Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
5635/17.0T8GMR-C.G1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO (CÍVEL)
Relator: NUNO PINTO OLIVEIRA
Descritores: RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
AÇÃO EXECUTIVA
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
INTERPRETAÇÃO DE SENTENÇA
INTERPRETAÇÃO DA LEI
QUESTÃO FUNDAMENTAL DE DIREITO
Data do Acordão: 12/10/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário : I.— Exceptuados os casos referidos no segmento final do art. 854.º do Código de Processo Civil, o recurso de revista de acórdãos da Relação proferidos em processo executivo só é admissível nas situações do art. 629.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
II.— Não há contradição relevante para efeitos do art. 629.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Civil entre o acórdão que se pronuncia sobre a interpretação de uma decisão judicial transitada em julgado e o acórdão que se pronuncia sobre a interpretação da lei — concretamente, sobre a questão de saber se, tendo as fracções do executados uma determinada permilagem, a responsabilidade destes deve ser aferida em relação à permilagem total ou à permilagem correspondente às fracções cuja hipoteca não foi distratada.
Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I. — RELATÓRIO

  1. Em … de Outubro de 2017, Hipoteca IV Lux, S.A.R.L., propõs acção executiva, sob a forma sumária, contra AA e BB, pedindo o pagamento da quantia de € 748.877,83.

 2. Alegou, em síntese, I. — que, em 16 de Novembro de 2006, foi concluído entre Banco Popular Portugal, S.A., e Construções A…., Lda. foi conc em 16/11/2006 um contrato de mútuo de € 1.000.000,00 com fiança e hipoteca; II. — que, para garantia de pagamento de todas as responsabilidades foi constituída hipoteca sobre as fracções L, K, G, F, E, I, HH, II, H do prédio urbano sito na …, nº 32 a 34, 36 a 44 e 48 a 54, em …; III. — que Construções A…., Lda. deixou de cumprir os pagamentos acordados; e — IV. — que, em 7 de Junho de 2011, o Banco Popular Portugal, S.A., cedeu o seu crédito a Consultem – Consultores de Gestão, Lda., e que, em 15 de Fevereiro de 2013, a Consultem – Consultores de Gestão, Lda.,  cedeu o seu crédito à Exequente.

  3. Em … de Novembro de 2017, procedeu-se à penhora das fracções designadas pelas letras E, F, G, H, HH, I, II, K, L.

   4. Em … de Dezembro de 2017, os Executados deduziram embargos.

  5. O Tribunal de 1.ª instância proferiu sentença em que julgou parcialmente procedentes os embargos e, em consequência,

“determinou o prosseguimento da instância executiva contra os ora embargantes, com correcção dos valores pedidos a título de juros por força da procedência da excepção da prescrição dos juros e dos limites decorrentes do disposto no artigo 693º, nº 2, do Código Civil.”.

  6. Inconformados, os Executados interpuseram recurso de apelação.

  7. Em … de Julho de 2018, o Tribunal da Relação de … proferiu acórdão, transitado em julgado, em que concedeu parcial provimento ao recurso e, em consequência,

“[determinou] o prosseguimento da execução apenas para pagamento da quota parte respeitante às fracções propriedade dos embargantes/recorrentes atenta a permilagem e os valores, de capital e juros, definidos na sentença”.

   8. Em … de Agosto de 2018, a agente de execução proferiu a decisão seguinte:

“Na sequência de junção aos autos do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de ….. que determina alteração dos montantes em dívida proporcionalmente à totalidade das fracções que integram o contrato hipotecário decide-se pela alteração dos valores da seguinte forma:

Valor de capital - € 130.658,03;

Valor de juros calculados até 08.08.2018 - € 98.096,02;

Imposto de Selo calculado até 08.08.2018 - € 3.923,67,

Num total de € 232.677,72.”

  9. Os Executados impugnaram os cálculos da agente de execução, alegando:

  I. — que a permilagem correspondente às suas fracções é de 152,59; II. — que o capital em dívida de € 443.058,76; e III. — que a sua responsabilidade é de € 57.566,46. acrescidos dos juros dos últimos três anos de € 21.688,83, o que perfaz um total de € 89.255,29.

  10. A agente de execução pronunciou-se sustentando:

  I. — que o contrato hipotecário subjacente à presente execução abrange tão-só 18 fracções;

  II. — que o valor total de permilagem é de 517,43: II. — que a permilagem dos executados nos total das 36 fracções é de 152,59 (correspondente às suas 9 fracções);

IV. — logo, que a responsabilidade dos Executados é de 29,49%.

 11. Em … de Setembro de 2019, o Tribunal de 1.ª instância proferiu a decisão seguinte:

“Atenta a decisão do Venerando Tribunal da Relação de …, o cálculo do valor a pagar pelos executados depende do valor total garantido pela hipoteca registada a favor do agora exequente.

Se esta hipoteca incide sobre todas as fracções do prédio, é por referência ao valor 1000 (mil) que se tem de apurar a percentagem que as fracções dos executados (no valor de 152,59 (cento e cinquenta e dois virgula cinquenta e nove); caso contrário, se, como refere a agente de execução, a hipoteca apenas abrange algumas das fracções, seria a permilagem das fracções em causa a ter em consideração.

Ora, resulta do Douto Acórdão preferido que é a primeira solução a considerar, porquanto, ao receber — seja por que forma for — parte do valor e proceder ao destrate da hipoteca quanto a determinadas fracções (que inicialmente estavam abrangidas pela hipoteca), não pode a exequente condensar o valor garantido naquelas que se mantêm hipotecadas.

O valor da permilagem a considerar, que é referido no Acórdão da Relação há-de ser o que resulta da operação que considere o valor de 152,59/1000, já que essa era a proporção quando foi constituída inicialmente constituída a hipoteca. Optar pelo entendimento da Srª agente de execução seria permitir à exequente receber duas vezes pelas mesmas fracções.

Pelo exposto, deve a Srª SE proceder à correcção dos valores em consonância com a interpretação dada pelos executados, que se afigura consentânea com o enquadramento dado pelo VTR…. ao questão decidenda.

Notifique.”

 12. Inconformada, a Exequente HIPOTECA IV LUX, S.A.R.L., interpôs recurso de apelação.

  13. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

A. Vem o presente recurso interposto do douto despacho proferido pelo Tribunal a quo, que, para prosseguimento dos autos, ordenou a redução da quantia exequenda, procedendo à correcção dos valores em consonância com a interpretação dada pelos executados, que se afigura consentânea com o enquadramento dado pelo VTRG. à questão decidenda.

B. O entendimento da ora Recorrente, é o de que, em face do douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de …, não foi efectuada uma correcta interpretação do sentido decisório exarado no douto acórdão, dos factos contidos no mesmo, nem a adequada subsunção dos mesmos ao direito, pelo que vem pugnar pela revogação do douto despacho propugnado pela 1.ª instância.

C. Na sequência de recurso interposto pelos Executados de sentença proferida em sede de embargos, que correram por apenso aos presentes autos, veio o Tribunal da Relação de …, por Acórdão datado de … .07.2018, determinar a sua procedência parcial e em consequência “o prosseguimento da execução apenas para pagamento da quota parte respeitante às fracções propriedade dos embargantes atenta a sua permilagem e os valores, de capital e juros, definidos na sentença.”

D. Veio a Exma. Senhora Agente de Execução, na data de … .08.2018, proferir decisão nos seguintes termos: “Na sequência de junção aos autos do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de … que determina alteração dos montantes em dívida proporcionalmente à totalidade das fracções que integram o contrato hipotecário decide-se pela alteração dos valores da seguinte forma:

Valor de capital - € 130.658,03;

Valor de juros calculados até 08.08.2018 - € 98.096,02;

Imposto de Selo calculado até 08.08.2018 - € 3.923,67,

Num total de € 232.677,72.”

E. Estes cálculos consideram que as fracções de que os Executados são proprietários corresponde à permilagem total de 152,59, ascendendo o valor total de permilagem das fracções garantia do contrato a 517,43. O total de 152,59 de permilagem de que os Executados são devedores corresponderá assim a 29,49% do valor total de permilagem do contrato, o que determina que estes sejam responsáveis pelo total de € 232.677,72.

F. Desta decisão discordaram os Executados, defendendo que a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de …, só será integralmente cumprida, se se considerar que o valor total da permilagem das fracções dos Executados ascende a 152,59, valor que percentualmente corresponderá a 15,25% do valor total das fracções do imóvel hipotecado. Ou seja, os Executados pretendem que o valor da execução seja reduzido tendo em consideração a totalidade das fracções que compõem o prédio, para o total de € 89.255,29. Entendimento este, que veio agora a ser sufragado pelo tribunal a quo, nos seguintes termos: “O valor da permilagem a considerar, que é referido no Acórdão da Relação há-de ser o que resulta da operação que considere o valor de 152,59/1000, já que essa era a proporção quando foi constituída inicialmente constituída a hipoteca.

G. Conforme decorre da matéria de facto dada como provada no douto Acórdão do Tribunal da Relação de …, os prédios sob os quais foi constituída garantia, após anexação, deram origem a um único prédio urbano, composto por um edifício de cinco pisos, constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Rua …, na freguesia de cidade de …, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº … e inscrito na matriz urbana sob o artigo …, composto por 36 fracções, identificadas pelas letras “A”, “B”, “C”, “D”,“E”, “F”, “G”, “H”, “I”, “J”, “K”, “L”, “M”, “N”, “O”, “P”, “Q”, “R”, “S”,  “T”, “U”. “V”, “X”, “Z”, “AA”, “BB”, “CC”, “DD”, “EE”, “FF”, “GG”, “HH””, “II”, “JJ”, “KK” E “LL”.

H. Das fracções autónomas supra mencionadas, a hipoteca relativa às frações “A”, “S”, “T”, “U”, “V”,” GG” mostra-se cancelada e a hipoteca relativa às fracções “B”, C, “D” “M”, “N”, “O”, “Z”, “X “AA”, “EE”, “FF” e “KK mostra-se cancelada parcialmente, conforme matéria dada como provada no douto acórdão para o qual se remete.

I. Nos termos estipulados no contrato de cessão de créditos junto aos autos, a Consulteam cedeu à ora Embargada um conjunto de créditos vencidos e vincendos, concedidos a diversos mutuários, melhor identificados no respectivo documento complementar, correspondente à Verba 217, onde se encontra especificado o crédito garantido pelos imóveis propriedade do ora Embargante, que faz parte integrante da referida escritura de cessão de créditos.

J. Por esse motivo, foram registadas na competente Conservatória do Registo Predial respetivamente pelos Averbamentos correspondentes à Ap. 1888 de 2012/01/05 e correspondente à Ap. 2486 de 2013/02/22, passando a ora Recorrente, a figurar como titular da hipoteca constituída sobre as frações  autónomas designadas pelas letras "E", "F", "G", "H", "I", "J", "K", "L", "P", "Q","R", "BB", "CC", "DD", "HH", "II", "JJ" e "LL" todas pertencentes ao Prédio Urbano sito … Rua … n.º 32 a 34, 36 a 44 e 48 a 54 em regime de propriedade horizontal descrito na Conservatória do Registo Predial de …, sob o número …1, da freguesia de …, inscrito na matriz sob o artigo 6807, conforme certidão predial junta com o requerimento executivo.

K. As fracções autónomas designadas pelas Letras “E”, “F”, “G”, “H, “I”, “K”, “L”, “HH” e “II” foram adquiridas pelos Executados e posteriormente penhoradas nos presentes autos.

L. Aquando da cessão de créditos, a 15.02.2013, o crédito cedido à ora Recorrente ascendia a € 443.058,76. Foi este o montante de capital em dívida acrescido de juros de mora a ser executado nos presentes autos.

M. Este crédito encontrava-se à data da cessão de créditos garantido pelas fracções autónomas mencionadas supra em 17.º, que acompanharam a cessão do crédito à ora Recorrente.

N. Para que se apure o valor em dívida pelo qual são responsáveis os Executados, conforme decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de … “o prosseguimento da execução apenas para pagamento da quota parte respeitante às fracções propriedade dos embargantes atenta a sua permilagem e os valores, de capital e juros, definidos na sentença” deverá ter-se por referência a totalidade das fracções autónomas que garantem ainda o contrato.

O. Entende a ora Recorrente que a presente execução deverá prosseguir em conformidade com os cálculos efectuados pela AE, que se encontram devidamente elaborados.

P. Constituindo as fracções propriedade dos Executados uma permilagem de 152,59 na totalidade do prédio, deverá fazer-se incidir esta permilagem sobre 517,43, valor da permilagem relativo às fracções que ainda garantem o contrato e cedidas à ora Recorrente - dezoito fracções - de modo a ser possível apurar-se a efectiva responsabilidade dos Executados. A assim não ter determinado, considerando a permilagem das fracções dos executados (152,59) na totalidade do prédio - conjunto de trinta e seis fracções que compuseram o imóvel - fez o douto despacho uma interpretação incorrecta da decisão proferida em sede de embargos, determinando que a execução prossiga obstando ao ressarcimento devido da ora Recorrente.

Q. Com efeito, o que se decidiu foi que a quantia exequenda seria reduzida ao montante proporcional ao devido pelo conjunto das fracções e o contrato dado à execução não abrange já a totalidade das fracções do prédio.

R. Pelo que, deve o douto despacho proferido pelo tribunal a quo de que ora se recorre, ser revogado, substituindo-se por outro que ordene o prosseguimento dos autos com a redução da quantia exequenda em conformidade com a decisão proferida pela Exma. Senhora Agente de Execução datada de … .08.2018, obedecendo ao determinado pelo douto Acórdão do Tribunal da Relação de … .

 14. Os Executados contra-alegaram, pugnando pela inadmissibilidade e, subsidiariamente, pela improcedência do recurso.

 15. O Tribunal da Relação de ….. julgou improcedente o recurso, confirmando a decisão recorrida.

  16. Inconformada, a Exequente Hipoteca IV Lux, S.A.R.L., interpôs recurso de revista.

   17. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

A. Vem a Recorrente interpor a título principal, recurso de revista excecional, do douto Acórdão do Tribunal da Relação de …., datado de … .02.2020, que apreciou a decisão do tribunal de 1.ª instância, proferida no âmbito do Processo n.º 5635/17.0T8GMR, sufragando e mantendo integralmente a decisão proferida.

B. A confirmação da decisão do tribunal a quo sem fundamentação essencialmente diferente determina a existência de dupla conforme, pelo que, é o presente recurso interposto nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do art. 672.º do CPC.

C. O aresto sub judice e do qual se recorre, propugna uma solução diametralmente oposta à posição defendida no anterior Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 12.02.2004, proferido no âmbito do processo n.º 10573/02, no qual foram discutidas as mesmas questões que constituem objeto do presente recurso, tendo, ao invés, optado por uma conclusão diversa à perfilhada por estes autos, ao confirmar a decisão que ordenou o prosseguimento da execução com a correção dos valores em consonância com a interpretação dada pelos executados, à decisão do TR… de … .07.2018 .

D. Atenta a contradição de julgados verificada entre a decisão da qual se recorre e a decisão já proferida por outras instâncias superiores da qual se destaca o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, de 12.02.2004, a Recorrente requer, muito respeitosamente que se decida no sentido propugnado pelo Acórdão fundamento.

E. Com relevância para a apreciação da contradição de julgados, são de destacar os seguintes factos, com relevância nos presentes autos:

i. O Banco Popular S.A. celebrou com a sociedade ...., Imobiliária, Lda. um contrato de mútuo com hipoteca e fiança em 16.11.2006, no âmbito do qual concedeu à segunda um empréstimo no valor de € 1.0000.000,00 (um milhão de euros).

ii. Como garantia do pagamento de todas as responsabilidades assumidas ou a assumir pela sociedade Construções A…, Lda., foi constituída hipoteca até ao montante máximo de € 1.310.000,00, sobre três prédios urbanos, que, após anexação, deram origem a um único prédio urbano, composto por um edifício de cinco pisos, constituído em regime de propriedade horizontal, composto por 36 frações;

iii. Das frações autónomas supra mencionadas, à data da ação executiva, permaneciam por distratar 18 frações, que acompanharam a cessão do crédito à ora Recorrente;

iv. As frações autónomas designadas pelas Letras “E”, “F”, “G”, “H, “I”, “K”, “L”, “HH” e “II” – 9 frações - foram adquiridas pelos Executados e posteriormente penhoradas na ação executiva;

v. Aquando da cessão de créditos à ora Recorrente, a 15.02.2013, o crédito cedido à ora Recorrente ascendia a € 443.058,76, montante de capital em dívida que, acrescido de juros de mora, foi acionado na execução.

vi. A 1ª instância proferiu sentença que julgou parcialmente procedentes os embargos e “determinou o prosseguimento da instância executiva contra os ora embargantes, com correção dos valores pedidos a título de juros por força da procedência da exceção da prescrição dos juros e dos limites decorrentes do disposto no artigo 693º, 2, do Código Civil.”

vii. O Tribunal da Relação de … proferiu acórdão em … .07.2018, transitado em julgado, que concedeu parcial provimento ao recurso e ordenou o prosseguimento da execução apenas para pagamento da quota-parte respeitante às frações propriedade dos executados atenta a permilagem e os valores, de capital e juros, definidos na sentença.

viii.  Na sequência da prolação do referido acórdão do TR… de … .08.2018, por despacho de … .10.2018, ordenou o tribunal a quo, a notificação do AE e da Exequente para proceder à correção do valor da quantia exequenda, atento o teor da decisão exarada no douto acórdão, tendo vindo a Exma. Senhora Agente de Execução, na data de … .08.2018., a proferir decisão que determinou a redução da quantia exequenda para o montante de 232.677,72 por entender que se, a proporção da responsabilidade dos executados se deverá apurar tendo por referência as frações de que os Executados são proprietários e que correspondem à permilagem total de 152,59, ascenderá o valor total de permilagem das frações que ainda são garantia do contrato a 517,43. O total de 152,59 de permilagem de que os Executados são devedores corresponderá assim a 29,49% do valor total de permilagem do contrato inicial, o que mereceu acolhimento da Exequente, ora Recorrente.

ix. Desta decisão discordaram os Executados, defendendo que a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de …., só será integralmente cumprida, se se considerar que o valor total da permilagem das frações dos Executados ascende a 152,59, valor que percentualmente corresponderá a 15,25% do valor total das frações do imóvel hipotecado (1000), pretendendo assim que o valor da execução seja reduzido tendo em consideração a totalidade das frações que compõem o prédio, para o montante total de 89.255,29, em conformidade com o seu cálculo.

x. Atenta a divergência das partes no que concerne à interpretação do Acórdão da Relação de … .07.2018, em … .09.2019, foi proferida decisão, com o intuito de aclarar o teor do douto acórdão, que determinou que o valor da permilagem a considerar, que é referido no Acórdão da Relação há-de ser o que resulta da operação que considere o valor de 152,59/1000, já que essa era a proporção quando foi constituída inicialmente constituída a hipoteca, dando razão aos executados, decisão essa que, posteriormente veio a ser confirmada pelo douto Acórdão proferido pela Relação de Guimarães, datado de … .02.2020, do qual presentemente se recorre.

F. Atentos os factos em causa, a questão essencial colocada perante o Tribunal da Relação de Guimarães centrou-se, assim, segundo este Tribunal, na interpretação da decisão exarada no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de … .07.2018, no que concerne ao apuramento da responsabilidade dos executados para pagamento da quota-parte respeitantes às frações propriedade destes, atenta a sua permilagem, em face de convenção contrária à indivisibilidade da hipoteca.

G. A interpretação efetuada pelo Acórdão da Relação de …, de que ora se recorre, não só contende com o sentido decisório que o TR….. teve em mente exarar no Acórdão de … .07.2018, como ainda se encontra em contradição com o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de … .02.2004, proferido no âmbito do processo n.º 10573/02, para o qual o próprio Acórdão de … .07.2018 remete, fazendo referência aos fundamentos constantes daquela decisão.

H. Decorre do acórdão recorrido que, para averiguar a proporção de que serão responsáveis os executados, proprietários de 9 das frações não distratadas, deverá considerar-se, a permilagem das 9frações dos executados (152,59) tendo por referência a totalidade do prédio – ou seja, o conjunto de trinta e seis frações que compunham o bem imóvel aquando do contrato inicial – e que perfaziam a permilagem total de 1000.

I. Nos termos do Acórdão do TR…. de … .07.2018, cujo sentido decisório o acórdão recorrido se propõe interpretar, extrai-se que, a quota-parte de que os executados serão responsáveis, deverá ser aferida em função da permilagem total de 1000, com referência ao contrato inicial (as 38 frações que garantiam o pagamento do montante máximo garantido correspondente a € 1.310.000,00), mas considerando o contrato de mútuo inicial de 1.0000.000,00, ou seja a proporção pela qual os executados seriam responsáveis aquando da constituição de hipoteca, aferida através do montante máximo garantido pela hipoteca constituída sobre todas as frações do imóvel (1.310.000,00),ao invés do valor em dívida que remanesce atualmente, correspondente a 443.058,76, sendo este o cálculo que permitirá apurar a proporção pela qual atualmente os executados serão responsáveis e a solução que procede do Acórdão do TR…. de … .07.2018 bem como do Acórdão fundamento.

J. Não poderia o douto acórdão do TR…., ao confirmar a decisão recorrida, dar acordo aos cálculos efetuados pelos executados, dado que os executados serão responsáveis na proporção da permilagem das nove frações – tendo em conta o montante máximo garantido por hipoteca – é nestes termos que é, no Acórdão do TR….., feita referência ao contrato inicial garantido por 38 frações e à permilagem total das mesmas, pelo que o Acórdão uma interpretação incorreta da tese defendida pela decisão do TR… bem como pelo acórdão fundamento, determinando que a execução prossiga obstando ao ressarcimento devido da ora Recorrente.

K. No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de … .02.2004, proferido no âmbito do processo nº 10573/02 foi analisada a mesma questão de direito sobre a qual se pronunciou oaresto de que se recorre, destacando-se a seguintefactualidade relevante:

ix. BANCO A, instaurou execução hipotecária contra SOCIEDADE B, C e mulher D, para pagamento da quantia de 7 810 000$00, correspondente ao capital garantido e respetivos juros vencidos pelo prazo de três anos, a que acrescerá o imposto de selo a incidir sobre o valor dos juros pagos, à taxa legal. Invoca como título executivo a escritura pública celebrada em 29 de Novembro de 1977, na qual a primeira executada constitui hipoteca a favor do BPSM sobre um terreno para construção, que identifica, visando garantir quaisquer responsabilidades dela, executada, a descontar no banco exequente, até ao limite de 5 500 000$00, e juros de mora à taxa anual de 12%;

x. sobre esse terreno foi construído um prédio urbano, sob o regime de propriedade horizontal, composto pelas frações A, B, C, D, E, F, G, e H (8 frações);

xi. o Banco é titular inscrito de hipoteca incidente sobre todas as frações do imóvel, até ao montante máximo de 7 770 000$00, como consta do título dado à execução;

xii. a hipoteca foi constituída até ao limite de cinco milhões quinhentos e cinquenta mil escudos e incidiu sobre as oito frações autónomas que compõem o prédio constituído em propriedade horizontal, das quais fazem parte as adquiridas pelos recorrentes (C, E e F), as únicas ainda oneradas com a hipoteca;

xiii. o Banco autorizou o distrate da hipoteca incidente sobre várias frações desse prédio, encontrando-se por distratar apenas as frações C, E e F (3 frações); o BPSM concedeu à B dois financiamentos de 14 605 000$00 e 3 250 000$00; após recebimentos efetuados por conta de uma outra execução e de distrates de hipoteca, a B está em débito de 23 780 000$00, com referência a 21 de Dezembro de 1988.

G. O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, concluiu expressamente que o banco credor autorizou o distrate da hipoteca sobre essas mesmas frações, e, essa convenção ou acordo, afeta apenas e só o banco e, no que aqui importa, os titulares das frações distratadas; extinguindo a hipoteca na medida exata da permilagem destas, qualquer que tenha sido o montante pago pelos respetivos titulares ou pelo devedor para obter o distrate por parte do banco; permanecendo a hipoteca para garantia do montante correspondente à permilagem das frações não distratadas, e apenas deste.

H. Da análise do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, cuja tese é seguida pelo Acórdão do TR… de … .07.2018, o que efetivamente resulta é que a quota-parte da responsabilidade dos executados, corresponderá a 152,59/1000 do total coberto pela hipoteca de 1.300.000,00, incluindo capital, juros de três anos, e despesas – apurando-se a quantia total a pagar pelos executados à Recorrente, uma vez que se mantém a garantia correspondente à fração de 152,59/1000 (15,25%) do montante máximo garantido de 1.300.000,00, incluindo o capital, juros de três anos, e despesas - ou seja, na senda do Acórdão do STJ, o cálculo a efetuar no caso sub judice, corresponderá à seguinte fórmula: € 1.300.000,00 x 152,59/1000 – absolutamente contrária à adoptada pelas decisões proferidas pelo tribunal a quo e que interpretaram o acórdão do TRG de … .07.2018.

I. Ao acolher a argumentação, ainda que de forma não expressa, de que a responsabilidade dos Executados foi apurada de forma correta, e ao confirmar a decisão proferida pela 1.º instância, o acórdão recorrido entra em contradição com a decisão proferida no Acórdão fundamento, pelo que deverá a referida questão ser objeto de prolação de acórdão, crendo desde já a ora Recorrente que outro entendimento não se possa ter senão ser revogada a decisão recorrida substituindo-se por outra em que seja ordenado o prosseguimento da execução a quo, para pagamento da quota-parte respeitante às frações dos executados, atenta a sua permilagem, calculada nos termos supra expostos.

A TÍTULO SUBSIDIÁRIO, VEM A RECORRENTE INTERPOR RECURSO DE REVISTA, NOS TERMOS DA ALÍNEA B) DO N.º 2 DO ART. 671.º DO CPC, CUJAS CONCLUSÕES ORA SE FORMULAM

J. Nos termos do artigo 671.º, n.º 3 do CPC, afastada que se encontre a recorribilidade por verificação de dupla conforme, determina que apenas seja admissível a revista excecional ou, tratando-se de decisões interlocutórias/intercalares, nos termos do n.º 2 do art. 671.º do CPC, a revista de acórdãos que apreciem decisões interlocutórias que recaiam unicamente sobre a relação processual e que estejam em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido pelo STJ, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito.

K. O aresto sub judice do qual se recorre, propugna uma conclusão oposta à posição defendida no anterior Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 12.02.2004, proferido no âmbito do processo n.º 10573/02, tendo, optado por uma decisão com entendimento diverso à perfilhada por estes autos, ao ordenar o prosseguimento da execução confirmando a decisão que determinou proceder à correção dos valores em consonância com a interpretação dada pelos executados, pelo que atenta a contradição de julgados verificada entre a decisão da qual se recorre e o Acórdão proferido pelo STJ, de 12.02.2004, a Recorrente requer, muito respeitosamente que se conclua no sentido propugnado por este Acórdão.

L. A questão essencial colocada perante o Tribunal da Relação de … centrou-se, segundo este Tribunal na interpretação da decisão exarada no Acórdão do Tribunal da Relação de ……. de … .07.2018., no que concerne ao apuramento da responsabilidade dos executados para pagamento da quota-parte respeitantes às frações propriedade destes, atenta a sua permilagem, em face de convenção contrária à indivisibilidade da hipoteca.

M. A interpretação que é feita pelo Acórdão da Relação de …….., não só contende com o sentido decisório que o TR…… teve em mente exarar no Acórdão de 10.07.2018., como se encontra em contradição com o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 12.02.2004, proferido no âmbito do processo n.º 10573/02, para o qual o próprio Acórdão de 10.07.2018 remete, por referência aos fundamentos constantes daquela decisão.

N. O douto acórdão recorrido, ao confirmar a decisão proferida pela 1ª instância, vem considerar que o TR… determinou que, para averiguar a proporção de que serão responsáveis os executados, proprietários de 9 das frações não distratadas, deverá considerar-se, a permilagem das9fraçõesdos executados (152,59)tendo por referência a totalidade do prédio – ou seja, o conjunto de trinta e seis frações que compunham o bem imóvel aquando do contrato inicial – e que perfaziam a permilagem total de 1000. O. Nos termos da referida decisão, será passível extrair-se que, a quota-parte de que os executados serão responsáveis, deverá ser aferida em função da permilagem total de 1000, concedendo a ora Recorrente que, com referência ao contrato inicial (as 38 frações que garantiam o pagamento do montante máximo garantido correspondente a € 1.310.000,00), mas considerando o mútuo inicial de 1.0000.000,00, ou seja a proporção pela qual os executados seriam responsáveis quando foi constituída inicialmente constituída a hipoteca, aferida através do montante máximo garantido por todas as frações do imóvel, ao invés do valor em dívida de capital que remanesce atualmente, correspondente a 443.058,76.

P. Atento o exposto, não poderia o douto acórdão do TR…., ao confirmar a decisão recorrida, dar acordo aos cálculos efetuados pelos executados, determinando o prosseguimento dos autos para pagamento na proporção apurada por aqueles, encontrando-se em absoluta contradição com a conclusão que resulta do Acórdão fundamento, daqui decorrendo que os executados serão responsáveis na proporção da permilagem das (9) nove frações – tendo em conta o montante máximo garantido por hipoteca – é esta referência que é feita no Acórdão ao contrato inicial garantido por 38 frações e à permilagem total das mesmas (1000).

Q. Em face de um enquadramento factual semelhante ao caso sub judice, veio o Supremo Tribunal de Justiça pronunciar-se pela verificação de convenção contrária à indivisibilidade da hipoteca, nos termos do art. 696.º do Código Civil, quando o credor autoriza o distrate da hipoteca incidente sobre várias frações do referido prédio, contra o pagamento da parte, ainda que não proporcional, do crédito em dívida, e, essa convenção ou acordo, extinguirá a hipoteca na medida exata da permilagem destas, pelo que a hipoteca permanecerá para garantia do montante correspondente à permilagem das frações não distratadas, e apenas deste, não podendo o banco pedir de todos ou de cada um dos restantes titulares mais do que esse quantitativo restante

R. Vindo assim a concluir no Acórdão datado de 12.02.2004, que a responsabilidade das frações não distratadas será aferida em função da permilagem de 1000 (totalidade do contrato – 8 frações) da qual apenas, existiam já só 3 frações por distratar( 396/1000), calculando esta proporção em função do montante total garantido pela hipoteca, incluindo capital, juros de três anos e despesas – acrescida de juros à taxa legal desde a citação para a ação executiva.

S. Da análise do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, cuja tese é seguida pelo Acórdão do TR… de ….07.2018, o que efetivamente se verifica é que a quota-parte da responsabilidade dos executados, corresponderá a 152,59/1000 do total coberto pela hipoteca de 1.300.000,00, incluindo capital, juros de três anos, e despesas – apurando-se a quantia total a pagar pelos executados à Recorrente, uma vez que se mantém a garantia correspondente à fração de 152,59/1000 (15,25%) do montante máximo garantido de 1.300.000,00, incluindo capital, juros de três anos, e despesas.

T. Ou seja, na senda do Acórdão do STJ, o cálculo a efetuar no caso sub judice, corresponderá à seguinte fórmula: € 1.300.000,00 x 152,59/1000 – absolutamente contrária à adoptada pelas decisões proferidas pelo tribunal a quo e que interpretaram o acórdão do TR…. de … .07.2018.

U. Ao acolher a argumentação, ainda que de forma não expressa, de que a responsabilidade dos Executados foi apurada de forma correta, e ao confirmar a decisão proferida pela 1.º instância, o acórdão recorrido entra em contradição com a decisão proferida no Acórdão fundamento, pelo que deverá a referida questão ser objeto de prolação de acórdão, crendo desde já a ora Recorrente que outro entendimento não se possa ter senão ser revogada a decisão recorrida substituindo-se por outra em que seja ordenado o prosseguimento da execução a quo, para pagamento da quota-parte respeitante às frações dos executados, atenta a sua permilagem, calculada nos termos supra expostos.

Nestes termos e nos mais de direito que V. Exas. doutamente suprirão:

a) Deve o presente recurso de revista excecional ser admitido, reconhecendo-se a contradição de julgados suscitada, decidindo-se a final revogar a decisão recorrida, substituindo-se por outra em que seja ordenado o prosseguimento da execução para pagamento da quota-parte respeitante às frações dos executados, atenta a sua permilagem, com referência ao montante máximo garantido por hipoteca, na esteira do que propugna o acórdão fundamento apresentado; ou, caso não se encontrem reunidos os pressupostos da revista excecional ou a mesma seja considerada improcedente,

b) Deve o recurso de revista, nos termos gerais, interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 2 do art. 671.º do CPC, ser admitido, reconhecendo-se a contradição de julgados suscitada, decidindo-se a final revogar a decisão recorrida, substituindo-se por outra em que seja ordenado o prosseguimento da execução a quo, para pagamento da quota-parte respeitante às frações dos executados, atenta a sua permilagem, com referência ao montante máximo garantido por hipoteca, na esteira do que propugna o acórdão fundamento apresentado.

Fazendo-se, assim, anecessáriae acostumada JUSTIÇA!

 18. Os Executados, agora Recorridos, contra-alegaram, pugnando pela inadmissibilidade e, subsidiariamente, pela improcedência do recurso.

           

 19. Finalizaram a sua contra-alegação com as seguintes conclusões:

1º- Fundando-se o recurso na alínea c) do nº 1 do artigo 672º do Código de Processo Civil, cumpre ao recorrente juntar certidão integral, com nota de trânsito em julgado, de um Acórdão fundamento.

2º- O cumprimento deste requisito não se basta com a mera junção de um pedido de emissão de certidão dirigido ao Tribunal onde a decisão foi proferida.

3º- A revista excecional (subsumível no artigo 672º) mais não é do que uma mera revista comum (só sendo de exceção nas condições de admissão, não tendo natureza vinculativa, para além do caso concreto.

4º- No caso, não estando as alegações de recurso acompanhadas da certidão do Acórdão-fundamento, nem tendo sido alegada dificuldade na sua junção, cremos que o requisito previsto na alínea c) do citado artigo 672º do C.P.C. terá de se dar por não verificado.

5º- O recurso deve, por isso, ser rejeitado.

6º- Está demonstrado, uma vez que tal resulta dos factos provados, que a hipoteca que incide sobre as 9 frações dos recorridos corresponde a 152,59/1000, sendo esta a permilagem que garante o crédito em divida, ou seja, aquele que a exequente invoca no seu requerimento executivo.

7º- Embora o Banco Popular S.A. tenha celebrado com a sociedade …, Imobiliária, Ldª um contrato de mútuo com hipoteca e fiança, nos termos do qual lhe concedeu um empréstimo no valor de €1.000.000,00, e que para garantia de pagamento de todas as responsabilidades foi constituída hipoteca sobre três prédios, que deram origem a um único prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, composto por 36 frações cujo valor máximo garantido ascendia a €1.310.000,00.

8º- Resultando do alegado no requerimento executivo que a divida ascende a €443.058,76, a responsabilidade dos executados/recorridos tem de ser limitada à quota-parte respeitante às suas frações atenta a permilagem global das mesmas e os valores de capital e juros do crédito da exequente.

9º- Pretender-se, que a responsabilidade dos executados seja aferida em relação à permilagem de 517,43, correspondente às frações cuja hipoteca não foi distratada ao invés de ser aferida em relação à permilagem total (1000) é desvirtuar o sentido das decisões proferidas nestes autos.

10º- Na modesta opinião dos recorridos, não há contradição entre a solução preconizada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.02.2004, proferida no âmbito do processo nº 10573/02, e a decisão constante no Acórdão recorrido, uma vez que esta não contraria aquela.

11º- Na tese da exequente, “o total de 152,59 de permilagem de que os executados são devedores corresponderá assim a 29,49% do valor total de permilagem do contrato inicial”, o que além de absurdo, não tem sustentação legal, pois que 152,59/1000 dá 15,25%, não dá 29,49%.

12º- Tendo presente a divisibilidade da hipoteca, tal como foi decidido no Acórdão da Relação de ….. e o pedido formulado no requerimento executivo, deve entender-se que cada uma das frações não distratadas apenas garante o montante da divida peticionada correspondente à sua permilagem.

13º- Aliás, na ansia de “levar a água ao seu moinho”, a recorrente nem sequer se apercebe que a decisão impugnada altera o valor global das frações em que a hipoteca não foi distratada para 17 frações (e não 18), o que perfaz um total de permilagem de 416,28 (e não de 517,43).

14º- Seguindo de perto a orientação vertida no Acórdão da Relação do Porto de 23.10.2018, (p. 3746/16.8T8LOU-A.P1, acessível em www.dgsi.pt) o qual se debruça sobre questão semelhante e no qual se aprecia uma sentença que se estribou no acórdão do STJ, de 12.02.2004 (Proc. 03B2831), podemos concluir que “Sendo o crédito da exequente o indicado no requerimento executivo, a responsabilidade do executado calcula-se em função deste crédito e da permilagem das fracções de que é titular.”

15º- É, esta, salvo o devido respeito, a interpretação que melhor se adequa ao decidido no Ac. STJ 12.02.2004 (Proc. 03B2831), devendo a responsabilidade dos aqui recorrentes limitar-se à quota-parte respeitante às suas frações atenta a permilagem global das mesmas e os valores de capital e juros do crédito da exequente.

16º- Em consequência, deve o recurso ser rejeitado, por falta de fundamento legal para a sua interposição. [(artº 671º, nº 1, al. c).)]

17º- A recorrente labora num erro manifesto quanto à alegada contradição, uma vez que a fórmula de cálculo utilizada em ambas as decisões é a mesma.

18º- Não se vislumbra qualquer diferença no que se refere às responsabilidades dos proprietários das frações não distratadas nem quanto à fórmula de cálculo utilizada em ambas as decisões.

19º- Por isso, perfilhamos o entendimento de que não há contradição de julgados, devendo a pretensão da recorrente ser desatendida.

20º- Em suma, a douta decisão recorrida não merece reparo, devendo ser mantida.

Nestes termos e nos melhores de direito que mui doutamente serão supridos, negando provimento ao recurso, mantendo a douta decisão recorrida, farão Vªs Exªs, Venerandos Juízes Conselheiros, como sempre JUSTIÇA.

 

  20. Em … de Outubro de 2010, foi proferido o despacho previsto no art. 655.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

21. A Exequente, agora Recorrente, Hipoteca IV Lux, S.A.R.L., respondeu ao despacho nos seguintes termos:

1. O recurso em causa vem interposto do douto Acórdão do Tribunal da Relação de ………, datado de 28/02/2020, que apreciou a decisão do Tribunal de 1.ª Instância, proferida no âmbito do processo n.º 5635/17.0T8GMR, que determinou o prosseguimento da ação executiva com a correcção dos valores em dívida por referência ao valor 1000 (mil) que se tem de apurar a percentagem que as fracções dos executados (no valor de 152,59 (cento e cinquenta e dois virgula cinquenta e nove), cfr. articulado 1.º das Alegações de Recurso.

2. O Acórdão Recorrido não deu provimento ao recurso apresentado pela aqui Recorrente, sufragando e mantendo integralmente a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância, cfr. já explanado no articulado 2.º das Alegações de Recurso.

3. A confirmação da decisão do tribunal a quo sem fundamentação essencialmente diferente determina a verificação do pressuposto previsto no n.º 3 do artigo 671.º do CPC, verificando-se assim a existência de dupla conforme.

4. O artigo 671.º, n.º 3 do CPC consagra o regime da dupla conforme, estabelecendo que, sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo se for admissível a revista excecional.

5. Os casos em que o recurso é sempre admissível, independentemente do valor da causa e da sucumbência, estão previstos no artigo 629.º, n.º 2, do CPC e, entre os casos previstos no artigo 629.º, n.º 2, alínea d) encontra-se o da contradição de julgados.

6. A Recorrente reitera a existência de há contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Fevereiro de 2004, proferido no processo n.º 03B2831 (= processo no tribunal de recurso n.º 10573/02),

7. no entanto, com o devido respeito, a Recorrente não pode concordar com a conclusão de V. Exas. de que os “dois acórdãos não foram proferidos sobre a mesma questão fundamental de direito”.

8. Com a devida vénia e com o devido respeito, é entendimento da Recorrente que o Acórdão do qual se recorre, propugna uma solução diametralmente oposta à posição defendida no anterior Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 12/02/2004, proferido no âmbito do processo n.º 10573/02, cuja certidão foi junta aos Autos,

9. no qual foram discutidas as mesmas questões que constituem objeto do presente recurso, tendo, ao invés, optado por uma decisão diversa à perfilhada por estes Autos, ao confirmar a decisão que ordenou o prosseguimento da execução nos termos supramencionados.

Senão vejamos, Venerandos Juízes Conselheiros,

10. No âmbito do presente recurso discute-se a interpretação dada pelo Acórdão Recorrido no que concerne à aferição da responsabilidade dos Executados se será de ter em consideração a permilagem total do imóvel dado em hipoteca ou se será de ter em consideração a permilagem correspondente às fracções relativamente às quais a hipoteca registada não fora distratada,

11. uma vez que o Acórdão Recorrido decidiu que a responsabilidade dos Executado deveria ser aferida em relação à permilagem total do imóvel originalmente dado em hipoteca.

12. Acompanhando o já exposto em sede de Alegações e sem daquelas prescindir, entende a Recorrente que a interpretação que é feita pelo Acórdão da Relação de Guimarães, de que ora se recorre, não só contende com o sentido decisório que o julgador teve em mente exarar no Acórdão de 10/07/2018, como ainda se encontra em contradição com o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 12/02/2004, proferido no âmbito do processo n.º 10573/02, para o qual o próprio Acórdão de 10/07/2018 remete, por referência aos fundamentos constantes daquela decisão.

13. Já que, nos termos da referida decisão, será assim passível de se extrair que, a quota-parte de que os executados serão responsáveis, deverá ser aferida em função da permilagem total de 1000, concedendo a ora Recorrente que, com referência ao contrato inicial (as 38 frações que garantiam o pagamento do montante máximo garantido correspondente a € 1.310.000,00), mas considerando o contrato de mútuo de € 1.0000.000,00, ou seja a proporção pela qual os executados seriam responsáveis aquando da constituição de hipoteca, aferida através do montante máximo garantido pela hipoteca constituída sobre todas as frações do imóvel (1.310.000,00), ao invés do valor em dívida de capital que remanesce atualmente, correspondente a € 443.058,76.

14. Resulta do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 12/02/2004 e proferido no âmbito do processo n.º 10573/02, o qual se apresenta enquanto acórdão-fundamento, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 672.º, n.º 1, alínea c) do CPC, que a interpretação a ser dada para efeitos de aferição da responsabilidade dos Executados será em relação à permilagem correspondente às fracções sobre as quais ainda incidia hipoteca registada pela circunstância de, quanto a essas, não ter sido distratada.

15. Esclarece, ainda, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 12/02/2004, proferido no âmbito do processo n.º 10573/02 que, tendo o banco autorizado o distrate quanto a algumas fracções (como é o caso dos presentes Autos), a quantia que era inicialmente garantida pela hipoteca, mantém-se apenas com a garantia correspondente às fracções relativamente às quais a hipoteca registada não fora distratada.

16. Tomando posição sobre a questão jurídica subjacente, o douto aresto conclui expressamente que, por acordo com o seu devedor e/ou os titulares de algumas das fracções do prédio construído no terreno hipotecado, e constituído em propriedade horizontal, o banco credor autorizou o distrate da hipoteca sobre essas mesmas fracções, e, essa convenção ou acordo, afeta apenas e só o banco e, no que aqui importa, os titulares das frações distratadas, extinguindo a hipoteca na medida exata da permilagem destas, qualquer que tenha sido o montante pago pelos respetivos titulares ou pelo devedor para obter o distrate por parte do banco; a hipoteca permanecerá para garantia do montante correspondente à permilagem das frações não distratadas, e apenas deste, não podendo o banco pedir de todos ou de cada um dos restantes titulares mais do que esse quantitativo restante.

17. Assim, verifica-se que o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 12/02/2004, proferido no âmbito do processo n.º 10573/02 coincide com o caso sub judice e decidiu em sentido oposto ao decidido pelo Acórdão Recorrido, já que este último deveria ter decidido em consonância com os fundamentos do primeiro, determinando que a responsabilidade dos Executados deveria ser aferida em relação à permilagem das fracções sobre as quais ainda incidia hipoteca registada por não ter sido distratada.

18. Partindo do mesmo entendimento do Acórdão do STJ, concluiu o Acórdão recorrido que a decisão do Tribunal da Relação de Guimarães determinou que o cálculo da responsabilidade dos executados fosse efetuado em função da sua permilagem (152,59) tendo por referência a permilagem total (1000), contudo, de forma diversa ao decidido por este este Supremo Tribunal, confirmou o despacho proferido pela 1.ª instância, que deu razão aos cálculos do Executado, apenas se tendo limitado a referir que a Exequente e a Sra. AE laboraram em erro.

19. Não poderia o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, ao confirmar a decisão recorrida, dar acordo aos cálculos efetuados pelos executados, determinando o prosseguimento dos autos para pagamento na proporção apurada por aqueles, encontrando-se em absoluta contradição com a conclusão que resulta do acórdão-fundamento.

20. Salvo melhor entendimento, ao acolher-se a argumentação, ainda que de forma não expressa, de que a responsabilidade dos Executados foi apurada de forma correta, e ao confirmar a decisão proferida pela 1.ª instância, o acórdão recorrido entra em contradição com a decisão proferida no Acórdão fundamento.

21. Termos em que interpretação dada pelo Acórdão Recorrido deveria ter sido no sentido de aferição da responsabilidade dos Executados em relação às fracções relativamente às quais a hipoteca registada não fora distratada e não exclusivamente em relação às fracções propriedade dos Executados, ou seja, na proporção de 152,59/517,43, ao invés da proporção de 152,59/1000 que pretendem os Executados.

22. Em idêntica posição à defendida pela ora Recorrente também se pronunciaram o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23/10/2018 proferido no processo 3746/16.8T8LOU-A.P1, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22/01/2013, proferido no processo n.º 2210/09.6TBLRAC.C1 e o Acórdão da Relação de Lisboa, de 27/06/2019, processo n.º 10801/13.4YYLSB-A.L1-6, cfr. já exposto em sede de Alegações.

23. A não se entender assim, ficaria a Recorrente impedida de ser ressarcida do valor integral da dívida que à data é remanescente e os executados responderiam pela dívida numa proporção substancialmente inferior aquela que lhes é exigida nos termos contratuais.

24. Quanto aos demais factos que importam para uma boa solução de Direito que aqui se discute, a Recorrente dá por reproduzido o conteúdo das Alegações apresentadas.

25. Deste modo, inexistem dúvidas quanto à admissibilidade do presente recurso, devendo o mesmo ser admitido, nos termos e para os efeitos do artigo 629.º, n.º 2, alínea d) do CPC.

Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão:

a) Deve o recurso de revista excecional apresentado pela Recorrente ser admitido e conhecido o seu objecto, nos termos requeridos.

Fazendo-se, assim, a necessária e a costumada JUSTIÇA!

  22. Os Executados, agora Recorridos, AA e BB responderam, pugnando pela inadmissibilidade do recurso.

23. As questões a decidir in casu são duas:

 I. — se o recurso de revista será admissível, de acordo com os arts. 629.º, 671.º e 854.º do Código de Processo Civil;

  II. — desde que a resposta seja afirmativa, se deverá ser revogado o acórdão recorrido e determinado o prosseguimento dos autos com a redução da quantia exequenda em conformidade com a decisão proferida pela agente de execução em 8 de Agosto de 2018.

           

II. — FUNDAMENTAÇÃO

      OS FACTOS

  24. O acórdão recorrido deu como provados os factos seguintes:

1. Em 16/11/2006 o Banco Popular Portugal celebrou com Sociedade Construções A…, Lda. um contrato de mútuo com hipoteca e fiança nos termos do qual concedeu um empréstimo de € 1.000.000,00 e como garantia do pagamento de todas as responsabilidades assumidas ou a assumir (…), bem como dos respectivos juros remuneratórios acordados e das despesas havidas, foi constituída hipoteca, a favor do BNC, sobre três prédios urbanos, descritos na C.R.Predial de … sob os nº …….., ……… e ……. (doc. 3 junto com o req. inicial).

2. Estes prédios foram objecto de anexação da qual resultou o prédio descrito sob o nº …….. que foi submetido ao regime da propriedade horizontal, tendo a sua composição resultado nas fracções designadas pelas letras “A”, “B”, “C”, “D”, “E”, “F”, “G”, “H”, “I”, “J”,“K”, “L”, “M”, “N” “O”, “P”, “Q”, “R”, “S”, “T”, “U”, “V”, “X”, “Z”; “AA”, “BB”, “CC”. “DD”, “EE”, “FF”, “GG”, “HH”, “II”, “JJ”, “KK” e “LL” cfr. Ap. 7/2008 (doc. nº 2 juntos com o req. inicial).

3. Pela Ap. 17 de 2006/10/19 mostra-se inscrita no registo predial hipoteca voluntária a favor do Banco Popular Portugal, S.A. aí consta “Capital: 1.000.000,00” e “Montante Máximo Assegurado: € 1.310.000,00”.

4. Pela Ap. 7 de 2008/10/31 mostra-se inscrita no registo predial a constituição da propriedade horizontal e aí consta a permilagem de cada uma das 36 fracções.

5. Em datas posteriores mostra-se cancelada a hipoteca quanto às fracções “S”, “T”, “A”, “X”, “B”, “AA”, “KK”, “C”, ”D” e “GG”.

6. A mutuária deixou de cumprir os pagamentos a que se encontravam obrigada desde 16/02/2011, tendo ficado em dívida o montante de € 443.058,76.

7. Segundo os factos provados do Apenso A em 06/06/2011 Banco Popular Portugal, S.A. celebrou com a Consulteam – Consultores de um contrato de cessão de créditos nos termos do qual cedeu a esta um conjunto de créditos, concedidos a diversos mutuários, melhor identificados no respetivo documento complementar, onde se encontra especificado o crédito garantido pelos imóveis propriedade dos ora embargantes, que faz parte integrante da referida escritura de cessão de créditos.

8. Esta cessão de crédito mostra-se averbada no registo predial pela Ap. 1888 de 2012/01/05 e aí consta que inclui as fracções “E”, “F”, “G”, “H”, “I”, “J”, “K”, “L”, “M”, “N”, “O”, “P”, “Q”, “R”, “U”, “V”, “Z”, “BB”, “CC”, “DD”, “EE”, “FF”, “HH”, “II”, “JJ”, “LL”.

9. Em datas posteriores foi cancelada a hipoteca quanto às fracções “M”, “N”, “O”, “U”, “V”, “Z”, “EE”, “FF”.

10. Em …/02/2013 Consulteam celebrou com Hipoteca IV Lux, S.A.R.L. um contrato de cessão de créditos nos termos do qual cedeu à ora embargada um conjunto de créditos vencidos e vincendos, concedidos a diversos mutuários, melhor identificados no respectivo documento complementar, sendo que sob a verba 217 encontra-se especificado o crédito referente ao mútuo identificado no ponto 1, com o montante actual de dívida de € 443.058,76, que beneficia de hipoteca sobre as fracções “E”, “F”, “G”, “H”, “I”, “J”, “K”, “L”, “P”, “Q”,“R”, “BB”, “CC”, “DD”, “HH”, “II”, “JJ”, “LL” (doc. nº 1 junto com o req. inicial).

11. Esta cessão de crédito mostra-se averbada no registo predial pela Ap. 2486 de 2013/02/22 e aí consta que inclui as fracções “E”, “F”, “G”, “H”, “I”, “J”, “K”, “L”, “P”, “Q”,“R”, “BB”, “CC”, “DD”, “HH”, “II”, “JJ”, “LL”.

12. Posteriormente foi cancelada a hipoteca quanto à fracção “CC”.

13. A aquisição da propriedade das fracções “L”, “K”, “G”, “F”, “E”, “I”, “HH”, “II” e “H” pelos executados/embargantes ocorreu por escritura outorgada em 18/01/2011e mostra-se inscrita por Ap. 2927 de 20/01/2011 (cfr. doc. nº 4 a 12 junto com o req. inicial)

14. Hipoteca IV Lux, S.A.R.L. (enquanto cessionária), em 19/10/2017, instaurou a presente acção executiva, sob a forma sumária, contra AA e BB, com vista ao pagamento da quantia de € 748.877,83 indicando como título executivo o contrato de mútuo com hipoteca e fiança referido em 1.

       O DIREITO

  25. A Recorrente Hipoteca IV Lux, S.A.R.L., pediu que a revista fosse admitida como revista excepcional, ao abrigo do art. 672.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil.

  26. O recurso de revista excepcional pressupõe o preenchimento dos requisitos gerais de admissibilidade do recurso de revista, designadamente dos requisitos relacionados com o conteúdo da decisão recorrida — art. 671.º, n.º 1 —, com a alçada e com a sucumbência — art. 629.º, n.º 1 —, com a legitimidade dos recorrentes — art. 631.º — e com a tempestividade do recurso — art. 638.º do Código de Processo Civil [1]. Em consequência,

“[p]ara se determinar se é, no caso, de admitir a revista excepcional, deve começar por se apurar se, no caso concreto, estão preenchidos os requisitos gerais de admissibilidade da revista, rejeitando logo o recurso, sem necessidade de apreciação dos requisitos específicos, se se concluir que não se mostram verificados tais requisitos” [2].

   27. Ora o art. 854.º do Código de Processo Civil é do seguinte teor:

Sem prejuízo dos casos em que é sempre admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, apenas cabe revista, nos termos gerais, dos acórdãos da Relação proferidos em recurso nos procedimentos de liquidação não dependente de simples cálculo aritmético, de verificação e graduação de créditos e de oposição deduzida contra a execução.

   28. O acórdão recorrido: I. — foi proferido em processo executivo (cf. art. 852.º do Código de Processo Civil); e — II. — não foi proferido em nenhum dos três procedimentos referidos no segmento final do art. 854.º do Código de Processo Civil.

  29. Em particular, o acórdão recorrido não foi proferido em procedimento de oposição deduzida contra a execução, designadamente através de embargos de executado — a decisão sobre os embargos de executado foi proferida pelo acórdão do Tribunal da Relação de ……… de … de Julho de 2018, transitado em julgado.

   30. Em consequência do art. 854.º do Código de Processo Civil, o recurso só poderia ser admitido desde que se estivesse em algum dos casos em que é sempre admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

  31. Os casos em que o recurso é sempre admissível estão previstos no art. 629.º, n.º 2, do Código de Processo Civil e, entre os casos previstos no art. 629.º, n.º 2, está o da contradição de julgados:

“[…] é sempre admissível recurso: […]

d) Do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme”.

  32. Embora o Recorrente tenha alegado que havia contradição de julgados para efeitos de admissibilidade da revista excepcional, ao abrigo do art. 672.º n.º 1, alínea c), a contradição invocada poderá e deverá ser considerada para efeitos de admissibilidade ao abrigo do art. 629.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Civil.

  33. O Recorrente alega que há contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Fevereiro de 2004, proferido no processo n.º 03B2831 (= processo no tribunal de recurso n.º 10573/02).

  34. O texto do art. 629.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo deve analisar-se distinguindo três requisitos essenciais do recurso: que o acórdão recorrido esteja em contradição com algum acórdão anteriormente proferido pela Relação, denominado de acórdão fundamento; que os dois acórdãos tenham sido proferidos no domínio da mesma legislação; e que os dois acórdãos tenham sido proferidos sobre a mesma questão fundamental de direito.

  35. Comparando o acórdão recorrido com o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Fevereiro de 2004, conclui-se que os dois acórdãos não foram proferidos sobre a mesma questão fundamental de direito.

   36. O acórdão recorrido pronunciou-se sobre a interpretação do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de … de Julho de 2018.

  37. Como se diz expressamente no acórdão recorrido, “[n]o caso sub judice não importa apreciar a questão de saber, se face à lei, tendo as fracções dos executados uma permilagem total de 152,59, a responsabilidade destes deve ser aferida em relação à permilagem total ou à permilagem de 416,28 correspondente às fracções cuja hipoteca não foi distratada” — importa “tão só interpretar o Acórdão desta Relação”.

   38. O acórdão do Supremo Tribunal de justiça de 12 de Fevereiro de 2004, deduzido como acórdão fundamento, pronunciou-se sobre a questão de saber se, face à lei, tendo as fracções do executados uma determinada permilagem, a responsabilidade destes deve ser aferida em relação à permilagem total ou à permilagem correspondente às fracções cuja hipoteca não foi distratada.

  39. Como os dois acórdãos não foram proferidos sobre a mesma questão fundamental de direito, não há uma contradição relevante para efeitos do art. 629.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil.

III. — DECISÃO

     Face ao exposto, não se toma conhecimento do objecto do presente recurso.

      Custas pela Recorrente Hipoteca IV Lux, S.A.R.L.

Lisboa, 10 de Dezembro de 2020

Nuno Manuel Pinto Oliveira (Relator)

José Maria Ferreira Lopes

Manuel Pires Capelo

      Nos termos do art. 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de Maio, declaro que o presente acórdão tem o voto de conformidade dos Exmos. Senhores Conselheiros José Maria Ferreira Lopes e Manuel Pires Capelo.

___________

[1] Cf. designadamente os acórdãos do STJ de 22 de Fevereiro de 2018 — processo n.º 2219/13.5T2SVR.P1.S1 — e de 26 de Novembro de 2019 — processo n.º 1320/17.0T8CBR.C1-A.S1.

[2] Cf. acórdão do STJ de 22 de Fevereiro de 2018 — processo n.º 2219/13.5T2SVR.P1.S1.