marca AUDI, modelo A4, matrícula ….- DX- … (n.º 4 da BI);

O) - Para que se concluísse o procedimento de compra foram necessários uma série de documentos, posto que o 2.º réu precisava de recorrer ao crédito para a compra da dita viatura;

P) - No que à autora mulher se refere, esta nunca teve qualquer contacto com o segundo réu para a aquisição do automóvel em crise nos autos;

Q) - Nunca forneceu qualquer documento pessoal ou informação bancária;

R) - Nunca se dirigiu nem ao Stand da …, nem às instalações da 1.ª ré;

S) - Nunca assinou algum documento relativo a essa aquisição;

T) - O autor, que, à data, não sabia ler nem escrever, assinou tudo quanto lhe foi dado para assinar, sem que, contudo, lhe fosse dado qualquer conhecimento de fundo ou de forma acerca do conteúdo de tais documentos;

U) - Fê-lo convencido de que eram apenas documentos essenciais à celebração do contrato de aquisição do automóvel pelo 2.º réu;

V) - Sem que o autor marido tenha, ele próprio, diligenciado para a obtenção de tal crédito ou sequer tivesse oportunidade de contatar anteriormente algum documento;

W) - E sem que tenha fornecido qualquer dado pessoal, seu ou da sua esposa, que não fosse o seu (do autor marido) Bilhete de Identidade e o número de identificação fiscal;

X) - Em 10 de março de 2008, saiu da conta dos autores a quantia de € 396,08;

Y) - Os autores apenas disso tiveram conhecimento no dia 17 de março de 2008;

Z) - Quando vieram a ser informados que ambos, o autor marido e a autora mulher, celebraram o contrato descrito em A) e que aquele montante correspondia ao pagamento de uma prestação em falta;

AA) - Antes de o 2.º réu ter contatado o autor para a compra do veículo automóvel objeto dos presentes autos, tinha, juntamente com a sua namorada, vendido ao autor marido uma máquina de purificação de água;

BB) - Para a venda da tal máquina de purificação de água, o 2. réu e a sua namorada convenceram os autores a pedirem, cada um de per si e simultaneamente, uma simulação de crédito para a aquisição da dita máquina;

CC) - Com tal pedido de simulação, o 2.º réu e a sua namorada obtiveram toda a informação relativa ao autor marido e à autora mulher, designadamente, dados pessoais, número de identificação bancária e modo como escrevem a sua assinatura;

DD) - O pedido de crédito foi aceite relativamente ao autor marido e relativamente à autora mulher;

EE) - Beneficiando, o 2.º réu e a sua namorada do montante relativo aos dois créditos;

FF) - Os autores não se encontram nem na posse nem na sua fruição do dito veículo;

GG) - É o 2.º réu que dispõe do seu certificado de matrícula;

HH) - Sendo que se encontra a circular com o veículo sem o respetivo seguro de responsabilidade civil ou imposto selo;

II) - O autor é (à data da petição) um homem de 41 anos de idade, semi-analfabeto;

JJ) - Sendo que em 2008/2009 frequentou o 4.º ano do 1º ciclo do ensino básico na Escola EB 2,3 …., …;

KK) - Aceitou como conforme à documentação que assinou, as explicações que lhe foram dadas tanto pelo 2.º réu, como pelo próprio responsável pelo Stand da …, de nome «HH»;

LL) - Só o autor marido assinou um pacto pré-elaborado, composto por diversas cláusulas elaboradas de antemão pela 1.ª ré;

MM) - Não se verificando qualquer negociação individual entre o autor marido e a 1.ª ré quanto ao teor e as condições do diverso clausulado contratual;

NN) - Tal facto verificou-se no que se refere aos contratos referidos em A), F) e H).

1.5. O «Contrato de Financiamento para Aquisição a Crédito com n.º 61…2» foi celebrado em 23 de dezembro de 2007.

1.6. Na sequência da celebração do «Contrato de Financiamento para Aquisição a Crédito com n.º 61….2», e da factualidade que resultou provada nos autos n.º 886/09.3TBBCL, descrita no ponto 1.4, os A.A. AA e mulher BB foram intervenientes nos seguintes autos:

a) - Autos de Instrução n.º 14/09.5PABCL, Secção única do Ministério Público de …. e Autos de Inquérito nº 15/09.3 PABCL (estes apensos aos primeiros), em que são ofendidos, respetivamente, o A. marido e a A. mulher e denunciado o 2.º R.;

b) - Ação de processo sumário n.º 1972/10.2TBBCL, do extinto … Juízo Cível do Tribunal Judicial de …, em que foi autora BB e réus II, S.A.., e DD;

c) - Ação executiva n.º 3211/13.5TBBCL, Comarca de …, Instância Central, 2.ª Secção de Execução, J…, em que são executados os A.A. e exequente a 1.ª R.;

d) - Embargos de executado n.º 3211/13.5TBBCL-A, Comarca de …., Instância Central, 2.ª Secção de Execução, J…, em que é embargante a A. mulher e embargada a 1.ª R.;

e) - Embargos de executado n.º 3211/13.5TBBCL-B, Comarca de …, Instância Central, 2ª Secção de Execução, J…, em que é embargante o A. marido e embargada a 1.ª R.;

f) - Impugnação judicial de contra-ordenação n.º 275797449, em que é arguido o A. marido;

g) - Impugnação judicial de contra-ordenação n.º 282770020, em que é arguido o A. marido;

h) - Impugnação judicial de contra-ordenação n.º 286648601, em que é arguido o A. marido;

i) - Impugnação judicial de contra-ordenação n.º 916324974, em que é arguido o A. marido;

j) - Ação executiva n.º 2704/14.1BRBRG, do Tribunal Administrativo e Fiscal de …., em que é executado o A. marido e exequente a Autoridade Tributária;

l) - Providência cautelar n.º 886/09.3TBBCL-A, do extinto 1.º Juízo do Tribunal Judicial de … em que são requerentes os A.A. e requeridos os R.R..

1.7. Na sequência do «Contrato de Financiamento para Aquisição a Crédito com n.º 61…2» e do registo da propriedade do veículo de matrícula ...-DX-... em nome do A. AA, efetuado pela Ap. 03…., de 14/02/2008, aquele foi, diversas vezes, notificado por JJ, S.A., e por KK, S.A., por falta de pagamento das taxas de portagem inerentes à circulação do dito veículo.

1.8. No ano de 2011, o A. AA recebeu de KK, SA, as seguintes notificações para pagamento das taxas de portagem: notificação n.º 091….13, de 2011-09-06; notificação n.º 091…79, de 2011-10-22; notificação n.º 091…A2, de 2011-10-22; notificação n.º 091…F5, de 2011-11-09.

1.9. No ano de 2011, o A. AA recebeu de JJ, S.A., as seguintes notificações para pagamento das taxas de portagem: notificação 35…44, de 2011-08-31; notificação n.º 35…44, de 11-11-2011.

1.10. No ano de 2012, o A. AA recebeu de KK, SA, as seguintes notificações para pagamento das taxas de portagem: notificação n.º 091….B2, de 2012-08-17; notificação n.º 091…B2, de 2012-08-17.

1.11. No ano de 2012, o A. AA recebeu de JJ, S.A., a seguinte notificação para pagamento das taxas de portagem: notificação n.º 02.3...5, de 2012-08-15.

1.12. No ano de 2013, o A. AA recebeu de KK, SA, as seguintes notificações para pagamento das taxas de portagem: notificação n.º 091….51, de 2013-01-18; notificação n.º 091…72, de 2013-03-09; notificação n.º 091…F5, de 2013-04-07; notificação n.º 091…36, de 2013-0520; notificação n.º 09…F5, de 2013-09-22; notificação n.º 091…E19, de 2013-10-26; notificação n.º 091….89, de 2013-11-23; notificação n.º 091...70, de 2013-12-2.

1.13. No ano de 2014, o A. AA recebeu de KK, SA, as seguintes notificações para pagamento das taxas de portagem: notificação n.º 091…425, de 2014-03-01; notificação n.º 091…9B2, de 2014-04-12; notificação n.º 091…A25, de 2014-07-11; notificação n.º 091…85, de 2014-11-14.

1.14. No ano de 2014, o A. AA recebeu de JJ, S.A., a seguinte notificação para pagamento das taxas de portagem: notificação n.º 34…44, de 16/01/2014.

1.15. No ano de 2015, o A. AA recebeu de KK, SA, as seguintes notificações para pagamento das taxas de portagem: notificação n.º 091...A7, de 2015-04-04; notificação n.º 091…92, de 2015-05-21; notificação n.º 091…B4, de 2015-05-22; notificação n.º 091…23, de 2015-07-01; notificação n.º 091….24, de 2015-11-09; notificação n.º 091….70, de 2015-08-27; notificação n.º 091…24, de 2015-11-09.

1.16. No ano de 2015, o A. AA recebeu de JJ, S.A., as seguintes notificações para pagamento das taxas de portagem: notificação n.º 02.3….73, de 07/01/2015; notificação n.º 02.3….71, de 08/07/2015; notificação 02.3….81, de 2015/11/18.

1.17. O 2.º R. DD, com intenção de obter para si, como obteve, o veículo de marca Audi, modelo A4, matrícula ...-DX-..., no valor de € 19.115,00, levou o A. AA a celebrar com a 1.ª R. um crédito que ascendeu ao montante de € 34.157,89; e fê-lo concertando ele próprio a venda com o stand automóveis que vendeu o veículo e socorrendo-se de uma série de documentos que antecipadamente (com uma venda de máquina de purificação de água) conseguiu obter do A. e da A..

1.18. Os documentos relativos ao mencionado «Contrato de Financiamento para Aquisição a Crédito com n.º 61…2» e contratos afins foram assinados sem que algum representante da 1.ª R. CC, S.A., contatasse com os A.A. AA e BB.

1.19. Em face da falta de pagamento pontual das prestações, a 1.ª R. CC, S.A., em data não concretamente apurada, mas anterior a 23/09/2013, resolveu o «Contrato de Financiamento para Aquisição a Crédito com n.º 61…2» relativo ao veículo de marca Audi, modelo A4, matrícula ...-DX-....

1.20. A R. CC, S.A., com o «Contrato de Financiamento para Aquisição a Crédito com n.º 61…2» celebrado, beneficiava, desde 14/02/2008, de reserva de propriedade do veículo.

1.21. Na sequência da resolução do «Contrato de Financiamento para Aquisição a Crédito com n.º 61…2», a R. CC, S.A., não procedeu ao averbamento, em seu nome, da propriedade do veículo de marca Audi, modelo A4, matrícula ...-DX-....

1.22. A propriedade do veículo de marca Audi, modelo A4, matrícula ...-DX-... esteve registada em nome do A. AA desde 14/02/2008 até 15/09/2017, data de extinção da matrícula da dita viatura.

1.23. Os A.A. AA e BB nunca tiveram a posse do veículo de matrícula ...-DX-....

1.24. O A. AA foi objeto de contra-ordenações rodoviárias em virtude do veículo de marca Audi, modelo A4, matrícula ...-DX-... se encontrar inscrito em seu nome junto da Conservatória do Registo Automóvel, sendo inclusivamente tratado pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária como reincidente.

1.25. O A. AA foi objeto de liquidação e execução de Imposto Único de Circulação relativo ao veículo de marca Audi, modelo A4, matrícula ...-DX-..., por o mesmo se encontrar inscrito em seu nome, não obstante os esforços levados a cabo por aquele para demonstrar junto da Autoridade Tributária que não era o verdadeiro proprietário do mencionado veículo.

1.26. Em virtude dos A.A. AA e BB estarem em situação de incumprimento do dever de pagamento do imposto automóvel relativo à viatura de marca Audi, modelo A4, matrícula ...-DX-..., a Autoridade Tributária cancelou-lhes o benefício fiscal de isenção de IMI nos anos de 2014 e 2015.

1.27. Por causa de tal cancelamento, os A.A. AA e BB tiveram de liquidar, a título de IMI referente à sua casa de habitação relativo aos anos de 2014 e 2015, a quantia global de € 450,06;

1.28. Em face da falta de pagamento das prestações do «Contrato de Financiamento para Aquisição a Crédito com n.º 61…2» por parte dos A.A. AA e BB, a CC, S.A., 1.ª R., comunicou tal incumprimento à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal, em março de 2015, tendo o A. marido ficado aí sinalizado.

1.29. Em 18/02/2016, a R. CC, S.A., procedeu à eliminação da situação de incumprimento anteriormente comunicada, relativa à centralização correspondente ao mês de março de 2015.

1.30. Em 19/02/2016, a R. CC, S.A., procedeu à eliminação da situação de incumprimento anteriormente comunicada, relativa à centralização correspondente aos meses de abril de 2015 a janeiro de 2016.

1.31. Os A.A. AA e BB, de todas as vezes que se depararam com um dos processos ou das contra-ordenações acima mencionados, tiveram de se deslocar à estação dos correios para proceder ao levantamento de correspondência, copiar a sua documentação pessoal, deslocar-se à segurança social/proceder ao envio via CTT para requerer patrocínio oficioso, efetuar requerimentos, deslocar-se ao tribunal para dar conta do pedido de apoio judiciário entretanto formulado, contatar a/o patrona/o nomeada/o e auxiliar em todos o desenvolvimento processual, efetuar deslocações ao tribunal.

1.32. Em todas as vezes que o A. AA foi objeto de notificação para pagamento de taxa de portagem, teve que se deslocar à estação dos correios para proceder ao levantamento de correspondência, copiar a documentação, solicitar a alguém que elaborasse a resposta a dar às notificações efectuadas, deslocar-se aos CTT para proceder ao envio da resposta à notificação.

1.33. As diligências levadas a cabo pelos A.A. AA e mulher BB descritas em 1.31 e 1.32, determinaram perdas de tempo de trabalho, em número de horas não concretamente apurado.

1.34. Para fazer valer a sua defesa junto de diversas entidades, os A.A. AA e BB tiveram ainda de suportar o custo com várias certidões judiciais, cujo preço médio é de € 20,40, em quantidade não concretamente apurada, mas nunca inferior a dez.

1.35. Os A.A. AA e BB enviaram cartas registadas, cujo preço médio é de € 1,70, com resposta (defesa) às notificações n.º 35…44, n.º 33….25, n.º 34…44, n.º 33…73 e n.º 35…81, que lhes foram remetidas por JJ, S.A..

1.36. Os A.A. AA e BB enviaram cartas registadas, cujo preço médio é de € 1,70, com resposta (defesa) a dezoito notificações que lhes remetidas por KK, S.A.., nas seguintes datas: 06-09-2011; 22-10-2011; 17-08-2012; 09-11-2012; 17-08-2013; 09-03-2013; 07-04-2013; 20-05-2013; 22-09-2013; 26-10-2013; 23-11-2013; 21-12-2013; 23-04-2014; 28-07-2014; 14-11-2014; 09-01-2015; 04-04-2015; 21 e 22-05-2015.

1.37. Os A.A. AA e BB são pessoas simples, de parcos recursos económicos e de baixa escolaridade.

1.38. Os A.A. AA e BB passaram pelo medo, inquietação, angústia e sofrimento psicológico de ver a sua casa de morada de família penhorada e suscetível de alienação no âmbito da ação executiva n.º 3211/13.5TBBCL (Comarca de …, Instância Central, … Secção de Execução, J…), em que eram executados e exequente a R. CC, S.A.; e pela humilhação de nela ver afixados éditos de execução.

1.39. Os A.A. AA e BB viram-se perante a possibilidade dos seus vencimentos serem penhorados no âmbito do processo supra referido.

1.40. Os A.A. AA e BB viram-se em situação de incumprimento assinalado junto da Central de Responsabilidade de Crédito do Banco de Portugal, o que lhes causou stress, ansiedade, nervosismo, inquietação e humilhação.

1.41. Toda a situação descrita causou aos A.A. AA e BB stress, ansiedade, nervosismo, medo, inquietação, desgosto e mau estar físico e psicológico.

1.42. Os A.A AA e BB instauraram contra os aqui R.R. uns autos de Providência Cautelar Comum, que correram termos sob o n.º 886/09.3TBBCL-A, no extinto … Juízo do Tribunal Judicial de …, no âmbito dos quais peticionaram a apreensão do veículo de matrícula ...-DX-..., tendo a R. CC, S.A., deduzido oposição de tal providência, declarando-se «única e legitima proprietária da viatura com a matrícula ...-DX-...».

1.43. Diversas vezes interpelada para proceder à apreensão e/ou à alteração da titularidade do veículo de matrícula ...-DX-... junto da Conservatória do Registo Automóvel, a R. CC, S.A., não o fez;

1.44. O A. AA intentou contra a R. CC, S.A., uma Ação de Processo Comum que correu termos sob o n.º 222/16.2T8BCL, na Instância Local Cível de … - J…, no âmbito da qual peticionou o seguinte: que fosse declarado nulo junto da Conservatória do Registo Automóvel o registo de propriedade automóvel que recai sobre o veículo com a matrícula ...-DX-..., da marca Audi, com a Ap. 03…8, de 14/02/2008; que a Ré fosse condenada a proceder ao cancelamento do registo de propriedade automóvel que recaía sobre o veículo com a matrícula ...-DX-..., de marca Audi, com a Ap 03…8, de 14/02/2008, e em consequência, repristinar-se o registo de propriedade automóvel com a Ap. 03817, de 14/02/2008; que fosse declarado nulo qualquer direito de crédito automóvel da R. sobre o A. com base no contrato de financiamento para a aquisição a crédito n.º 61…2; a condenação da R. a abster-se de comunicar o incumprimento do contrato de financiamento para a aquisição a crédito n.º 61…2 à Central de Responsabilidades do Banco de Portugal; a condenação da Ré, nos termos do art.º 829.º-A do Código Civil, na sanção pecuniária compulsória de € 50,00 diários por cada dia de atraso no cancelamento do registo de propriedade automóvel com a AP 03…8, de 14/02/2008 referente ao veículo com a matrícula ...-DX-... e, bem assim, por cada dia de atraso a abster-se de comunicar o incumprimento do contrato de financiamento para a aquisição a crédito n.º 61…2 à Central de Responsabilidades do Banco de Portugal.

1.45. Por sentença datada de 09/05/2016, proferida no Processo Comum n.º 222/16.2T8BCL, que correu termos pela Instância Local Cível de …. – J…, decidiu-se o seguinte:

 «a) - Declarar nulo o registo de propriedade automóvel que recai sobre o veículo com a matrícula ...-DX-..., da marca Audi, com a AP 03…8, de 14/02/ 2008;

 b) - Condenar a CC, S.A., a proceder ao cancelamento do registo de propriedade automóvel que recai sobre o veículo com a matrícula ...-DX-..., da marca Audi, com a AP 03…8, de 14/02/2008;

c) - Declarar nulo qualquer direito de crédito automóvel da ré sobre o autor com base no contrato de financiamento para a aquisição a crédito n.º 61…2;

 d) - Condenar a CC, S.A. a abster-se de comunicar o incumprimento do contrato de financiamento para a aquisição a crédito n.º 61…2 à Central de Responsabilidades do Banco de Portugal;

 e) - Condenar a CC, S.A., nos termos do art.º 829.º-A do Código Civil, na sanção pecuniária compulsória de € 50,00 diários por cada dia de atraso no cancelamento do registo de propriedade automóvel com a AP 03…8, de 14/02/2008 referente ao veículo com a matrícula ...-DX-... e, bem assim, por cada dia de atraso a abster-se de comunicar o incumprimento do contrato de financiamento para a aquisição a crédito n.º 61…2 à Central de Responsabilidades do Banco de Portugal.»


2. Factos dados como não provados


Foi dado como não provado que:

2.1. A conduta dos R.R. CC, S.A., e DD levou a que o A. AA tivesse de despender a quantia de € 408,00 (€ 376,12 + € 31,88) junto da Caixa Geral de Depósitos, em despesas que a dita instituição bancária teve com o Tribunal.

2.2. Os A.A. AA e mulher BB tiveram que custear honorários (agradecimentos) a todos aqueles a quem pediam para ler e escrever as cartas e demais requerimentos que tiveram de efetuar;

2.3. Os A.A. AA e mulher BB nunca até então tinham tido contato com os tribunais.


3. Do mérito do recurso


3.1. Das questões de arguição de nulidades do acórdão recorrido.

          

   Como acima se deixou enunciado, a Recorrente arguiu múltiplas nulidades do acórdão recorrido com fundamento em excesso de pronúncia, em falta fundamentação e em contradição desta, pedindo, nomeadamente, a sua anulação nessa parte.

   Embora o tribunal a quo não se tenha pronunciado sobre tais nulidades como lhe competia nos termos do artigo 617.º, n.º 1, ex vi do art.º 666.º, n.º 1, do CPC, não se tem por indispensável mandar baixar o processo para tal efeito (art.º 617.º, n.º 5, 1.ª parte), competindo aqui conhecer desses fundamentos da revista.


  a) – Quanto aos invocados excessos de pronúncia   


A Recorrente arguiu a nulidade do acórdão recorrido com fundamento em excesso de pronúncia, sustentando que ali se procedeu à aplicação de normas não invocadas por qualquer das partes, mais precisamente no respeitante ao juízo de ilicitude que lhe foi imputado (conclusões 5.ª a 11.ª) e à imputação à mesma R. de culpa in elegendo ou in vigilando do auxiliar no cumprimento da prestação, nos termos do art.º 800.º, n.º 1, do CC (conclusão 13.ª).

Sustenta ainda a Recorrente que também ocorre excesso de pronúncia na parte em que, no acórdão recorrido, se condenou ambos os R.R., solidariamente, na totalidade das indemnizações arbitradas para além da repartição de responsabilidades entre eles, na proporção de 75% para a 1.ª R. e 25% para o 2.º R., conforme fora peticionado pelos A.A. (conclusão 72.ª).


Vejamos.


O artigo 608.º, n.º 2, aqui aplicável ex vi do artigo do 663.º, n.º 2, do CPC, no que ora releva, prescreve que o juiz não se pode ocupar senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.

Correspondentemente, o artigo 615.º, n.º 1, alínea d), 2.ª parte, também aqui aplicável por via do artigo 666.º, n.º 1, do mesmo Código, comina a nulidade da sentença (no caso, do acórdão) para as hipóteses em que o juiz conheça de questões cujo conhecimento lhe estava vedado.

Para tanto, tem sido correntemente entendido que o conceito de “questão” compreende as pretensões ou exceções em causa, incluindo as pretensões recursórias, integradas como são pelo efeito prático-jurídico pretendido e o respetivo fundamento[1]. Nessa medida, não constituem “questão” os argumentos ou as linhas de raciocínio desenvolvidas na apreciação dessas questões.


Por outro lado, no âmbito de cada questão assim suscitada, não está o tribunal sujeito ao enquadramento normativo convocado pelas partes, competindo-lhe antes indagar, interpretar e aplicar as normas de direito que considere pertinentes e adequadas à resolução do litígio, como decorre, de forma lapidar, do disposto no artigo 5.º, n.º 3, do CPC.

Nem do ónus que recai sobre o recorrente, nos termos do artigo 639.º, n.º 2, do mesmo Código, de indicar as normas jurídicas tidas por violadas ou por aplicáveis resulta a vinculação do tribunal de recurso a tal indicação, mantendo a latitude de qualificação jurídica traçada no citado artigo 5.º, n.º 3.      

No caso em apreço, o objeto da apelação interposta pelos A.A. da sentença da 1.ª instância incidia sobre invocados erros de interpretação e aplicação do direito relativamente aos pressupostos da responsabilidade civil decorrente da nulidade do contrato de concessão de crédito para aquisição de veículo automóvel, aparentemente celebrado em nome dos A.A. com a 1.ª R., e do próprio contrato de compra e venda a que se destinou tal concessão, conforme fora declarado por sentença proferida no processo declarativo n.º 886/09.3TBBCL, transitada em julgado em 29/04/2015.

A questão que se colocava era a de saber em que medida é que era imputável à 1.ª R. conduta ilícita e culposa em sede da celebração do sobredito contrato de concessão de crédito que fosse determinativa da sua nulidade, bem como da nulidade do contrato de compra e venda associado, e que, por essa via, constituísse fundamento de responsabilidade civil, por parte daquela R., pelos danos sofridos pelos A.A..

Foi ainda neste quadro que o tribunal a quo, ao equacionar a invocada violação dos deveres de informação e comunicação impendentes sobre a 1.ª R. no domínio da celebração do referido contrato de concessão de crédito, convocou o disposto no artigo 800.º, n.º 1, do CC na perspetiva da responsabilização daquela R. pela atuação do vendedor como seu auxiliar na promoção desse contrato. 

Nesse contexto, o juízo de ilicitude e culpa formulado pelo tribunal a quo sobre a conduta imputada à 1.ª R. na celebração daquele contrato, nomeadamente por via do disposto no citado artigo 800.º, n.º 1, insere-se, claramente, no perímetro normativo das questões suscitadas pelos A.A. na apelação e que, como tal, as partes não podiam nem deviam ignorar.

Quanto à condenação solidária dos R.R. sem determinação da respetiva quota de responsabilidade, o certo é que os A.A. peticionaram tal condenação solidária, muito embora indicassem uma repartição na ordem dos 75% para a 1.ª R. e 25% para o 2.º R..

Porém, não se afigura que tal indicação obste, por si só, a que o tribunal condene solidariamente os R.R. pela totalidade das indemnizações devidas ao credor sem determinar a quota de repartição entre eles, mormente quando nem sequer se mostre viável estabelecer a respetiva proporção.

Nesta conformidade, conclui-se que o tribunal a quo, ao ter decidido como decidiu, não incorreu nos alegados vícios de excesso de pronúncia, podendo, quando muito, questionar-se o mérito dessa apreciação, como também questiona a Recorrente, o que será objeto de análise subsequente em sede própria.  

Termos em que improcedem as referidas nulidades do acórdão recorrido por excesso de pronúncia.

     

b) – Quanto à alegada falta de fundamentação e sua contradição no respeitante ao nexo de causalidade   


Vem ainda a Recorrente arguir a nulidade do acórdão recorrido com base em alegada falta de fundamentação e contradição desta relativamente ao estabelecimento do nexo de causalidade entre a conduta imputada à 1.ª R. e os danos sofridos pelos A.A..


Desde logo, importa ter presente que o n.º 1 do artigo 205.º da Constituição da República impõe que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente sejam fundamentadas na forma prevista na lei.

Na decorrência desse preceito constitucional, tal dever de fundamentação vem reeditado na disposição comum dos atos dos magistrados constante do artigo 154.º do CPC, estando os seus parâmetros estabelecidos, em sede da sentença, no 607.º, n.º 3 a 5, aplicável aos acórdãos da Relação por via do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma.

 Em sintonia com esse dever de fundamentação, o artigo 615.º, n.º 1, aplicável também aos acórdãos da Relação por força do art.º 666.º, n.º 1, ambos do referido Código comina a nulidade da sentença, no que aqui releva, quando:

b) – Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

c) – Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.

   Trata-se assim de vícios formais erigidos em fundamento de invalidade dessas decisões na sua dimensão de atos processuais. Significa isto que tais vícios só ocorrem quando sejam obstativos de qualquer pronunciamento de mérito ou demérito sobre o objeto das mesmas.

   É nessa linha que se tem entendido que a falta de fundamentação só releva quando seja absoluta e não meramente insuficiente ou medíocre. E pela mesma bitola se devem aferir os vícios de contradição, ambiguidade ou obscuridade da fundamentação.

  Assim, em caso de fundamentação insuficiente ou que contenha incoerências ou pontos menos claros, desde que não a tornem ininteligível para um pronunciamento de mérito, tais anomalias não relevam como vícios formais, sendo antes sindicáveis como eventuais erros de julgamento.

   Ora, da fundamentação do acórdão recorrido consta uma abordagem inicial genérica sobre os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, incluindo, além do mais, a definição do critério a seguir na caracterização do nexo de causalidade ao abrigo do artigo 563.º do CC e à luz da teoria da causalidade adequada (fls. 739-740). Depois, já em sede de análise do caso concreto (fls. 763-765), procurou-se identificar, ainda que de forma algo enunciativa e breve, os danos patrimoniais suscetíveis de reparação e o modo de determinar a respetiva indemnização por equivalente, nos termos dos artigos 562.º e 566.º, n.º 2, do mesmo Código e de acordo com a “teoria da diferença”.

  Poderá considerar-se essa enunciação pouco substancial ou demasiado genérica perante a diversidade dos danos em causa e, nessa medida, pouco convincente, mas não se afigura que, nesse particular, ocorra falta absoluta de fundamentação ou que a fundamentação desse modo expressa seja contraditória, ambígua ou obscura, nos termos acima aludidos, mostrando-se, ainda assim, suscetível de ser objeto de reapreciação em sede de mérito.

    Termos em que se conclui também aqui pela improcedência da arguição das sobreditas nulidades do acórdão recorrido.        


 3.2. Quanto às questões de mérito        


3.2.1. Dos contornos do litígio

 

Com a presente ação pretendem os A.A. obter a condenação solidária dos R.R. a pagar-lhes as quantias de € 7.500,00 e de € 40.000,00 a título, respetivamente, de indemnização por danos patrimoniais e de compensação por danos não patrimoniais sofridos por aqueles em consequência de um contrato de concessão de crédito, com vista à aquisição de um automóvel, celebrado em 23/12/2007 com a 1.ª R. CC - Instituição de Crédito, S.A., em que os mesmos A.A. figuravam como mutuários, mas que acabou por ser declarado nulo.

Alegaram, para tanto, que o referido contrato de concessão de crédito e o contrato de compra e venda do veículo que lhe estava associado foram declarados nulos com fundamento em violação, por parte da 1.ª R., dos deveres de informação e comunicação das cláusulas contratuais gerais da proposta pré-elaborada daquele contrato de concessão de crédito e ainda em falsificação da assinatura da A. BB, conforme sentença, transitada em julgado em 29/04/2015, proferida no processo n.º 886/09. 3TBBCL que correu termos entre as mesmas partes da presente ação.

Sustentaram ainda que o 2.º R. atuou por forma a que o A. marido, pessoa semi-analfabeta, assinasse o sobredito contrato de crédito, que não queria, apenas para que fosse aquele R. a beneficiar, como beneficiou, em exclusivo, do automóvel assim comprado, tanto mais que os A.A. nem sequer possuíam habilitação para conduzir.

Invocaram os A.A. como danos a ressarcir os múltiplos incómodos e despesas que tiveram, conforme o já acima relatado, com diversas ações e impugnações judiciais - aquelas tendo por objeto os contratos em referência, estas para impugnar contra-ordenações resultantes da circulação do automóvel –, com várias notificações para pagamento de taxas de portagem decorrentes dessa circulação e com deslocações e custos para obter documentação e para pagar honorários. Invocaram também, como danos ressarcíveis, a perda do benefício de isenção de IMT por serem tidos como devedores do imposto único automóvel e a sinalização do A. marido junto da Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal por falta de pagamento de quantias alegadamente devidas em virtude do contrato de concessão de crédito.


Na 1.ª Instância, face à factualidade provada, foi considerado, em síntese, que a totalidade dos danos patrimoniais sofridos pelos A.A. tiveram origem exclusivamente na atuação ilícita e culposa do 2.º R..

Quanto à 1.ª R. CC, S.A., ali só lhe foram considerados imputáveis, a título de ilicitude e culpa, o facto de não ter comunicado ao Banco de Portugal a cessação de incumprimento do contrato de concessão de crédito, por parte do A. AA, na decorrência imediata da sentença proferida no processo n.º 886/09.3TBBCL, transitada em 29/04/ 2015, só o fazendo em 18/02/2016, e ainda o facto de não ter procedido ao cancelamento do registo de propriedade do automóvel em nome do mesmo A. logo após a sentença proferida, em 09/05/2016, no processo n.º 222/16. 2T8BCL, em que fora declarado nulo aquele registo e a R. CC condenada a efetuar tal cancelamento, demorando mais de 450 dias.

Seguidamente, depois de fixar a totalidade dos danos patrimoniais, segundo a equidade, em € 2.000,00 e dos danos não patrimoniais em € 12.000,00, atenta proporção indicada na petição inicial de 25% para o 2.º R. e de 75% para a 1.ª R., condenou:

a) - O 2.º R. DD a pagar aos A.A. € 500,00, acrescida de juros de mora desde a citação, pelos danos patrimoniais e € 3.000,00, também acrescida de juros de mora mas desde a data da sentença, a título de danos não patrimoniais;

b) – A 1.ª R. CC, S.A., a pagar-lhes, a título de danos não patrimoniais em virtude dos sobreditos factos ilícitos, a quantia de € 6.000,00, acrescida de juros de mora desde a data da sentença.


Tendo os A.A. recorrido dessa decisão a pugnar pela fixação dos danos patrimoniais em € 7.950,06 e dos danos não patrimoniais em € 40.000,00 e pela condenação de ambos os R.R. nesses montantes, a Relação, julgando parcialmente procedente a apelação, alterou a sentença recorrida no sentido de condenar solidariamente estes R.R. a pagarem aos A.A. € 2.000,00 pelos danos patrimoniais e € 20.000,00 a título de danos não patrimoniais.

Para tanto, foi considerado que o “incumprimento” das regras de contratação por parte da 1.ª R. CC, S.A., através de auxiliar como era o vendedor por ela utilizado na promoção da celebração do contrato de concessão de crédito, consubstanciava a prática de um facto ilícito e culposo pelo qual aquela era responsável por via do artigo 800.º, n.º 1, do CC.

Seguidamente, atendendo à eficácia retroativa (ex tunc) da declaração de nulidade, foi salientado que não é o reconhecimento judicial da causa de nulidade do contrato que cria o facto ilícito, apenas o reconhecendo a posteriori, para se concluir que:  

«[…] a R. (…), ao pretender exigir coercivamente o cumprimento, pelos Autores (…), das obrigações que para eles decorriam do contrato de financiamento nulo, violou, sem aquela idónea causa de justificação, os seus direitos de personalidade e de propriedade (maxime ao promover contra eles uma acção executiva, com penhora da sua casa de morada de família).

(…)

[…] as acções desenvolvidas pela Ré (…) com vista ao cumprimento coercivo de obrigações inexistentes, e violadoras quer dos direitos de personalidade dos Autores (…), quer do seu direito de propriedade, consubstanciam a prática de factos ilícitos e culposos da sua parte.»

     Nessa linha, considerou a Relação que os comportamentos ilícitos e culposos da R. revelavam adequado nexo de causalidade com os danos sofridos pelos A.A., nomeadamente a violação dos direitos de personalidade e de propriedade destes resultante da inicial e aparente celebração do contrato de concessão de crédito, das posteriores exigências coercivas do cumprimento de obrigações derivadas do referido contrato - mas inexistentes - da comunicação à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal do incumprimento, também inexistente, atribuído ao A. e do não cancelamento da inscrição predial do direito de propriedade do veículo em causa a favor do mesmo A., de 09/05/2016 a 15/09/2017.  

        


     Na presente revista, vem a 1.ª R./Recorrente impugnar o acórdão recorrido nas seguintes vertentes:

i) – Relativamente ao juízo de ilicitude e culpa sobre os factos que lhe são imputados, invocando erro de interpretação e aplicação dos artigos 483.º, n.º 1, e 800.º, n.º 1, do CC por considerar que não está aí abrangida a ilicitude resultante de violação dos deveres previstos nos Decretos-Leis n.º 359/91, de 21-09, e n.º 446/85, de 25/10;    

ii) – Quanto à retroatividade, derivada da declaração de nulidade do contrato de concessão de crédito em referência, conferida à ilicitude da comunicação de incumprimento inexistente do A. Aires Rodrigues feita pela 1.ª R. à Central de Responsabilidade do Banco de Portugal;

iii) – No respeitante à ilicitude da conduta da 1.ª R. ao não ter pedido o cancelamento do registo de propriedade do automóvel a favor do A. AA logo após a sentença de 09/05/2016, argumentando que o A. bem o podia ter promovido de modo a evitar os respetivos danos;     

iv) – Quanto ao nexo de causalidade estabelecido entre os factos ilícitos imputados à 1.ª R. e os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelos A.A., sustentando a inexistência desse nexo nos ter-mos dos artigos 483.º e 563.º do CC, à luz da teoria da causalidade adequada;   

v) – Quanto à delimitação do quantum indemnizatório, por considerar não terem sido respeitados os critérios constantes dos artigos 494.º e 496.º, n.º 4, do CC;   

vi) – Quanto à repartição da responsabilidade entre os R.R., por considerar que se deverá fazer a diferenciação dessa responsabilidade.


Cumpre assim analisar cada uma dessas questões.


3.2.2. Apreciação        


3.2.2.1. Quanto ao alegado erro de interpretação e aplicação dos artigos 483.º, n.º 1, e 800.º, n.º 1, do CC no respeitante ao juízo de ilicitude e culpa sobre os factos que lhe são imputados


  Neste domínio, no acórdão recorrido, foi considerado que a retroatividade da declaração de nulidade do contrato de concessão de crédito em referência e dos contratos a ele associados, em especial o contrato de compra de automóvel a que se destinava tal concessão de crédito, fundada como fora na violação, por parte da 1.ª R., das regras de contratação constantes dos Decretos-Leis n.º 359/91, de 21-09, e n.º 446/85, de 25/10, conforme o julgado na sentença proferida n.º 886/09.3TBBCL, transitada em 29/04/2015, implicava o mero reconhecimento judicial dessa ilicitude ex tunc e, por isso, a inexistência das obrigações que emergiriam daqueles contratos para os A.A..

Ainda assim, o tribunal a quo reforçou a argumentação sobre tal violação, considerando que a 1.ª R. CC, S.A., atuara através de auxiliar como era o vendedor por ela utilizado na promoção da celebração do contrato de concessão de crédito, consubstanciando a prática de um facto ilícito e culposo pelo qual aquela era responsável por via do artigo 800.º, n.º 1, do CC.

Nessa base, considerou-se que, inexistindo incumprimento por parte dos A.A., as ações desenvolvidas pela mesma R. para cumprimento coercivo de tais obrigações inexistentes se traduziam em violação dos direitos de personalidade e de propriedade daqueles A.A. nos termos e para os efeitos do artigo 483.º, n.º 1, do CC.

E foi mais especificamente sob esse prisma que se equacionou a comunicação do incumprimento inexistente do A. AA feita pela 1.ª R. à Central de Responsabilidade do Banco de Portugal, qualificando esse comportamento, ab initio, como ilícito e culposo.

Só em relação à não promoção, por parte da 1.ª R., do cancelamento do registo de propriedade do automóvel a favor do A. AA é que se considerou que o comportamento daquela R. só era ilícito e culposo desde a sentença de 09/05/2016 até 15/09/2017, data em que foi feito.


Todavia, contrapõe a Recorrente que a violação das aludidas regras de contratação não está abrangida por qualquer das duas modalidades de ilicitude previstas no artigo 483.º, n.º 1, do CC, ou seja, nem como violação de um direito subjetivo absoluto nem como violação de disposição legal destinada a proteger interesses alheios. E quanto à convocação do artigo 800.º, n.º 1, do mesmo Código, argumenta que, além de constituir matéria não alegada pelas partes nem dantes aflorada no processo, não foi produzida prova que impute ao stand fornecedor do automóvel obrigação de praticar atos em representação, no interesse ou por conta ou por delegação da 1.ª R..

Ademais, considera a Recorrente que da nulidade do contrato de concessão de crédito em referência não decorre automaticamente a retroatividade da ilicitude dos factos que lhe são imputados. 


Vejamos.


Como já acima foi referido, as pretensões indemnizatórias aqui em causa visam obter a condenação solidária dos R.R. na reparação de danos patrimoniais e na compensação de danos não patrimoniais sofridos pelos A.A. no âmbito da celebração de um contrato de concessão de crédito, com vista à aquisição de um automóvel, celebrado em 23/12/2007 com a 1.ª R. CC - Instituição de Crédito, S.A.., em que os mesmos A.A. figuravam como mutuários, mas que acabou por ser declarado nulo.

Mais precisamente, tais pretensões estribam-se no facto de esse contrato de concessão de crédito e os contratos que lhe estavam associados, em particular o contrato de compra do automóvel a que se destinava aquela concessão de crédito, terem sido declarados nulos, nomeadamente por violação das regras da contratação, por parte da 1.ª R., conforme foi anteriormente julgado por sentença, transitada em 29/04/2015, proferida no processo n.º 886/09.3TBBCL que correu termos entre as mesmas partes da presente ação. Estava assim em causa a violação, por parte da 1.ª R., dos deveres de informação e comunicação das cláusulas contratuais gerais da proposta pré-elaborada daquele contrato de concessão de crédito.

Acrescia ainda a falsificação da assinatura da A. BB aposta naquele contrato e a atuação do 2.º R. no sentido de ter procedido de forma a que A. marido, pessoa semi-analfabeta, assinasse o sobredito contrato de crédito, que não queria, apenas para que fosse aquele R. a beneficiar, como beneficiou, em exclusivo, do automóvel comprado.


Ora, da factualidade dada como provada, no que ora releva, resulta que:

 i) - O referido contrato de concessão de crédito, denominado «Contrato de Financiamento para Aquisição a Crédito com n.º 618062» foi celebrado em 23/12/2007, com a 1.ª R. CC, como mutuante, em que os A.A. AA e mulher BB figuravam como mutuários, destinando-se à aquisição de um veículo automóvel de marca Audi, modelo A4, matrícula ...-DX-..., no valor de € 19.115,00;

ii) - O 2.º R. DD, com intenção de obter para si, como obteve, o veículo indicada, levou o A. AA a celebrar com a 1.ª R. aquele contrato de concessão de crédito que ascendeu ao montante de € 34.157,89; e fê-lo concertando ele próprio a venda com o stand automóveis que vendeu o veículo e socorrendo-se de uma série de documentos que, antecipadamente (com uma venda de máquina de purificação de água) conseguiu obter do A. e da A..

iii) - Os documentos relativos ao mencionado contrato de concessão de crédito e aos contratos afins foram assinados sem que algum representante da 1.ª R. CC, .A., contatasse com os A.A. AA e BB.

iv) - Na sequência desse contrato, foi efetuado o registo da propriedade do automóvel de matrícula ...-DX-... em nome do A. AA através da Apresentação n.º 03…8, de 14/02/2008;

v) - Em face da falta de pagamento das prestações do sobredito contrato de concessão de crédito, por parte dos A.A., a 1.ª R. CC, S.A., comunicou tal incumprimento à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal, em março de 2015, tendo o A. marido ficado aí sinalizado.

vi) - Em 18/02/2016, a 1.ª R. procedeu à eliminação da situação de incumprimento anteriormente comunicada, relativa à centralização correspondente ao mês de março de 2015.

vii) - Em 19/02/2016, a mesma R. procedeu à eliminação da situação de incumprimento anteriormente comunicada, relativa à centralização correspondente aos meses de abril de 2015 a janeiro de 2016.

viii) - Em 10/03/2009, os aqui A.A. AA e BB intentarem contra CC, S.A., aqui 1.ª R., e DD, ora 2.º R., uma ação declarativa que correu termos sob o n.º 886/09.3TBBCL, na qual peticionaram, a título principal, que fosse declarado nulo o contrato de crédito n.º 61…2 celebrado entre eles próprios e a 1.ª R. e os contratos a ele associados, por terem sido todos celebrados com violação dos deveres de comunicação e informação previstos no Regime Geral das Cláusulas Contratuais Gerais, e ainda, do princípio da boa-fé;

ix) - Por sentença proferida naquela ação em 01/03/2015, transitada em julgado em 29/04/2015, foi declarada a falsidade da assinatura da A. BB aposta no referido contrato de concessão de crédito, tendo sido também declarados nulos tanto este contrato como os contratos a ele associados;

x) – Na referida sentença, foi considerada provada, além do mais, os seguintes factos:

«J) Os documentos [relativos à celebração do contrato de concessão de crédito e afins] foram todos assinados pelo autor marido nas instalações do Stand da …, em …, …, sem que se tivesse dirigido às instalações da 1.ª ré ou algum representante desta tivesse contactado consigo ou com a Autora mulher;

K) O contrato em causa foi apenas assinado por representante da 1.ª ré, em data posterior à da assinatura do autor marido;

L) Em meados de dezembro de 2007, o autor marido foi contactado pelo 2.º réu, para assumir a qualidade de fiador, na compra de um veículo automóvel;

M) Foi então que o 2.º réu concertou a compra de um veículo automóvel junto do Stand da …, propriedade da sociedade GG, Lda, com sede em …., …;

N) Naquele stand em … o 2.º réu negociou com o responsável de nome «HH» a compra do veículo automóvel de marca AUDI, modelo A4, matrícula ….- DX -….;

O) Para que se concluísse o procedimento de compra foram necessários uma série de documentos, posto que o segundo Réu precisava de recorrer ao crédito para a compra da dita viatura;

P) No que à autora mulher se refere, esta nunca teve qualquer contacto com o segundo réu para a aquisição do automóvel em crise nos autos;

Q) Nunca forneceu qualquer documento pessoal ou informação bancária;

R) Nunca se dirigiu nem ao Stand da …, nem às instalações da primeira Ré;

S) Nunca assinou algum documento relativo a essa aquisição;

T) O autor, que, à data, não sabia ler nem escrever, assinou tudo quanto lhe foi dado para assinar, sem que, contudo, lhe fosse dado qualquer conhecimento de fundo ou de forma acerca do conteúdo de tais documentos;

U) Fê-lo convencido de que eram apenas documentos essenciais à celebração do contrato de aquisição do automóvel pelo 2.º réu;

V) Sem que o autor marido tenha, ele próprio, diligenciado para a obtenção de tal crédito ou sequer tivesse oportunidade de contactar anteriormente algum documento;

W) E sem que tenha fornecido qualquer dado pessoal, seu ou da sua esposa, que não fosse o seu do autor marido Bilhete de Identidade e o número de identificação fiscal;

FF) Os autores não se encontram nem na posse nem na sua fruição do dito veículo;

GG) É o 2.º réu que dispõe do seu certificado de matrícula;

HH) Sendo que se encontra a circular com o veículo sem o respetivo seguro de responsabilidade civil ou imposto selo;

II) O autor é (à data da petição) um homem de 41 anos de idade, semi-analfabeto;

JJ) Sendo que em 2008/2009 frequentou o 4.º ano do 1º ciclo do ensino básico na Escola EB 2,3 …, …;

KK) Aceitou como conforme à documentação que assinou, as explicações que lhe foram dadas tanto pelo segundo Réu, como pelo próprio responsável pelo Stand da …, de nome «HH»;

LL) Só o autor marido assinou um pacto pré-elaborado, composto por diversas cláusulas elaboradas de antemão pela 1.ª ré;

MM) Não se verificando qualquer negociação individual entre o autor marido e a 1.ª ré quanto ao teor e as condições do diverso clausulado contratual.»

Conforme se refere no acórdão recorrido, na sentença proferida no processo n.º 886/09.3TBBCL foram tidos como fundamentos para a declaração da nulidade ali decretada a violação dos deveres de contratação a que a aqui 1.ª R. estava obrigada, ficando ali certificado que:

«[...] não sabendo então o Autor ler, o alegado contrato não foi objeto de confirmação por notário, conforme o impunha o art. 373.º, n.º 3 do C.C.; não demonstrou a Ré, onerada com tal ónus, ter cumpridos os elementares deveres de comunicação e de informação das cláusulas contratuais gerais insertas no dito documento de financiamento; e consubstanciando o mesmo um contrato de crédito ao consumo, não foi entregue ao Autor um exemplar escrito, em momento prévio à subscrição por ele próprio, impedindo-o nomeadamente de usar do período de reflexão que lhe era garantido por lei.»

     Com efeito, é o que decorre do teor daquela sentença reproduzida a fls. 41-55, destacando-se dela que a nulidade do contrato de concessão de crédito em causa foi enquadrada, desde logo, no artigo 373.º, n.º 3, do CC conjugado com o disposto nos artigos 6.º, n.º 1, e 7.º, n.º 1, do Dec.-Lei n.º 359/91, de 21-09, por se considerar que o instrumento contratual, sujeito como estava à forma de documento particular exigida nesses artigos, foi subscrito pelo A. marido, que não sabia ler, sem a necessária confirmação notarial.

     Além disso, na mesma sentença, foi considerado que a aqui 1.ª R., CC, Ld.ª, violou os deveres de informação e comunicação decorrentes do preceituado nos artigos 5.º, n.º 1 a 3, e 6.º, n.º 1 e 2, com a consequência prevista nos artigos 8.º e 9.º todos do Dec.-Lei n.º 446/85, de 25-10, alterado pelos Decretos-Leis n.º 220/96, de 31-08, e n.º 249/99, de 07-07. E foi também considerado que aquela R. incumpriu o disposto no artigo 7.º, n.º 1, do Dec.-Lei n.º 351/91, de 21/08, traduzida na falta de entrega aos A.A. de um exemplar do contrato.

    Por fim, foi convocado o disposto no artigo 12.º, n.º 1, deste último diploma para se concluir, nessa base, que, existindo, como existiu, colaboração entre o mutuante e o vendedor, a nulidade do mútuo implicava também a nulidade do contrato de compra e venda do automóvel a que aquele se destinava, dado ocorrer união entre os dois contratos.

      Em suma, estamos perante uma decisão judicial de declaração de nulidade do contrato de concessão de crédito e dos contratos associados, em especial do contrato de compra e venda do automóvel em referência, nos termos e para os efeitos do artigo 289.º, n.º 1, do CC, fundada na violação das regras da contratação quer respeitantes à forma e respetivas formalidades na celebração do mesmo quer no domínio dos deveres de informação e comunicação, imputável à aqui 1.ª R..

Tal decisão mostra-se revestida de autoridade de caso julgado material, nos termos em que julgou (art.º 621.º do CPC), cujo alcance tem de ser, indiscutivelmente, acatado na presente ação.


Assim sendo, dessa declaração de nulidade, independentemente dos efeitos restituitórios a que houvesse lugar, emerge ainda a obrigação de a parte responsável por essa nulidade indemnizar a parte não faltosa pelos danos que esta teve e que não sofreria se não tivesse celebrado tal contrato, o que se reconduz a uma situação de responsabilidade pré-contratual ou de culpa in contrahendo conforme o previsto no artigo 227.º, n.º 1, do CC.


A este propósito, Almeida Costa[2] escreve o seguinte:

«Entende-se que, durante as fases anteriores à celebração do contrato – quer dizer, na fase negociatória e na fase decisória – o comportamento dos contraentes terá de pautar-se pelos cânones da lealdade e da probidade. De modo mais concreto: apontam-se aos negociadores certos deveres recíprocos, como, por exemplo, o de comunicar à outra parte a causa da invalidade do negócio, o de não adoptar uma posição de reticência perante o erro em que esta lavre, o de evitar a divergência entre a vontade e a declaração, o de se abster de propostas de contratos nulos por impossibilidade do seu objecto, e, ao lado, de tais deveres, ainda, em determinados casos, o de contratar ou prosseguir as negociações iniciadas com vista à celebração de um acto jurídico.

Através da responsabilidade pré-contratual tutela-se directamente a confiança fundada de cada uma das partes em que a outra conduza as negociações segundo a boa fé (…). Convirá salientar, todavia, que o alicerce teleológico desta disciplina ultrapassa a mera consideração dos interesses particulares em causa. Avulta, com especial evidência, a preocupação de defesa dos valores sociais da segurança e da facilidade do comércio jurídico. Não é inédito aduzirem-se postulados da análise económica do direito.

O estudo da responsabilidade pré-contratual iniciou-se, na construção de JHERING, pela consideração da boa fé dos contraentes a respeito da celebração de um negócio nulo ou anulável (…)

Na sequência da doutrina e da jurisprudência, vários legisladores, impressionados pelo alcance prático do tema, introduziram em seus ordenamentos algumas normas que sancionaram a “culpa in contrahendo”, sobretudo, com a imposição da obrigação de ressarcimento do dano produzido, a cargo da parte que culposamente causasse a invalidade do negócio.»

  

     Também Pires de Lima e Antunes Varela[3], em anotação ao art.º 227.º do CC, tendo este normativo por aplicável nomeadamente aos casos de celebração de um contrato nulo, afirmam que:

«A responsabilidade em que incorre o faltoso obrigá-lo-á, em regra, a indemnizar o interesse negativo (ou de confiança) da outra parte, por modo a colocar esta na situação em que ela se encontraria, se o negócio se não tivesse efectuado.”


Na mesma linha, se inscreve a síntese do comentário de Maria Graça Trigo[4], ora 1.ª adjunta, ao indicado artigo 227.º, ao referir que:  

«A responsabilidade civil por culpa na formação dos contratos reconduz-se à figura da culpa in contrahendo, assinalada por JEHRING (1861 passim, considerando que, em determinados contratos inválidos por vícios na sua formação, pode a invalidade causar danos a uma das partes, sendo justo que o responsável pelo vício indemnize o lesado.

(…)

Quanto à modalidade da responsabilidade pela celebração de um contrato inválido ou ineficaz (quando a invocação da invalidade ou da ineficácia não seja impedida pelo abuso de direito) que causa danos a uma das partes, considera-se que a outra parte será responsável se deu causa à invalidade ou ineficácia, ou se, conhecendo ou devendo conhecer essa causa, não o comunicou à outra parte.»

           

Significa isto que a parte contratante que, ilícita e culposamente, der causa à nulidade do contrato é responsável pelo dano decorrente de colocar a parte não faltosa em situação que não estaria se não tivesse celebrado tal contrato, ou seja, pela indemnização do denominado interesse contratual negativo ou do dano de confiança.   

No caso em apreço, afigura-se evidente que a 1.ª R. concorreu, decisivamente, para a declarada nulidade do contrato de concessão de crédito e do contrato associado de compra e venda aqui em causa, de forma ilícita e culposa, ao violar as sobreditas normas elementares de contratação, com a inerente preterição das regras da boa fé, sem que ocorra qualquer parcela de responsabilidade por parte dos A.A., como, de resto, decorre do sentenciado no processo n.º 886/09.3TBBCL.

Nesta perspetiva, nem se mostra tão pouco necessário equacionar a questão no âmbito do artigo 483.º, n.º 1, do CC, porquanto o juízo de ilicitude e culpa encontra acolhimento diretamente no instituto da responsabilidade pré-contratual consagrado no artigo 227.º do mesmo Código.

É certo que nem as partes nem as instâncias enveredaram por tal qualificação formal, mas também não é menos certo que tiveram em conta substancialmente os pressupostos dessa vertente de responsabilidade civil, ao centraram a sua apreciação na violação imputada à 1.ª R. das referidas regras de contratação, tratando-se agora apenas de lhe conferir a qualificação que se afigura mais adequada.

Também não se tem por necessário ajuizar sobre a aplicação ao caso do disposto no artigo 800.º, n.º 1, do CC, posto que se mostra consolidada, desde logo, em sede da sentença proferida no processo n.º 886/09.3 TBBCL, a imputação à 1.ª R. da violação das referidas regras de contratação, mormente da violação dos deveres que sobre ela impendiam de informação, comunicação e formalização do contrato. E dos factos em que assentou o juízo ali firmado sobre tal violação, corroborados ainda pelos factos reeditados na presente ação, decorre também a censurabilidade da conduta da 1.ª R. e, portanto, a respetiva imputação a título de culpa.


Caracterizada que está assim a ilicitude culposa da 1.ª R. por violação das referidas regras de contratação, no domínio da responsabilidade pré-contratual, e que concorreu para a nulidade dos contratos em referência, resta saber se dos eventos ocorridos em consequência desses contratos, que não se teriam verificado se estes não tivessem sido celebrados, resultam danos patrimoniais e não patrimoniais objetivamente imputáveis àquela conduta ilícita e culposa da 1.ª R., o que nos remete para o estabelecimento do respetivo nexo de causalidade.         

De referir que tais eventos compreendem as diversas ações instauradas para o cumprimento coercivo de obrigações que aparentemente decorriam do contrato de concessão de crédito, o registo do direito de propriedade do automóvel a favor do A. marido, as diversas impugnações judiciais de contra-ordenações a que este esteve sujeitos, bem como as várias notificação para pagamento de taxas de portagem, em virtude daquele registo, a comunicação feita pela 1.ª R. do incumprimento do mesmo A. à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal em março de 2015 e os demais incómodos e padecimentos sofridos pelos A.A. nesse contexto.


A par de tudo isso, para tal também concorreu a conduta do 2.º R. DD ao promover a celebração daqueles contratos, levando a que o A. marido assinasse os documentos sem se aperceber do seu conteúdo, por não saber ler, socorrendo-se de uma série de documentos que, antecipadamente, conseguiu dos A.A. com a intenção de obter o automóvel para si à custa do património destes.  

Tal conduta é violadora dos direitos de personalidade e de propriedade dos A.A., na medida em que, nas circunstâncias provadas, atentou contra o bom nome destes e expôs o património deles aos riscos de execução de dívidas que não assumiram nem provocaram, o que torna o 2.º R. co-responsável a título de responsabilidade extra-contratual nos termos dos artigos 483.º, n.º 1, e 487.º do CC.


Em suma, estamos perante duas causas distintas mas concorrentes para a produção dos danos sofridos pelos A.A.: por um lado, a violação culposa das regras de contratação, por parte da 1.ª R., com relevo no âmbito da responsabilidade pré-contratual, nos termos do artigo 227.º, n.º 1, do CC; por outro lado, a violação, a título de dolo, por parte do 2.º R., dos direitos de personalidade e propriedade dos mesmos A.A., nos termos do artigo 483.º, n.º 1, 487.º do mesmo Código.  


  Improcedem assim as razões da 1.ª R. aqui Recorrente no respeitante à ilicitude e culpa dos factos que lhe são imputados.

3.2.2.2. Quanto ao nexo de causalidade        


Como já foi referido, importa agora ajuizar sobre o nexo de causalidade entre a conduta da 1.ª R. consistente na violação das regras de contratação acima identificadas e os danos sofridos pelos A.A. em virtude da celebração do contrato de concessão de crédito e do contrato associado de compra do veículo automóvel, contratos estes declarados nulos com fundamento naquela violação.

Estando como está configurada, relativamente à 1.ª R., uma situação de responsabilidade pré-contratual, aos A.A. assiste o direito de serem indemnizados pelo denominado interesse contratual negativo ou de confiança dela decorrente.

Significa isto que deverão ser ressarcidos pelos danos que suportaram e que não teriam sofrido se não tivessem celebrado os contratos que acabaram por ser declarados nulos com fundamento, no que aqui releva, na violação das regras de contratação imputadas à 1.ª R.

Ora, o nexo de causalidade entre essa conduta ilícita e culposa da 1.ª R. e os danos sofridos pelos A.A. deve ser estabelecido nos termos dos artigos 562.º, 563.º e 564.º, n.º 1, do CC, à luz da teoria da causalidade adequada.

Conforme bem se refere no acórdão recorrido, para tal, mostra-se necessário que aquela conduta ilícita opere como condição de facto sine qua non da produção do dano e que a mesma se revele, em abstrato, causa adequada a este resultado, segundo um juízo de prognose a posteriori, atentas quer as circunstâncias conhecidas do agente quer as que sejam cognoscíveis por uma pessoa normal colocada em face dessas circunstâncias.

Nessa aferição, a doutrina e a jurisprudência correntes têm seguido, no domínio dos factos ilícitos e culposos, o critério da chamada formulação negativa ampla, segundo a qual, nas palavras de Almeida Costa[5]:

«[…] deverá entender-se (…) que o facto que actua como condição só deixará de ser causa do dano desde que se mostra por sua natureza de todo inadequado e o haja produzido unicamente em consequência de circunstâncias anómalas ou excepcionais.» 


No caso em apreço, a violação das regras de contratação por parte da 1.ª R. revela-se impeditiva de que os A.A. tivessem tomado conhecimento do teor dos contratos celebrados, sendo que a observância dessas regras se afigura de molde a que eles não tivessem concluído tais contratos, que efetivamente não queriam.

Consequentemente, aquela violação deu causa a que os A.A. recusassem o pagamento das obrigações que, aparentemente, emergiam daqueles contratos para a sua esfera jurídica e que levassem, como levaram, à instauração de ações judiciais para a cobrança coerciva das respetivas prestações ou ao desencadeamento de meios de impugnação dessas obrigações.

E foi a situação desse modo gerada que levou a que 1.ª R., como credora, comunicasse, como efetivamente comunicou em março de 2015, o pretenso incumprimento do A. marido à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal, suscetível, porém, de ser obliterado por via da nulidade do contrato de concessão de crédito decorrente precisamente daquele violação.

Não se ignora a obrigação legal da 1.ª R. de fazer tal comunicação, mas o que é censurável é o facto de, ao proceder como procedeu no âmbito daquela contratação, ter concorrido para a nulidade do contrato e, desse modo, para a subsequente sinalização do aparente incumprimento do A., que afinal não se verificava.

Quanto ao registo da propriedade do automóvel a favor do A. também a sobredita conduta da 1.ª R. concorreu para que fosse efetuado aquele registo com base na aparência dos contratos celebrados, quando estes se encontravam viciados de nulidade em virtude da referida violação das regras de contratação por parte da mesma R., consequência que esta não podia nem devia ignorar. Também aqui o que é censurável não é o facto de a 1.ª R. não poder, à partida, promover o cancelamento desse registo, mas sim o facto de, com a sua conduta violadora das regras de contratação, ter proporcionado a realização daquele registo de aquisição da propriedade do automóvel a favor do A., quando tal aquisição não se verificaria por virtude da nulidade dos contratos de concessão e do associado contrato de compra contrato decorrente dessa violação.

Acresce que a realização desse registo propiciou que o A. Aires Rodrigues viesse a ser confrontado, como foi, com obrigações inerentes à circulação do automóvel, riscos estes que não podem deixar de ser imputados também à conduta da 1.ª R., na medida em que proporcionou a realização desse registo na base dos contratos celebrados com violação, por parte dela, das regras de contratação e, por isso, expostos como foram à declaração de nulidade.


Por fim, os incómodos e padecimentos sofridos pelos A.A. com todos esses eventos são, na mesma medida, imputáveis à 1.ª R. pelo seu concurso para gerar a nulidade dos contratos em referência decorrente, além do mais, da violação das regras de contratação por ela cometida.


Em suma, a violação dessas regras de contratação imputada à 1.ª R. afigura-se constituir condição sine qua non e causa adequada dos danos sofridos pelos A.A. por via dos referidos eventos ocorridos em virtude da celebração dos contratos em referência e depois declarados nulos, à luz dos critério acima considerado.   

Termos em que improcedem as razões da Recorrente quanto à impugnação do nexo de causalidade.


3.2.2.3. Quanto aos montantes indemnizatórios


Neste capítulo, convém recordar que, na 1.ª instância, foi fixada a totalidade dos danos patrimoniais, segundo a equidade, em € 2.000,00 e dos danos não patrimoniais em € 12.000,00.

Nessa base, atenta a proporção indicada na petição inicial de 25% para o 2.º R. e de 75% para a 1.ª R., foi aquele R. condenado a pagar aos A.A. € 500,00 pelos danos patrimoniais e € 3.000,00, a título de danos não patrimoniais, enquanto que a 1.ª R. só foi condenada a pagar € 6.000,00 por danos não patrimoniais, quantias essas acrescidas dos respetivos juros de mora.

Por sua vez, a Relação alterou a sentença recorrida, condenando solidariamente ambos os R.R. a pagarem aos A.A. € 2.000,00 pelos danos patrimoniais e € 20.000,00 a título de danos não patrimoniais, mantendo a condenação nos respetivos juros de mora.   


Vem a Recorrente, na presente revista, sustentar que, além de não ser responsável pelos danos patrimoniais, por falta de verificação dos demais pressupostos da responsabilidade, o valor fixado a título de danos não patrimoniais está “exponencialmente acima do valor que se deveria ter por correto” e que não foram devidamente ponderados os fatores constantes do artigo 494.º do CC, em particular quanto ao grau de mera culpa que porventura lhe seja imputado.


Como se concluiu no ponto precedente, a violação das regras de contratação imputada à 1.ª R. constituiu condição sine qua non e causa adequada dos danos sofridos pelos A.A. através dos eventos ocorridos em virtude da celebração dos contratos em referência e depois declarados nulos com fundamento naquela violação, traduzindo-se assim em causa concorrente para a produção destes danos, a par da conduta ilícita imputada ao 2.º R..

              

Ora, no tocando aos danos patrimoniais, dada a multiplicidade e diversidade dos eventos ocorridos e em face da inviabilidade de uma averiguação exata dos seus valores parcelares, tem-se por equilibrada a fixação do montante indemnizatório total de € 2.000,00. feita, de forma coincidente, pelas instâncias, segundo a equidade, ao abrigo do artigo 566.º, n.º 3, do CC.

E como é sabido para a indemnização por equivalente dos danos patrimoniais, nos termos dos artigos 562.º e 566.º, n.º 1 e 2, do CC, releva o valor atribuído a estes danos, independentemente do grau de culpa do agente.


Quanto aos danos não patrimoniais, o artigo 496.º, n.º 1, do CC prescreve que:

Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

Por sua vez, o n.º 4 do mesmo normativo determina que o montante de indemnização seja fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso, nos termos estatuídos no art.º 494.° do referido Código.

Apesar destas disposições estarem inseridas no instituto da responsabilidade civil extracontratual, segundo a doutrina e jurisprudência hoje correntes, são também indemnizáveis, nos mesmos termos, os danos não patrimoniais no âmbito da responsabilidade contratual e, por maioria de razão, no domínio da responsabilidade pré-contratual.

Ora, segundo os ensinamentos de Antunes Varela, entre outros, e a jurisprudência dos nossos tribunais, o juízo de equidade requer do julgador que tome «em conta todas as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida», sem esquecer que sobredita “indemnização” tem natureza mista, já que visa não só reparar, de algum modo, o dano, mas também reprovar a conduta lesiva[6].

Com efeito, ante a imaterialidade dos interesses em jogo, a indemnização por danos não patrimoniais não pode ter por escopo a sua reparação económica. Visa sim, por um lado, compensar o lesado pelo dano sofrido, em termos de lhes proporcionar uma quantia pecuniária que permita satisfazer interesses que apaguem ou atenuem o sofrimento causado pela lesão; e, secundariamente, servir de sancionamento da conduta do agente.


Todavia, no critério a adotar, não se devem perder de vista os padrões indemnizatórios resultantes da prática jurisprudencial, procurando - até por uma questão de justiça relativa - uma aplicação, tanto quanto possível, tendencialmente uniformizadora ainda que evolutiva do direito, como aliás impõe o n.º 3 do artigo 8.º do CC.


Da factualidade provada, para além da extensa descrição pormenorizada de todas as vicissitudes por que passaram os A.A. em virtude dos contratos celebrados, no que aqui mais releva, colhe-se que:

i) - Os A.A. AA e BB passaram pelo medo, inquietação, angústia e sofrimento psicológico de ver a sua casa de morada de família penhorada e suscetível de alienação no âmbito da ação executiva n.º 3211/13.5TBBCL, em que eram executados e exequente a R. CC, S.A.; e pela humilhação de nela ver afixados éditos de execução – ponto 1.38;

ii) – Os A.A. viram-se perante a possibilidade dos seus vencimentos serem penhorados no âmbito do processo supra referido – ponto 1.39;

iii) – E viram-se em situação de incumprimento assinalado junto da Central de Responsabilidade de Crédito do Banco de Portugal, o que lhes causou stress, ansiedade, nervosismo, inquietação e humilhação – ponto 1.40;

iv) - Toda a situação descrita causou aos A.A. stress, ansiedade, nervosismo, medo, inquietação, desgosto e mau estar físico e psicológico – ponto 1.41.


Como já acima foi referido, os incómodos e padecimentos sofridos pelos A.A. com todas as vicissitudes por que passaram tiveram origem nas causas, para tal concorrentes, como foram:

- Por parte da 1.ª R., a violação das regras de contratação do contrato de concessão de crédito celebrado em 23/12/2007, só declarado nulo por sentença transitada em julgado em 29/04/2015, conjuntamente com os contratos que lhe estavam associados, em particular o contrato de compra do automóvel;

- Por banda do 2.º R., a sua conduta ilícita e dolosa consistente em promover a celebração daqueles contratos, levando a que o A. marido assinasse os documentos sem se aperceber do seu conteúdo, por não saber ler, fazendo-o, socorrendo-se de uma série de documentos que, antecipadamente, conseguiu dos A.A. com a intenção de obter o automóvel para si à custa do património destes. 

É certo que, além dessas causas originárias, verificaram-se ainda comportamentos, por ação ou por omissão, subsequentes de ambos os R.R. que prolongaram e agravaram a situação assim gerada, a saber:

- Por parte da 1.ª R., as ações por ela instauradas contra os A.A. para cobrança coerciva dos créditos aparentemente emergentes do contrato de concessão de crédito; o protelamento da sinalização do A. marido, por incumprimento, junto da Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal, só eliminada, por iniciativa daquela R., em 18/02/2016, quanto ao mês de março de 2015, e em 19/ 02/2016, quanto aos meses de abril de 2015 a janeiro de 2016; o retardamento do cancelamento do registo de propriedade do automóvel a favor do A. marido, pelo menos de 09/05/2016 a 15/09/ 2017;

   - Pelo 2.º R., as múltiplas situações contra-ordenacionais e de falta de pagamento de portagens decorrentes da circulação do automóvel com que o A. marido foi confrontado pelo facto de esse veículo se encontrar registado em seu nome.   

         Por outro lado, importa ter presente que a conduta ilícita do R., ao promover a celebração dos contratos em referência foi inequivocamente dolosa, enquanto que a violação das regras da contratação, por parte da 1.ª R., foi a título de mera culpa.

    No entanto, há que sublinhar que a conduta negligente da 1.ª R. se afigura de grau elevado, na medida em que envolveu o incumprimento grosseiro dos elementares deveres de informação, de comunicação e de formalização do contrato de concessão de crédito, cuja observância seguramente evitaria a celebração desse contrato e dos contratos associados. De resto, mal se compreende que, perante uma legislação clara sobre a definição de tais deveres e a produção jurisprudencial e doutrinária atinentes, se continue a adotar, na prática corrente, tais tipos de procedimentos.

Assim, atento o grau de afetação psicológica dos A.A. emergente de todo o circunstancialismo acima retratado, para mais no quadro envolvente do contrato de concessão de crédito em referência do qual decorria um total de financiamento e encargos no valor de € 34.157,89, considera-se ajustada, segundo a equidade, a fixação da compensação devida aos mesmos A.A. pelos danos não patrimoniais por eles sofridos em € 20.000,00, mas com o limite máximo de € 15.000,00 relativamente à 1.ª R., dado o seu menor grau de culpabilidade em relação ao do 2.º R..

     Termos em que se impõe alterar a decisão recorrida neste particular.


3.2.2.4. Quanto à questão da condenação solidária dos R.R.


   Como já foi dito, os R.R. foram condenados solidariamente a pagar aos A.A. a totalidade dos montantes indemnizatórios arbitrados.

    Porém, a Recorrente vem sustentar que se deveria diferenciar tal condenação em função dos danos e do grau de culpa diversamente imputáveis a cada um deles.

   Sucede que, embora sejam distintas as causas concorrentes de cada um dos R.R. para a produção dos danos sofridos pelos A.A., foi acima entendido que não haveria que diferenciar tais danos ou alguns deles em função de cada uma daquelas causas, precisamente porque ambas concorreram, a seu modo, para os mesmos danos. Ou seja, não se afigura que, de entre os danos indemnizáveis, alguns deles tenham decorrido apenas de uma dessas causas. Todos esses danos tiveram a sua génese, ao fim e ao cabo, naquelas duas causas originárias concorrentes, não se justificando também diferenciação de relevo no agravamento subsequente da situação assim gerada por parte de cada um dos R.R.. 

   Assim, o facto de a responsabilidade da 1.ª R. ser a título de responsabilidade pré-contratual e a responsabilidade do 2.º R. ser em sede de responsabilidade extracontratual não se mostra obstativo de que opere a solidariedade dos devedores nos termos do artigo 497.º, n.º 1, do CC, face à reconhecida afinidade entre os dois títulos de responsabilidade.

     Só o diferente grau de culpabilidade da 1.ª R. (mera culpa) e do 2.º R. (dolo) relevará para o limite da condenação solidária daquela.

    Termos em que improcedem, neste particular, as razões da Recorrente.


   IV – Decisão


   Pelo exposto, acorda-se em conceder parcialmente a revista, decidindo-se alterar a decisão recorrida nos seguintes termos:

a) – Condenam-se os R.R., solidariamente, a pagar aos A.A., a indemnização, a título de danos não patrimoniais, fixada no total de € 20.000,00 (vinte mil euros), sendo a 1.ª R. CC - Instituição de Crédito, S.A.., condenada até ao limite de € 15.000,00 (quinze mil euros) e o 2.º R. DD por aquela totalidade, com o acréscimo dos juros de mora, à taxa anual de 4%, desde a data da sentença da 1.ª instância;  

b) – Mantém-se a condenação solidária de ambos os R.R. no pagamento aos A.A. da quantia de € 2.000,00 (dois mil euros) pelos danos patrimoniais, acrescida dos juros de mora, à taxa anual de 4%, desde a citação.

         As custas da ação e dos recursos ficam a cargo das partes na proporção dos respetivos decaimentos, sem prejuízo da dispensa do seu pagamento pelos A.A. dado o apoio judiciário de que beneficiam.     


Lisboa, 11 de abril de 2019

                                              

Manuel Tomé Soares Gomes (Relator)

Maria da Graça Trigo

Maria Rosa Tching

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[1] A esse propósito, vide, por todos, Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, Coimbra Editora, 2008, pp. 679-681 e 704-705.
[2] In Direito das Obrigações, Almedina, 11.ª Edição, 2008, pp. 302-304.
[3] In Código Civil Anotado, Vol  I, Coimbra Editora, 1987, p 216, nota  3.
[4] In Comentário ao Código Civil Parte Geral, Universidade Católica Editora, 2014, pp. 512-513.
[5] In Direito das Obrigações, Almedina, 11.ª Edição, 2008, p. 764.
[6] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. 1.º, 10.ª Edição, Almedina, pag. 605, nota 4.