Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
373/10.7TTPRT.P1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: FERNANDES DA SILVA
Descritores: RETRIBUIÇÃO
FUNDO DE PENSÕES
PRÉMIO DE PRODUTIVIDADE
VEÍCULO AUTOMÓVEL
TELEMÓVEL
SUBSÍDIO DE ALIMENTAÇÃO
DESPEDIMENTO ILÍCITO
SANÇÃO ABUSIVA
INDEMNIZAÇÃO DE ANTIGUIDADE
RETRIBUIÇÕES INTERCALARES
JUROS DE MORA
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Data do Acordão: 05/26/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO / RETRIBUIÇÃO E OUTRAS PRESTAÇÕES PATRIMONIAIS - INCUMPRIMENTO DO CONTRATO / PODER DISCIPLINAR - DESPEDIMENTO POR INICIATIVA DO EMPREGADOR / ILICITUDE DO DESPEDIMENTO.
Doutrina:
- Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil – Novo Regime, 2ª ed., Revista e Actualizada, p. 94.
- Bernardo Lobo Xavier, Manual de Direito do Trabalho, Verbo, 2011, p. 559.
- Joana de Vasconcelos, ‘Código do Trabalho’, 2013, 9.ª Edição, Pedro Romano Martinez e Outros, p. 592.
- Lebre de Freitas, “Código de processo Civil” Anotado, vol. 2.º, pág. 670.
- Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 16.ª Edição, p. 409.
- Pedro Furtado Martins, Cessação do Contrato de Trabalho, Principia, pp. 441-442, 3.ª edição, 2012, pp. 437-440.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 483.º, 494.º , 496.º, N.º 1 E N.º 3, 1.ª PARTE, 805.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 609.º, N.º1.
CÓDIGO TRABALHO (CT): - ARTIGOS 258.º, 260.º, N.º 1, C) E N.º2, 329.º, N.º5, 331.º, N.º 4, 381.º, 389.º, N.º1, 391.º, N.ºS 1 (2.ª PARTE) E 2, 392.º, N.º 3 EX VI DO ART. 331.º, N.ºS 3 E 4.
DEC.-LEI N.º 12/2006, DE 20 DE JANEIRO: - ARTIGOS 2.º, 6.º/1, 9.º E 24.º/2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 29.04.1998, BMJ 476º/401.
-DE 13.12.2000, PROCESSO Nº 00S2449, WWW.DGSI.PT .
-DE 01.10.2002, CJSTJ, TOMO III, PÁG. 65.
-DE 27.04.2007, IN WWW.DGSI.PT.
-DE 5.7.2007 (PROC. 07S043); 18.5.2011 (PROC. N.º 638/06.2TTSNT.L1.S1); 25.1.2012 (PROC. N.º 4212/07.8TTLSB.L1.S1); 19.4.2012 (PROC. N.º 1210/06.2TTLSB.L1.S1) E 12.9.2013 (PROC. N.º 691/11.7TTPRT.P1.S1).
-DE 23.11.2011, PROCESSO Nº 4014/07.1TVLSB.P1, IN WWW.DGSI.PT .
-DE 27.5.2010, PROCESSO N.º 467/06.3TTCBR.C1.S1 (CONSULTÁVEL EM WWW.DGSI.PT).
-DE 16.01.2013, PROCESSO Nº 1767/08.3TTLSB.L1S1, IN WWW.DGSI.PT .
-DE 21.1.2014, PROCESSO N.º 354/11.3TTVCT.S1.
-DE 30.4.2014, PROCESSO N.º 714/11.0TTPRT.P1.S1.
-DE 11.2.2015, PROCESSO N.º 575/08.6TTVLR.P1.S1 (VIDE, TAMBÉM, ACÓRDÃO DE 18.6.2014, TIRADO NA REVISTA N.º 5115/07.1TTLSB.L1.S1).
Sumário :

I - Considerando a lei como retribuição (art. 258.º do Cód. Trabalho) a prestação a que o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho – nela se compreendendo, além da retribuição base, as prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie – não cabem na dimensão normativa da previsão, mesmo na perspectiva de prestações indirectas, as contribuições feitas pelo empregador a um fundo de pensões (que, além de não serem feitas ao trabalhador, sempre teriam de assumir feição de contrapartida da prestação do trabalho).

II - Não assume natureza retributiva o prémio de produtividade cuja atribuição estava dependente da avaliação da produtividade e do desempenho profissional dos trabalhadores, num ciclo temporal anual, excluída estando, em função desses factores, a antecipada garantia do direito ao seu pagamento.

III - Resultando provado que a utilização da viatura de serviço, em termos de uso total, constituía mera tolerância ou liberalidade do empregador, não pode concluir-se pela sua natureza retributiva.

IV - Estabelecido pelo empregador um limite mensal para a utilização do telemóvel e da internet – limite esse estipulado para cobrir, em regra, as necessidades atinentes ao exercício da sua actividade profissional, suportando o trabalhador o respectivo pagamento se excedido o plafond pré-determinado – não pode concluir-se pelo carácter retributivo dessas prestações.

V - O subsídio de alimentação, embora assuma, na maioria dos casos, natureza regular e periódica, só é considerado retribuição na parte que exceda os montantes normalmente pagos a esse título, sendo mister para o efeito, por isso, a alegação e prova, por banda do trabalhador, de que o mesmo excedia os valores que normalmente eram pagos a esse título.

VI - A ratio legis do carácter abusivo da sanção reside na natureza persecutória da punição, ou seja, no facto de a verdadeira razão da aplicação da sanção se situar fora da punição da conduta ilícita e culposa do trabalhador.

VII - Resultando provado que as reclamações do autor, nas quais invocava os seus direitos e se dizia vítima de discriminação, tiveram o seu epílogo em 29/07/2009 e que, no dia 2 de Setembro desse mesmo ano, foi instaurado contra o autor um procedimento disciplinar, visando o despedimento, que se consumou, mostra-se verificado o elemento objectivo do conceito de sanção abusiva, o qual permite presumir, por força da lei – face à inexistência de factos que conduzam à sua ilisão – o elemento subjectivo ou a intenção retaliadora da Ré.

VIII - A indemnização em substituição da reintegração há-de ser graduada em função do valor da retribuição e do grau de ilicitude decorrente da ordenação estabelecida no artigo 381.º do Código do Trabalho, sendo que os dois referidos vectores de aferição têm uma escala valorativa de sentido oposto: enquanto o factor retribuição é de variação inversa (quanto menor for o valor da retribuição, mais elevada deve ser a indemnização), a ilicitude é factor de variação directa (quanto mais elevado for o seu grau, maior deve ser a indemnização).

IX - O critério referido em VIII não se altera nas circunstâncias em que o despedimento/sanção seja considerado abusivo: apenas a moldura da graduação da indemnização é agravada (art. 331.º, n.º 4, do Código do Trabalho), ou seja, os limites previstos de 15-45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano de antiguidade/fracção passam a ser de 30-60 dias, não podendo a indemnização ser inferior ao valor correspondente a seis meses de retribuição base e diuturnidades (art. 392.º, n.º 3 ex vi do art. 331.º, n.ºs 3 e 4 do Código do Trabalho).

X - Atendendo ao valor da retribuição do autor – € 1.928,15, mensais – e ao grau de ilicitude do despedimento, o qual se situa no segundo patamar do escalão previsto no art. 381.º do Código do Trabalho, é adequado, proporcional e justo, fixar o montante da indemnização de antiguidade em 45 dias de retribuição base e diuturnidades.

XI - Dispondo o empregador de todos os elementos necessários à liquidação das retribuições intercalares (ou de tramitação), são devidos juros de mora desde o vencimento das componentes retributivas que integram a respectiva compensação.

XII - Os danos não patrimoniais só são indemnizáveis se, por um lado, se verificarem os pressupostos da responsabilidade civil previstos no art. 483.º do Código Civil e se, por outro lado, esses danos assumirem gravidade bastante, de modo a merecerem a tutela do Direito.

XII – Decorrendo, da prova produzida, o estabelecimento da necessária relação de causa-efeito entre a actuação terminal da ré, com o cominado despedimento, e a situação de nervosismo/preocupação/reacção depressiva de que o autor ficou a padecer (…foi por ver o projecto da vida profissional em que acreditava ruir desta forma…que o A. se encontra afectado de…, necessitando de acompanhamento médico e psicológico), é equitativa a indemnização, a título de danos não patrimoniais, fixada em € 10.000,00.

Decisão Texto Integral:

      Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça

                                

                                                                          I

1.

AA, com os demais sinais dos autos, intentou, no Tribunal do Trabalho do Porto, a presente acção declarativa, sob a forma comum, emergente de contrato de trabalho, contra “BB, Ld.ª”, com sede na ..., Edifício ..., piso 0, ala A, ..., pedindo que:

- O Tribunal declare ser a sua retribuição tal como alegada no artigo 7.º da petição inicial;

- O Tribunal declare o despedimento operado pela Ré como desprovido de justa causa e abusivo, seja formal, seja substancialmente, e, consequentemente, condene a Ré a reintegrar o A., com respeito pela sua categoria, retribuição, demais direitos e regalias, incluindo a viatura igual à dos demais colegas e o local de trabalho;

- Consequentemente, o Tribunal condene a Ré no pagamento das retribuições vencidas e vincendas, incluindo-se todas as componentes retributivas, subsídio de férias, férias e subsídio de Natal, até trânsito em julgado;

- Independentemente do peticionado, o Tribunal condene também a Ré a pagar-lhe a quantia de € 11 950,25, a título de trabalho suplementar prestado, acrescida dos competentes juros de mora;

- O Tribunal condene ainda a Ré a indemnizar o A. do valor pecuniário da isenção de horário de trabalho, abusivamente retirado desde Maio de 2009 inclusive, no valor mensal não inferior a 10 vezes o valor de € 396,85, ou seja, € 3.968,50 por cada mês em que não recebeu essa quantia, ao abrigo dos n.º 1, a) e d); n.º 2, a) e b); n.º 3 e n.º 5 do art. 331.º do Cód. Trabalho de 2009;

- O Tribunal condene igualmente a Ré no pagamento das meias-diárias, que o A. deixou de auferir em virtude da suspensão do trabalho, desde 1 de Setembro de 2009, no valor diário não inferior a dez vezes o valor de € 15,50, ou seja, € 155 por cada dia útil desde 1 de Setembro de 2009 até 29 de Dezembro de 2009, ao abrigo dos n.ºs 3 e 5 do art. 331.º do Cód. Trabalho/2009;

- O Tribunal condene a Ré a indemnizar o A. pela atribuição abusiva do veículo VW P... em vez do veículo …50, no valor que se reputa não poder ser inferior a dez vezes € 266,77 mensais (diferença entre as duas rendas mensais), por cada mês desde Janeiro de 2009 até Dezembro de 2009, ao abrigo do n.º 1, b), n.ºs 3 e 5 do art. 331.º do CT 2009;

- O Tribunal condene a Ré no pagamento do prémio Regular Qualitativo relativo ao ano de 2009, que se reputa não poder ser inferior ao correspondente prémio de 2008, no valor de € 1.850;

- Independentemente do acima peticionado, o Tribunal condene também a Ré no pagamento de uma indemnização por danos morais em valor não inferior a € 50.000,00;

- Cumulativamente, o Tribunal condene a Ré no pagamento dos competentes juros legais, vencidos e vincendos, à taxa legal de 4%, desde o respectivo vencimento, custas e procuradoria condigna.

- O Tribunal condene, por fim, a Ré no pagamento de uma sanção pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação em valor não inferior a € 250 por cada dia de atraso.

Invocou, para o efeito, em resumo útil, a caducidade do procedimento disciplinar que a Ré lhe instaurou.

Mais alegou que em 18 de Maio de 2004 outorgou um contrato de trabalho a termo certo, convertido em tempo indeterminado em 01.07.2005, competindo-lhe desempenhar as funções de Delegado de Informação Médica Estagiário, na zona de Coimbra.

No decurso do período experimental informou a Ré de que, por razões familiares, teria de se manter a residir no Porto, ficando acordado que pagaria as despesas de deslocação pessoais entre as duas cidades, assumindo a ré todos os restantes custos com a viatura.

Em Julho de 2008, o Director-Geral da Ré passou a pressioná-lo para assinar um acordo escrito no sentido de responsabilizar o A. pelo pagamento de € 215,34 mensais, com a justificação de que a viatura tinha quilómetros a mais.

 Como o A. se recusou a assinar esse acordo, foram encetadas diversas medidas de carácter retaliatório: foi proibido de levar a viatura para férias, contrariamente ao que tinha sucedido nos anos anteriores; entregaram-lhe um veículo de marca VW …, sem fecho centralizado ou vidros eléctricos, em vez do prometido …50; retiraram-lhe a isenção de horário, com fundamento na redução de actividade, após ter reclamado pelo pagamento de trabalho suplementar.

Foi despedido em consequência do envio de um e-mail, de 29.07.2009 (nota de culpa inicial), da violação de acordos relativos à fixação da residência em Coimbra, de pernoitar nesta cidade duas noites por semana e de ter causado um prejuízo de € 7.973,10 por não ter reembolsado o acréscimo de despesas com a viatura (aditamento).

Não lhe foi pago o trabalho suplementar prestado, nem gozou descansos compensatórios; foi objecto de humilhações, discriminações e de pressões, sofrendo de imensa tristeza, ansiedade e grave depressão.

        

A Ré apresentou contestação.

2.

Saneada, instruída e discutida a causa, proferiu-se sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, declarou que a retri      buição do autor era constituída pela retribuição base ilíquida mensal de € 1.928,15, isenção de horário de trabalho, no valor de € 396,85 mensal, seguro de saúde, no valor de € 127,64, e seguro de vida, no valor de € 53,80.

Mais se decidiu (transcrição do respectivo dispositivo):

- “Declara-se que o despedimento do Autor foi ilícito e abusivo e, em consequência, condena-se a Ré a pagar-lhe uma indemnização fixada em 45 dias de retribuição base mensal ilíquida por cada ano completo ou fracção de antiguidade, acrescida dos juros moratórios calculados à taxa de 4% ao ano desde o trânsito em julgado até efectivo pagamento;

- Condena-se a Ré a pagar ao Autor as retribuições que este deixou de receber, incluindo-se as referidas componentes retributivas, subsídios de férias, férias e subsídios de Natal desde o seu despedimento até ao trânsito em julgado da sentença, acrescidas dos juros de mora, calculados à taxa de 4 % ao ano, desde a data dos respectivos vencimentos até integral pagamento, deduzindo-se as quantias previstas no artigo 390.º, n.º 2, a), b) e c) do Cód. Trabalho;

- Condena-se a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 11.950,25 a título de trabalho suplementar, acrescida de juros de mora, calculados à taxa de 4 % ao ano, desde a data dos respectivos vencimentos até integral pagamento;

- Condena-se a Ré a pagar ao Autor uma indemnização por danos não patrimoniais que se fixa em € 10.000,00, acrescida dos juros de mora, calculados desde o trânsito em julgado até efectivo pagamento;

             - Absolve-se a Ré do demais peticionado.”

3.

Irresignados, ambos os litigantes apelaram para o Tribunal da Relação do Porto, que deliberou, a final, nestes termos (transcrição do respectivo dispositivo):

Em face do exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em:

a) - Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo Autor/Recorrente e em consequência:

. Revogar a sentença recorrida, na parte em que não considerou o subsídio de alimentação (€ 15,50 diários) que o Autor deixou de auferir desde o despedimento até trânsito em julgado desta decisão, assim condenando a Ré ao seu pagamento;

. Manter, no restante, a sentença recorrida.

        b) - Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela Ré/Recorrente e em consequência:

. Condenar a Ré a pagar ao Autor, a título de trabalho suplementar e descanso compensatório, a quantia de € 8 238,17 (oito mil duzentos e trinta e oito euros e dezassete cêntimos), assim revogando a sentença recorrida neste segmento decisório;

. Revogar a sentença na parte em que condenou a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 1.725,50, correspondente a 2 horas de trabalho suplementar por dia, com o acréscimo de 75%, pelo facto de não possuir o registo de trabalho suplementar, assim absolvendo deste pedido a Ré.

. Revogar a sentença na parte em que condenou a Ré a pagar os juros de mora calculados à taxa de 4 % ao ano desde a data dos respectivos vencimentos (das retribuições intercalares) até integral pagamento, os quais apenas são devidos desde o trânsito em julgado desta decisão.

. No mais, manter a sentença recorrida.

                                                                        ___

[A requerida rectificação de erros materiais (lapso no cômputo das horas de trabalho suplementar no tocante ao ano de 2008 e falta de autonomização do pagamento da meia-diária durante o período de suspensão disciplinar) e a arguição de pretensas nulidades (oposição entre os fundamentos do acórdão e a liquidação do montante referente ao trabalho suplementar; oposição entre os fundamentos e as respectivas conclusões no que tange ao direito ao pagamento da meia-diária durante o período da suspensão disciplinar, reconhecendo-se o direito mas não se condenando a R. nesse pagamento e, por fim, omissão de pronúncia/contradição entre os fundamentos e a decisão, ao não condenar a R. no pagamento dos montantes relativos à isenção do horário de trabalho) foram decididas em Conferência (a pedida rectificação foi indeferida e as arguidas nulidades julgadas improcedentes), conforme Acórdão de fls. 2079-2089].

                                                                    _____

Ainda inconformado, o A. interpõe recurso de Revista, o mesmo fazendo, subordinadamente, a Ré.

. - No recurso independente o A. remata a respectiva motivação com a formulação deste conjunto de proposições conclusivas:

I. O presente recurso circunscreve-se à discordância relativamente ao douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, na parte em que julgou parcialmente improcedente a apelação interposta pelo recorrente, tendo por base os seguintes fundamentos: [A.] Nulidades do acórdão; [B.] Situações de revista excepcional; [C.] Natureza retributiva do uso da viatura automóvel; [D.] Natureza retributiva do uso do telemóvel e da Internet; [E.] Natureza retributiva do prémio qualitativo anual e do prémio quantitativo trimestral; [F.] Juros das retribuições intercalares; [G.] Pagamento do descanso compensatório por prestação de trabalho suplementar; [H.] Danos não patrimoniais.

 

II. [A.1.] Na hipótese de o pedido de rectificação do acórdão recorrido não ser deferido pelo Tribunal a quo, por se entender que não se verifica o erro material invocado, vem o recorrente arguir a nulidade do acórdão ao abrigo da primeira parte da al. c) do n.º 1 do art. 615.º do CPC, em virtude de não se ter tomado em consideração o trabalho prestado no dia 10.05.2008, cuja exigibilidade decorre da condenação em primeira instância e não foi afastada pelo Tribunal a quo.

 III. O Tribunal a quo procedeu ao cômputo das horas de trabalho suplementar prestadas desde 2005 e ao cálculo da respectiva retribuição. Sucede que, no tocante ao ano de 2008, existe um lapso relativo à quantificação das horas de trabalho suplementar prestadas em dia de descanso semanal, já que a fls. 1469 (correspondente, na paginação do acórdão, à pg. 135), não aparece qualquer referência ao trabalho suplementar prestado em 10.05.2008 (correspondente a 12 horas).

IV. O trabalho suplementar prestado em 2008 consta da Base Instrutória – designadamente nos quesitos 97.º e 98.º (relativos a 26.01.2008), 101.º e 102.º (relativos a 15.03.2008), 103.º e 104.º (relativos a 10.05.2008), 107.º e 108.º (relativos a 11.10.2008), e 113.º e 114.º (relativos a 08.11.2008) –, os quais foram todos dados como provados, nos termos da resposta aos quesitos, de fls....

V. É certo que a sentença acaba por não enunciar expressamente os factos respeitantes aos quesitos 103.º e 104.º [note-se que, por lapso, o quesito 103.º não tinha ficado registado na Base Instrutória, mas veio a ser incluído e dado como provado na decisão sobre a matéria de facto, de fls.]. Contudo, não existem dúvidas sobre o seu cômputo efectivo, já que se trata do mesmo evento dado como provado nos quesitos 105.º e 106.º, e, por isso mesmo, foram tidos em consideração na condenação da ré no pagamento de € 11.950,25 a título de trabalho suplementar (correspondendo integralmente ao que havia sido peticionado pelo autor – v. pedido D).


VI. E, de tal maneira assim é, que a própria ré impugnou expressamente os quesitos 103.º e 104.º da Base Instrutória (cfr. conclusão W das respectivas alegações de recurso), não tendo logrado o êxito pretendido junto do Tribunal a quo [v. fls. 1420 (correspondente, na paginação do acórdão, à p. 135)].


VII. Pelo exposto, o acórdão enferma da nulidade prevista na primeira parte da al. c) do n.º 1 do art. 615.º do CPC, impondo-se a sua apreciação e o necessário suprimento, uma vez que existe uma oposição flagrante entre os fundamentos do acórdão (que mantém intocada, neste aspecto, a apreciação factual feita pela sentença) e a liquidação do montante de € 6.309,06.

VIII. Deve, assim, a ré ser condenada no pagamento da quantia de € 6.650,10 a título de trabalho suplementar, somando-se depois a quantia de € 1.929,11 a título de compensação pela privação do descanso compensatório devido, o que perfaz o total de € 8.579,21, restando depois computar os respectivos juros de mora à taxa de juro legal, contados desde a data do vencimento das respectivas parcelas e até integral pagamento, uma vez que não foram impugnados pela ré e este Venerando Tribunal não foi chamado a pronunciar-se.


IX. [A.2.] Na hipótese de o pedido de rectificação do acórdão recorrido não ser deferido pelo Tribunal a quo, por se entender que não se verifica o erro material invocado (i.e., a falta de condenação expressa, na parte dispositiva do acórdão, da ré no pagamento da meia diária relativa ao período de suspensão preventiva do autor), vem o recorrente arguir a nulidade do acórdão, nos termos da primeira parte da al. c) do n.º 1 do art. 615.º (ex vi art. 666.º) do CPC.


X. O recorrente impugnou a decisão da primeira instância que julgou improcedente o pedido de condenação no pagamento da meia-diária que deixou de auferir em virtude da suspensão do trabalho, desde 1 de Setembro de 2009, no valor diário não inferior a dez vezes o valor de € 15,50.


XI. Apesar de não se ter logrado o êxito pretendido, o douto acórdão considerou que, constituindo a meia diária um elemento da retribuição, o seu pagamento durante o período de suspensão disciplinar sempre seria devido, uma vez que está englobado na al. C do pedido feito na Petição Inicial.


XII. Contudo, na parte dispositiva do acórdão este elemento decisório não aparece autonomizado, o que, no entender do autor, consubstancia uma omissão que afecta o segmento decisório do acórdão, susceptível de potenciar equívocos, nomeadamente da banda da ré, o que justifica a sua consagração expressa.


XIII. Verifica-se, pois, uma oposição manifesta entre os fundamentos do acórdão (que reconhece ao trabalhador o direito ao pagamento da meia-diária durante o período de suspensão disciplinar) e as respectivas conclusões (que acabam por omitir, no segmento decisório, a condenação expressa no pagamento daqueles montantes), impondo-se, por isso, a sua apreciação e o necessário suprimento.


XIV. [A.3.] O douto acórdão em crise considerou que o pedido de condenação da ré no pagamento da retribuição pela isenção de horário de trabalho, abusivamente retirada durante o período de suspensão disciplinar, desde Maio de 2009 até à data da decisão do despedimento, constituía uma questão nova que não havia sido suscitada em momento processualmente oportuno, e, por esse motivo, decidiu não conhecer da questão.

XV. Contudo, o pedido do apelante não se reconduzia à hipótese concebida pela ré e aceite pelo Tribunal, assentando antes na decisão da primeira instância que qualificou o valor relativo à Isenção de Horário de Trabalho como parte integrante da retribuição. Tratando-se de prestações retributivas vencidas e não pagas, encontram-se também englobadas no pedido formulado na al. C da petição inicial, pelo que não estamos, manifestamente, perante uma questão nova.

XVI. De resto, o próprio acórdão socorreu-se deste argumento para, após indeferir o recurso relativo ao pagamento da indemnização, a título de sanção abusiva, pelo não pagamento da meia-‑diária durante o período de suspensão preventiva e até à decisão de despedimento, considerar que o pagamento da meia-diária, em si mesmo considerado, sempre seria devido por se tratar de uma componente retributiva vencida e ainda não paga, em conformidade com a al. C do pedido formulado na petição inicial.

XVII. Assim, tendo ficado provado que desde Maio de 2009 a Ré retirou ao autor a retribuição devida pela Isenção de Horário de Trabalho, no montante mensal de € 396,85 (Facto 11.º enunciado na sentença) e de forma ilegal (cfr. página 95 da sentença), e que a sentença declarou o valor da Isenção de Horário de Trabalho como parte integrante da retribuição do Autor, tratando-se de créditos salariais vencidos e peticionados, deveria a ré ser condenada no pagamento desses valores relativamente aos oito meses em falta, i.e., de Maio a Dezembro de 2009, incluindo também a parcela correspondente ao subsídio de férias desse ano.


XVIII. Pelo exposto, o douto acórdão enferma, nesta parte, de nulidade por omissão de pronúncia (v. art. 615.º, n.º 1, al. d), 1.ª parte, do CPC), ou, se assim não se entender, por contradição entre os fundamentos e a decisão (art. 615.º, n.º 1, al. c), 1.ª parte, do CPC), já que perante circunstâncias similares (o não pagamento da meia-diária e da retribuição por Isenção de Horário de Trabalho durante o período de suspensão preventiva no âmbito do processo disciplinar conducente ao despedimento) foram proferidas decisões opostas e inconciliáveis.


XIX. [B.1.] O autor impugnou a decisão proferida pela primeira instância, pretendendo que as contribuições a que a ré se comprometera a fazer em benefício do trabalhador para o “Fundo de Pensões Aberto SGF Empresas equilibrado” fossem qualificadas como parte integrante da sua retribuição. O acórdão revidendo não deu provimento ao recurso, verificando-se, assim, uma situação de dupla conforme (cfr. art. 671.º, n.º 3, do CPC), pelo que a presente revista excepcional é interposta ao abrigo da al. b) do n.º 1 do art. 672.º do CPC, em virtude de estarem em causa interesses de particular relevância social.


XX. Nos presentes autos o autor pretendia a declaração judicial de que a contribuição efectuada mensalmente pela ré, em seu nome, para um fundo de pensões – destinado a assegurar o pagamento de complementos de pensão de reforma por velhice ou invalidez, situações de desemprego de longa duração e ainda pensões de sobrevivência, e que tinha como beneficiários não apenas o autor mas também os seus herdeiros legais – constituía uma parcela da retribuição auferida pelo seu trabalho.


XXI. Em causa está, portanto, uma questão que releva do âmbito dos direitos fundamentais dos trabalhadores, designadamente a determinação daquilo que é devido como contrapartida pela prestação do trabalho, e que se resume a saber, por um lado, se uma atribuição patrimonial com uma inegável componente previdencial, como é a contribuição para um fundo de pensões, deve ser considerada componente retributiva durante a vigência do contrato, ainda que este venha a cessar na sequência de decisão judicial no âmbito de um despedimento movido contra o trabalhador; e, por outro lado, se a privação das contribuições para fundos de pensões constituem um dano patrimonial dos trabalhadores ilicitamente despedidos digno de tutela, ao abrigo do art. 389.º, n.º 1 do CT.


XXII. Os interesses em causa transcendem, pois, os limites do caso concreto e a situação individual do autor, aqui recorrente, acabando por ser comuns a uma multiplicidade de trabalhadores que se encontram em situação idêntica e reconduzindo-se, assim, a um interesse comunitário de particular importância que legitima, por si só, a admissão do presente recurso de revista.


XXIII. Em abono desta argumentação, acresce ainda que esta matéria que não tem obtido um tratamento unânime na jurisprudência dos tribunais superiores, justificando-se por isso a intervenção deste Colendo Tribunal de modo a contribuir para uma orientação jurisprudencial que tutele os interesses dos trabalhadores e seja capaz de orientar a decisão de futuros casos idênticos que venham a ser levados a juízo.


XXIV. É necessário ter presente que o compromisso de contribuir para um fundo de pensões foi da iniciativa da própria ré. Por outro lado, conforme se explicitou anteriormente, o objectivo do fundo de pensões não se cingia exclusivamente à situação de reforma (v. doc. n.º 18 da P.I.). Além disso, os beneficiários eram não apenas o autor, mas também, eventualmente, os seus herdeiros legais.


XXV. Observe-se ainda que a circunstância de o destinatário da entrega das contribuições ser o “Fundo de Pensões Aberto SGF Empresas equilibrado”, e não o trabalhador, não pode ser o critério decisivo para se afastar a sua qualificação como retribuição. Isto porque o art. 258.º, n.º 2, do CT admite expressamente que as prestações indirectas possam ser consideradas como retribuição, desde que: (i) se assumam como uma contrapartida da prestação de trabalho, (ii) provenham do empregador, (iii) tenham natureza patrimonial e (iv) sejam regulares e periódicas.


XXVI. O acórdão em crise parece fazer uma interpretação restritiva deste preceito legal, considerando que os fundos de pensões são “realizações de carácter social”, que estão “conexas” com o contrato de trabalho, dele não fazendo parte, embora com ele “tenham ligações relevantes”.


XXVII. Contudo, se esta proposição se aplicasse ao caso vertente, então não haveria explicação para o facto de a própria ré, antes de proceder ao despedimento ilícito do A., sempre lhe ter manifestado um entendimento de que a contribuição para o fundo de pensões constituía uma parte da retribuição.


XXVIII. De facto, conforme se pode constatar dos docs. 25, 26 e 27 da defesa escrita apresentada pelo A. no âmbito do procedimento disciplinar, e que se encontra junto aos autos, a BB reiteradamente assumiu por escrito que as contribuições para o fundo de pensões se traduziam num aumento mensal das retribuições, juntamente com a actualização de outras componentes retributivas.


XXIX. Por outro lado, a circunstância de o benefício económico ainda não poder ser usufruído pelo autor não implica necessariamente a conclusão de que tal benefício não exista já na esfera do seu titular. Na verdade, existe uma outra possibilidade que não foi devidamente considerada pelo acórdão recorrido e que se prende com o facto de tal benefício económico existir na esfera do titular, embora sujeito a uma condição suspensiva [neste sentido, veja-se o art. 9.º do DL 12/2006].


XXX. E é precisamente por se verificar esta circunstância que se compreende que o autor, ulteriormente à comunicação de despedimento, tenha podido efectuar a transferência das contribuições feitas em seu nome no “Fundo de Pensões Aberto SGF Empresas Equilibrado” para o “Fundo de Pensões Aberto Caixa Reforma Activa”, gerido pela CGD Pensões – Caixa Geral de Depósitos.


XXXI. Assim, pelas razões expostas, o acórdão recorrido violou as normas dos n.os 2 e 3 do art. 258.º do CT, devendo em consequência ser revogado, reconhecendo-se a natureza retributiva às contribuições para o Fundo de Pensões.


XXXII. Por outro lado, ainda que não se considerasse retribuição – o que só por cautela de patrocínio se concebe –, sempre teria o recorrente que ser indemnizado relativamente às contribuições devidas durante a subsistência do contrato de trabalho, até à sua efectiva cessação e que ainda não foram pagas.


XXXIII. Na verdade, decorre do art. 762.º, n.º 2, do CC e do art. 126.º, n.º 1, do Cód. Trabalho, que as partes – in casu, o empregador – devem proceder de boa-fé no cumprimento das suas obrigações. Ora, o compromisso assumido pela R., aqui recorrida, de entregar contribuições à SGF – Sociedade de Gestão de Fundos de Pensões, S.A., consiste inegavelmente numa auto-‑vinculação do próprio empregador que se incorpora no contrato de trabalho, que não pode desaparecer sob pena de constituir abuso do direito.


XXXIV. [B.2.] O autor recorreu da sentença proferida em primeira instância na parte em que absolveu a ré do pedido de condenação no pagamento do prémio regular qualitativo referente ao ano de 2009. Ocorrendo, quanto a este segmento decisório, uma situação de dupla conforme (cfr. art. 671.º, n.º 3, do CPC), a presente revista excepcional é interposta ao abrigo da al. c) do n.º 1 do art. 672.º do CPC, em virtude de o acórdão em crise se encontrar em contradição com o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 19.11.2008, proferido nos autos de processo com o n.º 9369/2008-4, tendo sido relatora a Ex.ma Desembargadora Isabel Tapadinhas.


XXXV. Não ignorando as exigências legais de junção de cópia do acórdão-fundamento com o qual o acórdão aqui impugnado se encontra em contradição, bem como a demonstração do seu trânsito em julgado (v. art. 637.º, n.º 2, 2.ª parte e art. 672.º, n.º 1, al. c) e n.º 2, al. c), ambos do CPC), a verdade é que até à presente data o recorrente não logrou obter junto da 1.ª Secção de Instância Central do Trabalho do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa [correspondente ao extinto Tribunal do Trabalho de Lisboa] onde se encontram arquivados os autos do processo supra referido (que, na primeira instância, foi distribuído com o n.º 2234/05.2TTLSB), a certidão do acórdão-fundamento com certificação do respectivo trânsito em julgado.


XXXVI. Com efeito, o recorrente requereu em tempo útil a passagem de certidão, com certificação do trânsito em julgado, do acórdão-fundamento [v. doc. n.º 1]. Porém, em virtude da instituição do novo mapa judiciário, decorrente da entrada em vigor do Regime Aplicável à Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, por força do DL n.º 49/2014, de 27.03, a plataforma informática que serve de apoio à actividade dos tribunais encontra-se – inexplicavelmente, sublinhe-se – paralisada.


XXXVII. Em face da gravidade desta situação, o Conselho Directivo do Instituto de Gestão Financeira e de Equipamentos da Justiça – IGFEJ, I.P., entidade responsável pela manutenção do referido sistema informático, emitiu no passado dia 09.09.2014 uma declaração pública [que se anexa como doc. n.º 2], reconhecendo expressamente que todos os intervenientes processuais se encontram impedidos de praticar, através da plataforma em questão, quaisquer actos processuais desde o dia 01.09.2014.


XXXVIII. Consequentemente, considerando que a pesquisa e localização de processos (que foram/estão a ser/irão ser objecto de nova distribuição, resultante da extinção dos antigos tribunais), bem como a emissão de certidões apenas pode ser realizada, por parte dos Senhores Oficiais de Justiça, através da plataforma Habilus/Citius, segundo foi explicado ao Mandatário do recorrente, até à presente data não foi possível sequer localizar a secção/unidade a que o processo se encontra adstrito.


XXXIX. Ora, a factualidade que vem de ser exposta constitui justo impedimento – o que para os devidos efeitos se invoca – já que não pode ser imputada ao autor, que procurou cumprir o ónus processual que decorre do regime da revista excepcional, requerendo-se, por isso, a este Colendo Tribunal que considere justificada a falta de junção da certidão do acórdão-‑fundamento, com certificação do respectivo trânsito em julgado, protestando juntar-se o mencionado documento assim que for emitido pelos competentes serviços da 1.ª Secção de Instância Central do Trabalho do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa.


XL. A fim de fundamentar e de comprovar as alegações da presente revista excepcional, tomou-se em consideração a versão electrónica do acórdão-fundamento disponibilizada no sítio da DGSI [http://www.dgsi.pt/jtrl.], cuja cópia se junta, por se considerar pertinente [v. doc. n.º 3].


XLI. Prosseguindo, o acórdão que ora se impugna e o acórdão-fundamento incidiram sobre a mesma questão fundamental de direito, tendo proferido decisões contraditórias. De facto, em ambos os casos o que estava em causa era a qualificação de um prémio de desempenho como elemento integrante da retribuição auferida pelo trabalhador.


XLII. O acórdão em crise enuncia expressamente que o recurso incide sobre o pedido de condenação no pagamento do prémio regular qualitativo referente ao ano de 2009, por constituir uma parcela retributiva que a ré não havia pago. E, conforme já se aludiu anteriormente, acabou por não dar razão ao recorrente, confirmando a decisão da primeira instância.


XLIII. Por seu turno, o acórdão-fundamento debruça-se precisamente sobre a mesma questão de direito, concluindo em sentido diverso, já que considera que o prémio de desempenho deve ser considerado parte da retribuição a que o trabalhador tem direito [v., supra, as transcrições dos excertos mais relevantes, que constam do corpo das alegações].


XLIV. Verifica-se, assim, uma oposição frontal entre a tese perfilhada no acórdão recorrido e a expressa no acórdão-fundamento, no que tange à interpretação-aplicação das normas correspondentes à al. c) do n.º 1 e à al. a) do n.º 3, ambas do art. 260.º do CT em vigor.


XLV. É, por outro lado, evidente que a questão de direito sobre a qual se produziu o dissenso nos mencionados acórdãos revestiu carácter essencial para a decisão das respectivas causas já que, nos presentes autos, o Tribunal a quo negou ao recorrente o direito ao prémio de desempenho, por se considerar que não se tratava de retribuição; e, no caso do acórdão-‑fundamento, a decisão da Relação confirmou o direito do trabalhador a ver reconhecido o prémio de desempenho como componente retributiva.


XLVI. Finalmente, ambas as decisões foram proferidas no mesmo quadro normativo, pois, aplicaram um regime de direito material que é substancialmente idêntico.


XLVII. Entende o recorrente que o douto acórdão aqui em crise viola o art. 260.º, n.º 1, al. c) e n.º 3, al. a), do CT, devendo ser revogado e substituído por decisão que vá ao encontro do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que constitui o fundamento do presente recurso.


XLVIII. Não se ignora que a função principal do prémio qualitativo anual de 2009 era a de premiar a produtividade e o desempenho profissional dos trabalhadores. Contudo, o facto de a sua atribuição estar dependente da realização de uma avaliação de desempenho não autoriza a sua subsunção na al. c) do n.º 1 do art. 260.º do CT, já que a sua atribuição, apesar de condicional, era obrigatória por força do contrato e da conduta assumida ao longo dos anos pelo empregador, devendo considerar-se que os montantes são uma componente – de natureza variável, é certo – da retribuição auferida pelo A., nos termos do art. 260.º, n.º 3, al. a), do CT.


XLIX. Deve ter-se presente que, no ano de 2009, o autor trabalhou durante os primeiros oito meses, sendo que nos últimos 4 foi unilateralmente impedido de trabalhar pela Ré. Por outro lado a atribuição do prémio dependia da avaliação do autor, o que não foi realizado por motivos imputáveis à ré, em virtude de ter decido despedir – ilícita e abusivamente – o Autor. Assim, dada a disponibilidade do A. para trabalhar, e dada a ilegalidade do despedimento, a ré tinha obrigação de avaliar o A., sem o penalizar pelos 4 meses de suspensão.


L. Ora, a recusa injustificada em proceder à avaliação do autor, mesmo antes da data do despedimento, não pode dispensar a ré da obrigação de pagar o respectivo prémio. Se assim fosse, qualquer entidade empregadora, depois de previamente vinculada à atribuição de um prémio dependente de avaliação, poderia, chegando o momento da avaliação, recusar-se a avaliar os trabalhadores e desvincular-se do pagamento do prémio.


LI. Sem prescindir, ainda que assim não se entendesse, o que só por cautela de patrocínio que concebe, afigura-se que a qualificação do prejuízo sofrido pelo autor como um dano de “perda de chance”, ou de perda de oportunidade, também não se afigura ajustada à presente situação.


LII. Conforme alerta Júlio Vieira Gomes [Op. Cit., p. 1020], a circunstância de o Código do Trabalho não reconhecer a determinadas prestações uma natureza retributiva acaba por acarretar problemas em sede de indemnização. Para o empregador, bastaria alegar que tais prestações – como o prémio qualitativo anual em questão – não são parcelas retributivas, para se concluir que não haveria qualquer dano a indemnizar, pois é evidente que não houve prestação de trabalho efectiva.


LIII. Ora, uma tal argumentação acabaria por restringir a obrigação legal de reparação integral dos danos patrimoniais sofridos, nos termos do art. 389.º, n.º 1, do CT. E, infelizmente, parece ter sido esta também a fundamentação do acórdão a quo, ao conceber apenas a possibilidade de um dano de perda de chance, cujos pressupostos deveriam ter sido alegados e provados – o que, no entender da maioria que fez vencimento no acórdão, não teria sucedido.


LIV. Não se pode esquecer que a declaração de ilicitude proferida pelo Tribunal conduz à anulação do despedimento e à destruição retroactiva dos seus efeitos extintivos, renascendo o dever de o trabalhador realizar a sua prestação de trabalho e o correspondente dever do empregador de pagar a retribuição.


LV. Neste contexto, o acórdão a quo parece colocar entre parêntesis o facto de que a falta de prestação de trabalho por parte do autor é imputável exclusivamente à ré, que interrompeu ilicitamente a continuidade da relação laboral e violou a obrigação de pagar a retribuição e todas as prestações que decorrem do normal funcionamento do programa contratual.


LVI. Assim, a solução para os casos em que determinadas prestações patrimoniais que não sejam consideradas retribuição possam ser indemnizadas decorre directamente do art. 389.º, n.º 1, do CT, sendo necessário e suficiente alegar e provar a existência de um dano, para se obter o respectivo ressarcimento.


LVII. [B.3.] O recorrente impugnou também a sentença da primeira instância quanto ao montante atribuído a título de indemnização substitutiva da reintegração, não tendo logrado êxito, verificando-se uma situação de dupla conforme (cfr. art. 671.º, n.º 3 do CPC), sendo a presente revista excepcional interposta ao abrigo do art. 672.º, n.º 1, al. c), do CPC, em virtude de o acórdão impugnado se encontrar em contradição com o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 12.11.2009, proferido nos autos de processo n.º 1906/05.6TTLSB.S1, tendo sido relator o Ex.mo Conselheiro Bravo Serra.


LVIII. Conforme explicitado supra, não se ignora as exigências legais de junção de cópia do acórdão-‑fundamento com o qual o acórdão aqui impugnado se encontra em contradição, bem como a demonstração do seu trânsito em julgado (v. art. 637.º, n.º 2, 2.ª parte e art. 672.º, n.º 1, al. c) e n.º 2, al. c), ambos do CPC). No entanto, até à presente data o recorrente não logrou obter junto da 1.ª Secção de Instância Central do Trabalho do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa [correspondente ao extinto Tribunal do Trabalho de Lisboa] onde se encontram arquivados os autos do processo supra referido, a certidão do acórdão-fundamento com certificação do respectivo trânsito em julgado – a qual foi requerida em tempo útil [v. doc. n.º 4].


LIX. Deste modo, atendendo à situação de justo impedimento a que já se aludiu, requer-se a este Colendo Tribunal que considere justificada a falta de junção da certidão do acórdão-‑fundamento, com certificação do respectivo trânsito em julgado, protestando juntar-se o mencionado documento assim que for emitido pelos competentes serviços da 1.ª Secção de Instância Central do Trabalho do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa.


LX. A fim de fundamentar e de comprovar as alegações da presente revista excepcional, tomou-se em consideração a versão electrónica do acórdão-fundamento disponibilizada no sítio da DGSI [http://www.dgsi.pt/jstj.], cuja cópia se junta, por se considerar pertinente [v. doc. n.º 5].


LXI. O acórdão proferido nos presentes autos e o acórdão-fundamento incidiram sobre a mesma questão fundamental de direito, tendo proferido decisões contraditórias perante situações de facto que se afiguram similares. De facto, em ambos os casos o que estava em causa era a graduação da indemnização substitutiva da reintegração do trabalhador, na sequência de despedimento considerado ilícito e abusivo.


LXII. O acórdão em crise enuncia expressamente que o autor impugna a parte da sentença que fixou aquela indemnização com base em 45 dias de retribuição base mensal ilíquida, acabando por não dar provimento ao recurso e confirmando a decisão da primeira instância.


LXIII. Por seu turno, o acórdão-fundamento debruça-se precisamente sobre a mesma questão de direito, realizando, contudo, uma valoração diferente dos factos dados como provados nas instâncias [v., supra, as transcrições dos excertos mais relevantes, que constam do corpo das alegações].


LXIV. Verifica-se, assim, uma contradição entre a solução adoptada no acórdão recorrido e a posição expressa no acórdão-fundamento, no que tange à interpretação-aplicação das normas correspondentes ao art. 391.º, n.º 1 e ao art. 331.º, n.º 4 do CT, já que em face de duas situações de facto que, nos seus contornos essenciais, são similares – designadamente, a duração do contrato, a situação de assédio, a natureza abusiva do despedimento, o nível moderadamente elevado da retribuição auferida, e a privação da única fonte de rendimentos de que o trabalhador dispunha –, aquelas decisões chegaram a valorações divergentes e inconciliáveis dos critérios consagrados nas mencionadas disposições normativas.


LXV. De facto, no acórdão recorrido acabou por não ser devidamente valorada a ilicitude da conduta da ré, explicitando-se que tal ilicitude decorre apenas da improcedência do motivo justificativo para o despedimento e sustentando-se que não deveria ser tida em conta, para este efeito, a natureza abusiva do despedimento, inexistindo também qualquer ponderação crítica do grau de culpa do empregador [que, de resto, expressamente qualificara como situando-se “num patamar acima do médio” – v. fls. 1446 (pág. 112, na paginação do próprio acórdão)]. Teria havido, por isso, uma ilicitude normal e em nada atípica, o que justificaria o estabelecimento do montante (aritmeticamente) médio da indemnização, fixado assim em 45 dias. Por outro lado, o facto de o trabalhador auferir uma retribuição relativamente elevada, sopesou negativamente na valoração do Tribunal a quo, que rejeitou expressamente a fixação de um montante mais elevado, reservado, de acordo com a sua perspectiva, apenas às retribuições mais baixas.


LXVI. Já o acórdão-fundamento procedeu a uma valoração distinta dos dois critérios legais enunciados na parte final do n.º 1 do art. 391.º do CT: por um lado, não deixou de valorar negativamente – para efeitos de ilicitude da decisão de despedimento e de graduação da indemnização, note-se – a natureza abusiva da conduta do empregador e o grau de culpa, e, por outro lado, não valorou negativamente a retribuição moderadamente elevada do trabalhador, sobretudo porque este ficou privado injustamente da sua única fonte de rendimento, à qual se habituara e com base na qual tinha estabelecido um plano de vida.


LXVII. É, por outro lado, evidente que a questão de direito sobre a qual se produziu o dissenso nos mencionados acórdãos revestiu carácter essencial para a decisão das respectivas causas já que, nos presentes autos, determinou a improcedência do recurso do autor, e, no caso do acórdão-fundamento, determinou a manutenção da indemnização atribuída pelas instâncias ao trabalhador.


LXVIII. Finalmente, ambas as decisões foram proferidas no mesmo quadro normativo, pois, aplicaram um regime de direito material que é substancialmente idêntico.


LXIX. A ponderação efectuada pelo acórdão-fundamento afigura-se a mais adequada em face do regime estabelecido no próprio Código do Trabalho. Desde logo, porque a indemnização por despedimento prossegue uma finalidade que também é sancionatória.


LXX. Por outro lado, a medida da ilicitude não pode abstrair do facto de estarmos perante um despedimento considerado pelas instâncias como abusivo. Ou seja, ao contrário do juízo formulado pelo acórdão a quo, a graduação da ilicitude não pode consistir apenas na distribuição dos limites legais da indemnização por despedimento pelas quatro hipóteses tipificadas no n.º 1 do art. 381.º.


LXXI. Observe-se também que a remissão da parte final do n.º 1 do art. 391.º não cobre todas as situações legais de ilicitude do despedimento, devendo ser completada com os arts. 382.º a 385.º do CT. E não se vê como se poderia harmonizar o critério aplicado pelo acórdão revidendo com as situações de ilicitude do despedimento por facto imputável ao trabalhador, previstas no art. 382.º.


LXXII. Mais ainda: a doutrina parece ser unânime em reconhecer que na ponderação da ilicitude deve ser considerado o grau de culpa do empregador, nomeadamente quanto à apreciação do motivo justificativo invocado para o despedimento [veja-se, v.g., Pedro Romano Martinez – “Anotação ao art. 391.º”. In: AAVV – Código do Trabalho Anotado. 9.ª ed., Almedina]. E, sob este aspecto, não se podia ignorar a circunstância de o despedimento ter sido considerado abusivo.


LXXIII. No tocante ao valor da retribuição, a argumentação do acórdão-fundamento revela-se igualmente a mais acertada, na medida em que considerou o dano do trabalhador pela interrupção abrupta da única fonte de rendimento que lhe permitia fazer face a um determinado nível de vida e a um conjunto de compromissos que havia estabelecido. Também no caso dos presentes autos esta circunstância não deve ser ignorada, já que o autor viu seriamente prejudicada a qualidade de vida a que, legitimamente, se havia habituado em conformidade com o seu salário. Ao que acresce ainda a situação de desemprego em que actualmente se encontra, apesar de inúmeras tentativas para encontrar um novo trabalho.


LXXIV. Pelas razões expostas, entende o recorrente que o douto acórdão aqui em crise viola os arts. 391.º, n.º 1 e 331.º, n.º 4 do CT, devendo este Tribunal proceder à sua revogação e substituí-‑lo por uma decisão que proceda a uma correcta valoração dos critérios legais, idêntica à que foi feita por este Supremo Tribunal no acórdão que constitui o fundamento do presente recurso, graduando-se a indemnização substitutiva da reintegração numa proporção superior à simples média aritmética dos limites do art. 392.º, n.º 3 (ex vi art. 331.º, n.º 4, do CT).


LXXV. [C.] O Autor recorreu da sentença proferida em primeira instância, pretendendo que a Relação reconhecesse a natureza retributiva do uso da viatura automóvel. O acórdão agora em crise, remetendo para a fundamentação a propósito da natureza profissional do telemóvel e da Internet, coincidiu integralmente com a sentença da primeira instância. Contudo, esta apreciação não foi unânime, já que se verificou um voto de vencido, com adesão aos fundamentos apresentados pelo autor.


LXXVI. Mais uma vez, o Tribunal a quo procedeu a uma errada interpretação e aplicação do disposto no art. 258.º, n.º 3, do CT, em conjugação com os arts. 350.º, n.º 1, 344.º e 342.º, n.º 1, do CC. Estando em causa uma presunção legal, competiria à ré alegar e demonstrar factos que ilidissem tal presunção.


LXXVII. Em face da matéria de facto considerada provada no presente caso – em particular, os factos n.os 48, 49, 50, 57, 63, 64, 69, 70, 71, 72, 140, 157 e 158, enunciados na sentença – e da prova documental junta pelo A. (v. doc. 31 da P.I.) e pela R. (cfr. doc. 4 da Contestação), não se pode aceitar que a R. tenha cumprido com êxito o seu ónus, pelo que a conclusão deveria ser a de que estamos perante uma verdadeira prestação retributiva.


LXXVIII. Por outro lado, ainda que não tivesse esse ónus, o autor conseguiu provar que: (i) a viatura foi atribuída ao autor para uso exclusivo deste e para uso total, durante todos os dias úteis fora do horário de trabalho, durante o fim-de-semana, durante as férias, durante os períodos de baixa, inclusivamente durante o período de suspensão disciplinar, e sem limite de quilometragem (v. factos 57.º e 72.º da sentença); (ii) com tudo pago (aluguer, manutenção...), exceptuando o combustível e portagens de natureza pessoal (factos 63.º e 140.º, enunciados na sentença); (iii) a viatura podia ainda ser utilizada pelo cônjuge (v. documento n.º 4 apresentado pela ré na contestação); (iv) era também dada a possibilidade ao trabalhador de escolher a viatura e de a personalizar a seu gosto, com os extras que entendesse acrescentar, custeando-‑os ele próprio (v. factos 64.º e 67.º da sentença).


LXXIX. Acresce ainda que, como é do conhecimento público, a generalidade dos Delegados de Informação Médica, trabalhadores na Indústria Farmacêutica, usufruem do uso total das viaturas que lhes são atribuídas, o que se justifica pela necessidade das empresas de ajustarem as condições e benefícios laborais dos seus trabalhadores às condições da concorrência. Daí que a atribuição de uma viatura automóvel para uso total se trate, assim, de uma contrapartida do trabalho como Delegado de Informação Médica, situação justificada, quer pelos usos da empresa, quer pelos usos do sector em que desenvolve a sua actividade.


LXXX. Neste contexto, a prova documental junta pelo autor (v. doc. 31 da P.I.) e pela ré (cfr. doc. 4 da Contestação) deveria merecer uma análise mais ponderada por parte do Tribunal. O doc. n.º 4, apresentado pela Ré na sua contestação (“Procedimentos – Procedimentos Internos – de 11 de Fevereiro de 2005”), não foi impugnado, tendo por isso plena força probatória (veja-se os arts. 374.º e 376.º do CC. Do teor do mencionado documento resulta que estamos perante um verdadeiro regulamento interno, com inegáveis efeitos directos na própria relação contratual estabelecida com o autor, aqui recorrente (v. ponto 408.º da contestação, facto 163.º da sentença, art. 104.º do CT e cláusulas 4.ª, n.º 2  e 12.ª, al. a), do CCT aplicável).


LXXXI. Daí que, encontrando-se detalhadamente regulado o uso da viatura automóvel, não se compreende que o Tribunal tenha considerado estarmos perante uma mera liberalidade da ré e não perante um elemento retributivo cujos termos se incorporaram na própria relação jurídica contratual.


LXXXII. Ficou ainda provado que, durante a suspensão preventiva do A., na pendência do procedimento disciplinar, a ré nunca exigiu a entrega do automóvel ou a sua imobilização, e é certo que neste período a viatura foi usada exclusivamente em proveito pessoal. Como, de resto, se pode confirmar no documento n.º 22 da resposta à Nota de Culpa (v. factos 22.º e 23.º da sentença) e no documento n.º 4 da Oposição à Providência Cautelar (v. facto 33.º da sentença).


LXXXIII. Ora, não é razoável presumir-se que o uso da viatura para fins exclusivamente particulares durante o período de suspensão preventiva tenha sido um beneplácito concedido pela ré. De facto, se o automóvel revestisse a natureza de “instrumento de trabalho”, a ré deveria ter exigido a sua entrega durante um período em que, comprovadamente, o trabalhador se encontrava impedido – sponte sua – de realizar a sua prestação de trabalho.


LXXXIV. Mais ainda: se se tratasse de uma mera liberalidade, que não implicava a constituição de direitos adquiridos, a ré deveria tê-lo comunicado expressamente ao autor e aos restantes trabalhadores, adoptando um procedimento semelhante, por exemplo, ao acordo sobre isenção de horário de trabalho (veja-se o doc. n.º 17 da oposição à providência cautelar e facto 12.º da sentença).


LXXXV. Acresce ainda, atendendo ao que vem de ser exposto, que o decurso do tempo deveria constituir o critério relevante para a correcta valoração da conduta da ré: em virtude da boa-fé na execução do contrato, da tutela da confiança gerada e da proibição do abuso de direito, o acórdão em crise deveria ter reconhecido que a ré se auto-vinculou à atribuição ao autor de uma viatura para uso pessoal, permitindo-lhe a satisfação de necessidades pessoais e do seu agregado familiar, o que inegavelmente se traduz num benefício económico que não pode ser unilateralmente retirado [v., sobre a ideia de auto-vinculação do empregador, Júlio Vieira Gomes – “Dos usos da empresa em Direito do Trabalho”. In Novos Estudos de Direito do Trabalho, Coimbra Editora/Wolters Kluwer Portugal, 2010, p. 34].


LXXXVI. Em suma, o acórdão em crise procedeu, por isso, a uma errada aplicação do art. 258.º, n.º 3, do CT, em conjugação com os arts. 350.º, n.º 1, 344.º e 342.º, n.º 1, todos do CC, devendo ser revogado, declarando-se a natureza retributiva do uso da viatura automóvel, correspondente ao benefício económico obtido pelo recorrente, em virtude da utilização pessoal e particular que dela fazia. Em todo o caso, estas quantias sempre seriam devidas por força da actual subsistência do contrato de trabalho, uma vez que o autor só não voltou a desempenhar as suas funções porque a R. a isso se opôs.


LXXXVII. [D.] Em sede de apelação, o autor pugnou pelo reconhecimento do uso total do telemóvel e da Internet como componentes da retribuição auferida ao serviço da ré. O douto acórdão da Relação confirmou – embora com voto de vencido, que aderiu à fundamentação do apelante – a decisão da 1.ª Instância, mantendo-a inalterada e aderindo aos seus fundamentos.


LXXXVIII. Com o devido respeito, não se concorda com a interpretação feita pelo Tribunal da Relação do Porto – a qual não foi consensual, atente-se –, que procede a uma errada interpretação e aplicação do disposto no art. 258.º, n.º 3, do CT, em conjunto com os arts. 350.º, n.º 1, 344.º e 342.º, n.º 1, do CC.


LXXXIX. Tal como a decisão proferida em primeira instância, o acórdão revidendo qualifica as sobreditas prestações patrimoniais com base nos pontos 60.º, 61.º, 162.º e 163.º da matéria de facto dada como provada, sendo manifesto que de tal acervo factual não se pode extrair semelhante conclusão.


XC. Ora, tendo presente as considerações desenvolvidas supra, não se pode perder de vista que, em matéria de retribuição, vigora o princípio da vis atractiva, expressamente consagrado no nosso ordenamento jurídico no n.º 3 do art. 258.º do CT, segundo o qual se presume constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador.


XCI. Caberá, assim, ao empregador a demonstração de que os montantes por si pagos não são retribuição (cfr. arts. 350.º, n.º 1; 344.º; 342.º, n.º 1, do CC), sendo pacífico na doutrina e na jurisprudência que o empregador só conseguirá afastar esta presunção se alegar e provar a existência de uma causa específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho, que permita arredar do salário do trabalhador uma determinada atribuição patrimonial.


XCII. Sucede que tanto a matéria de facto dada como provada como a matéria de facto dada como não provada não permitem concluir no sentido do acórdão revidendo, que sustenta ter a ré logrado ilidir a presunção do art. 258.º, n.º 3, do CT.


XCIII. A Relação parece não ter dado o devido valor ao facto de não se terem provado os pontos 175.º, 176.º, 177.º e 180.º da Base Instrutória. Por outro lado, o acórdão revidendo não ponderou adequadamente a abundante prova documental junta aos autos e que permite concluir positivamente pela natureza retributiva do uso do telemóvel e da Internet: o referido uso era total; por outro lado, o telefone sempre pôde ser utilizado pelo autor durante as férias, nunca tendo a ré deixado de garantir o seu pagamento; a ré nunca contratou um serviço específico de Internet, antes entregando um montante de € 35,00 a título de subsídio de comunicação que os trabalhadores depois poderiam utilizar na contratação de um serviço de Internet com uma empresa em concreto, com a vantagem de que o preço contratado podia ser inferior ao montante do subsídio recebido; o mencionado subsídio de comunicação era pago também durante as férias do autor; além disso, a Internet era usada pelo autor e pelo seu agregado familiar, estando instalada na sua casa, disponível durante 365 dias por ano, finalmente, durante os 4 meses de suspensão preventiva do autor não deixou a ré de assegurar o pagamento do mencionado subsídio de comunicação, continuando o autor a beneficiar do serviço de Internet contratado, bem como do uso do telemóvel (apesar de durante este período, compreensivelmente, ter sido feito a título exclusivamente particular – v. documentos 22 e 26 da P.I.)


XCIV. Pelas razões expostas, a utilização dos referidos serviços de telemóvel e de Internet representava para o Autor uma manifesta vantagem de natureza patrimonial, de carácter regular e periódico, que não tinha outra fonte que não a contrapartida pela prestação de trabalho do A., e por isso mesmo deve ser considerada retribuição.


XCV. O acórdão em crise procedeu, por isso, uma errada aplicação do art. 258.º, n.º 3, do CT, em conjugação com os arts. 350.º, n.º 1, 344.º e 342.º, n.º 1, todos do CC, já que a factualidade dada como provada não lhe permitia concluir pela ilisão da presunção consagrada naquela disposição normativa. Em todo o caso, estas quantias sempre seriam devidas por força da actual subsistência do contrato de trabalho, uma vez que o autor só não voltou a desempenhar as suas funções porque a R. a isso se opôs.


XCVI. [E.] O autor impugnou ainda a decisão da primeira instância, pedindo que fossem qualificados como elementos integrantes da sua retribuição os montantes relativos a prémios atribuídos pelo empregador – designadamente, o prémio qualitativo anual e o prémio quantitativo trimestral – cuja média anual dos últimos cinco anos se cifrava em € 5.932,13. O acórdão revidendo considerou – com voto de vencido, note-se – que os mencionados prémios regulares não possuíam natureza retributiva.


XCVII. Não se concorda com a posição assumida pelo Tribunal da Relação que erra na interpretação-aplicação da al. c) do n.º 1 e da al. a) do n.º 3, ambas do art. 260.º do CT, e, por outro lado, parece aderir à teoria da “perda de chance” como dano patrimonial autónomo, quando a situação sub judice manifestamente não se pode reconduzir a tal figura.


XCVIII. Por um lado, as premissas reiteradas pelo Tribunal da Relação não autorizam a conclusão de que não têm natureza retributiva, correspondendo a uma prestação de cortesia ou uma mera liberalidade. Com efeito, as prestações em causa resultam de um compromisso assumido pelo empregador e são, por isso mesmo, obrigatórias. E o facto de a sua atribuição estar condicionada à verificação de determinados pressupostos – na terminologia legal, “os bons serviços do trabalhador” –, não lhe retira a natureza de retribuição: verificados os objectivos a que estão condicionadas, tais prestações serão devidas.


XCIX. Ora, no caso vertente, a ré definiu previamente os termos em que o prémio qualitativo anual seria atribuído aos delegados de informação médica, entre os quais se encontra o A., aqui recorrente (cfr. docs. n.º 23 e n.º 24 da P.I.), e resulta inequívoco que a ré condicionou o pagamento do referido prémio a uma avaliação do desempenho de cada trabalhador. Consequentemente, o sucesso da avaliação do desempenho determinaria a obrigação do pagamento pela R. do prémio em causa.


C. Por razões idênticas, à mesma conclusão se deve chegar no que toca aos prémios quantitativos trimestrais. A R. comprometeu-se antecipadamente [v. doc. n.º 24 da P.I.] a pagar dois prémios pecuniários trimestrais – um prémio pecuniário individual, de montante variável, assente no nível de cumprimento dos objectivos de venda dos produtos, a ser pago no primeiro mês subsequente ao termo dos sucessivos trimestres, e um prémio pecuniário em função dos índices de crescimento dos diferentes produtos, o qual resultava da avaliação do crescimento de cada delegado de informação médica em relação às vendas de cada produto da R. que estivesse em promoção activa.


CI. Mais ainda: a própria R. instituiu um prémio que designou de “prémio extra trimestral” atribuído a cada trabalhador que apresentasse um índice de cumprimento de objectivos superior a 1% relativamente a qualquer produto do plano elaborado pela R. Estes prémios foram pagos reiterada e sucessivamente ao longo do contrato, deles beneficiando não apenas o A. mas também os restantes colegas de trabalho, revestindo, assim, natureza regular e permanente.


CII. Ora, o autor logrou provar que “caso atingisse os objectivos estabelecidos recebia um prémio qualitativo anual e um prémio quantitativo trimestral, sendo que a média anual do A., nos últimos 5 anos, ascendia a € 5. 932,13” (cfr. facto 62.º da sentença e docs. 25 e 26 da P.I.):


CIII. Assim, verificando-se que o autor comprovadamente recebeu os prémios praticamente em todos os trimestres em que durou o contrato de trabalho, dúvidas não pode haver quanto ao carácter regular e permanente do efectivo pagamento dos prémios, ainda que de montante variável.


CIV. Acresce ainda que a atribuição dos prémios com a regularidade mencionada gerou no autor uma legítima e fundada expectativa quanto ao seu pagamento, permitindo-lhe contar com tal retribuição para efeitos de satisfação das suas necessidades, fazendo parte integrante do seu orçamento familiar.


CV. Em síntese, não se ignora que a função principal das sobreditas prestações era a de premiar a produtividade e o desempenho profissional dos trabalhadores. Contudo, o facto de a sua atribuição estar dependente da realização de uma avaliação de desempenho não autoriza a sua subsunção na al. c) do n.º 1 do art. 260.º do CT, já que a sua atribuição, apesar de condicional, era obrigatória por força do contrato e da conduta assumida ao longo dos anos pelo empregador.


CVI. Daí que não possa subsistir o entendimento firmado pelo acórdão a quo, devendo considerar-‑se, isso sim, que os montantes são uma componente – de natureza variável, é certo – da retribuição auferida pelo A., nos termos do art. 260.º, n.º 3, al. a), do CT. Neste sentido, veja-se, v.g., o acórdão do TRL de 12/03/2009 (Processo: 2195/05.8TTLSB-4 TRL; Relator: Desembargador Ferreira Marques).


CVII. Sem prescindir, ainda que assim não se entendesse, o que só por cautela de patrocínio que concebe, afigura-se que a qualificação do prejuízo sofrido pelo autor como um dano de “perda de chance” ou de perda de oportunidade não se afigura ajustada à presente situação.


CVIII. Por um lado, não se pode esquecer que a declaração de ilicitude proferida pelo Tribunal conduz à anulação do despedimento e à destruição retroactiva dos seus efeitos extintivos, renascendo o dever de o trabalhador realizar a sua prestação de trabalho (que não pôde realizar por força do incumprimento do próprio empregador) e o correspondente dever do empregador de pagar a retribuição. Este deve, por conseguinte, cumprir a sua obrigação principal.


CIX. Neste contexto, o acórdão a quo parece colocar entre parêntesis o facto de que a falta de prestação de trabalho por parte do autor é imputável exclusivamente à ré, que interrompeu ilicitamente a continuidade da relação laboral e violou a obrigação de pagar a retribuição e todas as prestações que decorrem do normal funcionamento do programa contratual.


CX. Assim, sendo certo que o Tribunal não está limitado ao nomen iuris em que se fundamenta a parte, a solução para os casos em que determinadas prestações patrimoniais que não sejam consideradas retribuição possam ser indemnizadas decorre directamente do art. 389.º, n.º 1, do CT, sendo necessário e suficiente alegar e provar a existência de um dano, para se obter o respectivo ressarcimento.


CXI. [F.] O acórdão a quo concedeu provimento parcial ao recurso interposto pela ré, decidindo-se pela revogação da sentença na parte em que havia condenado a ré no pagamento dos juros de mora relativos às retribuições intercalares, contados desde o vencimento de cada uma das parcelas, e determinando, em substituição, que a respectiva contagem se fizesse a partir do trânsito em julgado do próprio acórdão.


CXII. Para justificar a sua posição, o Tribunal a quo entendeu que tais quantias ainda não se encontram liquidadas, considerando as deduções obrigatórias por força do art. 390.º, n.º 2, do CT, cujo montante ainda não se encontra determinado.


CXIII. Não pode o autor aceitar esta decisão, que padece de erro na interpretação e, consequentemente, na aplicação do art. 390.º, n.º 1 e n.º 2 (proémio) do CT, bem como do art. 805.º, n.º 2, al. a) e n.º 3 e do art. 806.º, ambos do CC.


CXIV. Desde logo, ao contrário do que sustenta o acórdão revidendo, a obrigação de pagar as retribuições intercalares não são devidas a título indemnizatório, pelo que não pode haver identidade de razão, no tocante ao cômputo dos juros de mora, com a indemnização prevista no art. 389.º, n.º 1, al. a), do CT e com a indemnização substitutiva da reintegração, regulada no art. 391.º do CT. Neste sentido aponta não só o teor do próprio art. 390.º do CT como também a natureza jurídica da ilicitude do despedimento.


CXV. Com efeito, o art. 390.º alude inequivocamente ao direito do trabalhador a receber as retribuições que deixou de auferir em consequência do despedimento ilícito operado pelo empregador.


CXVI. Por outro lado, a declaração de ilicitude proferida pelo Tribunal tem como efeito legal a anulação do despedimento e a destruição retroactiva dos seus efeitos extintivos, renascendo o dever de o trabalhador realizar a sua prestação de trabalho (que não pôde realizar por força do incumprimento do próprio empregador) e o correspondente dever do empregador de pagar a retribuição. Este deve, por conseguinte, cumprir a sua obrigação principal – neste sentido, v. Júlio Vieira Gomes [Op. Cit., p. 1020].


CXVII. Ora, o crédito de juros de mora tem inegavelmente origem na violação por parte da ré da obrigação de pagamento pontual de uma retribuição, constituindo-se, por esse motivo, em mora, nos termos dos arts. 806.º, n.º 1 e 804º, n.º 1 e n.º 2 do CC. Trata-se, portanto, de uma obrigação da ré de indemnizar o autor que resulta directa e necessariamente da sua violação do contrato de trabalho.


CXVIII. Não se ignora a regra de que “in illiquidis non fit mora”. Contudo, a primeira parte do n.º 3 do art. 805.º do CC ressalva expressamente as situações em que a falta de liquidez é imputável ao devedor. Com efeito, se o devedor conhece, ou tem possibilidade de conhecer, o quantum da sua dívida, pode liquidá-la, e, se o não faz, não se justifica que permaneça isento de juros.


CXIX. Ora, nos presentes autos a iliquidez da obrigação é aquilo que a jurisprudência designa de meramente aparente, já que só o Tribunal entendeu que não dispunha de elementos para determinar o montante total das remunerações que são devidas pela ré. Na verdade, da parte desta, a Ré sabia e não podia deixar de saber qual o montante exacto de cada uma das prestações em dívida [v. acórdão do STJ, de 2014.06.18 - Processo nº. 5115/07.1TTLSB.L1.S1; Relator Conselheiro Fernandes da Silva].


CXX. Assim, a falta de liquidez das remunerações devidas por força do contrato acaba por ser imputável à ré, o que faz com que ela se tenha constituído em mora e deva pagar juros moratórios legais sobre as prestações em dívida. Neste sentido, veja-se, v.g., o acórdão do TRP, de 2014.03.24 (Processo n.º 597/13.5TTVNG.P1; Relator: Desembargador João Nunes) e o acórdão do TRL, de 2004.10.27 (Processo n.º 5187/2004-4: Relator: Desembargador Simão Quelhas).


CXXI. [G.] Sem prescindir do que se alegou supra [v. nas conclusões II a VIII], o douto acórdão a quo determinou que a quantia devida ao autor a título de descanso compensatório pela prestação de trabalho suplementar se cifrava em € 3.802,69. Contudo, reduziu a condenação ao montante de € 1.929,11, por corresponder ao montante que havia sido peticionado na petição inicial, atento do disposto no art. 661.º CPC/1961 [correspondente ao actual art. 609.º do CPC].


CXXII. Entende o recorrente que o entendimento sufragado do acórdão revidendo consiste numa errada interpretação aplicação do aludido art. 661.º do CPC/1961 [actual art. 609.º do CPC], uma vez que os limites da condenação contidos na mencionada disposição normativa têm de ser entendidos como referidos ao pedido global e não às parcelas em que aquele valor se desdobra, podendo, por isso, ser atribuído um valor superior ao peticionado parcelarmente, desde que não exceda o montante global do pedido.


CXXIII. Ora, o autor peticionou a condenação da ré no pagamento de € 11.950,25 a título de trabalho suplementar, acrescido dos respectivos juros de mora, tendo o Tribunal a quo fixado as quantias devidas a título de trabalho suplementar realizado e não pago em € 6.309,06 [conforme aludido supra, nas conclusões II a VIII, este valor deverá ser corrigido para € 6.650,10] e as quantias devidas a título de descanso compensatório não gozado em € 3.802,69.


CXXIV. Ora, o somatório das duas parcelas é de € 10.452,79, pelo que, tratando-se de parcelas de um único pedido – créditos emergentes da prestação de trabalho suplementar – e estando ambas abrangidas pela mesma causa de pedir, é manifesto que a condenação da ré no pagamento daquele montante se encontrava abrangido pelo pedido.


CXXV. [H.] O recorrente impugnou a decisão proferida em primeira instância, na parte que condenou a ré no pagamento de € 10.000,00 a título de danos morais, e pedindo a sua substituição pela condenação no montante máximo que havia sido peticionado, de € 50.000,00. O Venerando Tribunal da Relação do Porto decidiu – se bem que por maioria – confirmar a decisão recorrida, coincidindo com a sua fundamentação.


CXXVI. Contudo, este valor não se mostra adequado às circunstâncias do presente caso, que deveriam ter sido objecto de uma ponderação mais cuidada por parte do Tribunal a quo, tendo havido, por esse motivo, uma errada interpretação-aplicação do art. 389.º, n.º 1, al. a), do CT e do art. 496.º do CC.


CXXVII. Estando consagrado o princípio da ressarcibilidade integral dos danos em direito laboral, não deve suscitar qualquer controvérsia a compensação por danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, se mostrem dignos de tutela jurídica (v. art. 389.º, n.º 1, al. a), do CT e art. 496.º, n.º 1, do CC).


CXXVIII. Assim, o montante da indemnização por danos não patrimoniais “será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494.º” (cfr. art. 496.º, n.º 3, do CC), a saber: o grau de culpabilidade do agente, a situação económica do agente, a situação económica do lesado e as demais circunstâncias do caso.


CXXIX. Ora, no que respeita ao grau de culpabilidade do ré, não podemos olvidar que o autor foi vítima de mobbing por parte da ré, tendo sido despedido na sequência de um duro processo disciplinar, circunstância que, além de ilícita, foi definitivamente julgada como abusiva, nos termos do art. 331.º do CT. Não há, pois, como não reconhecer que a conduta da ré foi dolosa e merecedora de uma particular censura.


CXXX. Por outro lado, a ré possui uma situação financeira desafogada, nunca tendo alegado qualquer circunstância ou vicissitude relacionada com a sua actividade empresarial que devesse ser tida em conta no momento da fixação da merecida e justa sanção pelo seu comportamento.


CXXXI. Note-se ainda que o autor tinha como única fonte de subsistência os rendimentos que auferia ao trabalho da ré, e que, após o despedimento de que foi vítima, nunca mais logrou obter trabalho, sobrevivendo presentemente com a ajuda de familiares e amigos.


CXXXII. Finalmente, devem ainda ser ponderadas todas as circunstâncias concretas que, no seu conjunto, levaram a que as instâncias considerassem estarmos perante uma situação de assédio moral e de uma sanção abusiva.


CXXXIII. Pelo que vem de ser exposto, o montante fixado nas instâncias – com a particularidade de, na Relação, não ter havido unanimidade – acaba por ser manifestamente insuficiente e afronta a justa medida das coisas, sobretudo se se considerar a situação de mobbing de que o autor foi vítima e se se atender aos critérios de equidade, bem como à circunstância de a lei atribuir relevância à “culpa do lesante” – factores que têm conduzido a jurisprudência a atribuir à indemnização por danos não patrimoniais um carácter também sancionatório [cfr. Ac. do STJ, de 2010.01.15 - Proc. n.º 355/2002.E1.S1, Relator Conselheiro Serra Baptista].


CXXXIV. Deste modo, para dar cabal resposta aos concretos juízos de equidade que o caso convoca – gravidade da ilicitude, dolo intenso, particular fragilidade em que o trabalhador acabou por ser colocado, danos não patrimoniais que ainda hoje subsistem, carácter sancionatório da indemnização, boa situação económica e social do agente e efectiva possibilidade compensatória para o lesado – só o total do montante da indemnização pedida (€ 50.000 euros) se mostra ajustado, devendo nesta medida ser revogado o acórdão revidendo.

Termina perorando, em suma, que seja dado provimento ao presente recurso e, por via disso, revogado o Acórdão a quo, substituindo-o por outro que defira o pedido pelo autor, aqui recorrente.

                                                                        ____

A R. contra-alegou, orientando a sua resposta no sentido da negação de provimento ao recurso, com a sua consequente absolvição dos pedidos deduzidos pelo recorrente, não sem antes ter tomado posição quanto à (in)existência de fundamentos para o recurso de revista excepcional, também interposto pelo A., bem como quanto à inverificação dos alegados erros materiais e nulidades pretensamente patenteadas no Acórdão recorrido.

 

. - E interpôs, por sua vez, recurso subordinado (de revista), cuja motivação fechou com estas asserções de síntese:
A. Vem o presente recurso interposto do Acórdão proferido em 30.06.2014 pelo Tribunal da Relação do Porto, o qual julgou os recursos interpostos pelo Autor e pela Ré parcialmente procedentes e, em consequência, decidiu:

a) Julgar parcialmente procedente o Recurso interposto pelo Autor e, em consequência:

Ø Revogou a sentença recorrida, na parte em que não considerou o subsídio de alimentação (€ 15,50 diários) que o Autor deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado desta decisão, assim condenando a Ré ao seu pagamento;

Ø Manteve no restante a sentença recorrida;

b) Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela Ré e, em consequência:

Ø Condenou a Ré a pagar ao Autor a título de trabalho suplementar e descanso compensatório a quantia de € 8.238,17, assim revogando a sentença recorrida neste segmento decisório;

Ø Revogou a sentença na parte em que condenou a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 1.725,50, correspondente a 2 horas de trabalho suplementar por dia, com o acréscimo de 75%, pelo facto de possuir o registo de trabalho suplementar, assim absolvendo a Ré deste pedido.

Ø Revogou a sentença na parte em que condenou a Ré a pagar ao Autor juros de mora calculados à taxa de 4% ao ano desde a data dos respectivos vencimentos (das retribuições intercalares) até integral pagamento, os quais apenas são devidos desde o trânsito em julgado da decisão;

Ø Manteve no restante a sentença recorrida;

B.  Sucede, porém, que Acórdão proferido, na parte que julgou parcialmente procedentes os pedidos do Autor contra a Ré e na parte em que julgou improcedentes os pedidos da Ré, não fez uma correta aplicação do Direito aos factos, razão pela qual vem a “BB” recorrer do mesmo para este Supremo Tribunal.


C.  Referimo-nos, nomeadamente, à decisão do Tribunal a quo no que toca às seguintes matérias: (i) Do subsídio de alimentação (“diária” ou “meia diária”) integrar a retribuição do Recorrido; (ii) Do carácter não abusivo do despedimento; (iii) Da graduação da indemnização em substituição da reintegração do trabalhador; (iv) Dos danos não patrimoniais.

       Da natureza retributiva do subsídio de alimentação


D. O Tribunal de 1.ª instância absolveu – e bem – a Ré (aqui Recorrente) dos pedidos contra a mesma formulados pelo Autor (aqui Recorrido) relativamente à condenação da “BB” no pagamento de um subsídio de alimentação de € 15,50 diários, desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da sentença.


E. Acontece que o Tribunal a quo concedeu provimento parcial ao recurso interposto pelo Autor. Refere o Acórdão que considera que não se inclui nos salários intercalares os subsídios de refeição; no entanto, inexplicavelmente, acaba por concluir – sem qualquer explicação fáctica – que o trabalhador tem direito a receber o subsídio de alimentação que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declarou a ilicitude do despedimento.


F.   Não pode a Recorrente aceitar esta decisão, que padece de erro na interpretação e, consequentemente, na aplicação dos artigos 260.º e 390.º n.ºs 1 e 2, ambos do Código do Trabalho.


G. Nos termos do art. 260.º/1, a), do Código do Trabalho, aplicável ex vi do n.º 2 da mesma norma, o subsídio de alimentação só poderia ser considerado retribuição se, de modo cumulativo, (i) as despesas ou deslocações fossem frequentes, (ii) estivesse previsto no contrato e (iii) o seu valor excedesse os respectivos montantes normais.


H. Não ficou provado, nem foi tão pouco alegado pelo Recorrido sobre se o valor pago ao Recorrido excedia os respectivos montantes normais.


I.  A falta de demonstração de um dos requisitos conduzirá, fatalmente, à conclusão de que esta prestação não tinha natureza retributiva, pelo que não pode ser integrada na base de cálculo das retribuições intercalares.


J.  A este propósito vejamos o decidido pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25-09-2013 [Processo 729/10.5TTVFX.L1-4, Relatora Filomena Manso] e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09-07-2014 [Processo 40/13.0TTBRG.P1, Relatora Paula Leal de Carvalho].


K. O subsídio de refeição não tem, por regra, a natureza de retribuição em sentido jurídico – art. 258.º, n.º 4, do Cód. Trabalho – a não ser que se verifique a situação prevista na parte final do artigo 260.º, n.º 1, do CT, situação esta que, conforme acima se referiu, não se provou e nem sequer foi alegada pelo Recorrido.


L.   Por outro lado, cumpre referir que o subsídio de refeição/alimentação só era exigível na medida em que tivesse havido prestação efectiva de trabalho, não sendo pago nas férias nem nas ausências do trabalhador.


M. Como delegado de informação médica, competia ao Recorrido promover, dentro da zona geográfica que lhe estava atribuída, a apresentação e divulgação de informação técnica e científica junto da classe médica, farmacêutica e entidades paramédicas, relativamente aos produtos comercializados pela Recorrente, motivo pelo qual realizava diariamente deslocações profissionais.


N. A Recorrente pagava um subsídio de alimentação se o trabalhador estivesse deslocado entre as 13h00 e as 14h00 ou entre as 20h00 e as 21h00 e pressupunha a apresentação de uma nota de despesas comprovativa da realização daquela despesa de alimentação (factos dados como provados sob os n.ºs 154 e 155).


O. Se não havia trabalho prestado nas condições específicas que determinavam a sua atribuição, o subsídio não era pago.


P.   Assim, uma vez que o Recorrido não prestou de facto trabalho desde o dia em que foi despedido, a Recorrente não pode estar obrigada a pagar-lhe o aludido subsídio, entendimento este que, em situações idênticas, tem sido aceite pela jurisprudência (a título de exemplo: Acórdão da Relação de Lisboa, 13-01-2010, processo 9/07.0TTSNT.L1-4; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.11.2007, processo 07S2879; Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10.12.2007, Processo 0714526; Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19.09.2011, Processo 946/10.8TTBRG.P1; Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 9 Julho 2009, Relator: Serra Leitão, Processo Proc. n.º 145/07).


Q. Pelo exposto, deve o Acórdão a quo ser revogado e, em consequência, deverá a Recorrente ser absolvida do pagamento ao Recorrido de EUR 15,50 por dia, a título de subsídio de alimentação, desde a data do despedimento até trânsito em julgado da sentença.

Do Carácter abusivo do despedimento


R.   Não pode a Recorrente conformar-se com a declaração por parte do Tribunal a quo de que o despedimento do Recorrido foi abusivo, e consequentemente, retaliatório em virtude do exercício por parte do Recorrido dos seus legítimos direitos enquanto trabalhador.
S.  Tal conclusão não se depreende dos factos dados como provados, nomeadamente, nos pontos 138 a 152, nem tampouco da prova documental produzida, uma vez que é expresso e inequívoco que a sanção de despedimento visou tão-somente sancionar o comportamento do Recorrido, mas nunca retaliar o exercício legítimo de quaisquer direitos pela sua parte e que o trabalhador não alegou ou provou a legitimidade das reclamações que fez.


T.   No entendimento do Tribunal a quo, não é necessário que os direitos reclamados pelos trabalhadores sejam judicialmente exigíveis, entendimento com que a Recorrente não pode de forma alguma concordar.


U. É entendimento dominante no âmbito da doutrina e jurisprudência dos tribunais superiores que, atenta a teleologia da norma e para funcionamento do normativo contido no artigo 331.º do CT/2009, não há sanção abusiva se o trabalhador não provar a legitimidade das reclamações feitas, o que não aconteceu no caso concreto.


V. Resultou provado que o procedimento disciplinar instaurado contra o Recorrido surgiu no seguimento do envio pelo mesmo, no dia 29.07.2009, de um e-mail dirigido a CC, DD, EE, FF, GG, HH e AA, respectivamente Directora Financeira, Chefe Nacional de Vendas, Director de Marketing, Directora Médica, Directora dos Assuntos Regulamentares e Chefe Regional de Vendas, no qual tecia considerações acusações graves, ofensivas da honra de II, Director-Geral da Recorrente (ponto 16 dos factos dados como provados).


W. A imputação feita pelo Recorrido ao Dr. II assentou em factos falsos, indeterminados e meramente subjectivos, sobretudo, tendo em conta que a Recorrente respondeu a todas as missivas dirigidas pelo Recorrido quer a respeito do pagamento de trabalho suplementar reclamado, quer a respeito da questão do VW P..., como se alcança dos factos dados como provados nos pontos 8, 9, 10, 13 a 21, nos quais é transcrita integralmente a correspondência mantida entre a Recorrente e o Recorrido.


X. O procedimento disciplinar despoletado contra o Recorrido e a consequente sanção de despedimento, sem indemnização ou compensação (artigo 328.º, n.º 1, alínea f), do Código do Trabalho), apenas visou reagir e sancionar, respectivamente, a conduta, materializada na mensagem de e-mail transcrita, considerada injuriosa pela Recorrente e a qual, ainda para mais, foi divulgada pelo Recorrido por todos os cargos superiores da Recorrente.


Y. Por outro lado, no que se refere às constantes reclamações apresentadas a propósito da atribuição do veículo VW P..., resultou também provado a inexistência de fundamentos para tal reclamação, dado que face ao elevado número de quilómetros percorridos a título pessoal, a Recorrente foi onerada em cerca de EUR 7.973,10 para fazer face ao excesso de quilómetros (factura JJ n.º ...).


Z. Face à recusa, por parte do Recorrido, em suportar o acréscimo de custos inerente à sua utilização da viatura cedida pela Recorrente – contrastante, aliás, com a de outros trabalhadores em situação idêntica – esta viu-se obrigada a optar, em finais de 2008, pela atribuição de uma viatura de gama mais baixa.


AA. Resulta da matéria provada que a viatura atribuída ao Recorrido foi escolhida em função da renda que, pelo respectivo aluguer, a Recorrente teria de pagar, e não fruto de qualquer atitude discriminatória (ponto 152 dos factos dados).


AB.   Pelo exposto, dúvidas não restam de que a Recorrente logrou ilidir a presunção de despedimento abusivo, sendo evidente a inexistência de indícios de qualquer comportamento retaliatório relativamente ao Recorrido.


AC.   A declaração de improcedência do motivo justificativo do despedimento e consequente declaração de ilicitude, nos termos do artigo 381.º, alínea b), do Código do Trabalho, não pode, sem mais, culminar na declaração de despedimento como sanção abusiva e, em última análise, persecutória do Recorrido, sob pena de se cair no exagero de todos os despedimentos declarados ilícitos revestirem carácter abusivo, contrariando-se o espírito da própria letra da lei, que prevê as sanções abusivas e as suas consequências, no âmbito do procedimento disciplinar e da declaração de ilicitude do despedimento (artigo 331.º do Código do Trabalho), de forma distinta face aos fundamentos gerais de ilicitude do despedimento e respectivas consequências (artigo 381.º do Código do Trabalho).


AD. Por outro lado, os factos que motivaram a aplicação da sanção de despedimento são autónomos relativamente aos alegados direitos reclamados (como é patente no caso do e-mail enviado pelo Recorrido em 29.07.2009).


AE. E conforme bem vêm entendendo os nossos tribunais, exige-se uma relação directa de causa/efeito entre a reclamação do trabalhador e a sanção disciplinar que lhe foi aplicada, pelo que, também por esse motivo, não podia o Tribunal a quo ter concluído pela natureza abusiva do despedimento.
AF.  Pelas razões acima aduzidas, deverá a indemnização a pagar ao Recorrido ser fixada nos termos do artigo 391.º, n.º 1, do CT, ou seja, entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, de acordo com o valor da retribuição, bem como com o grau de ilicitude, ao invés de ser fixada entre o intervalo de 30 a 60 dias de retribuição base e diuturnidades, tal como previsto no artigo 392.º, n.º 3, ex vi do artigo 331.º, n.º 4, do mesmo Código.

Da graduação da indemnização em substituição da reintegração

GG. Sem prejuízo do presente recurso, na parte sobre o alegado carácter abusivo do despedimento, a indemnização em substituição da reintegração deverá sempre ser graduada no limite mínimo.


AH. Em matéria de efeitos de ilicitude do despedimento promovido pelo empregador, o Código do Trabalho vem apontar para a fixação da indemnização com base no “grau de ilicitude” e no “valor da retribuição” (artigo 439.º, n.º 1, do Código do Trabalho).


AI.  Ora, no caso concreto, à data da cessação do contrato de trabalho, o Recorrido auferia uma retribuição base mensal de € 1.928,15 (cf. ponto 40 dos Factos Provados), que representava 4,3 vezes o salário mínimo nacional, factor que deve ser ainda conjugado com o circunstancialismo em que ocorreu o despedimento, com a antiguidade e o valor da retribuição do Recorrido, para o efeito de se considerar que não se justifica, de todo, um limite tão elevado como aquele que foi determinado pelo Tribunal a quo.


AJ. Mais: haverá também que atender ao facto de não ser patente a inexistência de fundamento para o despedimento, considerando todos os comportamentos do Recorrido acima descritos, nomeadamente a divulgação no âmbito da empresa de um e-mail onde imputa ao Director-Geral da Recorrente, Dr. II, “uma situação de abuso de poder” e “práticas ilegais”, bem como o não cumprimento pelo Recorrido do acordo de reembolso das despesas resultantes dos quilómetros particulares por si realizados bem como do compromisso de fixar residência em Coimbra ou de pernoitar duas noites por semana nesta cidade, como consta dos pontos 134 a 137 dos factos dados como provados.


AK. Pese embora a Recorrente tenha posteriormente aceite que o Recorrido continuasse a residir no Porto, a verdade é que a Recorrente foi onerada com esta situação e, tendo tentado encontrar diversas soluções de compromisso com o Recorrido (responsável único por esta situação), o mesmo recusou todas as alternativas, pelo que dúvidas não poderão subsistir sobre a diminuta culpa da Recorrente.


AL.  Desta forma, atendendo à reduzidíssima ilicitude da conduta da Recorrente, o critério para a determinação do valor da indemnização deverá ser fixado pelo seu limite mínimo, ou seja, 15 dias de retribuição-base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, ou 30 dias, caso seja negado provimento ao recurso na parte que versou sobre o carácter abusivo do despedimento, no que não se concede.

Dos danos morais


AM. O Tribunal do Trabalho do Porto condenou a Recorrente no pagamento, ao Recorrido, de uma indemnização por danos não patrimoniais fixada em € 10.000,00.


AN. O Venerando Tribunal da Relação decidiu confirmar a decisão recorrida, aderindo à sua fundamentação considerou adequado o quantitativo fixado pela sentença.


AO. Não pode a Recorrente aceitar esta decisão, que padece de erro na interpretação e, consequentemente, na aplicação do artigo 483.º do Código Civil.


AP.  Não logra o Acórdão em crise demonstrar in casu os pressupostos legais de que depende uma concreta aplicação do instituto de responsabilidade por factos ilícitos enunciados no artigo 483.º do Código Civil.


AQ. Quer na vertente da causalidade adequada, quer na vertente da efectiva causa-efeito, o Recorrido não fez prova de que a responsabilidade pelos danos por ele alegadamente sofridos deverá recair sobre a Recorrente.


AR.   A fundamentação invocada pelo Tribunal a quo para condenar a Recorrente no pagamento da quantia indemnizatória limitou-se, única e exclusivamente, à perícia médica cujo relatório consta de fls. 605 e 622 e nos documentos de fls. 549 e 557 (prescrições médicas), porquanto nenhuma testemunha foi inquirida sobre esta matéria.


AS.  Da prova pericial produzida nunca poderia o Tribunal a quo ter concluído pela verificação de danos não patrimoniais merecedores da tutela do direito e, consequentemente, para o quantum indemnizatório, nem que tais danos tenham sido consequência directa da conduta da Recorrente.
AT. [...]


AW. Para além disso, não pode o Tribunal ignorar que qualquer cessação de relação laboral por despedimento determina sempre sofrimento, angústia, humilhação, vexame, desconforto e/ou ofensas à honra e prestígio do afectado. Tal situação ocorre, necessariamente, em qualquer despedimento, lícito ou ilícito.


AX. Porém, a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais impõe que tais danos ultrapassem os normais sofrimentos, incómodos e distúrbios decorrentes de um despedimento.


AY. O Recorrido tinha que ter alegado e provado que a gravidade dos danos, a dimensão do nervosismo e da preocupação, não se reconduziam à humilhação, desconforto e ofensas naturalmente sentidos por quem é alvo de um processo disciplinar e de um despedimento.


AZ. O Recorrido não logrou provar nada disso, tendo ficado apenas demonstrado que, em virtude do despedimento de que foi alvo padece de nervosismo e de perturbações de sono – situação que é normal para quem vê o seu contrato cessar, no sentido de que faz parte de quem tem uma adversidade na vida, faz parte do dia-a-dia, mas não é grave ao ponto de merecer a tutela do direito.


BA. Mais acresce que, no caso concreto, da mera análise do processo disciplinar é possível concluir que a Recorrente não instaurou o processo disciplinar de forma arbitrária e sem qualquer fundamento: a Recorrente estava plenamente convicta da justa causa do despedimento do Recorrido, pelo que não se pode concluir pela culpabilidade da Recorrente.


BB. Termos em que se deve concluir que inexistiram, no caso concreto, fundamentos bastantes para poder concluir pela responsabilidade da Recorrente pelo pagamento de qualquer indemnização por danos não patrimoniais eventualmente causados ao Recorrido.


BC. Resta acrescentar que, mesmo a admitir-se – por mero dever de patrocínio, mas sem conceder – a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais alegados pelo Recorrido, os mesmos são objecto de ressarcimento nos termos do art. 496.º do Código Civil, designadamente o seu n.º 3, que manda fixar o montante da indemnização equitativamente, tendo em conta as circunstâncias referidas no art. 494.º do Código Civil (acórdão do S.T.J. de 13.03.1991, A.J., 17.º, pág. 9).

Assim, termina, deve ser concedido provimento ao presente recurso subordinado e, em consequência, deve o Acórdão do Tribunal do Trabalho do Porto ser parcialmente revogado nos termos supra expostos.

                                                                       ____

                                

Em conferência, acordou-se em indeferir, como já acima se consignou, a requerida rectificação da deliberação, julgando improcedentes as nulidades arguidas.

                                                                        ___

Já neste Supremo Tribunal, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se, emitindo parecer no sentido de ser concedido parcialmente provimento ao recurso interposto, reconhecendo-se que o recorrente tem direito a receber a quantia de € 3.802,69, a título compensatório, pela prestação de trabalho suplementar e que os juros sobre o valor das retribuições intercalares são devidos desde a data do vencimento de cada um das prestações até efectivo e integral pagamento, devendo, no demais, ser confirmado o Acórdão sub judicio.

Notificado às partes, a R. reagiu, conforme fls. 2115/ss., exercendo o seu direito ao contraditório relativamente ao recurso interposto pelo A., bem como quanto ao recurso subordinado, por si deduzido.

Fê-lo nos termos a que nos reportamos, dando-os aqui por inteiramente vertidos.

                                                                                                                                            II

1. O thema decidendum’.

Compulsadas as asserções conclusivas que rematam a motivação recursória – por onde se afere e delimita, por via de regra, o objecto e âmbito do recurso – vejamos as temáticas que nos cumpre conhecer.

- No recurso independente são questões postas:

. Nulidades do acórdão recorrido;

. Da natureza retributiva das contribuições da Ré para o Fundo de Pensões;

. Da natureza retributiva do prémio qualitativo de 2009;

. Da graduação da indemnização;

. Da natureza retributiva do uso da viatura automóvel;

. Da natureza retributiva do uso do telemóvel e da Internet;

. Da natureza retributiva do prémio qualitativo anual e do prémio quantitativo trimestral;

. Dos juros das retribuições intercalares;

. Do pagamento do descanso compensatório por prestação de trabalho suplementar;

. Dos danos não patrimoniais.

- No recurso subordinado:

. Da natureza retributiva do subsídio de alimentação;

. Do carácter (não) abusivo do despedimento;

. Da graduação da indemnização substitutiva da reintegração;

. Dos ‘danos morais’.

                                                       

                                                                       ____

2. - Dos Fundamentos

2.1 – De Facto                                                   

Mostra-se estabelecida a seguinte factualidade (já com as alterações introduzidas pela Relação, no local próprio, na sequência da reapreciação da decisão da matéria de facto a que procedeu):

1. No dia 17 de Abril de 2004, Autor e Ré celebraram o contrato de trabalho a termo certo, cuja cópia se encontra junta aos autos, a fls. 7-10 do processo disciplinar, com o seguinte teor:

“ (CATEGORIA PROFISSIONAL)

A PRIMEIRA CONTRAENTE admite o SEGUNDO CONTRAENTE ao seu serviço e este obriga-se a prestar-lhe a sua actividade profissional como Delegado de Informação Médica Estagiário.

2. A actividade a prestar pelo SEGUNDO CONTRAENTE, objecto do Presente contrato, inclui as funções inerentes à categoria profissional ajustada, bem como todas aquelas que façam parte da área profissional em que essa categoria se insere.

(REMUNERAÇÕES E SUBSÍDIOS)

1. Como contrapartida da actividade prestada, a PRIMEIRA CONTRAENTE obriga‑se a pagar ao SEGUNDO CONTRAENTE uma remuneração mensal de EUR 1.000 (Mil euros), sujeito às contribuições e impostos obrigatórios, devidos por lei, por meio de cheque ou transferência bancária para conta de depósito a indicar por este.

2. O SEGUNDO CONTRAENTE tem ainda direito ao subsídio de refeição, no montante igual ao limite máximo isento de IRS, nos termos do ponto 2 da alínea c) do n.º 3 do artigo 2.º do C.I.R.S. por cada dia efectivo de trabalho.

3. A título de subsídio de férias, será atribuído ao SEGUNDO CONTRAENTE montante igual à retribuição dos dias de férias a que tenha direito.

4. A título de subsídio de Natal, o SEGUNDO CONTRAENTE receberá o montante proporcional ao número de meses de serviço efectivo prestado no ano a que respeita o subsídio.

(PERÍODO DE TRABALHO)

1. O SEGUNDO CONTRAENTE obriga-se a prestar 37 horas de trabalho semanal, distribuídas por cinco dias consecutivos, de segunda a sexta-feira, no horário a fixar pela PRIMEIRA CONTRAENTE e em vigor no estabelecimento.

Nos termos da lei, o horário de trabalho poderá ser unilateralmente alterado pela PRIMEIRA CONTRAENTE.

(LOCAL DE TRABALHO)

O SEGUNDO CONTRAENTE obriga-se a prestar a sua actividade profissional na sede da PRIMEIRA CONTRAENTE, bem como noutros locais em que a mesma tenha estabelecimentos.

2. O trabalho realizado fora da área urbana de Lisboa, Porto ou Coimbra confere ao SEGUNDO CONTRAENTE o direito a ser reembolsado das despesas de viagens, refeição e estada, dentro dos limites tidos como razoáveis pela PRIMEIRA CONTRAENTE e desde que devidamente documentadas.

(VIGÊNCIA)

O presente contrato é celebrado pelo prazo de seis meses, com início em 18 de Maio de 2004 e termo em 17 de Novembro de 2004, podendo ser renovado por iguais períodos, dentro dos limites legais em vigor.

2. O presente contrato é celebrado ao abrigo da alínea b) do n.º 3 do artigo 129.º do Decreto-‑Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, dado a procura do primeiro emprego pelo SEGUNDO CONTRAENTE.

(PERÍODO EXPERIMENTAL)

O período experimental terá a duração de 30 dias, sendo que neste período ambos os contraentes podem rescindir o presente contrato, sem aviso prévio nem invocação de justa causa, não havendo lugar a qualquer indemnização.

(FÉRIAS)

O Trabalhador gozará dois dias úteis de férias por cada mês completo de serviço em cada ano civil, e ao correspondente subsídio de férias.

(DENÚNCIA OU RESCISÃO DO CONTRATO)

O SEGUNDO CONTRAENTE poderá rescindir o presente contrato, independentemente de justa causa, mediante comunicação escrita à PRIMEIRA CONTRAENTE efectuada com a antecedência mínima de trinta dias.

2. O presente contrato poderá sempre cessar por acordo escrito entre os contraentes.

(CONFIDENCIALIDADE E SIGILO PROFISSIONAL)

Com a assinatura do presente contrato fica o SEGUNDO CONTRAENTE obrigado a:

a) Não revelar, durante a vigência do presente contrato e após a sua cessação, qualquer informação relacionada com a actividade, negócios ou conduta da PRIMEIRA CONTRAENTE ou de qualquer sociedade representada por esta, ou de qualquer cliente ou de qualquer assunto de que tenha conhecimento em virtude das suas funções, salvo autorização expressa da PRIMEIRA CONTRAENTE;

b) Assegurar a custódia de todos os documentos, informações ou equipamentos a que tenha acesso, sejam da PRIMEIRA CONTRAENTE ou dos seus clientes, dando-lhes protecção adequada compatível com o grau de confidencialidade exigível, contra perda, extravio, furto, roubo, reprodução ou divulgação indevida;

c) Não divulgar nem reproduzir quaisquer documentos ou publicações editadas ou produzidas pela PRIMEIRA CONTRAENTE, salvo autorização expressa da mesma;

d) Não exercer ou desempenhar outros trabalhos remunerados, por sua conta própria ou de terceiros, sem autorização expressa da PRIMEIRA CONTRAENTE;

e) Não exercer qualquer actividade concorrente com a PRIMEIRA CONTRAENTE, em Portugal ou no estrangeiro, seja na qualidade de trabalhador, sócio, accionista, director, gerente, agente ou em qualquer outra qualidade, enquanto vigorar o presente contrato de trabalho” – al. A);

2 - Em meados de 2004, o Autor foi convidado a trabalhar para a Ré na zona de Coimbra, tendo-se comprometido a passar a ter residência nessa cidade – al. B);

3 - No dia 1 de Julho de 2005, o contrato de trabalho do A. foi convertido em tempo indeterminado – alínea C);

4 - À data do despedimento o Autor auferia as seguintes quantias:

a) € 1.928,15, a título de retribuição-base mensal ilíquida;

b) subsídio diário de alimentação, num valor não inferior de € 10,50, por cada dia útil de trabalho;

c) seguro de vida;

d) e estava integrado num fundo de pensões – alínea D);

5 - A primeira viatura que esteve atribuída ao Autor era da marca …, matrícula …-VH, sendo certo que já em 2006 a Ré tinha verificado que existia quilometragem a mais, mais concretamente, apresentava 171.187 Kms. – al. E);

6 - No mês de Julho de 2006, foi atribuído ao Autor e aos restantes delegados veículos da marca …, modelo …, 5P, 150 cv. – al. F);

7 - Em Outubro de 2008, o Autor teve um acidente de viação grave com a referida viatura, tendo a mesma sido dada para perda total – al. G);

[...]

24 - No dia 7 de Setembro o Sr. Dr. DD entregou em mão ao Autor uma última proposta de cessação do contrato de trabalho, por mútuo acordo, consistente em oito salários de indemnização – al. AA).

25 - Tal proposta não foi aceite pelo Autor – al. AB).

26 - No dia 25 de Setembro de 2009, foi notificado da Nota de Culpa – al. AC).

27 - Tendo apresentado resposta à nota de culpa no dia 8 de Outubro de 2009 – al. AD).

28 - O Autor ganhou o Prémio de Delegado do Ano, por duas vezes, mais concretamente em 2005 e em 2006 – al. AE).

29 - Por carta registada com a/r datada de 5 de Novembro de 2009, cuja cópia está junta a fls. 317 do processo disciplinar, a requerida enviou ao requerente o “Aditamento à Nota de Culpa”, cuja cópia está junta a fls. 318 a 320, também do processo disciplinar, e que aqui também dou por integralmente reproduzida – al. AF).

30 - O Autor apresentou resposta ao aditamento à nota de culpa no dia 24 de Novembro de 2009 – al. AG).

[...]

34 - O Autor obrigou-se a um período normal de trabalho de trinta e sete horas semanais – al. AM).

35 - No ano de 2004, o Autor auferia, a título de retribuição-base mensal ilíquida, pelo menos a quantia de € 1.000,00 – al. AN).

36 - No ano de 2005, o Autor auferia, a título de retribuição-base mensal ilíquida, pelo menos a quantia de € 1.150,00 – al. AO).

37 - No ano de 2006, o Autor auferia, a título de retribuição-base mensal ilíquida, pelo menos a quantia de € 1.410,00 – al. AP).

38 - No ano de 2007, o Autor auferia, a título de retribuição-base mensal ilíquida, pelo menos a quantia de € 1.658,62 – al. AQ).

39 - No ano de 2008, o Autor auferia, a título de retribuição-base mensal ilíquida, pelo menos a quantia de € 1.824,48 — al. AR).

40 - No ano de 2009, a retribuição-base mensal ilíquida do Autor ascendia a € 1.928,15 – al. AS).

41 - A Ré marcou uma reunião só para o Autor em ..., no escritório da empresa, para actualizar informação que o mesmo tinha perdido, por ter faltado a uma reunião anterior por razões de saúde – al. AT).

42 - O e-mail referido em Q) foi enviado pelo Autor ao Dr. II, com cópia para os seguintes trabalhadores da BB Portugal: CC, DD, EE, FF, GG e HH – al. AU).

43 - O referido destinatário do e-mail exerce as funções de Director-Geral e gerente da BB Portugal e os referidos trabalhadores exercem as seguintes funções na BB Portugal: Directora Financeira, Chefe Nacional de Vendas, Director de Marketing, Directora Médica, Directora dos Assuntos Regulamentares e Chefe Regional de Vendas — al. AV).

44 - O Autor não fixou residência em Coimbra, nem pernoitou duas vezes por semana nessa cidade – al. AX).

45 - No dia 8 de Outubro de 2009, a Sr.ª Dr.ª KK, em representação do Autor, enviou à BB Portugal a carta que se encontra junta aos autos a fls. 324 do processo disciplinar com o seguinte teor:

Tenho a honra de me dirigir a V.ª Ex.ª na sequência de ter passado a representar o vosso trabalhador AA, fazendo-o nesta sede em resposta à vossa missiva supra mencionada.

Como V. Ex.ª seguramente se recordará, a circunstância de o meu Constituinte se ter mantido a residir no Porto foi tempestivamente explicada por este e aceite por essa empresa.

A este facto acresce ainda a continuada prática, mais concretamente ao longo de quatro anos, sendo certo que, em momento algum, a empresa alertou o trabalhador para esta situação.

Desta forma é completamente abusiva e infundada a exigência de que o mesmo pague € 7.973,10, alegadamente suportados pela BB, só se podendo entender a vossa carta como mais uma manobra de retaliação e de pressão que, em sede própria, merecerão a competente denúncia – al. BA).

46 - A Ré, em 2006, pagou à LL a quantia de € 2.557,19 de despesas de aluguer acrescidas relativas à viatura que então estava atribuída ao Autor pelo alegado excesso de quilómetros percorridos por este – al. BB).

47 - A proposta recebida da JJ de alteração das condições do contrato de aluguer, cuja cópia se encontra junta aos autos principais a fls. 144 e cujo teor se dá por reproduzido, apresenta a data de 09-05-2008, constando da mesma que a presente proposta é válida por “30 dias” – al. BC).

48 - Encontrava-se atribuída ao Autor uma determinada zona geográfica, dentro da qual tinha que se deslocar com vista ao desempenho da sua actividade – al. BD).

49 - Como Delegado de informação médica, competia ao Autor promover, dentro da zona geográfica atribuída, a apresentação e divulgação de informação técnica e científica junto da classe médica, farmacêutica e entidades paramédicas, dos produtos comercializados pela Ré – al. BE).

50 - Por este motivo, o Autor realizava diariamente deslocações profissionais nas quais utilizava a viatura atribuída pela Ré – al. BF).

51 - O pagamento do prémio de produtividade dependia da avaliação de desempenho do trabalhador no período a que fazia referência – al. BG).

52 - Para cessação, por comum acordo, do contrato individual de trabalho, o Autor propôs inicialmente à Ré receber a quantia total de € 121.366,00, tendo mais tarde, em 05-08-2009, apresentado uma nova proposta reduzindo tal valor para a quantia de € 115.298,00 – al. BH).

53 - Após ter assinado o contrato de trabalho e no decurso do período experimental, o Autor comunicou à Ré que, por razões familiares, teria de se manter a residir no Porto, o que foi aceite por esta – respostas aos quesitos 1.º e 135.º;

54 - Ficou expressamente acordado que o A. pagaria as despesas de deslocação pessoais entre as duas cidades, no que se refere exclusivamente a combustível e portagens, assumindo a Ré todos os restantes custos com a viatura, incluindo o aluguer e a respectiva manutenção – respostas aos quesitos 2.º e 3.º;

55 - Em resultado dos factos referidos nas alíneas BE) e BF), o Autor recebia um subsídio de alimentação no valor de € 15,50 x 22 dias, denominado “meia-diária” – resposta ao quesito 4.º;

56 - A atribuição do seguro de saúde traduzia uma utilidade económica mensal ao Autor não inferior a € 127,64 – resposta ao quesito 5.º;

57 - O Autor tinha a viatura para uso total, sem limite de quilómetros, cuja utilidade económica se reputa não poder ser inferior a € 622,12 mensais, correspondendo a uma … – resposta ao quesito 6.º;

58 - A atribuição do seguro de vida traduzia uma utilidade económica mensal ao Autor não inferior a € 53,80 – resposta ao quesito 7.º;

59 - A atribuição do fundo de pensões traduzia uma utilidade económica mensal ao Autor não inferior a € 81,38 – resposta ao quesito 8.º;

60 - Telemóvel para uso total, com pacote de 200 minutos e plafond suplementar de € 35,00 mensais, cuja utilidade económica mensal se reputa não poder ser inferior a € 86,15 – resposta ao quesito 9.º;

61 - Ligação à internet para uso total, cuja utilidade económica mensal se reputa não poder ser inferior a € 35,00 – resposta ao quesito 10.º;

62 - O Autor, caso atingisse os objectivos estabelecidos, recebia um prémio qualitativo anual e um prémio quantitativo trimestral, sendo que a média anual do A., nos últimos 5 anos, ascendia a € 5.932,13 – resposta ao quesito 11.º;

63 - A prática existente desde Maio de 2004 até Julho de 2008 foi a de a Ré suportar o aluguer e manutenção da viatura automóvel que era usada pelo Autor e no mesmo período a prática era a do Autor pagar combustível e portagens – respostas aos quesitos 12.º e 13.º;

64 - Desde, pelo menos, 2005, que a prática no seio da Ré é a de, mediante a apresentação de dois ou três modelos, os Delegados escolherem, entre si, a viatura que vão usar durante os próximos três anos, sendo que em 2005 foi o próprio Sr. Dr. II, actual Director Geral da Ré, a coordenar esse processo, podendo ainda escolher os extras que pretendessem ver instalados desde que os custeassem – respostas aos quesitos 14.º e 15.º;

65 - Tendo a Ré pago € 2.557,19, em virtude das despesas de aluguer acrescidas, pelo alegado excesso de quilómetros percorridos pelo Autor, e que nunca exigiu a este que pagasse esse ou qualquer outro valor – resposta ao quesito 16.º;

66 - Essas viaturas foram escolhidas por votação entre os Delegados da Ré – resposta ao quesito 17.º;

67 - Foi-lhe permitido escolher os extras que pretendia para o veículo – resposta ao quesito 18.º;

68 - Numa reunião, o Sr. Dr. II, Director-Geral da Ré, sob a justificação de que a viatura conduzida pelo Autor tinha quilómetros a mais, pretendia que este assinasse um acordo escrito que versava sobre a utilização da viatura e que se consubstanciava numa responsabilização pecuniária para este último no montante de cerca de € 215,00 mensais – respostas aos quesitos 19.º, 20.º, 138.º, 141.º, 150.º e 151.º;

69 - O Autor foi proibido pela Ré de levar a viatura para as férias com a família, em Espanha, sabendo esta que era do interesse dele, ao contrário do que sucedeu sempre consigo – respostas aos quesitos 21.º e 22.º;

70 - Desde o ano de 2004, o Autor levava a viatura automóvel atribuída pela Ré para as férias, em Espanha – resposta ao quesito 23.º;

71 - Não tendo imposto ou recomendado qualquer limite de quilómetros, desde que feitos em território nacional – resposta ao quesito 24.º;

72 - A Ré nunca definiu ou impôs qualquer limite de quilómetros pessoais ou profissionais para as viaturas que atribuía aos seus colaboradores – resposta ao quesito 25.º;

73 - Depois do acidente referido em G), o Sr. Dr. II voltou a pressionar o Autor para que este assinasse a declaração que se encontra junta a fls. 108 e 109 do processo disciplinar e o Autor deu a entender ao Gestor da Área que se sentia pressionado sobre este assunto – respostas aos quesitos 26.º e 27.º;

74 - Em Janeiro de 2009, todos os Delegados de Informação Médica da Ré, incluindo o Autor, escolheram como veículo automóvel a ser atribuído pela empresa, o veículo automóvel …50, …, …, 5 portas – resposta ao quesito 28.º;

75 - Em Janeiro de 2009, e já após a escolha daquele veículo, a Ré entregou ao autor um V… P…, sem fecho centralizado ou vidros eléctricos – resposta ao quesito 29.º;

76 - Não lhe tendo sido, sequer, permitido escolher qualquer extra para essa viatura – resposta ao quesito 31.º;

77 - Na mesma altura foi entregue a todos os demais Delegados de Informação Médica, colegas do Autor, um veículo automóvel …50 … 5P, bem como todos os extras que cada um deles pretendeu – respostas aos quesitos 32.º e 33.º;

78 - A renda mensal dos veículos V… atribuídos aos colegas do Autor ascendia a cerca de € 600,00 mensais e a renda mensal do V... P… atribuída ao Autor ascendia a € 333,23 – respostas aos quesitos 34.º e 35.º;

79 - A atribuição ao Autor do V… P... foi efectuada à frente de todos os demais colegas do Autor que estavam presentes na referida reunião ocorrida em Janeiro de 2009 – resposta ao quesito 36.º;

80 - No local de trabalho, os demais colegas do A. sabiam que a viatura que o A. deveria conduzir era a … 50, à semelhança estes, e não uma viatura VW P... sem fecho centralizado nem vidros eléctricos – resposta ao quesito 37.º;

81 - A Ré marcou a reunião referida em AU) para o dia 17 de Março de 2009, data do aniversário do Autor – resposta ao quesito 38.º;

82 - A Ré não respondeu aos pedidos de esclarecimentos relativos ao trabalho suplementar solicitados pelo Autor nos e-mails que enviou – resposta ao quesito 40.º;

83 - No dia 26 de Maio de 2009, a Ré, através do Dr. DD, entregou ao autor “Acordo para a Compensação de Ausências ao Serviço com Prestação de Trabalho”, cuja cópia se encontra junta a fls. 60 do processo disciplinar – resposta ao quesito 41.º;

84 - A Ré informou o Autor, através de e-mail, de que não iria ter de trabalhar no fim-de-‑semana de 6 e 7 de Junho, ao contrário do que sucedia com a maioria dos seus colegas – resposta ao quesito 42.;

85 - A Ré não respondeu ao e-mail enviado pelo Autor no dia 17 de Julho de 2009 – resposta ao quesito 43.º;

86 - Relativamente ao trabalho prestado no ano de 2008, o Autor obteve a percentagem de 92,5% de um total que avaliava o volume/frequência de visitas e qualidade do trabalho realizado nesse ano, recebendo da Ré o respectivo prémio anual qualitativo – resposta ao quesito 44.º;

87 - A Ré, desde o início de vigência do contrato, sempre enviou documentos para a residência do Autor na cidade do Porto – resposta ao quesito 45.º;

88 - O valor de € 1.116,50, indicado a título de nota de crédito emitido pela Intelcar no documento junto aos autos a fls. 143, era relativo à viatura …, matrícula -BX- – resposta ao quesito 46.º;

89 - No dia 6 de Junho de 2004, correspondendo a um Domingo, o Autor prestou, por conta e direcção da Ré, no interesse exclusivo desta, deslocação em serviço das 20h00 às 24h00, no âmbito de uma Formação ocorrida às 09h00 do dia 7 de Junho, em ..., não tendo gozado o período de descanso compensatório – respostas as quesitos 47.º e 48.º;

90 - No dia 29 de Agosto de 2004, correspondendo a um Domingo, o A. prestou, por conta e direcção da Ré, no interesse exclusivo desta, deslocação em serviço das 18h00 às 24h00, no âmbito da Reunião de Ciclo, ocorrida no Algarve, não tendo gozado o período de descanso compensatório – respostas aos quesitos 49.º e 50.º;

91 - No dia 2 de Outubro 2004, correspondendo a um Sábado, o A. prestou, por conta e direcção da Ré, no interesse exclusivo desta, trabalho das 08h00 às 15h00, no âmbito das 5 Jornadas sobre Comportamentos Suicidários, ocorridas no Grande ..., não tendo gozado o período de descanso compensatório – respostas aos quesitos 51.º e 52.º;

92 – Provado que o A., no ano de 2005, auferia uma quantia mensal ilíquida de € 1.386,69, correspondendo € 1.150,00 ao vencimento e € 236,69 à Isenção de Horário de Trabalho – resposta ao quesito 53.º[1];

93 - No dia 15 de Maio de 2005, correspondendo a um Domingo, o A. prestou, por conta e direcção da Ré, no interesse exclusivo desta, deslocação em serviço das 19h00 às 24h00, no âmbito da Reunião de Ciclo, ocorrida em Sesimbra, não tendo gozado o período de descanso compensatório – respostas aos quesitos 54.º e 55.º;

94 - No dia 21 de Maio de 2005, correspondendo a um Sábado, o A. prestou, por conta e direcção da Ré, no interesse exclusivo desta, trabalho das 09h00 às 17h00, no âmbito do Congresso …, não tendo gozado o período de descanso compensatório – respostas aos quesitos 56.º e 57.º;

95 - No dia 26 de Junho de 2005, correspondendo a um Domingo, o A. prestou, por conta e direcção da Ré, no interesse exclusivo desta, trabalho das 15h30 às 23h30, no âmbito do Encontro ‘REP of the Year’, em Copenhaga, não tendo gozado o período de descanso compensatório – respostas aos quesitos 58.º e 59.º;

96 - No dia 6 de Novembro de 2005, correspondendo a um Domingo, o A. prestou, por conta e direcção da Ré, no interesse exclusivo desta, deslocação em serviço das 22h00 às 24h00, no âmbito da Reunião Intercalar de …, não tendo gozado o período de descanso compensatório – respostas aos quesitos 60.º e 61.º;

97 – Provado que o A., no ano de 2006, auferia uma quantia mensal ilíquida de € 1.700,21, correspondendo € 1 410,00 ao vencimento e € 290,21 à Isenção do Horário de Trabalho – resposta ao quesito 62.º;

98 - No dia 28 de Janeiro de 2006, correspondendo a um Sábado, o A. prestou, por conta e direcção da Ré, no interesse exclusivo desta, trabalho das 09H00 às 21H00, no âmbito do Congresso de Psiquiatria da ..., não tendo gozado o período de descanso compensatório – respostas aos quesitos 63.º e 64.º;

99 - No dia 29 de Janeiro de 2006, correspondendo a um Domingo, o A. prestou, por conta e direcção da Ré, no interesse exclusivo desta, trabalho das 10h00 às 22h00, no âmbito do Congresso Psiquiátrico da ..., não tendo gozado o período de descanso compensatório – respostas aos quesitos 65.º e 66.º;

100 - No dia 2 de Abril de 2006, correspondendo a um Domingo, o A. prestou, por conta e direcção da Ré, no interesse exclusivo desta, deslocação em serviço das 20h00 às 24h00, no âmbito da Reunião de Ciclo de ..., não tendo gozado o período de descanso compensatório – respostas aos quesitos 67.º e 68.º;

101 - No dia 18 de Junho de 2006, correspondendo a um Domingo, o A. prestou, por conta e direcção da Ré, no interesse exclusivo desta, trabalho das 15h30 às 23h30, no âmbito do Encontro ‘Rep of the Year’, em Copenhaga, não tendo gozado o período de descanso compensatório – respostas aos quesitos 69.º e 70.º;

102 - No dia 15 de Julho de 2006, correspondendo a um Sábado, o A. prestou, por conta e direcção da Ré, no interesse exclusivo desta, trabalho das 13h00 às 21h00, no âmbito do Congresso … em ..., não tendo gozado o período de descanso compensatório – respostas aos quesitos 71.º e 72.º;

103 - No dia 16 de Julho de 2006, correspondendo a um Domingo, o A. prestou, por conta e direcção da Ré, no interesse exclusivo desta, trabalho das 09h00 às 21h00, no âmbito do Congresso … em …, não tendo gozado o período de descanso compensatório – respostas aos quesitos 73.º e 74.º;

104 - No dia 16 de Dezembro de 2006, correspondendo a um Sábado, o A. prestou, por conta e direcção da Ré, no interesse exclusivo desta, trabalho das 10h00 às 17h00, no âmbito do almoço BB Condeixa, não tendo gozado o período de descanso compensatório – respostas aos quesitos 75.º e 76.º;

105 – Provado que o A., no ano de 2007, auferia uma quantia mensal ilíquida de € 2.000,00, correspondendo € 1 658,62 ao vencimento e € 341,38 à Isenção do Horário de Trabalho – resposta ao quesito 77.º[2];

106 - No dia 24 de Março de 2007, correspondendo a um Sábado, o A. prestou, por conta e direcção da Ré, no interesse exclusivo desta, trabalho das 07h00 às 13h00 e das 14h00 às 16h00, no âmbito da Reunião de Ciclo de …, não tendo gozado o período de descanso compensatório – respostas aos quesitos 78.º e 79.º;

107 - No dia 25 de Março de 2007, correspondendo a um Domingo, o A. prestou, por conta e direcção da Ré, no interesse exclusivo desta, trabalho das 07h00 às 12h00, no âmbito da Reunião de Ciclo de …, não tendo gozado o período de descanso compensatório – respostas aos quesitos 80.º e 81.º;

108 - No dia 31 de Março de 2007, correspondendo a um Sábado, o A. prestou, por conta e direcção da Ré, no interesse exclusivo desta, trabalho das 08h00 às 13h00, no âmbito do Curso de Psiquiatria Geriátrica, não tendo gozado o período de descanso compensatório – respostas aos quesitos 82.º e 83.º;

109 - No dia 15 de Setembro de 2007, correspondendo a um Sábado, o A. prestou, por conta e direcção da Ré, no interesse exclusivo desta, trabalho das 09h00 às 21h00, no âmbito do Simpósio de ..., não tendo gozado o período de descanso compensatório – respostas aos quesitos 84.º e 85.º;

110 - No dia 16 de Setembro de 2007, correspondendo a um Domingo, o A. prestou, por conta e direcção da Ré, no interesse exclusivo desta, trabalho das 09h00 às 15h00, no âmbito do Simpósio de ..., não tendo gozado o período de descanso compensatório – respostas aos quesitos 86.º e 87.º;

111 - No dia 7 de Outubro de 2007, correspondendo a um Domingo, o A. prestou, por conta e direcção da Ré, no interesse exclusivo desta, trabalho das 07h00 às 19h00, no âmbito do Congresso de Psiquiatria no …, não tendo gozado o período de descanso compensatório – respostas aos quesitos 88.º e 89.º;

112 - No dia 13 de Outubro de 2007, correspondendo a um Sábado, o A. prestou, por conta e direcção da Ré, no interesse exclusivo desta, trabalho das 09h00 às 21h00, no âmbito do Congresso de Psiquiatria no …, não tendo gozado o período de descanso compensatório – respostas aos quesitos 90.º e 91.º;

113 - No dia 14 de Outubro de 2007, correspondendo a um Domingo, o A. prestou, por conta e direcção da Ré, no interesse exclusivo desta, trabalho das 07h00 às 13h00, no âmbito do Congresso de Psiquiatria no …, não tendo gozado o período de descanso compensatório – respostas aos quesitos 92.º e 93.º;

114 - No dia 24 de Novembro de 2007, correspondendo a um Sábado, o A. prestou, por conta e direcção da Ré, no interesse exclusivo desta, trabalho das 09h00 às 17h00, no âmbito do Congresso …, não tendo gozado o período de descanso compensatório – respostas aos quesitos 94.º e 95.º;

115 – Provado que o A., no ano de 2008, auferia uma quantia mensal ilíquida de € 2.200,00, correspondendo € 1 824,48 ao vencimento e € 375,52 à Isenção do Horário de Trabalho – resposta ao quesito 96.º;

116 - No dia 26 de Janeiro de 2008, correspondendo a um Sábado, o A. prestou, por conta e direcção da Ré, no interesse exclusivo desta, trabalho das 09h00 às 21h00, no âmbito do Congresso de Psiquiatria na ..., não tendo gozado o período de descanso compensatório –respostas aos quesitos 97.º e 98.º;

117 - No dia 27 de Janeiro de 2008, correspondendo a um Domingo, o A. prestou, por conta e direcção da Ré, no interesse exclusivo desta, trabalho das 12h00 às 20h00, no âmbito do Congresso Psiquiatria na ..., não tendo gozado o período de descanso compensatório – respostas aos quesitos 99.º e 100.º;

118 - No dia 15 de Março de 2008, correspondendo a um Sábado, o A. prestou, por conta e direcção da Ré, no interesse exclusivo desta, trabalho das 09h00 às 17h00, no âmbito do Congresso …, não tendo gozado o período de descanso compensatório – respostas aos quesitos 101.º e 102.º;

119 - No dia 11 de Maio de 2008, correspondendo a um Domingo, o A. prestou, por conta e direcção da Ré, no interesse exclusivo desta, trabalho das 09h00 às 21h00, no âmbito do Medical Meeting …, não tendo gozado o período de descanso compensatório – respostas aos quesitos 105.º e 106.º;

120 - No dia 11 de Outubro de 2008, correspondendo a um Sábado, o A. prestou, por conta e direcção da Ré, no interesse exclusivo desta, trabalho das 09h00 às 21h00, no âmbito do Encontro Neurologia …, não tendo gozado o período de descanso compensatório – respostas aos quesitos 107.º e 108.º;

121 - No dia 12 de Outubro de 2008, correspondendo a um Domingo, o A. prestou, por conta e direcção da Ré, no interesse exclusivo desta, trabalho das 09h00 às 17h00, no âmbito do Encontro Neurologia ..., não tendo gozado o período de descanso compensatório – respostas aos quesitos 109.º 110.º;

122 - No dia 2 de Novembro de 2008, correspondendo a um Domingo, o A. prestou, por conta e direcção da Ré, no interesse exclusivo desta, deslocação em serviço das 20h00 às 23h00, no âmbito da Reunião Intercalar em ..., não tendo gozado o período de descanso compensatório – respostas aos quesitos 111.º e 112.º;

123 - No dia 8 de Novembro de 2008, correspondendo a um Sábado, o A. prestou, por conta e direcção da Ré, no interesse exclusivo desta, trabalho das 09h00 às 21h00, no âmbito do Encontro …, não tendo gozado o período de descanso compensatório – respostas aos quesitos 113.º e 114.º;

124 - No dia 9 de Novembro de 2008, correspondendo a um Domingo, o A. prestou, por conta e direcção da Ré, no interesse exclusivo desta, trabalho das 09h00 às 17h00 no âmbito da do Encontro ..., não tendo gozado o período de descanso compensatório – respostas aos quesitos 115.º e 116.º;

125 - No dia 28 de Fevereiro de 2009, correspondendo a um Sábado, o A. prestou, por conta e direcção da Ré, no interesse exclusivo desta, trabalho das 09h00 às 17h00, no âmbito do Congresso de Psiquiatria …, não tendo gozado o período de descanso compensatório – respostas aos quesitos 117.º e 118.º;

126 - Todo o referido trabalho foi efectuado por determinação da Ré, quer através do Dr. II, quer através dos superiores hierárquicos do autor, Srs. HH e DD – resposta ao quesito 119.º;

127 - O A. é uma pessoa diligente, zelosa, rigorosa e preocupada em fazer um bom trabalho, pretendendo sempre executar as tarefas que lhe foram sendo atribuídas com grande rigor e responsabilidade, tudo no melhor interesse da R. – respostas aos quesitos 120.º e 121.º;

128 - A conduta da Ré provocou ao Autor uma situação de grande nervosismo e de preocupação – resposta ao quesito 122.º;

129 - A retribuição auferida pelo Autor da Ré era a sua única fonte de sustento e do seu agregado familiar – resposta ao quesito 123.º;

130 - O seu despedimento foi do conhecimento de colegas, e de terceiras pessoas – resposta ao quesito 124.º;

131 - O Autor detinha uma Pós-graduação em ..., efectuada no ano de 2008, com a duração de oito meses e na qual tinha gasto de € 2.490,00 – resposta ao quesito 125.º;

132 - O Autor encontra-se afectado de uma reacção depressiva prolongada por ver o projecto da vida profissional em que acreditava ruir desta forma, necessitando de acompanhamento médico, com medicação, e psicológico – resposta ao quesito 126.º;

133 - Padece de perturbações do sono e precisa de ser medicado – resposta ao quesito 129.º;

134 - O local de trabalho do autor, desde o início da sua admissão, era em Coimbra – resposta ao quesito 132.º;

135 - Foi informado que seria contratado se residisse em Coimbra – resposta ao quesito 133.º;

136 - O Autor, nessa ocasião, informou que residia no Porto, mas que iria mudar brevemente a sua residência para Coimbra – resposta ao quesito 134.º;

137 - O Autor referiu ao Sr. HH que pernoitaria duas vezes por semana em Coimbra, já que se mantinha a residir no Porto – resposta ao quesito 136.º;

138 - Em reunião havida em Agosto de 2008, na presença de DD e HH, o Dr. II informou o Autor de que as despesas associadas à utilização da viatura de serviço cedida ao Autor representavam um acréscimo significativo de custos para a BB Portugal, comparativamente à média das despesas de igual natureza suportadas com os demais trabalhadores com idêntica actividade e informou também o Autor que, em virtude da elevada quilometragem da referida viatura, resultante dos trajectos diários de natureza pessoal entre Porto e Coimbra, a BB Portugal teria de pagar à JJ-Automóveis de Aluguer, S.A. um montante significativo, a título de revisão da renda ao abrigo do contrato de locação celebrado com esta sociedade – respostas aos quesitos 138.º e 139.º;

139 - O Autor declarou posteriormente ao Dr. II que não iria proceder a qualquer reembolso, o que veio a reiterar por meio de carta enviada à BB Portugal, datada de 08.10.2009, subscrita pela Dr.ª KK, em representação do Autor – resposta ao quesito 142.º;

140 - Era prática da Ré não suportar as despesas de combustível e portagens realizadas pelos seus trabalhadores em trajectos de natureza pessoal destes e só a partir de 14.02.2005 é que a Ré determinou que as portagens e combustíveis particulares dos seus delegados passassem a ser pagos por estes – respostas aos quesitos 144.º e 145.º;

141 - Tendo essa viatura I… já sido conduzida e utilizada por um outro trabalhador da Ré, chamado MM – resposta ao quesito 147.º;

142 - O Autor, no ano de 2008, percorreu com o veículo da Ré um total de 33.611 quilómetros particulares – resposta ao quesito 148.º;

143 - O Autor recusou assinar a proposta que lhe havia sido feita no sentido de pagar mensalmente a quantia de € 215,00 – resposta ao quesito 153.º;

144 - A Ré remeteu ao Autor a carta junta a fls. cujo teor se dá por reproduzido – resposta ao quesito 154.º;

145 - Foi emitida pela JJ a factura n.º ... no valor de € 7.973,10 – resposta ao quesito 155.º;

146 - A Ré enviou à JJ em 22.01.2009 uma carta e cheque no valor de € 16.789,00 para pagamento da factura referida em 155 — resposta ao quesito 156.º;

147 - O Autor não foi o único trabalhador da Ré a quem esta propôs o reembolso das despesas acrescidas resultantes do uso específico da viatura que é feito pelo trabalhador – resposta ao quesito 157.º;

148 - A Ré celebrou com a trabalhadora FF, em 24.11.2009, um acordo com vista ao reembolso de despesas da mesma natureza, tendo a trabalhadora reduzido a escrito o respectivo compromisso de pagamento – resposta ao quesito 158.º;

149 - O contrato de locação entre a JJ e a Ré foi celebrado pelo prazo de 36 meses e para a utilização por 90.000 km – resposta ao quesito 159.º;

150 - Foram celebrados contratos de locação entre a JJ e a Ré com as mesmas condições relativamente às viaturas dos demais trabalhadores da ré com funções análogas às do Autor – resposta ao quesito 160.º;

151 - A Ré decidiu locar um veículo que permitisse ao Autor percorrer 200.000 km sem acréscimo de custos para a Ré – resposta ao quesito 162.º;

152 - A Ré escolheu a gama da viatura a ceder ao Autor em função da quilometragem percorrida, sem agravamento do custo mensal, por comparação com o custo suportado com a locação dos veículos atribuídos aos restantes trabalhadores da Ré com actividade análoga à do Autor – resposta ao quesito 163.º;

153 - O Autor era o único colaborador da Ré que ainda não tinha a informação quanto aos novos conteúdos da comunicação promocional – resposta ao quesito 165.º;

154 - O pagamento da “meia diária” pressupõe a apresentação de uma nota de despesas comprovativa da realização daquela despesa de alimentação, o que tinha sido divulgado pela BB aos seus trabalhadores, incluído o Autor, no ano de 2005 – resposta ao quesito 166.º;

155 - A Ré pagava a “meia diária” se o trabalhador estivesse deslocado entre as 13h00 e as 14h00 ou entre as 20h00 e as 21h00 – resposta ao quesito 167.º;

156 - A Ré não possuía quaisquer instalações junto da zona de trabalho do Autor – resposta ao quesito 168.º;

157 - A Ré não obrigava a que o Autor deixasse o veículo automóvel nas suas instalações aos fins-de-semana e nas férias – resposta ao quesito 169.º;

158 - O Autor custeou as despesas de combustível e portagens decorrentes da utilização pessoal do automóvel atribuído – resposta ao quesito 170.º;

159 - Em relação ao fundo de pensões referido na alínea D), a Ré não efectuava qualquer pagamento directo ao Autor, mas ao Fundo de Pensão Aberto SGF Empresas Equilibrado – resposta ao quesito 171.º;

160 - O benefício a atribuir pelo mencionado Fundo de Pensão, sob a forma de capital ou renda, estava condicionado à reforma do beneficiário, ou seja, do Autor – resposta ao quesito 172.º;

161 - O Autor movimentou o Fundo de Pensão mencionado em 171 no dia 09 de Fevereiro de 2010, requerendo a transferência do mesmo para o Fundo de Pensões Aberto, gerido pela CGD Pensões – resposta ao quesito 173.º;

162 - Se o ‘plafond’ referido fosse ultrapassado, o Autor teria de proceder ao pagamento do excedente de chamadas efectuadas, fossem elas profissionais ou pessoais – resposta ao quesito 178.º;

163 - Aquando da atribuição do telemóvel, foi o Autor alertado quanto às regras de utilização do mesmo – resposta ao quesito 179.º;

164 - O veículo ..., atribuído ao Autor, era o único na frota em utilização pelos trabalhadores da Ré que apresentava quilómetros percorridos em cerca de duzentos – resposta ao quesito 182.º;

165 - Por carta datada de 08/10/2009, o Autor respondeu à nota de culpa – resposta ao quesito 184.º.

                                                               ___

Não se prefigurando qualquer das situações prevenidas no n.º 3 do art. 682.º do C.P.C., é com base neste quadro de facto que se vão resolver as questões suscitadas.

                                                                       ___

2.2 – Os Factos e o Direito.

 . – Do recurso independente.

Breve nota prévia:

O recorrente, visando, por certo, acautelar a eventual inadmissibilidade do recurso quanto aos segmentos decisórios do Acórdão revidendo em que houve confirmação do ajuizado na 1.ª Instância, deduziu oportunamente, em simultâneo com o recurso de revista ordinária, recurso de revista excepcional – cfr. fls. 1644.

O recurso foi admitido na Relação tão-só como de revista (nos termos gerais), sem qualquer outra menção – fls. 2090.

Porém, aquando da prolação do despacho a que alude o art. 652.º do C.P.C.[3], consignou-se (ut fls. 2103) que o recurso (independente) é de revista ‘normal’/nos termos gerais, significando-se assim, implicitamente embora – com a expressa alusão à inverificação de ‘dupla conforme’ e à existência de voto de vencido –, que excluído ficava o cenário da revista excepcional.

                                                                      ___

- Conhecendo.

As Questões:

1.ª

Das nulidades do Acórdão.

Como se deixou registado na precedente exposição, a Relação conheceu, na Conferência documentada a fls. 2079-2089, das identificadas nulidades assacadas à deliberação sujeita, julgando-as improcedentes, e indeferindo, do mesmo passo, a requerida rectificação.

Para a hipótese – verificada, como se viu – de o pedido de rectificação do acórdão recorrido não ser deferido pelo Tribunal a quo, o recorrente reedita a arguição dos mesmos pretensos vícios, previstos, em seu entender, na 1.ª parte da alínea c) e na 1.ª parte da alínea d), ambas do n.º 1 do art. 615.º do C.P.C.

(Correspondem-lhes as proposições conclusivas que integram os pontos I a XVIII do respectivo acervo).

 

Vejamos então.

Enfrentando esta pretensão, o Tribunal recorrido, na deliberação adrede produzida a fls. 2079-2089, considerou (transcrição parcial):

O art. 614.º do CPC dispõe, sob a epígrafe “ Rectificação de erros materiais”, o seguinte:

“1 - Se a sentença omitir o nome das partes, for omissa quanto a custas ou a algum dos elementos previstos no n.º 6 do artigo 607.º, ou contiver erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexactidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto, pode ser corrigida por simples despacho, a requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz.

2 - Em caso de recurso, a rectificação só pode ter lugar antes de ele subir, podendo as partes alegar perante o tribunal superior o que entendam de seu direito no tocante à rectificação.

3 - Se nenhuma das partes recorrer, a rectificação pode ter lugar a todo o tempo.”

Tal normativo é aplicável aos acórdãos proferidos pela Relação (artigo 666.º, n.º 1, do CPC).

Conforme se diz no Acórdão do STJ de 23/11/2011[4], “[h]á que distinguir, cuidadosamente, o erro material do erro de julgamento. O primeiro verifica-se quando o juiz escreveu coisa diversa do que queria escrever, quando o teor da decisão não coincide com o que o juiz tinha em mente exarar, quando, em suma, a vontade declarada diverge da vontade real. No segundo caso, o juiz disse o que queria dizer, mas decidiu mal, decidiu contra a lei expressa ou contra os factos apurados. Está errado o julgamento. Ainda que o juiz logo se convença de que errou, não pode socorrer-se do art. 667.° para emendar o erro.

Por outras palavras: é necessário que do próprio conteúdo da decisão ou dos termos que a precederam se depreenda claramente que se escreveu manifestamente coisa diferente do que se queria escrever: se assim não for, a aplicação do art. 667.°[5] é ilegal, pois importa evitar que, à sombra da mencionada disposição, o juiz se permita emendar erro de julgamento, espécie diversa do erro material.

Mais particularmente, quanto ao erro de cálculo, importa salientar que este erro há-de também evidenciar-se através a decisão ou das peças que a precederam.

O caso de erro de cálculo pressupõe que o juiz escreveu o que quis escrever, mas devia ter escrito coisa diversa. Errou as operações do cálculo, e porque as errou chegou a resultado diferente do que chegaria se as operações estivessem certas. Aqui o erro material ainda será, na maior parte dos casos, mais palpável do que na hipótese de simples erro de escrita” – cfr. “Código de Processo Civil Anotado”, 5.°, 132 a 134, do Prof. Alberto dos Reis, e RLJ, 87.°.

O art. 249º do Código Civil estatui: “O simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito à rectificação desta”.

Este normativo exprime um princípio geral aplicável a actos, quer judiciais, quer extrajudiciais – cfr. Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 10.10.2002, Revista n.°1950/02, 2º, Sumários, 10/2002.”

E mais à frente diz-se que “[o]s normativos dos arts. 666.º e 667º do Código de Processo Civil, conjugados com o art. 249º do Código Civil, não excluem que um ostensivo erro material, no caso um erro de cálculo, possa ser rectificado a todo o tempo.

Não se trata de um erro de julgamento, nem de interpretar uma decisão judicial numa perspectiva que demande um esforço interpretativo com apelo às normas da hermenêutica jurídica, mas antes de fazer coincidir num documento (decisão judicial) o que o juiz quis dizer, mas que, por erro, não disse, incorrendo num erro evidente ou lapso manifesto.

“ Lapso manifesto é, em princípio, aquele que de imediato resulta do próprio teor da decisão ou, no caso de elementos ou documentos inconsiderados, que de modo flagrante e sem necessidade de elaboradas demonstrações, logo revelem que só por si a decisão teria de ser diferente da que foi proferida” – Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 14.3.2006 – Proc. 05B3878 – in www.dgsi.pt.

No ensino do Professor Castro Mendes, in “Direito Processual Civil”, 1969, II, 313:

“Erro material ou lapso é a inexactidão ou omissão verificada em circunstâncias tais que é patente, através dos outros elementos da sentença ou até do processo, a discrepância com os dados verdadeiros e se pode presumir por isso uma divergência entre a vontade real do juiz e o que ficou escrito”.

No caso, em apreço, diremos que no que se refere ao primeiro erro material invocado, o mesmo inexiste.

Na verdade, devendo tal erro, como expusemos, ser revelado no contexto do acórdão, facilmente se constata que o acórdão se baseou, na sua decisão e no cálculo do valor do trabalho suplementar prestado, nos factos provados e elencados, quer na sentença, quer no acórdão.

Assim sendo, no contexto do acórdão, inexiste qualquer erro material quanto a esta questão, pelo que se indefere a invocada rectificação.

Já no que se refere ao segundo dos erros invocados – no dispositivo do acórdão não aparece autonomizado o pagamento da ‘meia-diária’ durante o período de suspensão disciplinar – diremos, desde já, que não assiste qualquer razão ao recorrente.

No dispositivo do acórdão exarou-se o seguinte:

Revogar a sentença recorrida, na parte em que não considerou o subsídio de alimentação (€ 15,50 diários) que o Autor deixou de auferir desde o despedimento até trânsito em julgado desta decisão, assim condenando a Ré ao seu pagamento”.

Ora, esta decisão teve em consideração o pedido pelo aqui reclamante nas suas alegações, maxime no ponto 47. das suas conclusões: “47. Verifica-se, assim, a total insubsistência do argumento do Tribunal a quo, pelo que se requer a revogação, nesta parte, da sentença e em sua substituição seja a R. condenada no pagamento ao A. de € 15,50 diários, a título de subsídio de alimentação, desde a data do despedimento ilícito e abusivo.”

Assim sendo, sem mais delongas, indefere-se a requerida rectificação. Aliás, diga-se, a existir tal omissão, a mesma não constituiria qualquer erro material.

AA veio ainda arguir as seguintes nulidades do acórdão:

a) – O Acórdão enferma da nulidade prevista na primeira parte da alínea c) do n.º 1 do artigo 615º do CPC - Existe uma oposição flagrante entre os fundamentos do acórdão e a liquidação do montante de € 6 309,06 referente ao trabalho suplementar;

b) - O Acórdão enferma da nulidade prevista na primeira parte da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC – Existe uma oposição manifesta entre os fundamentos do acórdão e as respectivas conclusões: reconhece ao trabalhador o direito ao pagamento da meia-diária durante o período de suspensão disciplinar, mas no segmento decisório não se condena a ré nesse pagamento;

c) - O Acórdão enferma da nulidade, por omissão de pronúncia, prevista na primeira parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC ou, se assim não se entender, por contradição entre os fundamentos e a decisão – primeira parte da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC –, uma vez que a ré deve ser condenada a pagar-lhe os montantes da retribuição por isenção de horário de trabalho.

    (…)

Decidindo:

O artigo 615º do CPC dispõe, sob a epígrafe “ Causas de nulidade da sentença”, o seguinte:

“1 - É nula a sentença quando:

a) (…);

b) (…);

c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;

d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…);

e) (…).”

Comecemos então por conhecer da primeira das nulidades invocadas: O Acórdão enferma da nulidade prevista na primeira parte da alínea c) do n.º 1 do artigo 615º do CPC - Existe uma oposição flagrante entre os fundamentos do acórdão e a liquidação do montante de € 6 309,06 referente ao trabalho suplementar.

A nulidade prevista na alínea c), n.º 1, do artigo 615.º do C.P.C., refere-se à nulidade da sentença «[q]uando os fundamentos estejam em oposição com a decisão». Esta nulidade da sentença ocorre quando os fundamentos invocados deveriam conduzir, num processo lógico, à solução oposta da que nela foi adoptada.

Como decorre do texto da referida alínea, só releva, para este efeito, a contradição entre a decisão e os respectivos fundamentos e não eventuais contradições entre fundamentos de uma mesma decisão, por um lado, ou contradição entre decisões, fundamentadas ou não, por outro.

E esta oposição também se não confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correta, a nulidade verifica-‑se[6].

Ora, no caso não existe qualquer contradição ou oposição entre a decisão e os seus fundamentos. Portanto, foi com base nos fundamentos – factos provados – que se decidiu. E os factos dados como provados, quer na sentença, quer no acórdão, conduzem à decisão que foi tomada.

Já agora esclarece-se que no que toca aos juros de mora o acórdão apenas foi chamado a pronunciar-se sobre os juros devidos pelo não pagamento dos salários intercalares (ponto 3.3.6.), tendo, quanto ao restante (ou seja, ao que não foi chamado a conhecer), mantido a sentença recorrida.

No que se refere à segunda das nulidades – o Acórdão enferma da nulidade prevista na primeira parte da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC: existe uma oposição manifesta entre os fundamentos do acórdão e as respectivas conclusões – reconhece ao trabalhador o direito ao pagamento da meia-diária durante o período de suspensão disciplinar, mas no segmento decisório não se condena a ré nesse pagamento –, diremos o seguinte:

Mais uma vez entendemos não se verificar a aludida nulidade.

 Na verdade, atendendo aos limites da condenação balizados pelo pedido (artigo 609.º, n.º 1, do CPC), a condenação em causa não poderia abranger o que agora é pretendido pelo recorrente. Na verdade, como já acima expusemos, esta decisão teve em consideração o pedido pelo aqui recorrente nas suas alegações, maxime no ponto 47. das suas conclusões: “47. Verifica-se, assim, a total insubsistência do argumento do Tribunal a quo, pelo que se requer a revogação, nesta parte, da sentença e em sua substituição seja a R. condenada no pagamento ao A. de € 15,50 diários, a título de subsídio de alimentação, desde a data do despedimento ilícito e abusivo.”

Assim sendo, inexiste a aludida nulidade.

Por último, alega o recorrente que o Acórdão enferma da nulidade, por omissão de pronúncia, prevista na primeira parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC ou, se assim não se entender, por contradição entre os fundamentos e a decisão – primeira parte da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC –, uma vez que a ré deve ser condenada a pagar-lhe os montantes da retribuição por isenção de horário de trabalho.

Adiantamos desde já que as nulidades invocadas não existem.

 Para o efeito, vejamos o que se escreveu no acórdão sobre a questão:

2.3.7. DO PAGAMENTO DA RETRIBUIÇÃO PELA ISENÇÃO DE HORÁRIO DE TRABALHO ABUSIVAMENTE RETIRADA A PARTIR DE MAIO DE 2009.

Diz o recorrente que “ bem andou o Tribunal ao considerar que a supressão da retribuição pela isenção de horário de trabalho era ilícita e abusiva, porque desprovida de fundamento e inserida numa estratégia serpentina da R. de assédio moral do A., como retaliação pelos pedidos de esclarecimento sobre condições de trabalho e sobre direitos laborais.

Ora, sucede que a R. ainda se encontra em situação de incumprimento contratual, relativamente aos montantes em falta, desde Maio de 2009 e até à data da decisão do despedimento. Assim, independentemente das indemnizações legalmente devidas por força da ilicitude do despedimento, estamos aqui perante um dano patrimonial autónomo, que deve ser ressarcido integralmente ao abrigo do n.º 1 do art. 389.º do CT.

Assim, entende o recorrente que o Tribunal a quo deve condenar a R. no pagamento dos montantes em falta.”

A Recorrida contra-alega dizendo que este pedido não foi formulado na petição inicial.

Acrescenta que «no âmbito da petição inicial, o Apelante manifestou uma pretensão bem diferente, que, e citamos, “o Tribunal condene a Ré a indemnizar A. do valor pecuniário da Isenção de Horário de Trabalho, abusivamente retirado desde Maio de 2009 inclusive, no valor mensal não inferior a 10 vezes o valor de € 396,85, ou seja € 3.968,50 por cada mês em que não recebeu essa quantia, ao abrigo dos n.º 1, a) e d); n.º 2, a) e b); n.º 3 e n.º 5 do art. 331.º do CT 2009.” (alínea E) dos pedidos formulados na petição inicial).

Ora, este pedido é bastante distinto do que o Apelante ora formula nas suas alegações de Recurso.

Se não, vejamos:

Sucede que a R. ainda se encontra em situação de incumprimento contratual, relativamente aos montantes em falta, desde Maio de 2009 e até à data da decisão do despedimento. Assim, independentemente das indemnizações legalmente devidas por força da ilicitude do despedimento, estamos aqui perante um dano patrimonial autónomo que deve ser ressarcido integralmente, ao abrigo do n.º 1 do art. 389.º do CT.

Assim, entende o recorrente que o Tribunal a quo deve condenar a R. no pagamento dos montantes em falta.”

Ou seja, o aqui Apelante pretende que o Tribunal ad quem se pronuncie sobre algo que não deduziu oportunamente, dado que não suscitou esta questão na fase dos articulados.

Ora, como estatui o artigo 264.º, n.º 2, do Código de Processo Civil – princípio dispositivo – o juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes”.

Acresce que, como a Apelante bem sabe, à luz do disposto no artigo 664.º do Código de Processo Civil, o tribunal de Recurso não pode conhecer da matéria que não tenha sido articulada e peticionada pelas partes em 1ª instância, o que desde já se requer para os devidos e legais efeitos.

Por outro lado, no que diz respeito ao peticionado pelo Apelante na petição inicial de condenação da Apelada numa indeminização de valor pecuniário mensal não inferior a 10 vezes o valor de € 396,85, ou seja € 3.968,50 por cada mês em que não recebeu essa quantia, a sentença recorrida decidiu o seguinte: O Autor sustenta que a retirada da isenção do horário de trabalho, a atribuição de uma viatura de gama inferior e falta de pagamento das meias-diárias” constituem sanções pecuniárias abusivas, pelo que pretende o pagamento de uma indemnização correspondente a dez vezes os montantes perdidos. Neste particular, não concordamos com o enquadramento jurídico defendido pelo Autor. O poder disciplinar é o ‘poder de predispor e aplicar - através de procedimento próprio - medidas coactivas adequadas (sanções disciplinares) aos trabalhadores cuja conduta prejudique ou ponha em perigo a empresa ou não seja adequada à correcta efectivação dos deveres contratuais’.

O poder disciplinar destina-se a fazer face a situações de responsabilidade disciplinar, ou seja, a actuações do trabalhador em violação da relação laboral e consiste na faculdade, atribuída ao empregador, de aplicar, internamente, sanções aos trabalhadores cuja conduta conflitue com os padrões de comportamento da empresa ou se mostre inadequada à correcta efectivação do contrato.

A enumeração das sanções previstas no art. 328.º, n.º 1, do C. Trabalho é exemplificativa, uma vez que a lei admite outras sanções mas estabelecidas apenas pelo instrumento colectivo de trabalho (n.º 2). Portanto, as situações acima referidas, não obstante terem reflexos directos sobre as condições económicas do trabalhador, não podem ser consideradas sanções pecuniárias.

Ora, uma vez que o Apelante não recorre deste segmento da sentença recorrida, esta questão já transitou em julgado não se admitindo pedidos novos formulados a este respeito (vide artigo 497.º n.º 1 do Código de Processo Civil).»

Concordamos com a posição aqui assumida pela recorrida e com os seus argumentos.

Constata-se efectivamente que este pedido, ou esta questão, nunca foi suscitada pelo recorrente na fase dos articulados. Além do mais, o pedido formulado sob a alínea E da petição inicial é diverso do agora formulado nas alegações.

Estamos, assim, perante uma questão nova.

Como "questões novas" entendem-se aquelas que, colocadas ao tribunal de recurso, não tenham merecido pronúncia por parte do tribunal a quo, sendo indiferente que essa omissão provenha de insuficiência alegatória da parte, nos seus articulados, ou do mero silêncio do órgão recorrido, posto que, nesta última hipótese, o vício da omissão de pronúncia não haja sido atempadamente invocado[7].

Os recursos são meios de impugnação de decisões com vista ao reexame da matéria apreciada pela decisão recorrida.

Como já se deixou exarado, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (artigos 684.º, n.º 3 e 685.º-A, n.ºs 1 e 4, ambos do Código de Processo Civil), só abrangendo as questões que nelas se contêm, ainda que outras tenham sido afloradas nas alegações propriamente ditas, salvo tratando-se de questões que o tribunal deva conhecer oficiosamente (art. 660.º, n.º 2, “ex vi” do art. 713.º, n.º 2, do mesmo C.P.C.).

Assim sendo, sem prejuízo destas últimas questões, o tribunal de recurso não deve conhecer de matéria que não tenha sido suscitada no tribunal recorrido e de que, por isso, este não cuidou nem tinha que cuidar. Na verdade, os recursos visam apenas modificar as decisões impugnadas mediante o reexame das questões nelas equacionadas e não apreciar matéria nova sobre a qual o tribunal recorrido não teve ensejo de se pronunciar.

Como refere ABRANTES GERALDES[8],“A diversidade de graus de jurisdição determina que, em regra, os tribunais superiores apenas devam ser confrontados com questões que as partes discutiram em momentos próprios.”

Por fim, para não sermos fastidiosos sobre esta questão, deixamos aqui o sumário de dois Acórdãos do STJ, sobre a questão.

O primeiro, refere que “As questões novas não podem ser apreciadas no recurso, quer em homenagem ao princípio da preclusão, quer por desvirtuar a finalidade dos recursos, pois estes destinam-se a reapreciar questões e não a decidir questões novas, por tal apreciação equivaler a suprimir um ou mais órgãos de jurisdição.”[9]

O segundo, diz que “Os recursos destinam-se à apreciação de questões já antes levantadas e decididas pelo tribunal recorrido e não a provocar decisões sobre questões que não foram antes submetidas ao contraditório e decididas pelo tribunal recorrido, a menos que se trate de questões de conhecimento oficioso.”[10]

Acontece que a recorrente nunca levantou na primeira instância a questão que agora suscita nas alegações de recurso.

Na verdade, nunca nos articulados ou em outro qualquer momento anterior às alegações de recurso o recorrente suscitou esta questão. Se atentarmos, descobriremos que o Autor defendeu que o “cartão de crédito” constituía uma prestação de natureza retributiva e, como tal, nesse pressuposto, peticionou a sua disponibilização, conforme se pode colher dos pontos “2 a)” da petição inicial.

Por essa razão, nunca o Tribunal a quo se pronunciou sobre a questão, nem a Ré teve a oportunidade de exercer o respectivo contraditório. E tal questão, a ser suscitada, teria de ser naquela instância e no momento adequado, conforme subjaz dos artigos 489.º, n.º 1 e 493.º, n.ºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil.

Tendo em conta, o atrás mencionado, não temos dúvidas em afirmar que estamos perante uma “questão nova”, nunca suscitada no Tribunal recorrido, razão pela qual o seu conhecimento é inadmissível e este Tribunal de Recurso não conhecerá da mesma.

Ademais, como salienta a recorrida, a sentença recorrida segmentariamente decidiu pela não verificação das sanções pecuniárias abusivas. Tal questão, por que não objecto de recurso, transitou em julgado, pelo que colide com o agora pretendido.

Assim sendo, no Acórdão considerou-se que estávamos perante uma questão nova e, além do mais, o pedido formulado sob a alínea E da petição inicial é diverso do formulado nas alegações. Ora, se assim é, não existe qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão, nem existe qualquer omissão de pronúncia, já que o acórdão se pronunciou sobre a questão.

Pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

a) – Em indeferir a rectificação do acórdão.

b) – Em julgar improcedentes as arguidas nulidades do Acórdão.

(Fim da transcrição).

Isto posto.

Procedemos à (extensa) transposição da deliberação do Tribunal recorrido que conheceu do pedido de rectificação e das arguidas nulidades porque dela consta uma circunstanciada análise dos argumentos debitados pelo postulante, e, outrossim, a sua bem fundada refutação, com a qual integralmente se concorda, por isso a ratificando, nada mais, de relevante, se nos afigurando dever aditar-lhe.

(A manifestada dissensão com o sentido decisório do acórdão sob protesto não pode significar, sem mais, a existência dos arguidos vícios, que não lográmos identificar, sendo as pretensas nulidades coisa distinta do (eventual) erro de julgamento, este sim impugnável nesta sede e por esta via).

Soçobram, consequentemente, as correspondentes asserções conclusivas.

                                                                      ___

2.ª

Da natureza retributiva das contribuições da R. para o Fundo de Pensões.

Como plasma na ‘conclusão’ XX do alinhamento respectivo, o recorrente pretendia a declaração judicial de que a contribuição efectuada mensalmente pela ré, em seu nome, para um fundo de pensões – destinado a assegurar o pagamento de complementos de pensão de reforma por velhice ou invalidez… – constituía uma parcela da retribuição auferida pelo seu trabalho.

Ter-se-á assim afrontado o disposto nos n.ºs 2 e 3 do art. 258.º do Cód. Trabalho.

Ademais, remata, ainda que não se confira natureza retributiva a essas contribuições para o Fundo de Pensões, …sempre teria o recorrente que ser indemnizado relativamente às contribuições devidas durante a subsistência do contrato de trabalho, até à sua efectiva cessação e que ainda não foram pagas.

(A esta temática respeitam as proposições conclusivas seguintes, até à XXXIII).

Conferindo o que se alega, constata-se que o Acórdão sub specie não deu provimento ao recurso, nessa parte, confirmando a decisão da 1.ª instância no sentido negativo, seja, de que tal benefício, destinado a proporcionar um complemento de reforma ao trabalhador, não tem carácter retributivo.

O Acórdão em crise – convocando os fundamentos expendidos na sentença, a síntese das posições contrapostas dos litigantes sobre a questão, bem como o entendimento conforme da doutrina, v.g., o preconizado por Pedro Furtado Martins[11] – ratificou o juízo naquela firmado, em termos que também concitam o nosso sufrágio.

Com efeito (premissas lógico-jurídicas estruturantes):

- Conforme factos assentes (cfr. itens 159 e 160 da FF[12]), da integração do A. num Fundo de Pensões apenas resultaria um benefício futuro, em forma de capital ou renda, condicionado contudo à verificação de um evento remoto e incerto (a reforma do beneficiário), sendo que a R. não efectuava qualquer pagamento directo ao A.

- Resulta do Dec.-Lei n.º 12/2006, de 20 de Janeiro, (cfr., v.g., seus arts. 2.º, 6.º/1, 9.º e 24.º/2) que são distintas as noções de ‘participante’  e ‘beneficiário’ do Fundo.

Enquanto o primeiro é ‘a pessoa singular em função de cujas circunstâncias pessoais se definem os direitos consignados no plano de pensões (…) independentemente de contribuir ou não para o seu financiamento’, o beneficiário é a pessoa singular ‘com direito aos benefícios estabelecidos no plano de pensões (…), tenha ou não sido participante’.

Deste modo – como bem se considerou, v.g., no Acórdão deste Supremo Tribunal e Secção, tirado na Revista n.º 354/11.3TTVCT.S1, de 21.1.2014, em que interviemos enquanto Adjunto – o direito aos benefícios previstos no plano deriva da ocorrência das chamadas ‘contingências’ (pré-reforma, reforma antecipada, reforma por velhice ou invalidez e a sobrevivência). É a verificação (de alguma) desta/s que gera o direito e não a mera obtenção da qualidade de ‘participante’.

Assim, na economia do diploma, a compreensão do que sejam ‘direitos adquiridos’ demanda que se tenha presente a referida distinção conceptual entre as duas figuras.

Perante, por exemplo, as alterações ao contrato constitutivo ou aos regulamentos de gestão dos Fundos (…que não podem reduzir os ‘direitos adquiridos’ à data da alteração, se existirem – art. 9.º/1), tais ‘direitos’ não têm o mesmo conteúdo do ‘direito aos benefícios’ derivados dos Fundos.

Os chamados ‘direitos adquiridos’ reportam-se aos casos em que se mantém a situação jurídica do participante no Fundo (independentemente do facto/contingência que desencadeia/gera futuramente a atribuição dos benefícios previstos).

Em tais casos, a situação jurídica do ‘participante’ não se extingue com a cessação do vínculo, podendo a mesma ser transmissível (n.º 2 da mesma norma).

Como no referido Aresto se ajuizou, é para essas situações que o diploma reserva o conceito de ‘direitos adquiridos’, inerente ao facto de os participantes verem a sua expectativa titulada, independentemente do vínculo com o associado inicial do fundo, o que não ocorre nas situações de mera participação no fundo.

Por isso se entende – acertadamente, como cremos – que o direito aos benefícios do plano são direitos in fieri (em formação), só surgindo na esfera jurídica do seu titular com a ocorrência da ‘contingência’ que gera a respectiva constituição, v.g. a reforma do trabalhador.

Constituindo-se – no período que intercorre desde a integração no Fundo até a ocorrência futura da condição que gera o direito aos respectivos benefícios – mero titular de uma expectativa jurídica, que não do direito às prestações, não se detecta consistência jurídica atendível na pretensão de querer ver nas contribuições do empregador para o Fundo uma prestação retributiva indirecta, em benefício do trabalhador.

- Considerando a lei como retribuição (art. 258.º do Cód. Trabalho) a prestação a que o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho – nela se compreendem, além da retribuição base, as prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie, presumindo-se constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador –, não caberiam na dimensão normativa da previsão, mesmo na perspectiva de prestações indirectas, as contribuições feitas pelo empregador ao Fundo em causa (que, além de não serem feitas ao trabalhador, sempre teriam de assumir feição de contrapartida da prestação do trabalho).

Em suma:

As contribuições da R. para o identificado Fundo não têm, como dilucidado, feição retributiva.

Acresce, noutro plano de significação, que as prestações ao Fundo, por banda do empregador, efectuadas (ou devidas) durante a constância da relação laboral, não configuram a existência de um qualquer dano sofrido pelo A. – sem mais e à míngua de qualquer materialidade adrede alegada/provada –, sendo falho de fundamento, por isso, o pretenso direito a uma qualquer indemnização, pretensão que, aliás, não se vê que tivesse sido concretamente formulada antes.

Assim – perante a falência das razões que enformam as correspondentes proposições conclusivas – conclui-se, como se adiantou, que bem se ajuizou no acórdão revidendo quanto a esta temática.

                                                                       ___

3.ª

Da natureza (não) retributiva dos prémios regulares.

(O prémio qualitativo referente ao ano de 2009).

Como o recorrente alega, a decisão da 1.ª Instância não lhe conferiu o reclamado pagamento do prémio regular qualitativo referente ao ano de 2009, absolvendo a R. de tal pedido.

O Acórdão sujeito confirmou esse juízo, nos termos que se resumem (transcrição parcial):

(…)

«No que concerne a estes prémios ficou provado que …’o pagamento do prémio de produtividade dependia da avaliação de desempenho do trabalhador no período a que fazia referência’ (51) e que ‘o A., caso atingisse os objectivos estabelecidos, recebia um prémio qualitativo anual e um prémio quantitativo trimestral, sendo que a média anual do A., nos últimos 5 anos, ascendia a € 5.932,13’ (62).

Com base nestes factos a sentença recorrida conclui que …’o A. não podia antecipadamente contar que lhe atribuíssem esse prémio, o que dependia de conseguir atingir determinados objectivos’ e, como tal, …’a atribuição do ‘prémio de produtividade’ anual e trimestral dependia de determinados pressupostos e critérios estabelecidos pela Ré, pelo que não tinha carácter regular e muito menos permanente.’

De acordo com o disposto na alínea c) do n.º 1 do art. 260.º do Cód. Trabalho não se consideram retribuição as prestações decorrentes de factos relacionados com o desempenho ou mérito profissionais, bem como a assiduidade do trabalhador, cujo pagamento, nos períodos de referência respectivos, não esteja antecipadamente garantido.

No caso, a atribuição dos prémios de produtividade, anual e trimestral, estavam dependentes da verificação de determinados circunstancialismos – dependia da avaliação de desempenho do trabalhador no período a que fazia referência –, razão pela qual, não ocorrendo estes circunstancialismos, o prémio não era atribuído. Não é assim um prémio permanente e imutável.

(…)

Salienta Joana Vasconcelos que os prémios a que se refere a alínea c) do n.º 1 do art. 260.º do Cód. Trabalho …’referem-se ao desempenho ou ao mérito do trabalhador, que visam, primeiro, estimular e encorajar e, depois, recompensar. E apesar de revestirem inegável carácter sinalagmático, a principal função que desempenham obsta à sua qualificação retributiva, pois resultaria frustrada pela irreversibilidade e pela irredutibilidade desta resultante.’

(…)

É lógico que com o afastamento do trabalhador da execução do contrato de trabalho ficou afastado da possibilidade de poder preencher aqueles condicionalismos de que dependia a atribuição dos aludidos prémios. Todavia, nesta situação, a existir um dano, ele será o chamado dano de ‘perda de chance’ ou de oportunidade. Dano esse que não foi alegado, nem os autos permitem, face à ausência de elementos, perfectibilizar qualquer cômputo.

Assim sendo, improcede, também nesta parte, o recurso.»

E, logo a seguir, pronunciando-se acerca da sub-questão de saber se era devido ao A. o prémio qualitativo do ano de 2009, fez reporte à tese do aí apelante para concluir que… ‘pelas razões explanadas no ponto anterior a questão ora em apreço terá de improceder’.

Os argumentos contrapostos então (…e agora) pelo recorrente não desvirtuam o entendimento eleito, que sufragamos.

Tratando-se de uma prestação específica, dependente do preenchimento de requisitos pré-estabelecidos (avaliação de desempenho/alcance dos objectivos), que poderiam ou não, no final do período temporal respectivo, ser alcançados, excluída estava a antecipada garantia do direito ao seu pagamento[13].

A lei retira-lhe expressamente a natureza retributiva – art. 260.º, n.º 1, c), do Cód. Trabalho: não se consideram retribuição (c) as prestações decorrentes de factos relacionados com o desempenho ou mérito profissionais, bem como a assiduidade do trabalhador, cujo pagamento, nos períodos de referência respectivos, não esteja antecipadamente garantido.

Só assim não será – o disposto na alínea c) do n.º 1 não se aplica… – se verificado o condicionalismo previsto no n.º 3, a), da norma, cenário que não se invocou oportunamente nem se desenha sequer…

E sendo a função principal de tal prestação condicional – como o postulante expressamente reconhece – a de premiar a produtividade e o desempenho profissional dos trabalhadores, num ciclo temporal anual, com a sua atribuição dependente, além do mais, de uma avaliação de desempenho, conceder-se-á que não colhe o entendimento preconizado no sentido de que, no contexto delineado, a pretendida atribuição era obrigatória.

 

(Anote-se que o adrede ajuizado no acórdão invocado pelo recorrente como fundamento para ilustrar uma pretensa contradição de julgados, no âmbito do prefigurado cenário da revista excepcional, se insere num contexto diverso, de acidente de trabalho, em que pontifica/va uma noção mais abrangente da retribuição, nos termos do aí convocado art. 26.º, n.ºs 1 e 4, da LAT, Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro).

A suspensão do trabalhador a partir de Setembro de 2009 e o seu subsequente despedimento, inviabilizando embora que se esgotasse o período de referência respectivo e, consequentemente, o cumprimento da condição da atribuição do prémio em causa, a ter provocado uma situação de dano, essa configuraria – como bem se considerou – o chamado dano da ‘perda de chance’ ou de oportunidade, de cujos contornos os autos não exibem vestígios de facto relevantes.    

(A ressarcibilidade do dano, no âmbito do invocado art. 389.º/1 do Cód. Trabalho, sempre demandaria, além  da sua alegação, a demonstração da sua existência, de verificação condicionada).

Diga-se, por fim, que os quatro meses de suspensão, correspondentes ao tempo que completaria o referido período de referência, para o efeito, a R. apenas estava obrigada à manutenção do pagamento da retribuição, nos termos do n.º 5 do art. 329.º do Cód. Trabalho. E, pelo que se deixou dito, a retribuição devida não contempla/va o pretendido prémio.

                                                                        ___

4.ª

Da indemnização substitutiva da reintegração.

Esta questão é comum ao recurso subordinado e pressupõe, por imperativo lógico, a prévia pronúncia sobre outra questão, que também integra o objecto do recurso interposto pela Ré, a atinente ao carácter abusivo do despedimento.

Por aqui se prossegue, pois, desta se conhecendo, desde já.

As Instâncias coincidiram no juízo posto em crise.

O acórdão revidendo – depois de desenhar adequadamente o quadro normativo de subsunção, a que nos reportamos –, convoca os segmentos estruturantes da sentença que sindicou, que ratifica, para, neles apoiada, proclamar a sua concordância.

Porque, no essencial, a fundamentação expendida (e a solução eleita) concitam igualmente o nosso sufrágio, transcrevemos, em síntese parcial, os momentos marcantes da mesma. (A extensão da transcrição visa a comodidade e facilidade de compreensão).

Assim:

“Nesta questão está em causa a classificação como sanção abusiva, nos termos do art. 331.º, n.ºs 1 e 2 do Cód. Trabalho, para o efeito indemnizatório previsto nos n.ºs 3 e 4 do mesmo normativo.

(…)

O empregador tem de ponderar, na aplicação de sanções, a gravidade da infracção e o grau de culpa do trabalhador, tendo em conta todas as circunstâncias atenuantes do caso concreto, valendo uma regra de proporcionalidade, nos termos do art. 330.º/1 do Cód. Trabalho. (…)

O poder disciplinar não pode ser entendido como um poder absoluto e arbitrário da empresa. (…)

Desde logo, o exercício do poder disciplinar só é lícito se estamos perante a prática de uma infracção disciplinar, traduzida na violação culposa dos deveres laborais do trabalhador.

 Assim, actua de forma abusiva o empregador que aplica uma sanção disciplinar a um trabalhador que exerce um direito próprio ou que desobedece a uma ordem ilegítima, ou reclama contra uma situação discriminatória.

Tendo em conta a desigualdade de poder entre empregador e trabalhador, e a susceptibilidade de utilização do poder disciplinar, por parte do empregador, para outros fins, por exemplo, de retaliação ou perseguição de trabalhadores, e não para a punição do incumprimento culposo de deveres laborais ou para o restabelecimento do equilíbrio da organização, a lei classifica como abusiva a sanção nas situações previstas no art. 331.º do Cód. Trabalho, que consagra presunções de abusividade, ilidíveis mediante prova do contrário (art. 350.º/2 do Cód. Civil), recaindo o ónus da prova na empresa.

‘1 - Considera-se abusiva a sanção disciplinar motivada pelo facto de o trabalhador:

d) - Em geral, exercer, ter exercido, pretender exercer ou invocar os seus direitos ou garantias.

2 – Presume-se abusivo o despedimento ou outra sanção aplicada alegadamente para punir uma infracção, quando tenha lugar: a) até seis meses após qualquer dos factos mencionados no número anterior; b) até um ano após a reclamação ou outra forma de exercício de direitos relativos a igualdade e não-discriminação.’

(…)

O fundamento desta categoria legal de sanções reside no facto de o empregador utilizar o seu poder disciplinar para fins diferentes da punição de infracções laborais, visando prejudicar e perseguir o trabalhador, silenciá-lo, ou ver-se livre dele, unicamente pelo facto de o considerar uma pessoa incómoda. Trata-se de manobras intimidativas da entidade empregadora para obstar ao livre exercício de direitos.

Como se diz no Acórdão do STJ de 16.12.2010, “a ratio legis do carácter abusivo da sanção reside na natureza persecutória da punição, ou seja, no facto da verdadeira razão da aplicação da sanção se situar fora da punição da conduta ilícita e culposa do trabalhador.”

A alínea d) do n.º 1 do art. 331.º do Cód. Trabalho materializa um princípio que tem expressão, entre outros, na alínea a) do n.º 1 do art. 129.º do mesmo Código, que proíbe expressamente ao empregador ‘opor-se, por qualquer forma, a que o trabalhador exerça os seus direitos, bem como despedi-lo, aplicar-lhe outras sanções ou tratá-lo desfavoravelmente por causa desse exercício’.

(…)

Será, em regra, muito difícil ao trabalhador fazer a prova do elemento subjectivo (a intenção persecutória ou de retaliação).

Por isso, a lei presume o carácter abusivo da sanção sempre que, em termos temporais ou cronológicos, o procedimento disciplinar seja intentado após o trabalhador ter reclamado direitos, dispensando o trabalhador da prova do elemento subjectivo, ou seja, de que a empresa visa, não sancionar uma infracção disciplinar cometida pelo trabalhador, mas antes responder ao exercício, pelo trabalhador, dos seus direitos.

Em resultado da presunção, inverte-se o ónus da prova do carácter abusivo da sanção aplicada, em benefício do trabalhador. Nesse sentido, o empregador, para ilidir a presunção legal, terá de provar que a sanção disciplinar aplicada teria lugar mesmo que o trabalhador não tivesse reivindicado os seus interesses.

Assim, para que uma sanção disciplinar se possa qualificar de abusiva, é necessário que se prove, ou se presuma, uma relação directa de causa-efeito entre uma situação enquadrável numa das quatro alíneas referidas do art. 331.º/1 do Cód. Trabalho e a sanção disciplinar.

No caso sub judice está em causa a situação descrita na alínea d) do n.º 1 do art. 331.º do Cód. Trabalho: exercer, ter exercido, pretender exercer ou invocar os seus direitos e garantias.

Ora, conforme se consigna na sentença, …

”Em 20 de Março de 2009, o A. manifestou, por escrito, ao Director-Geral da Ré, desconforto e preocupação acerca da forma discriminatória como o contrato tem sido cumprido por este.

Esclareceu que desde Junho de 2008 se sentia pressionado para alterar as condições inicialmente contratadas e acordadas e que regem a forma como presta o seu trabalho em função da sua residência.

Declarou que ‘não foi isso que acordámos e não me satisfaz a solução apresentada, até porque a mesma se referia a uma viatura que já não se encontrava atribuída à minha pessoa, pois como sabe foi interveniente num sinistro e em consequência perdida para a função’.

Mais referiu que se sentia vítima de discriminação, por ter sido deliberado atribuir-lhe um veículo … 50 e, no entanto, recebeu, ao contrário dos colegas, uma viatura V…, modelo P... …, desprovida de elementos básicos de conforto de utilização e segurança das versões normais.

No dia 1 de Abril de 2009 enviou ao Sr. Dr. II mais um e-mail através do qual reclamou o pagamento de trabalho realizado em dias de descanso semanal/feriados desde 12 de Maio de 2004.

E, como acima referimos, em 29.07.2009, o A. enviou outro e-mail ao Director-Geral, reclamando pela situação que considerava injusta e ilegal, ou seja, por não lhe ser pago o trabalho suplementar.

Por conseguinte, o despedimento, fundamentado nesta última comunicação, devidamente contextualizada pelo A., é manifestamente abusivo.

De qualquer modo, tendo o A. sido despedido no prazo de um ano após ter reclamado por estar a ser vítima de discriminação no que respeita à viatura, o que era perfeitamente fundamentado atendendo à forma como eram atribuídos os veículos aos delegados e à entrega ao A. de um V… P..., quando todos os colegas receberam um V…, presume-se abusivo.

E nem se diga que esta presunção foi ilidida porque a Ré, ao atribuir ao A. uma viatura VW P..., ao invés do prometido V…, pretendia rectificar uma situação desigual em relação aos colegas do A., que não excediam a quilometragem acordada com a locadora.

Como ficou claramente provado, a Ré aceitou, desde o início do contrato, que o A. permanecesse a residir no Porto, assumindo este o pagamento do combustível e portagens das deslocações entre o Porto e Coimbra e nunca lhe impôs qualquer limitação de quilómetros.

Durante cinco anos essa foi a situação vivenciada pelo A. e nunca a Ré exigiu a sua alteração.

Em 2009, a Ré pretendeu modificar esse acordo no sentido de o A. passar a pagar cerca de € 215 para custear os quilómetros a mais, o que não foi aceite por este, razão pela qual resolveram atribuir-lhe, ao contrário do que era expectável e do que aconteceu com os demais colegas, uma viatura de uma gama significativamente inferior.

O conflito entre as partes gerou-se em virtude desta discordância em relação ao pagamento daquela quantia e agudizou-se com a atribuição ao A. de uma viatura VW P... em vez do …50 e com a reclamação por parte deste sobre o pagamento do trabalho suplementar.

Estamos, assim, perante um caso de despedimento abusivo (…)”.

Para refutar a alegação da recorrente (concretamente quando diz que para que se possa configurar a existência de sanção abusiva é necessário que o trabalhador alegue e prove a legitimidade das reclamações por si feitas, o que, na sua óptica, não se verificou), a deliberação em crise volta ao texto da sentença.

Nestes termos:

‘Acontece que esta pretensa não-comprovação das reclamações efectuadas pelo A. não é inteiramente rigorosa. Na verdade, refere-se na sentença recorrida – e esta parte não foi objecto de impugnação – que

(…)

‘Resulta da experiência de vida que o veículo, para os Delegados de Informação Médica, para além de ser um “instrumento” de trabalho, pois as deslocações são inerentes ao exercício das suas funções, deve ter condições de segurança e faz parte da “imagem” do trabalhador.

As circunstâncias em que foi efectuada a entrega da viatura P... ao Autor — numa reunião em frente de todos os colegas que receberam um veículo de marca V…— são claramente humilhantes para um Delegado de Informação Médica.

É que no local de trabalho, os colegas do A. sabiam que a viatura que o A. deveria conduzir era um V…..50, à semelhança destes, e não uma viatura VW P..., sem fecho centralizado nem vidros eléctricos.

Em Maio de 2009, e na sequência das referidas reclamações do Autor a propósito da viatura P... e do pagamento de trabalho suplementar, a Ré retirou ao Autor a isenção do horário de trabalho, deixando de lhe pagar a partir dessa data a quantia mensal de € 396,85 que entregava aquele título, alegando redução de actividade.

Autor e Ré, por acordo escrito, declararam que aquele ficaria isento de horário de trabalho — art. 218.º e 219.º do C. Trabalho — sendo devida uma retribuição de € 396,85 (v. art. 265.º do C. Trabalho).

A isenção não prejudica o direito ao dia de descanso semanal, obrigatório ou complementar, a feriado ou a descanso diário — v. art. 219.º, n.º 3, do C. Trabalho.

Considerando que não foi alterado o horário de trabalho do Autor, a falta de pagamento do subsídio de isenção do horário de trabalho com o fundamento na redução, por parte deste, da actividade, o que não ficou provado, é ilegal.

Desde o ano de 2004 o Autor levava a viatura automóvel atribuída pela Ré para férias, em Espanha, não lhe tendo sido imposto ou recomendado qualquer limite de quilómetros, desde que feitos em território nacional.

O Autor, ao contrário do que sempre sucedeu, foi proibido pela Ré de levar a viatura para as férias com a família, em Espanha, apesar de saber que era do interesse dele.

Este conjunto encadeado de comportamentos da Ré, a partir da altura em que o Autor se recusou a pagar os “quilómetros a mais” e a reclamar pelo pagamento do trabalho prestado em dias de descanso semanal, afectou a sua integridade moral, e, por isso, configura uma situação de assédio moral (…)”.

De qualquer forma, sempre acrescentaremos, que para que esteja preenchido o elemento subjectivo – intenção persecutória ou de retaliação –, não é necessário que os direitos reclamados pelo trabalhador sejam judicialmente exigíveis.

«A especial censurabilidade da conduta da entidade patronal, no caso das sanções abusivas, radica no abuso do direito que resulta da utilização do poder disciplinar para fins diversos dos visados pelo legislador quando outorgou esse poder à entidade patronal, como sucede quando esta o utiliza não para sancionar verdadeiras infracções disciplinares mas para fins de retaliação contra trabalhadores que ousaram reivindicar direitos que estavam convencidos que lhes assistiam, sendo indiferente que os direitos reclamados sejam, ou não juridicamente exigíveis.»[14]

Assim sendo, independentemente de o Autor ter ou não razão ou de os direitos reclamados serem ou não judicialmente exigíveis, verifica-se o elemento objectivo do conceito de sanção abusiva, uma vez que as reclamações do Autor onde invocava os seus direitos e se dizia vítima de discriminação, teve o seu epílogo em 29/07/2009, conforme se deixou acima exarado, tendo no dia 2 de Setembro desse mesmo ano sido instaurado contra o Autor um procedimento disciplinar, visando o despedimento, o qual culminou com o despedimento deste.

“A existência do elemento objectivo do conceito de sanção abusiva permite presumir, por força da lei, o elemento subjectivo ou a intenção retaliadora da empresa, cabendo à empresa o ónus da prova de demonstrar, em Tribunal, a ausência desta intenção, ou seja, que o poder disciplinar foi aplicado dentro dos seus limites funcionais e que teria tido lugar mesmo que o trabalhador não tivesse reclamado os seus direitos.”[15]

Acontece que a recorrente não logrou ilidir a presunção de que o despedimento era abusivo – derivada das alíneas a) e b) do nº 2 do artigo 331.º do CT – em virtude de o mesmo ter tido lugar durante o período até seus meses e de até um ano após a reclamação do Autor ter invocado os seus direitos e garantias, bem como o exercício de direitos relativos a igualdade e não discriminação, ou seja, não logrou demostrar que o despedimento não ocorreu por força de uma intenção persecutória ou de retaliação, face às reclamações efectuadas pelo trabalhador.

E não se venha com o argumento de que se assim fosse, todos os despedimentos declarados ilícitos teriam de revestir carácter abusivo, uma vez que a ilicitude do despedimento nem sequer ocorreu por uma questão de desproporcionalidade entre os factos imputados e a sanção aplicada, mas sim, pela inexistência de qualquer ilicitude no comportamento do trabalhador.

Assim sendo, mantemos o carácter abusivo do despedimento, pelo que, nesta parte, improcede o recurso.”

 

Falecem, pois, os argumentos ora contrapostos pela Ré.

A recorrente, em rectas contas, tendo consentido, no início da relação juslaboral sujeita, o recuo do A. (que residia e sempre residiu na cidade do Porto) relativamente ao compromisso por si assumido de alteração da sua residência para Coimbra – como factualizado, v.g., nos pontos 2 e 53 da FF: ‘[a]pós ter assinado o contrato de trabalho e no decurso do período experimental, o Autor comunicou à Ré que, por razões familiares, teria de se manter a residir no Porto, o que foi aceite por esta – pretendeu rectificar posteriormente (…as imprevistas ou mal calculadas consequências daí resultantes), propondo ao A. soluções alternativas, que viu rejeitadas.

 E, convivendo mal com esta situação, optou pela adopção das descritas medidas (…retirada da isenção do horário de trabalho, com eliminação do pagamento mensal da correspondente quantia, atribuição, nas narradas circunstâncias, de um veículo diferenciado, de gama notoriamente inferior, etc.), que, concatenadas, integraram, no contexto, a conduta que as Instâncias interpretaram e subsumiram certeiramente. 

Soçobram, pois, as correspondentes proposições conclusivas constantes do respectivo alinhamento.

                                                                      ___

Retomamos a questão epigrafada (do ‘quantum indemnizatur’).

Enquanto o A./recorrente reclama pela sua graduação em nível superior ao estabelecido, a Ré pede a sua fixação no limite mínimo (15 dias, caso logre provimento a tese sobre o carácter não abusivo do despedimento, ou 30 dias, no caso contrário, por, como alega, ser reduzidíssima a ilicitude da sua conduta).

Tudo visto.

A esta temática se dirigem as conclusões LVII a LXXIV do alinhamento da síntese recursória do A/recorrente. E as conclusões GG. a LL do recurso subordinado.

O recorrente propugna, a final, no sentido de que – contrariamente ao ajuizado na deliberação sob protesto – a indemnização em causa seja graduada numa proporção superior à simples média aritmética dos limites previstos no art. 392.º, n.º 3, ex vi do art. 331.º, n.º 4, do Cód. Trabalho.

No acórdão em crise, depois de se ter consignado que a Ré também discordava do montante que a sentença estabeleceu em 45 dias de retribuição base mensal ilíquida, escreveu-se a este respeito, no que essencialmente importa reter:

(…)

A sentença recorrida declarou que o despedimento do Autor foi ilícito e abusivo e, em consequência, condenou a Ré a pagar-lhe a indemnização fixada em 45 dias de retribuição base mensal ilíquida por cada ano completo ou fracção de antiguidade.

(…)

No caso o Autor declarou optar pela indemnização em substituição da reintegração.

Todavia, tendo o despedimento do trabalhador sido declarado abusivo, a indemnização é determinada entre 30 e 60 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude decorrente da ordenação estabelecida no art. 381.º - arts. 331.º, n.º 4, 392.º, n.º 3, 391.º, n.º 1 e 381.º, todos do Cód. Trabalho.

O A. foi admitido ao serviço da R. em 18.5.2004 e o contrato terminou no dia 29.12.2009.

O A auferia como retribuição base, na altura do despedimento, a quantia mensal de € 1 928,15.

Há assim que proceder à graduação do número de dias de retribuição a atender por cada ano, uma vez que a moldura legal se encontra fixada entre 30 e 60 dias, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude decorrente da ordenação estabelecida no art. 381º.

Quanto ao critério da retribuição, entendem uns que ele não constitui verdadeiramente nenhuma indicação, sendo irrelevante enquanto tal; enquanto outros opinam no sentido de que ela deve ser tomada na razão inversa da sua grandeza, isto é, quanto menor for a retribuição auferida pelo trabalhador, maior deve ser o número de dias a atender no cálculo da indemnização e quanto maior for a retribuição auferida, menor deverá ser o número de dias a graduar entre os 14 e os 45, de modo que um trabalhador que aufira uma retribuição próxima do nível do salário mínimo deverá ser contemplado com uma indemnização calculada com base num número de dias perto do máximo.

Cremos que esta segunda interpretação, a de dar relevo ao montante da retribuição auferida, deverá ser a seguida, pois algum sentido há-de ter o critério, sendo certo que na interpretação das normas sempre teremos de atender à presunção constante do art. 9.º do Cód. Civil.

Quanto ao grau de ilicitude, o mesmo é o que decorre da ordenação estabelecida no art. 381.º, ou seja, o respectivo grau atinge a sua plenitude quando está em causa um despedimento devido a motivos políticos, ideológicos, étnicos ou religiosos, ainda que com invocação de motivo diverso, indo diminuindo a mesma conforme estejamos perante um despedimento em que o motivo justificativo do despedimento for declarado improcedente; se não for precedido do respectivo procedimento e em caso de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante ou de trabalhador durante o gozo de licença parental inicial, em qualquer das modalidades, se não for solicitado o parecer prévio da entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres.

Há quem defenda que, além dos já referidos critérios da retribuição e do grau de ilicitude, a outros se poderia atender, como sejam a idade, as habilitações e a experiência e o currículo profissionais.

Seja com for, certo é que na determinação do montante da indemnização de antiguidade há que atender ao critério da retribuição auferida pelo trabalhador e ao grau de ilicitude do despedimento, como se referiu.

Analisando os factos provados, verificamos que o A. auferia a retribuição base de € 1 928,15 e a ilicitude do seu despedimento deriva do respectivo motivo justificativo ter sido declarado improcedente, sendo certo que, no que concerne ao carácter abusivo do despedimento, o mesmo já foi tido em consideração na agravação da moldura do quantum indemnizatório.

Ora, assim, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude do despedimento, o qual se situa no segundo patamar do escalão previsto no art. 381.º do Cód. Trabalho, entendemos por adequado, proporcional e justo, fixar o montante em quarenta e cinco dias de retribuição base e diuturnidades, no caso, uma retribuição de € 2 892,22, sendo certo que não se procede a qualquer cálculo, uma vez que se desconhece quando a decisão transitará em julgado.

Assim sendo, mantemos, nesta parte, a sentença recorrida, julgando ambos os recursos improcedentes no que a esta questão concerne.

O que contrapõe, de novo, o recorrente?

Basicamente acha que o acórdão recorrido não valorou devidamente a ilicitude da conduta da Ré, desconsiderando, por um lado, a natureza abusiva do despedimento e não ponderando criticamente o grau de culpa do empregador, enquanto, por outro lado, sopesou negativamente o factor retribuição (havida por relativamente elevada).

Tudo revisto.

Como flui da lei, a indemnização em substituição da reintegração há-de ser graduada, determinando-se o seu montante entre dois limites pré-estabelecidos.

 Qual o critério que preside a tal juízo de graduação do ‘quantum indemnizatur’?

Atende-se ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude decorrente da ordenação estabelecida no artigo 381.º, considerando-se, para o efeito, todo o tempo decorrido desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial – art. 391.º, n.ºs 1 (2.ª parte) e 2 do Cód. Trabalho.  

É entendimento firmado neste Supremo Tribunal e Secção que os dois referidos vectores de aferição têm uma escala valorativa de sentido oposto, isto é: enquanto o factor retribuição é de variação inversa (quanto menor for o valor da retribuição, mais elevada deve ser a indemnização), a ilicitude é factor de variação directa (quanto mais elevado for o seu grau, maior deve ser a indemnização.

Da ordenação estabelecida no art. 381.º resulta, pela sequente ordem alfabética, que o caso sujeito se enquadra na alínea b), segunda das quatro situações previstas, escalonadas em função do grau/intensidade da ilicitude, reservada a primeira para os casos em que o despedimento, ainda que com invocação de motivo diverso, tenha sido determinado por razões de ordem política, ideológica, étnica ou religiosa.

O critério não se altera nas circunstâncias em que o despedimento/sanção seja considerado abusivo: apenas a moldura/latitude da graduação da indemnização é agravada, conforme decorre do estatuído no n.º 4 do art. 331.º do Cód. Trabalho, ou seja, os limites previstos de 15-45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano de antiguidade/fracção, passam a ser de 30-60 dias, não podendo a indemnização ser inferior ao valor correspondente a seis meses de retribuição base e diuturnidades – arts. 392.º/3, ex vi do art. 331.º, n.ºs 3 e 4 do Cód. Trabalho.

(Não diverge deste quadro hermenêutico a fundamentação jurídica que suporta o juízo em crise).

Voltemos aos argumentos do recorrente.

Diremos, quanto ao primeiro (a indevidamente valorada ilicitude da conduta da Ré):

Ante a reclamação do postulante, quanto a este ponto, importará proceder então a uma contextualização abrangente, embora pouco mais que esquemática, analisando e interpretando os factos mais relevantes, desde a génese do convénio até à eclosão da crise contratual.

Detemo-nos nos antecedentes coevos do início da relação e no seu desenvolvimento subsequente, porquanto, na nossa análise, os mesmos estão, subliminarmente, na origem da latente tensão que, em crescendo, acabou por despoletar a causa-próxima da ruptura do vínculo.

Assim:

Sem embargo do reiterado juízo de que o cominado despedimento assumiu a feição de um despedimento abusivo, à motivação/actuação da Ré – no balanço axiológico relevante – não terá sido alheia a circunstância, (…que acabou por aceitar), de o A., aquando do convite para trabalhar para a Ré na zona de Coimbra (meados de 2004 – item 2 da FF), se ter comprometido a passar a ter residência nessa cidade…zona geográfica onde lhe competia exercer as funções contratadas.

(O local de trabalho do A., desde o início da sua admissão, era em Coimbra, tendo então sido informado de que seria contratado se residisse em Coimbra; o A. informou nessa ocasião que residia no Porto, mas que iria mudar brevemente a sua residência – items 133-135 da FF).

Mas após ter assinado o contrato de trabalho – e no decurso do respectivo período experimental – o A. comunicou à R. que, por razões familiares, teria de se manter a residir no Porto…o que foi aceite por esta.

Ficou porém expressamente acordado que o A. pagaria as despesas de deslocação entre as duas cidades, no que se refere exclusivamente a combustível e portagens, assumindo a R. todos os custos com a viatura, incluindo o aluguer e a respectiva manutenção – items 53 e 54 da FF.

(Em reunião havida em Agosto de 2008, o Dr. II informou o A. de que as despesas associadas à utilização da viatura de serviço que lhe estava cedida representavam um acréscimo significativo de custos para a R. comparativamente à média das despesas de igual natureza suportadas com os demais trabalhadores com idêntica actividade e informou também o A. de que, em virtude da elevada quilometragem da referida viatura, resultante dos trajectos diários de natureza pessoal entre Porto e Coimbra, a ‘BB Portugal’/R. teria de pagar à ‘JJ – Automóveis de Aluguer, S.A.’ um montante significativo, a título de revisão da renda ao abrigo do contrato de locação celebrado com esta sociedade.

E o A. declarou, posteriormente, ao Dr. II, que não iria proceder a qualquer reembolso, o que reiterou por meio de carta enviada à R. através da advogada que interveio em sua representação – items 138 e 139 da FF).

Era prática da R. não suportar as despesas de combustível e portagens realizadas pelos seus trabalhadores em trajectos de natureza pessoal destes, tendo sido determinado por esta que, a partir de 14.2.2005, tais despesas passassem a ser encargo dos seus delegados.

Em virtude das despesas de aluguer acrescidas, pelo alegado excesso de quilómetros percorridos pelo A. na viatura que lhe estava atribuída, a R. pagou à ‘LL’, em 2006, a quantia de € 2 557,19).

O Director-Delegado da Ré, numa reunião – e sob a justificação de que a viatura conduzida pelo A. tinha quilómetros a mais – pretendeu que este assinasse um acordo escrito que versava sobre a utilização da viatura e que se consubstanciava numa responsabilização pecuniária para este último no montante de cerca de € 215,00 mensais, proposta que o A. recusou.

Depois do acidente (o A. teve um acidente de viação grave, com a viatura que lhe estava distribuída, em Outubro de 2008, tendo a mesma sido dada para perda total), o Director-Delegado da R., Dr. II, voltou a pressionar o A. para que este assinasse a declaração acima referida, atinente à utilização da viatura, dando este a entender ao Gestor de Área que se sentia pressionado sobre esse assunto – items 7, 68 e 73 da FF.

Estes factos deixam perceber – sem grande dificuldade, como convimos – que realmente o A. protagonizava, relativamente à sua empregadora e demais colegas de profissão, uma postura diferenciada, que, embora não a justificando, explica por que motivo a situação se precipitou.

Ora, no exercício de ponderação/valoração da ilicitude da conduta da Ré e do correlativo juízo crítico acerca do seu grau de culpa, não podem desconsiderar-se estes precedentes de contexto, que, de algum modo e medida, condicionam, nolens-volens, a sua motivação.

Acrescendo a isso a ponderação (mitigada) do segundo vector do critério legal – a que não vemos que tenha sido dada qualquer desproporcionada relevância –, diremos que bem se ajuizou, encontrando-se, em prudente equanimidade, um valor justamente graduado para a conferida indemnização.

Soçobram, por isso, as proposições conclusivas correspondentes. E, por lógica decorrência, não colhem igualmente as razões que enformam as correlatas conclusões recursórias do acervo constante do recurso subordinado.

                                                                       ___

5.ª

Da natureza retributiva do uso do automóvel.

O acórdão sob impugnação confirmou o sentenciado na 1.ª Instância, que não reconheceu tal natureza ao uso da viatura, no pressuposto entendimento de que se tratava de uma utilização profissional, com tolerância, dentro de determinados limites, do seu uso pessoal.

Acha o postulante que o Tribunal a quo procedeu a uma errada interpretação e aplicação do disposto nos arts. 258.º/3 do Cód. Trabalho, em conjugação com os arts. 350.º/1, 344.º e 342.º/1 do Cód. Civil.

Vejamos com que fundamentação se ajuizou na deliberação sujeita.

 Começando por invocar o que na sentença se consignou sobre o assunto, escreveu-‑se a fls. 99-100 da peça/fls. 1433-1434 dos autos:

(Da sentença) …”O A. realizava diariamente deslocações profissionais nas quais utilizava a viatura atribuída pela R. para promover, dentro da zona geográfica atribuída, a apresentação e divulgação de informação técnica e científica dos produtos comercializados.

A viatura é essencial ao desempenho da actividade profissional de um delegado de informação médica e, no caso concreto, era igualmente necessária para o A. se deslocar diariamente entre a residência, no Porto, e a zona geográfica de Coimbra, custeando as despesas de combustível e portagens decorrentes dessa utilização pessoal.

A Ré não possuía quaisquer instalações junto da zona de trabalho do A. e não obrigava a que este deixasse o veículo automóvel nas suas instalações aos fins-de-semana e nas férias.

Portanto, a primeira conclusão que se extrai desta factualidade é que o A. não logrou provar que a atribuição da viatura foi feita a título de contrapartida da sua prestação laboral, ao serviço da R.

Pelo contrário, tendo ficado demonstrado que a utilização da viatura de serviço a título pessoal foi tolerada pela R., atendendo às mencionadas circunstâncias, a presunção legal foi afastada. Assim sendo, a utilização do veículo nas deslocações entre a residência e o local de trabalho, aos fins-de-‑semana, férias e feriados, não constitui um direito do trabalhador, ou seja, não corresponde a qualquer benefício económico integrante da sua retribuição”.

E prossegue:

‘Para a resolução desta questão devemos para aqui transportar tudo o que afirmámos no ponto anterior, aqui aplicável.

(No ponto precedente versou-se a questão de saber se o telemóvel e a internet integravam a retribuição do A./recorrente, tendo-se concluído, após pertinente fundamentação, que …[n]a verdade, também a nós se nos afigura que a atribuição de telemóvel e de ligação à internet visava uma utilização profissional, sendo igualmente tolerado pela Ré, dentro de determinados limites, um uso pessoal, o que é normal nas empresas, sem que tal signifique tratar-se de uma retribuição em espécie.

a motivação da atribuição de tais bens foi a necessidade própria da função e não constitui contrapartida da prestação laboral, ficando assim ilidida a presunção que poderia resultar da regularidade das prestações em causa”.

Assim sendo, tendo em atenção que ficaram provados os seguintes factos:

48 – Encontrava-se atribuída ao A. uma determinada zona geográfica, dentro da qual tinha que se deslocar com vista ao desempenho da sua actividade;

49 – Como delegado de informação médica competia ao A. promover, dentro da zona geográfica atribuída, a apresentação e divulgação de informação técnica e científica junto da classe médica, farmacêutica e entidades paramédicas, dos produtos comercializados pela Ré;

53 – Após ter assinado o contrato de trabalho e no decurso do período experimental, o A. comunicou à Ré que, por razões familiares, teria de se manter a residir no Porto, o que foi aceite por esta;

54 – Ficou expressamente acordado que o A. pagaria as despesas de deslocação pessoais entre as duas cidades, no que se refere exclusivamente a combustível e portagens, assumindo a Ré todos os restantes custos com a viatura, incluindo o aluguer e a respectiva manutenção;

57 – O Autor tinha a viatura para uso total, sem limite de quilómetros, cuja utilidade económica se reputa não poder ser inferior a € 622,12 mensais, correspondendo a um ...;

63 – A prática existente desde Maio de 2004 até Julho de 2008 foi a de a Ré suportar o aluguer e manutenção da viatura automóvel que era usada pelo Autor e no mesmo período a prática era a do Autor pagar combustível e portagens;

70 – Desde o ano de 2004 o Autor levava a viatura automóvel atribuída pela Ré para as férias, em Espanha; 

71 – Não tendo imposto ou recomendado qualquer limite de quilómetros, desde que feitos em território nacional;

72 – A Ré nunca definiu ou impôs qualquer limite de quilómetros pessoais ou profissionais para as viaturas que atribuía aos seus colaboradores;

140 – Era prática da Ré não suportar as despesas de combustível e portagens realizadas pelos seus trabalhadores em trajectos de natureza pessoal destes e só a partir de 14.02.2005 é que a Ré determinou que as portagens e combustíveis particulares dos seus delegados passassem a ser pagos por estes;

156 – A Ré não possuía quaisquer instalações junto da zona de trabalho do Autor; 

157 – A Ré não obrigava a que o Autor deixasse o veículo automóvel nas suas instalações aos fins-de-semana e nas férias;

158 – O Autor custeou as despesas de combustível e portagens decorrentes da utilização pessoal do automóvel atribuído.

Assim, sem esquecer o que exaramos nos pontos anteriores, diremos que destes factos, salvo melhor opinião, não vislumbramos que outra melhor interpretação exista que não seja a feita pela sentença recorrida. Na verdade, também a nós se nos afigura que a atribuição da viatura o foi para uma utilização profissional, atenta a especificidade das funções do trabalhador, sendo igualmente tolerado pela Ré, dentro de determinados limites, um uso pessoal. Não pode assim ser considerada como parte integrante da retribuição.”

A esta argumentação e juízo contrapõe o recorrente basicamente, para ilustrar a tese da errada interpretação e aplicação das sobreditas normas, que, de tais factos e da prova documental junta pelo A. (doc. 31, com a P.I.) e pela R. (doc. 4, com a contestação) não se pode aceitar que a R. tenha cumprido o seu ónus, com êxito, pelo que a conclusão deveria ser a de que estamos perante uma verdadeira prestação retributiva.

E argumenta, em conformidade, enfatizando concretamente um ou outro ponto de facto, dos adrede identificados supra, v.g. o teor do item 156, contrapondo que não é daí que se pode concluir que o uso total da viatura seria uma mera liberalidade.

Convindo que realmente a R. até podia determinar previamente que a viatura fosse para uso exclusivamente profissional, pretende o postulante que, não o tendo aquela feito, não se pode presumir que tenha tolerado o uso total – cfr. ponto 106 das suas alegações.

Independentemente da maior ou menor ênfase que se possa conferir pontualmente a uma qualquer das narradas situações de facto, diremos, pela nossa banda, que, do seu uso total, nas descritas circunstâncias de facto, é igualmente tão (ou mais) plausível que não se pode presumir que a utilização da viatura tivesse feição retributiva, ou seja, que fosse contrapartida da prestação contratada. A reversibilidade do argumento é, no mínimo, óbvia.

Dos documentos a que se reporta, constam instruções genéricas de uso (dos diversos instrumentos de trabalho), perfeitamente compreensíveis no âmbito de uma normal gestão de meios, (que vão desde a utilização do cartão de crédito, às notas de despesas, aos investimentos promocionais), não resultando da circunstanciada descrição procedimental, atinente à utilização do veículo, a pretendida feição retributiva.

(Note-se que desse procedimento consta expressamente que a diferença entre os quilómetros percorridos na viatura e os percorridos em serviço são considerados quilómetros particulares, com o custo do combustível correspondente a ser suportado pelo colaborador/empregado – e o A. custeava as despesas de combustível e portagens decorrentes da utilização pessoal da viatura atribuída).

[Aliás, o recorrente não pode ignorar a posição por si assumida desde os primórdios do contrato, no que tange à condição de residência (…compromisso de passar a residir em Coimbra, zona de trabalho para onde foi admitido, que depois não cumpriu, residindo sempre na cidade do Porto), circunstância que desde cedo contendeu com a utilização do veículo de serviço atribuído, gerando um contencioso surdo com o empregador por causa dos excessos de quilometragem e consequentes encargos acrescidos, suportados pela R., e pela situação diferenciada que isso constituía relativamente aos outros trabalhadores, seus colegas de actividade].

Concluindo-se, nas Instâncias, concretamente no acórdão sub specie, que a utilização da viatura de serviço em termos de uso total, não tem, in casu, natureza retributiva – antes constituiu mera tolerância ou liberalidade do empregador –, fez-se uma adequada interpretação da factualidade relevante e uma correcta aplicação das identificadas normas de subsunção.

O juízo alcançado corresponde à orientação que tem sido seguida neste Supremo Tribunal, em cujos termos tal atribuição constitui ou não retribuição consoante se prove (ou não) que o empregador ficou vinculado a efectuar essa prestação.

(É abundante e uníssona a jurisprudência produzida sobre a temática, como pode ver-se pela recensão feita no Acórdão desta Secção, de 30.4.2014, tirado na Revista n.º 714/11.0TTPRT.P1.S1, a que nos reportamos).

Não merece censura ou reparo, pois, o ajuizado acerca da natureza não retributiva do uso (particular) da viatura automóvel.

Assim, não se acolhe o argumentário que enforma as correlatas proposições de síntese, formuladas pelo impetrante.

                                                                       ___

6.ª

Da natureza retributiva do uso do telemóvel e da internet.

O acórdão revidendo confirmou o juízo plasmado na sentença em cujos termos se considerou que a atribuição de telemóvel e de ligação à Internet visavam apenas uma utilização profissional, compatível com a sua utilização, dentro de determinados limites, para uso pessoal.

O recorrente discorda, entendendo, como antes, que se procedeu a uma errada interpretação e aplicação das normas de significação já identificadas.

Diremos – adiantando – que valem genericamente para o presente efeito, mutatis mutandis, as considerações jurídicas precedentes.

Consideradas as circunstâncias factuais da sua utilização, o telemóvel e a ligação à Internet não assumem a pretendida natureza de prestação/contrapartida retributiva.

Não se vislumbra que a sua utilização para fins pessoais assuma autonomia relativamente ao seu uso no exercício funcional, desde logo porque, como factualizado, o A. não só foi alertado, aquando da atribuição do telemóvel, para as regras da sua utilização, como se constata que se o plafond, para uso total, fosse ultrapassado, o A. tinha de pagar o excedente das chamadas efectuadas, fosse qual fosse a sua natureza. 

Sendo, antes de mais, um imprescindível instrumento de trabalho (por evidência clara, decorrente das actuais formas de comunicação, em geral, e, concretamente, por via das específicas funções contratadas), não se vê, que, no caso, a atribuição em causa possa ser computada como uma qualquer componente da retribuição devida pela prestação do trabalho.

Estabelecido pelo empregador um limite mensal para a sua utilização, havido por bastante para cobrir, em regra, as necessidades atinentes ao exercício da actividade profissional do A., ficava-lhe confiada a respectiva gestão, sem discriminação entre o uso pessoal e/ou profissional: todavia, se excedido o plafond pré-determinado, o A. suportava o respectivo pagamento.

Perfeitamente razoável admitir-se, pois, que se porventura o uso profissional ficasse aquém do limite, o remanescente não era mais do que uma liberalidade de conforto para o colaborador/empregado.

Não sendo uma prestação negociada (…nem ‘ex lege’) enquanto componente retributiva, nem decorrendo, por definição dos termos da sua utilização, que redundasse (sempre e necessariamente) numa vantagem patrimonial para o utilizador/trabalhador, não só não constitui ‘retribuição’, nos termos do n.º 1 do art. 258.º do C.T., como excluída/ilidida fica a presunção a que alude o n.º 3 da mesma norma.

Em suma: há-de reconhecer-se, como convimos, que o (eventual) benefício excedente da necessária utilização profissional ‘plafonada’ desses dois ‘instrumentos’ (telemóvel e Internet) não pode, em bom critério, ser havido como contrapartida ou prestação expectável devida por via da actividade contratada.

                                                                      ___

7.ª

Dos juros das retribuições intercalares.

Reage o recorrente contra o segmento do acórdão revidendo que, concedendo parcial provimento à apelação da Ré, revogou a sentença na parte atinente à condenação no pagamento dos juros de mora relativos às retribuições intercalares, contados desde o vencimento de cada uma das parcelas. E determinou que, em sua substituição, a respectiva contagem se fizesse a partir do trânsito em julgado da decisão.

O assim ajuizado estribou-se na seguinte fundamentação (transcrição parcial):

(…)

“A regra ‘in illiquidis non fit mora’, acolhida na primeira parte do n.º 3 do art. 805.º citado, justifica-se na medida em que não é razoável exigir ao devedor que cumpra, enquanto não souber qual o montante ou o objecto exacto da prestação que deve realizar…

(…)

Ora, a ilicitude do despedimento confere ao trabalhador uma indemnização, a determinar entre quinze e quarenta e cinco dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo… – art. 391.º, n.º 1.

Nesse contexto, o valor da indemnização devida pela ilicitude do despedimento só se torna líquida com o trânsito em julgado da decisão do tribunal, pelo que os respectivos juros de mora só devem ser contados desde então.

E a razão de ser reside no facto de que o Cód. Trabalho estabelece uma moldura dentro da qual a indemnização pode, em larga margem, variar, não permitindo ao devedor, antes de transitada em julgado a decisão, saber quanto deve…

O mesmo se passa com as retribuições intercalares, pelo que os respectivos juros de mora só devem ser contados a partir do trânsito em julgado da decisão do tribunal.

Assim sendo, procede parcialmente o recurso da Ré, nesta parte.”

Tudo visto.

Se é pacífico o entendimento, no que tange à indemnização devida pelo despedimento ilícito, de que não há mora até à determinação, graduável, do ‘quantum indemnizatur’ – juízo proclamado, com que se concorda, mas que aqui se não questiona –, dissentimos da extensão de igual critério, sem mais, às retribuições intercalares.

Com efeito:

É jurisprudência firmada neste Supremo Tribunal e Secção – como se reitera, v.g. no recente Acórdão de 11.2.2015, tirado na Revista n.º 575/08.6TTVLR.P1.S1, na peugada, inter alia, do Aresto de 18.6.2014, tirado na Revista n.º 5115/07.1TTLSB.L1.S1, citado pelo recorrente – que, sempre que o devedor tenha forma de conhecer e liquidar os quantitativos peticionados e já vencidos, se encontra em mora desde o vencimento das prestações.

Como se escreveu no identificado Aresto de 18.6.2014, a disciplina geral sobre o momento da constituição em mora consta do art. 805.º do Cód. Civil.

Por regra, o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir.

Há, porém, mora, independentemente da interpelação, se a obrigação tiver prazo certo – n.º 2, a), do art. 805.º.

No caso, tratando-se de condenação em retribuições vincendas (ou de tramitação), a pretensa iliquidez (in illiquidis non fit mora), mesmo no caso de haver deduções a fazer, é meramente aparente.

Isto porque à quantia final devida a tal título (mera operação aritmética resultante do valor da retribuição mensal vezes o número de meses intercorrentes no período temporal por que deve ser paga), a R. apenas tem o direito de deduzir as importâncias que o trabalhador tenha comprovadamente obtido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento, além da dedução do montante do subsídio de desemprego auferido, se for caso disso…deduções abatíveis cuja existência/quantitativos cumpriria ao empregador ter alegado/demonstrado.

Não aduzindo a R. razões donde se depreenda que não dispunha de elementos para determinar, ano a ano, no período em causa, o valor das retribuições intercalares, constituiu-‑se em mora desde o vencimento de cada uma das prestações em dívida.

(Não vemos, por isso, motivo bastante para nos desviarmos da bondade deste entendimento, proclamado, em termos clarividentes, no Acórdão deste Supremo Tribunal de 18 de Janeiro de 2006 e secundado, jurisprudencialmente, entre outros, nos Arestos identificados na breve recensão constante do Acórdão de 18.6.2014, já referido).

Procede, nesta parte, a reacção do recorrente, não podendo manter-se o decidido em contrário no acórdão recorrido.

                                                                         ___

8.ª

Do pagamento do descanso compensatório por prestação de trabalho suplementar.

Insurge-se o recorrente, sob esta rubrica, contra o segmento do acórdão sujeito que determinou que a quantia devida ao A. a título de descanso compensatório pela prestação do trabalho suplementar se cifrava em € 3.802,69, reduzindo-a contudo ao valor de € 1.929,11, por corresponder ao montante que havia sido peticionado na petição inicial, atento o disposto no art. 661.º do C.P.C./1961 (correspondente ao actual art. 609.º do C.P.C.).

E argumenta – invocando, em respaldo, um Acórdão deste Supremo Tribunal/Secção – que o entendimento sufragado no acórdão em crise assenta numa errada interpretação e aplicação do aludido art. 661.º, uma vez que os limites da condenação têm de ser entendidos como referidos ao pedido global e não às parcelas em que aquele valor se desdobra.

Vejamos.

No acórdão sob censura, depois de se ter liquidado o montante devido a título do reclamado trabalho suplementar (€ 6 309,06), considerou-se o também peticionado direito ao gozo de um descanso compensatório retribuído quando o trabalho suplementar seja prestado em dia de descanso semanal obrigatório, complementar ou dia feriado, previsto nas cláusulas identificadas. E liquidou-se o respectivo valor, que, nas contas feitas, correspondeu ao montante de € 3 802,69… “cujo, por força do pedido formulado pelo autor, se reduz para a quantia de € 1 929,11, nos termos do art. 661.º, n.º 1, do C.P.C., sendo certo que não nos encontramos perante direitos indisponíveis (art. 74.º do C.P.T.).

Em suma, a título de trabalho suplementar e descanso compensatório a Ré terá de pagar ao Autor a quantia de € 8 238,17.”

(Este montante corresponde à soma das duas parcelas: trabalho suplementar e descanso compensatório pedido – € 6 309,06+€ 1 929,11).

Estamos cientes de que se decidiu bem.

Dispõe-se no n.º 1 do art. 609.º do C.P.C. que a decisão não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir.

Estando fora de causa que os valores reclamados respeitam a direitos disponíveis, temos igualmente por certo que um (trabalho suplementar) e outro (descanso compensatório) não são uma e a mesma coisa.

A prestação de trabalho suplementar não confere necessariamente direito ao descanso compensatório (retribuído), como é patente, não sendo de todo rigoroso, por isso, falar-se de ambos como referidos a um pedido global, proprio sensu, enquanto constituído pelas várias parcelas em que o mesmo se desdobra.

Limitado pelos pedidos das partes, o juiz não pode deles extravasar: A decisão (…) não pode pronunciar-se sobre mais do que o que foi pedido (Apud Lebre de Freitas, nota 2 ao art. 661.º do anterior C.P.C., correspondente ao actual art. 609.º).

O segmento decisório sob protesto não merece censura, soçobrando as asserções conclusivas que lhe respeitam.

                                                                       ___

9.ª

Dos danos não patrimoniais.

A questão é comum a ambos os recursos – independente e subordinado –, pelo que será tratada conjuntamente.

O acórdão recorrido confirmou a sentença na parte em que condenou a Ré no pagamento da quantia de € 10.000,00, a título de tais danos.

Este valor, diz o recorrente, não se mostra adequado às circunstâncias do presente caso, pelo que, devendo ter sido objecto de uma ponderação mais cuidada por parte do Tribunal a quo, patenteia uma errada interpretação/aplicação do art. 389.º/1, a), do Cód. Trabalho e do art. 496.º do Cód. Civil.

Depois de enfatizar os vectores relevantes que, na sua perspectiva, dão cabal resposta aos concretos juízos de equidade que o caso convoca, pugna pelo montante da indemnização pedida (€ 50.000).

A Ré, por seu turno, alegando que o Tribunal a quo não ponderou adequadamente a prova produzida, impetra que se conclua pela inexistência, no caso, de fundamentos bastantes para a sua responsabilização pelo pagamento de qualquer indemnização por danos não patrimoniais eventualmente causados ao recorrido.

Mas, se assim não for entendido, o montante a conferir há-de ser fixado equitativamente, sendo o encontrado (€ 10.000) desajustado aos danos não patrimoniais provados.

Tudo visto.

Sendo o despedimento declarado ilícito, a indemnização correspondente a que fica obrigado o empregador cobre, em tese, todos os danos causados, tanto os patrimoniais, como os não patrimoniais – n.º 1, a), do art. 389.º do Cód. Trabalho/2009.

Os danos não patrimoniais, concretamente no âmbito da responsabilidade civil por facto ilícito, só são indemnizáveis se, por um lado, se verificarem os pressupostos da responsabilidade civil previstos no art. 483.º do Cód. Civil (facto voluntário do lesante; ilicitude; imputação do facto ao lesante a título de dolo ou negligência; dano e nexo causal entre o facto e o dano); se, por outro, esses danos assumirem gravidade bastante, de modo a merecerem a tutela do Direito, deve o montante da indemnização ser fixado equitativamente pelo Tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494.º – art. 496.º, n.º 1 e n.º 3, 1.ª parte, do mesmo Cód. Civil. 

A reclamada indemnização, neste Foro, sempre pressupõe, pois, a alegação e prova de violação culposa de direitos (facto ilícito), causadora de danos, de gravidade bastante, susceptível de demandar tutela, contanto que verificada a necessária relação de causa-efeito entre aquele facto ilícito e o dano.

Postas estas considerações genéricas (consensuais) de enquadramento, prossigamos.

Compulsado o segmento da deliberação que ora nos ocupa, constata-se que, uma vez convocadas as normas de subsunção e visitado o assento argumentativo da sentença aí sindicada, se concluiu, em conformidade com o ajuizado, pela gravidade dos danos patenteados, merecedores de tutela legal, no entendimento de que a culpa da Ré se situou num patamar acima do médio e a ilicitude também não é de desconsiderar.

Relevaram para o efeito os factos seguintes:

- Em Maio de 2009, a Ré retirou ao A. a isenção do horário de trabalho, deixando de lhe pagar, a partir dessa data, a quantia mensal de € 396,85, que entregava a esse título;

- O A. ganhou o prémio de Delegado do Ano, por duas vezes, mais concretamente em 20… e 20…;

- No ano de 2009, a retribuição-base mensal ilíquida do A. ascendia a € 1.928,15;

- O A. é uma pessoa diligente, zelosa, rigorosa e preocupada em fazer um bom trabalho, pretendendo sempre executar as tarefas que lhe foram sendo atribuídas com grande rigor e responsabilidade, tudo no melhor interesse da Ré;

- A conduta da Ré provocou no A. uma situação de grande nervosismo e de preocupação;

- A retribuição auferida pelo A. era a sua única fonte de sustento e do seu agregado familiar;

- O seu despedimento foi do conhecimento de colegas e de terceiras pessoas;

- O A. detinha uma pós-graduação em ..., efectuada no ano de 20…, com a duração de oito meses e na qual tinha gasto € 2.490,00;

- O A. encontra-se afectado de uma reacção depressiva prolongada por ver o projecto da vida profissional em que acreditava ruir desta forma, necessitando de acompanhamento médico, com medicação, e psicólogo;

- Padece de perturbações do sono e precisa de ser medicado.

Diremos que o termo, indesejado, de uma relação de trabalho – fundado ou infundado/lícito ou ilícito – sempre acarreta, em maior ou menor medida, compreensível apreensão e angústia ao trabalhador, preocupado naturalmente com o seu plano de vida e a futura subsistência.

Não é desses danos que aqui se cuida.

Os danos atendíveis (que, não sendo patrimoniais, são, em rigor, insusceptíveis de verdadeira avaliação pecuniária; por isso se fala em ‘compensação’, que não propriamente em indemnização) são os que se configurem como objectivamente graves, para além, pois, das normais incomodidade, desconforto ou frustração, importando que resultem de uma relação de causalidade com o facto ilícito, em termos que não suscitem discussão razoável.

 Da circunstância de um empregador ter promovido um despedimento ilícito, que haja desencadeado danos não patrimoniais, não decorre necessariamente que haja lugar à sua ressarcibilidade.

Ainda que demonstrada a relação de adequada causalidade entre aquele (facto ilícito) e a produção dos danos, importa sempre indagar, para que se equacione haver lugar a indemnização, se, pelo grau de culpa do empregador e pela relevância dos danos consequentes, estes se revestem de dimensão ou dignidade bastante que demande/justifique a sua reparação (…que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito).

É este o entendimento firmado há muito neste Supremo Tribunal e Secção – vide, v.g., os Acórdãos de 5.7.2007 (Proc. 07S043); 18.5.2011 (Proc. n.º 638/06.2TTSNT.L1.S1); 25.1.2012 (Proc. n.º 4212/07.8TTLSB.L1.S1); 19.4.2012 (Proc. n.º 1210/06.2TTLSB.L1.S1) e 12.9.2013 (Proc. n.º 691/11.7TTPRT.P1.S1).

O caso dos autos reveste-se de contornos que lhe conferem uma matriz específica.

O despedimento ilícito, eivado da abusividade que lhe foi reconhecida, assumiu o já caracterizado grau de ilicitude, com reflexos ponderados na determinação do montante da indemnização substitutiva da reintegração.

Tendo presente o histórico da relação, com a tensão latente a que já atrás nos reportámos, é iniludível que – pese embora a apertada sobriedade dos factos adrede retidos – o seu desfecho, materializado na conduta terminal assumida pela Ré, provocou no A. danos de natureza moral/não patrimonial, a cuja gravidade, relativa embora, o Direito, em justo critério, não pode deixar de atender.

A conduta da Ré, como se consignou já, provocou ao A. uma situação de grande nervosismo e de preocupação, que, no narrado contexto, tem uma densidade diferente, seja, vai para além daquilo que por norma acontece nos casos de despedimento ilícito ou afins.

Na verdade, nesse mês de Maio de 2009, sem qualquer justificação plausível, e não obstante o A. ser um profissional zeloso e competente, a R. retirou-lhe, sem mais, a isenção de horário de trabalho. Seguiram-se as cenas sobre que versou o procedimento disciplinar…

… Não sendo difícil aceitar que as circunstâncias em que foi despedido, como factualizado, tenham constituindo uma situação de vexame e humilhação perante os demais colegas.

Ante o investimento pessoal do A. na profissão – …e assente que se encontra afectado de uma reacção depressiva prolongada por ver o projecto da vida profissional em que acreditava ruir desta forma, necessitando de acompanhamento médico e psicológico –, a fragilidade dos fundamentos que enformaram a determinação da Ré de sancionar a imputação disciplinar com o despedimento, nas descritas circunstâncias, não pode deixar de ser havida como causal dos danos…e estes como traduzindo uma lesão com gravidade bastante, a merecer ponderada reparação.

No balanço consequencial, concretamente na aferição da culpa do empregador, não é negligenciável a analisada conduta do trabalhador que, de algum modo e/ou medida, potenciou o desgaste da relação e a reacção do empregador na precipitação dos acontecimentos.

É neste encontro de ponderáveis – a que acrescem as demais circunstâncias a que manda atender o já referido art. 494.º, ex vi do n.º 3, 1.ª parte, do art. 496.º, ambos do Cód. Civil – que se situa o ponto de equilíbrio, a justa medida das coisas, o montante da indemnização, que se impõe (e deseja) fixar equitativamente.

E não se diga, como contraposto, que, se considerada fosse a prova produzida, outra devia ter sido a conclusão. Significa-se, com tal alegação, que nenhuma testemunha foi inquirida sobre essa matéria…e que da prova pericial produzida nunca poderia o Tribunal ter concluído pela verificação de danos não patrimoniais merecedores da tutela do direito…uma vez que o relatório pericial não serve para esse efeito.

  A prova produzida, enquanto suporte bastante do juízo alcançado, deixa estabelecida, sem discussão razoável, a necessária relação de causa-efeito entre a actuação terminal da R., com o cominado despedimento, e a situação de nervosismo/preocupação/reacção depressiva de que o A. ficou a padecer (…foi por ver o projecto da vida profissional em que acreditava ruir desta forma…que o A. se encontra afectado de…, necessitando de acompanhamento médico e psicológico).

Cremos, tudo ponderado, que as Instâncias interpretaram prudentemente os factores relevantes, à luz do apelo normativo da previsão legal, mostrando-se acertado o valor conferido, com que concordamos, juízo que, assim, se ratifica.

Improcedem, nesta parte, ambos os recursos, soçobrando consequentemente as correspectivas proposições alegatórias de síntese.

                                                                       ___

10.ª

(Ainda no recurso subordinado):

Da natureza retributiva do subsídio de alimentação.

Versando a problemática epigrafada (saber se o subsídio de alimentação – ‘diária’ ou ‘meia-‑diária’ – integrava a retribuição do A.), contida no objecto da impugnação do aí apelante/A., o Acórdão sub specie concluiu que tal subsídio tem natureza retributiva, tendo de fazer parte da componente retributiva a que alude o n.º 1 do art. 390.º do Cód. Trabalho.

E, contrariando o ajuizado na 1.ª Instância, decidiu que o recorrente/A… tem direito a receber o subsídio que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declarou a ilicitude do despedimento.

A Ré pugna no sentido da revogação do assim deliberado.

Vejamos se lhe assiste ou não a razão.

Sob a rubrica ‘Prestações incluídas ou excluídas da retribuição’, dispõe-se no art. 260.º, n.º 1, a) e n.º 2 (sempre do Cód. Trabalho/2009) que não se consideram retribuição as importâncias recebidas a título de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes, devidas ao trabalhador por deslocações, novas instalações ou despesas feitas em serviço do empregador, salvo quando, sendo tais deslocações ou despesas frequentes, essas importâncias, na parte que exceda os respectivos montantes normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador.

O assim disposto aplica-se, com as necessárias adaptações, ao subsídio de alimentação.

Reflectindo sobre o alcance da actual previsão, a doutrina vem-se pronunciando geralmente no sentido de que o subsídio de refeição não constitui, em princípio, retribuição.

E não constitui retribuição, em regra, por atenção à sua etiologia…pois traduz a assunção pelo empregador das despesas com a alimentação em que o trabalhador incorre por causa da prestação do trabalho.[16]

(Será de considerar retribuição apenas se/na medida em que o seu valor exceda largamente o gasto que pretende compensar).

Joana de Vasconcelos, v.g., anotando a norma,[17] adianta mesmo que  o ora disposto no n.º 2 resolve uma dúvida que, no direito anterior ao Cód. Trabalho, subsistia na jurisprudência, fazendo-o por aplicação do critério constante do n.º 1, a), ainda que ‘com as necessárias adaptações’.

Também Monteiro Fernandes[18] assim o entende.

Ao subsídio de refeição, tal como ao abono para falhas, não deve ser conferido carácter retributivo, apesar da regularidade/periocidade da sua atribuição. A lei admite a sua consideração como tal se/quando o seu valor exceda um montante dito normal ou o mesmo seja tido, pelo contrato ou pelos usos, como elemento integrante da retribuição, sem embargo de, ainda assim, não ser devido nos dias em que, por qualquer razão, o trabalhador não compareça ao trabalho.

Quanto ao conteúdo dos salários intercalares, nestas circunstâncias, Pedro Furtado Martins[19], não reconhecendo à prestação em causa, como lhe parece resultar hoje da lei, natureza retributiva, (…apesar de, porque conexa com a execução do trabalho, poder representar um benefício ou vantagem para o trabalhador), entende que a generalidade das prestações referidas no art. 259.º, n.º 1, a) e n.º 2 (v.g. o subsídio de refeição) não se incluem nos salários intercalares.

A Jurisprudência deste Supremo Tribunal e Secção proclamou já, em juízos reiterados, esta compreensão na leitura da norma sujeita, como pode ver-se, v.g., no Acórdão de 27.5.2010, tirado na Revista n.º 467/06.3TTCBR.C1.S1 (consultável em www.dgsi.pt), em cujos termos, reflectidos no respectivo sumário, o subsídio de alimentação, embora assuma, na maioria dos casos, natureza regular e periódica, só é considerado retribuição na parte que exceda os montantes normalmente pagos a esse título, sendo mister para o efeito, por isso, a alegação e prova, por banda do trabalhador, de que o mesmo excedia os valores que normalmente eram pagos a esse título.

Incumprido esse ónus, no caso, e apesar de serem regulares e de estarem previstas no contrato, não podem as quantias atinentes, como se ajuizou, ser incluídas nas retribuições intercalares.

[Acresce, in casu, que, como factualizado, o subsídio de alimentação (também denominado ‘meia diária’), no referido valor, pressupunha a apresentação de uma nota de despesas comprovativa da realização daqueles gastos de alimentação – prática de conhecimento dos trabalhadores da R., incluído o A., desde 2005 – dependendo ainda o respectivo pagamento da condição de o trabalhador ter estado deslocado entre as 13:00 e as 14:00 horas ou entre as 20:00 e as 21:00 horas].

Não vemos, pois, qualquer fundada razão susceptível de pôr em crise a bondade deste entendimento e juízo, que, assim, se mantém e que preside, do mesmo modo, à solução do caso presente.

No acolhimento da aduzida motivação, não pode subsistir o adrede deliberado, impondo-se a revogação do segmento do dispositivo posto em crise.

                                                                       ___

Tudo tratado, do que, de essencial, nos cumpria conhecer, vamos terminar.

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                                                                       III

                                                                            DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, delibera-se:

1

. Conceder parcialmente a Revista interposta pelo A., e, em consequência, revogando o acórdão, no segmento respectivo, condena-se a R. no pagamento ao A. dos juros de mora, calculados à taxa de 4% ao ano, sobre as retribuições intercalares, devidos desde a data do vencimento de cada prestação e contados até ao trânsito em julgado da decisão;

2

. Conceder parcialmente a Revista subordinadamente interposta pela Ré, e, em consequência, revoga-se o acórdão impugnado na parte em que considerou ser devido o subsídio de refeição nos salários intercalares (e condenou a recorrente no seu pagamento), desse pedido ficando a R. absolvida;

. No mais, confirma-se o decidido.

Custas por cada um dos recorrentes na medida do respectivo decaimento.

                                                                       ***

(Anexa-se sumário do Acórdão).

                                                                       ___

Lisboa, 26 de maio de 2015

Fernandes da Silva (Relator)

Gonçalves Rocha

Leones Dantas

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[1] - Vide Acórdão sub judicio, fls. 1422 dos autos.
[2] - Cfr. ainda fls. 1422 dos autos.
[3] - Compêndio a que pertencem todas as normas adiante invocadas sem outra menção de origem.
[4] Processo nº 4014/07.1TVLSB.P1., in www.dgsi.pt.
[5] Corresponde ao actual artigo 614º do CPC.
[6] Lebre de Freitas, in CPC Anotado, vol. 2.º, pág. 670.
[7] Acórdão do STJ de 27/04/2007, in www.dgsi.pt.
[8] “Recursos em Processo Civil – Novo Regime”, 2ª ed., Revista e Actualizada, pág. 94.
[9] Acórdão de 01/10/02, CJSTJ, Tomo III, pág. 65.
[10] Acórdão de 29/04/1998, BMJ 476º/401.
[11] - ‘Cessação do Contrato de Trabalho’, Principia, pgs. 441-442.
[12] - FF= Fundamentação de Facto.
[13] - Cfr. Bernardo Lobo Xavier, ‘Manual de Direito do Trabalho’, Verbo, 2011, pg. 559, para quem a fórmula legal, sendo um tanto enigmática, tem de ser relativizada.
[14] Acórdão do STJ de 13/12/2000, Processo nº 00S2449, www.dgsi.pt.
[15] Acórdão do STJ de 16/01/2013, Processo nº 1767/08.3TTLSB.L1S1, in www.dgsi.pt.
[16] - Joana de Vasconcelos, loc. cit. nota seguinte.
[17] - Cfr. ‘Código do Trabalho’, 2013, 9.ª Edição, Pedro Romano Martinez e Outros, pg. 592).
[18] - ‘Direito do Trabalho’, 16.ª Edição, pg. 409.
[19] - ‘Cessação do Contrato de Trabalho’, 3.ª edição, 2012, pgs. 437-440.
                                                                Relatório