Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
Relator: | MARIA DO CARMO SILVA DIAS | ||
Descritores: | RECURSO PER SALTUM TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES ESTABELECIMENTO PRISIONAL AGRAVAÇÃO TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE | ||
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Data do Acordão: | 10/25/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
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Sumário : | I. O tipo legal fundamental (ou tipo matricial) previsto no DL nº 15/93, de 22.01 é, entre outros, no que agora importa analisar, o crime de tráfico de estupefacientes previsto no art. 21.º, sendo a partir dele que a lei, por um lado, edifica as circunstâncias agravantes (qualificando o tipo, nos casos indicados no artigo 24.º) e, por outro lado, «privilegia» o tipo fundamental, quando concebe «o preceito do art. 25.º como um mecanismo que funciona como “válvula de segurança” do sistema», com o fim de acautelar que «situações efetivas de menor gravidade não sejam tratadas com penas desproporcionadas ou que, ao invés, se force ou use indevidamente uma atenuante especial». II. Especialmente quanto à agravante prevista no art. 24.º, al. h), do DL n.º 15/93, pretende-se reforçar a proteção da população prisional, tendo em vista a sua reinserção social sem perturbações, particularmente na vertente da saúde, sabido que os reclusos estão em situação de fragilidade e vulnerabilidade, procurando evitar-se o perigo de contacto com estupefacientes, tanto mais que muitos deles são também consumidores de estupefacientes. III. No que respeita ao artigo 25.º do cit. DL 15/93, prevê-se uma ilicitude do facto consideravelmente diminuída, «por referência à ilicitude pressuposta no art. 21.º, exemplificando aquela norma circunstâncias factuais com suscetibilidade de influírem no preenchimento valorativo da cláusula geral aí formulada.» IV. Ora, se é certo que a agravante prevista no art. 24.º, al. h), do DL n.º 15/93 citado não funciona de modo automático, a verdade é que, todo o circunstancialismo fáctico apurado permite concluir, sem margem para dúvidas, pelo preenchimento dessa qualificativa. Com efeito, a quantidade de estupefaciente proibido, canabis (resina), incluído na tabela I-C do DL n.º 15/93 citado, pela arguida transportada para dentro do Estabelecimento Prisional, mediante prévio acordo com o arguido ali recluso, a cumprir pena, é elevada (127,941 gramas), não se podendo esquecer que correspondia a 749 doses, o que é muitíssimo expressivo, ainda para mais num espaço confinado como é um estabelecimento prisional, tendo em atenção que se destinava a reclusos, o que a arguida não ignorava, sabendo bem que estavam a colocar em crise a reabilitação e ressocialização daqueles, frustrando assim as finalidades subjacentes à aplicação e cumprimento de uma pena de prisão, sendo certo que o coarguido destinava aquele estupefaciente que veio a ser apreendido ao seu consumo (o que já de si, constitui um ato de cedência da arguida em relação ao arguido, seu coautor) e à cedência a terceiros reclusos, ambos agindo em comunhão de esforços e intentos, dolosamente. V. Olhando para a imagem global dos factos apurados e circunstâncias descritas em que foi cometido o crime em questão (tendo em atenção todas as possíveis perspetivas) é manifesto que não se pode concluir que exista uma acentuada diminuição da ilicitude, por o arguido ter sido intercetado no final da visita da arguida. Perante aquela elevada quantidade de canabis (resina) apreendida, correspondente a 749 doses, que havia entrado no EP, levada pela arguida de acordo com o arguido, para posterior venda e cedência, agindo ambos em coautoria, é manifesto que o ilícito é agravado pelo perigo de disseminação pelos reclusos, tendo ambos os arguidos cometido em co-autoria e na forma consumada, um crime de tráfico de estupefacientes agravado, consumado, previsto e punido nos artigos 21º, n.º 1 e 24.º, do DL n.º 15/93, de 22.01, com referência à tabela I-C, anexa ao mesmo diploma legal, o que se conforma com a jurisprudência deste STJ. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça Relatório I. No processo comum (tribunal coletivo) n.º 56/20.0JELSB do Juízo Central Criminal de..., ... 4, comarca de Lisboa Norte, por acórdão de 10.05.2023, além do mais e entre outro1, a arguida AA, nascida em ... .04.1979, (no que aqui interessa) foi condenado pela prática, em co-autoria e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punido nos artigos 21º, n.º 1 e 24.º, do DL n.º 15/93, de 22.01, na pena de 6 (seis) anos de prisão. II. Inconformado com o acórdão da 1ª instância, recorreu a arguida AA para este Supremo Tribunal de Justiça, apresentando as seguintes conclusões: 1ª – A recorrente discorda da qualificação jurídica constante da decisão recorrida, por entender que a respectiva conduta, não integra a prática do crime agravado, art.º 24º do DL. 15/93 de 22/01. 2ª - A respectiva condenação pela prática de tal crime, além de exagerada e desproporcional, esbarra com a “ratio” de tal preceito legal. 3ª – Sendo hoje pacífico o entendimento da jurisprudência, segundo o qual o art.º 24º é para os casos de “excepcional gravidade”. 4ª - Considerar que um tráfico rudimentar de uma droga leve em pequena quantidade, deve ser subsumido a este ilícito é manifestamente exagerado. 5ª - Na verdade a qualidade da substância detida cannabis, é considerada uma "droga leve" cujos efeitos são substancialmente menos perniciosos que os das denominadas drogas duras. 6ª - Mais ainda que se considere que a quantidade já é de alguma monta, conforme tem enfatizado este Colendo Tribunal o elemento quantidade, principalmente no caso das drogas leves, não só não é relevante, como o acento tónico terá que ser colocado na análise global de todas as circunstâncias que rodearam a detenção. 7ª - Estamos ante um mero “transporte” de uma pequena quantidade de cannabis, ou seja de uma droga leve, feito muito provavelmente pro bono, e mediante ascendente do co-arguido para com alguém que sofre de graves distúrbios do foro psíquico (que conduziram á sua reforma por invalidez), logo altamente vulnerável/influenciável… 8ª - O Acórdão ora sob censura, colocou o assento tónico no elemento quantidade, e olvidou todo o enquadramento, supra que rodeou a detenção/transporte do estupefaciente pela recorrente. 9ª - Acresce resultar dos factos provados, no art. 3º, que a abordagem do co-arguido se deveu ao facto de os guardas prisionais, no decurso da visita, terem detectado comportamentos estranhos na interacção entre os arguidos, sendo consabido que as salas de visitas de reclusos nos E.P.’s são altamente vigiadas. 10ª - Este facto foi completamente omitido pelo Tribunal, quando em face destas circunstâncias concretas, se não justifica qualificar a conduta do recorrente de especial gravidade, como em nosso modesto entender, se justifica é considerá-la precisamente o contrário, ou seja, as circunstâncias da acção traduzem uma diminuição, considerável da ilicitude. 11ª - Uma conduta como esta, manifestamente nunca produziria o efeito pretendido, ou seja, nunca se traduziria numa disseminação da droga, porque esta sempre seria interceptada antes de chegar aos consumidores, como efectivamente o foi. 12ª - Colendos em face de todo o exposto, pelo menos no que tange ao recorrente, manifestamente, não só os factos não deveriam ter sido qualificados pela agravante qualificativa da al. h) do art.º 24.º, como deverão ser pelo crime privilegiado, previsto e punido pela al. a) do art.º 25.º do Decreto-Lei 15/93 de 22/01. 13ª - “In extremis”, pelo art.º 21.º, mas nunca pelo art.º 24.º. 14ª - Deverá assim a decisão ser convolada nos termos anteriormente expostos, convolação essa que deverá ter repercussão, substancial, na pena concreta a aplicar à recorrente. 15ª - O provimento do recurso, em sede de qualificação jurídica, pelos motivos anteriormente explanados, terá como corolário lógico, um abaixamento da referida pena, atenta a diferença nas molduras penais abstractas, entre o crime agravado p.p. al. h) do art.º 24º e o crime privilegiado, p.p. al. a) do art.º 25º, ambos do DL 15/93. 16ª - Importa atentar nas atenuantes que a seu favor militam, nomeadamente: a)Terá agido a título de favor, quiçá, ante a insistência de alguém com ascendente sobre ela; b)Usufrui de estabilidade sócio-familiar; c)Não tem antecedentes por este tipo de crime; d)Apesar de ter estado internada por doença psiquiátrica, aquando da alta clínica, desempenhou funções como operária fabril e empregada de pastelaria, encontrando-se desde 2014, reformada por invalidez; e)É o principal suporte dos pais, com quem vive, sendo a única cuidadora de ambos; f)A mãe da recorrente, a Sra. BB, sofre de “Parkinson” e de diabetes Tipo II, sendo que necessita da recorrente para ajudar nas tarefas básicas do dia-a-dia e para lhe administrar a medicação necessária (Doc. 1), sendo que o pai da arguida AA, sofre de “Alzheimer”. 17ª - Tudo sopesado e ponderado, deverá conduzir á condenação da arguida pela prática do crime privilegiado, p.p. al. a) do art.º 25.º, na pena de 3 (três) anos. 18ª - Caso se entenda que estamos ante a prática do crime nuclear, p.p nº 1 do art.º 21º, a pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses. 19ª - Finalmente, sem conceder, caso se considere que estamos ante a prática do crime agravado, atendendo a que a moldura da pena já se inicia num patamar elevado, 5 (cinco) anos de prisão, tal pena é mais que suficiente para as exigências de prevenção do caso concreto, pelo que se não justifica aumentar ainda mais, o que de per si já é elevado. A recorrente discorda igualmente do facto de, a respectiva pena ter sido efectiva. 20ª - “In casu”, atendendo a que a pena concreta aplicada na decisão recorrida, ultrapassa o limite estabelecido no n.º 1 do art.º 50º, o Tribunal nem sequer equacionou tal possibilidade. 21ª - Todavia, após a alteração da qualificação jurídica pela qual pugnamos supra, e a concomitante compressão da pena concreta, ou caso se considere correcta a subsunção jurídica através da diminuição do quantum da pena para o limite estabelecido no n.º art.º 50º do CP, coloca-se a questão da possibilidade de suspensão de execução da pena. 22ª - A recorrente encontra-se em liberdade desde a data dos factos, o que ocorreu há mais de 3 anos, período de tempo significativo, sendo que não mais prevaricou. 23ª -Os antecedentes que possui são por crime de diferente natureza, praticados há quase 10 anos, em 2014, a circunstância de os ter praticado no decurso da suspensão de execução da pena anterior, não lhe sendo benéfico, não é impeditivo de lhe ser facultada, mais uma, quiçá a derradeira oportunidade. 24ª - Devendo o acento tónico ser colocado na prevenção especial positiva ou de ressocialização, tanto mais que, consta dos factos provados, que está inserida em termos sócio familiares. 25ª - A manutenção da pena efectiva, iria, seguramente, quebrar de forma abrupta toda a estabilidade de que usufrui, que a muito esforço logrou alcançar. 26ª - Na verdade é consabido que quem padece de doença psiquiátrica, tem dificuldade em ultrapassar tal patologia, e, mercê da relativa estabilização a recorrente, logrou obter alta das consultas de psiquiatria, mantendo acompanhamento em consultas de psicologia. 27ª - “Atirá-la” para dentro de um E.P. a fim de cumprir a pena em que foi condenada, significaria retroceder nesse caminho até agora trilhado com sucesso, e comprometer quiçá, de forma irremediável, a integração na sociedade de que usufrui e a melhoria da sua saúde mental (que após 20 anos estabilizou), e, a manter-se a pena efectiva, com elevada probabilidade reverteria. 28ª - Acresce que, analisando o teor do relatório social, elaborado pela DGRSP, formula-se um juízo de prognose favorável, destacando-se os vínculos afectivos com os pais, com quem permanece e os quais, devido à sua idade e problemas de saúde, se encontram atualmente dependentes da arguida para realização das atividades básicas do dia-a-dia, em particular o pai que se encontra acamado e sofre de “Alzheimer” e a mãe que sofre de “Parkinson”, conforme referido no acórdão recorrido. 29ª - A técnica da DGRSP preconiza no relatório que considera importante que a arguida continue a beneficiar de acompanhamento psicoterapêutico na área da psiquiatria e psicologia. 30ª - De todo o exposto resulta que o Tribunal dispunha, dos elementos necessários, para formular um juízo de prognose favorável, dando uma oportunidade, quiçá a derradeira, traduzida na aplicação de uma medida de execução na comunidade, com sujeição a rigoroso controlo com regime de prova e comprovar que se mantinha afastada de pares com comportamentos desviantes, designadamente do co-arguido, que foi quem a “catapultou”, “induziu” na prática dos dois crimes pelos quais foi condenada. 31ª - A correcta interpretação do estipulado pelo legislador, (art.º 50.º nº 1 do CP), deve conduzir à prevalência de considerações de prevenção especial positiva isto é de socialização, sobre outras, por serem sobretudo elas que justificam, em perspectiva político-criminal, todo o movimento de luta contra a pena de prisão. 32ª - Torna-se por demais evidente, a necessidade que existe de reinserção social de arguidos; ou ter-se-á que pôr em causa todo o regime previsto no Código Penal e que assenta nessa hipótese, apresentando sempre que as penas sejam executadas com sentido pedagógico e ressocializador. 33ª - Sem olvidar que, a pena suspensa na sua execução, não perde a sua virtualidade enquanto elemento dissuasor da prática de novos crimes que é, pois todo e qualquer arguido sujeito a uma pena suspensa na respectiva execução sabe que se prevaricar a suspensão é revogada. 34ª - Tudo ponderado e porque, além do mais as exigências de prevenção ficaram salvaguardadas com o decorrer do tempo dos alegados factos e o bom comportamento da arguida, entendemos que deve ser decretada a suspensão da execução da penas cominada, (n.º 1 do art.º 50º), sujeita a regime de prova, (art.º 53º do CP) e ás regras de conduta que se reputarem adequadas ao caso concreto, mormente: a)Ser seguida e continuar a beneficiar de acompanhamento psicoterapêutico na área da psiquiatria e psicologia (artº 52º nº 1 al. c); b)Não se deslocar ao E.P. de ..., ou caso co-arguido venha ser transferido para outro E.P., se mantenha a proibição (art.º 52º, nº 2 al. b)). 35ª – A decisão recorrida violou, pelo menos, o disposto nos artigos 50.º nº 1, 53.º nº 1, artº 52º nº 1 al. c); (artº 52º nº 2 al. b); 70º e 71º, todos do CP, e al. a) do art.º 25º e n.º do art.º 21º, ambos do DL 15/93 de 22/01. Termina pedindo o provimento do recurso. III. Na resposta ao recurso o Ministério Público concluiu que, “Analisado acórdão recorrido, não se vislumbra a existência de qualquer incorrecção na qualificação jurídica dos factos considerados provados nem qualquer violação das normas que regem a determinação da medida concreta da pena, nomeadamente os artigos 40.º, 50.º, n.º 1, 52.º, 53.º, 70.º e 71.º, todos do Código Penal, os quais foram, devida e criteriosamente aplicados, não merecendo o acórdão qualquer censura, pois bem ajuizou a prova produzida em audiência, fazendo a correcta qualificação dos factos e aplicando correctamente a pena”, terminando pelo não provimento do recurso. IV. Subiram os autos a este Supremo Tribunal de Justiça e, o Sr. PGA emitiu Parecer, no qual, em resumo, sustentou que perante os factos dados como provados (que consistiram “na entrada, em estabelecimento prisional, de elevada quantidade de estupefacientes – 749 doses de cannabis -, as quais, - e tal como provado ficou – se destinavam a ser disseminadas por outros reclusos, através de cedência e de venda”, tendo a arguida atuado na sequência de prévio acordo com o coarguido e visando, precisamente, aquele objetivo, sabendo a mesma que estava a colocar “em crise a reabilitação e ressocialização daqueles que iriam comprar/receber os estupefacientes, frustrando assim as finalidades subjacentes à aplicação e cumprimento de uma pena de prisão”), mesmo tendo em atenção que a agravante prevista no art. 24.º, al. h), do DL 15/93, não é automática, a verdade é que a mesma se verifica neste caso concreto, perante a quantidade de estupefaciente em causa e destino que lhe iria ser dado, tudo com conhecimento e vontade da recorrente, vistos os potenciais danos que causaria a sua disseminação no EP, como tem sido jurisprudência do STJ, sendo de afastar a qualificação como de tráfico de menor gravidade por não se verificar uma diminuição considerável da ilicitude, tendo a forma como tudo foi planeado pelos arguidos, modo de transporte do estupefaciente e forma como seria escondida dos guardas, não retirando gravidade à conduta a circunstância de terem sido os guardas a verificarem os factos, de intercetarem o arguido e, por essa via, já não tivessem obtido os lucros que se propunham obter com a atividade que levaram a cabo em coautoria. Também deu parecer no sentido de não se justificar qualquer atividade corretiva do STJ quanto à pena, tanto mais que a arguida tem antecedentes criminais pela prática de crimes de elevada gravidade e cometeu o crime em apreço neste autos enquanto decorria o prazo de suspensão da pena, sujeita a condições, aplicada por aqueles crimes cometidos anteriormente, pelo que o tribunal recorrido já valorou de forma muito acentuada todos os elementos que depõem a favor da arguida, não sendo possível, face a todos os elementos negativos, ser-lhe aplicada pena coincidente com o mínimo previsto neste caso (5 anos) e, por isso, também, nem se impondo apreciar a possibilidade de suspensão da execução da pena (sendo que os problemas de ordem psiquiátrica da arguida deverão ser levados oportunamente ao conhecimento dos responsáveis do EP em que for colocada, a fim de lhe ser garantido o necessário acompanhamento, nos moldes referidos no relatório social). Termina concluindo pelo não provimento do recurso. V. Na Resposta ao Parecer do Sr. PGA a arguida discorda do mesmo, sustentando que não consta do elenco dos factos provados que o produto apreendido seria difundido pelo EP, mas tão só que seria entregue ao coarguido, o qual até é consumidor, pelo que a sua conduta nunca produziria o efeito apontado pelo Sr. PGA, já que a droga sempre seria intercetada, como foi, antes de chegar aos consumidores. De resto, reafirma e mantém tudo o que alegara em sede de motivação de recurso. VI. No exame preliminar a Relatora ordenou que os autos fossem aos vistos, tendo-se realizado depois a conferência e, dos respetivos trabalhos, resultou o presente acórdão. Cumpre, assim, apreciar e decidir. VII. As questões suscitadas no recurso em apreciação prendem-se, por um lado, com a qualificação jurídico-penal do crime pelo qual a arguida foi condenado (considerando não estar preenchida a agravação prevista no art. 24.º, al. h), do DL 15/93, de 22.01, como dever ser alterada para tráfico de menor gravidade p. e p. no art. 25.º, al. a), do DL 15/93 ou, assim não se entendendo, em último recurso apenas a previsão do art. 21.º, n.º 1, do mesmo diploma legal) e, por outro lado, com a medida da pena aplicada (pretendendo que seja reduzida para 3 anos entendendo-se que se verifica o crime de tráfico de menor gravidade p. e p. no art. 25.º, al. a), do DL 15/93, ou então reduzida para 4 anos entendendo-se que se verifica o crime de tráfico de estupefacientes p. e p. no art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93 ou, por último, reduzida para 5 anos entendendo-se manter a qualificativa/agravante prevista no art. 24.º, al. h), do DL 15/93 e, em qualquer dos casos, suspensa na sua execução, devendo continuar a beneficiar de acompanhamento psicoterapêutico na área de psiquiatria e psicologia). Fundamentação VIII. Resulta do acórdão da 1ª instância a seguinte decisão sobre a matéria de facto com interesse para o conhecimento do presente recurso: A.Factos provados Da discussão da causa, resultaram provados os seguintes factos com interesse para a causa, abstendo-se o Tribunal de se pronunciar acerca de factos repetidos, de natureza jurídica ou conclusiva e de factos que constituem meios de prova: 1. Na sequência de um acordo com o arguido CC, no dia 2 de Fevereiro de 2020, pouco antes das 11h00, a arguida AA deslocou-se ao EP de ... para efectuar uma visita ao arguido CC, tendo levado consigo 14 embalagens de formato oval, acondicionadas com película aderente, vulgarmente designadas por bolotas, e contendo no seu interior canábis (resina). 2. No decurso da aludida visita, a arguida AA entregou ao arguido CC as supra descritas embalagens, que o mesmo colocou no interior do seu corpo, por via rectal. 3. Após o fim da visita, cerca das 11h45, e, porquanto os guardas prisionais tinham detectado comportamentos estranhos entre os arguidos durante a visita, quando o arguido CC estava no hall do pavilhão D daquele EP, o mesmo foi conduzido a local no sector disciplinar de molde a ser-lhe efectuada uma revista minuciosa. 4. Nesse momento, o arguido CC admitiu de imediato, perante os guardas prisionais, que tinha na sua posse duas embalagens contendo uma substância prensada de cor castanha, tendo expelido as mesmas do ânus e procedido à sua entrega aos guardas. 5. Momentos mais tarde, o arguido solicitou um balde higiénico, tendo acabado por expelir, por via rectal, outras doze bolotas, com as mesmas características das duas primeiras. 6. Submetida a exame pericial, apurou-se que a aludida substância era canábis (resina), com um peso total de 127,941 gramas, com grau de pureza (THC) de 29,3% e correspondente a 749 doses. 7. O arguido CC destinava o produto estupefaciente apreendido ao seu consumo e à cedência a terceiros reclusos, bem conhecendo das características da “cannabis (resina)”, designadamente a sua natureza estupefaciente. 8. De igual forma, a arguida AA conhecia as características da “cannabis (resina)”, designadamente a sua natureza estupefaciente, bem sabendo que não lhe era permitido transportar para o interior daquele EP, a mesma, de molde a cedê-la ao arguido CC que aí se encontrava recluso e em cumprimento de pena, o que logrou. 9. Sabiam ambos os arguidos que não lhes era permitido deter, ceder, vender ou comprar tal produto, ainda que para consumo próprio, mais sabendo que ao agirem da forma descrita, transportando e detendo no interior do E.P. de ... os 127,941 gramas de “cannabis (resina)”, para posterior venda ou cedência a reclusos, estavam a colocar em crise a reabilitação e ressocialização daqueles, frustrando assim as finalidades subjacentes à aplicação e cumprimento de uma pena de prisão. 10. Agiram sempre os arguidos, em comunhão de esforços e intentos, de forma livre e voluntária e com inteira consciência da censurabilidade e proibição das suas condutas. 11. O arguido CC tem antecedentes criminais: a) Por decisão transitada em julgado, foi o arguido condenado pela prática, em 9/8/1991, de um crime de tráfico de estupefacientes, na pena de oito anos de prisão e um milhão de escudos de multa; b) Por decisão transitada em julgado, foi o arguido condenado pela prática, em 6/3/1997, de um crime de condução em estado de embriaguez, na pena de 70 dias de multa; c) Por decisão transitada em julgado em 9/3/2001, foi o arguido condenado pela prática, em 24/12/1999, de um crime de homicídio na forma tentada, na pena de 7 anos e 2 meses de prisão; d) Por decisão transitada em julgado em 26/9/2001, foi o arguido condenado pela prática, em 6/7/2001, de um crime de evasão, na pena de cinco meses prisão; e) Por decisão transitada em julgado em 10/4/2002, foi o arguido condenado pela prática, em 22/3/1999, de um crime de roubo, na pena de seis anos e seis meses de prisão; f) Por decisão transitada em julgado em 11/6/2002, foi o arguido condenado pela prática, de um crime de emissão de cheque sem provisão, na pena de 90 dias de multa [em cúmulo jurídico das penas aplicadas em b) a f), foi o arguido condenado na pena única de 24 anos, 4 meses e 15 dias de prisão e 70 dias de multa]; g) Por decisão transitada em julgado em 31/10/2016, foi o arguido condenado pela prática, em 7/10/2014, de um crime de detenção ilegal de arma, seis crimes de roubo, um crime de consumo de estupefacientes e dois crimes de roubo qualificado, na pena de catorze anos de prisão. 12. A arguida AA tem antecedentes criminais: a) Por decisão transitada em julgado em 28/4/2017, no âmbito dos autos com o n.º 131/14.0... do Juízo Central Criminal de ... – ... 7, foi a arguida condenada pela prática, em 7/10/2014, de um crime de detenção ilegal de arma e dois crimes de roubo qualificado, na pena de cinco anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de cinco anos. 13. O arguido CC frequentou o ensino até aos 14 anos e concluiu o 2.º ciclo do ensino básico. 14. Iniciou actividade profissional no início da adolescência como empregado de balcão numa retrosaria e, posteriormente, numa loja de vestuário. 15. Posteriormente, para aumentar o rendimento disponível, o arguido desenvolveu a actividade de empregado de mesa em discotecas e na bilheteira de um cinema, tendo iniciado, nesse período, em 1991, consumo de cocaína. 16. Durante o cumprimento da primeira pena de prisão, iniciou o consumo de heroína. 17. Encontra-se no EP de ... desde 1999. 18. O arguido beneficia de visitas dos filhos esporadicamente. 19. Em 2020 e 2021 registou a aplicação de cinco medidas disciplinares no Estabelecimento Prisional. 20. A arguida concluiu o 12.º ano aos 18 anos, tendo trabalhado como escriturária numa fábrica de transformação de produtos alimentares, que interrompeu quando foi internada por doença psiquiátrica. 21. A partir da alta clínica, a arguida desempenhou actividades indiferenciadas de curta duração, tendo sido operária fabril e empregada de pastelaria, estando reformada por invalidez desde 2014. 22. À data dos factos, a arguida estava inserida no agregado familiar dos pais, reformados por invalidez, sendo a arguida o principal suporte dos pais. 23. A arguida aufere pensão social por invalidez, no valor de 287€. 24. O pai da arguida recebe 780€ de reforma e a mãe da arguida recebe 300€. 25. Em .../12/2020, por se apresentar clinicamente estável, a arguida teve alta das consultas de psiquiatria, mantendo a arguida acompanhamento em consultas de psicologia. B) Matéria de facto não provada: Não resultaram provados quaisquer outros factos, designadamente, não se provou que: A. O acordo referido em 1) ocorreu no decurso de uma visita ao EP de .... B. Para prossecução do plano que anteriormente os arguidos haviam gizado, a arguida AA adquiriu em dia, hora e local não concretamente determinado o produto estupefaciente. C. Nas circunstâncias descritas em 5), o arguido agiu perante a comunicação efectuada pelos guardas prisionais que o arguido CC teria de ser conduzido ao hospital de ..., de molde a averiguar se tinha mais bolotas no interior do seu ânus. C) Motivação da decisão de facto: A convicção deste tribunal sobre a matéria de facto provada formou-se com base na avaliação e ponderação de todos os meios de prova produzidos ou analisados em audiência de julgamento. Nesta medida, foram considerados os depoimentos prestados de forma imparcial e credível pelas testemunhas DD, EE, FF e GG que de modo esclarecido e espontâneo descreveram as diligências que efectuaram, as quais se encontram documentadas nos autos. Assim, a testemunha GG relatou, de forma consistente, o tipo de contacto existente entre os arguidos durante a visita ao Estabelecimento Prisional de que o arguido CC beneficiou, explicando que “estranhou” o tipo de abraços e os movimentos de ambos os arguidos, bem como o modo como o arguido, após os abraços, se levantava ligeiramente da cadeira, o que o levou a comunicar tais circunstâncias à testemunha EE, que desempenhava as funções de graduado de serviço. A testemunha EE referiu o tipo de comportamento que notou no arguido, relatando que o mesmo aparentava estar nervoso, estranho e tenso, tendo, perante a chamada de atenção efectuada pela testemunha GG, ficado atento às suas movimentações. Nessa sequência, a testemunha descreveu de forma credível o modo como se apercebeu de que o arguido deitou qualquer coisa fora no caixote do lixo, tendo verificado que dentro dos copos de café que o arguido colocou no caixote se encontrava um pedaço de celofane com resíduos de creme hidratante, o que leva a crer, inequivocamente, que, contrariamente ao defendido pelo arguido, o produto estupefaciente foi introduzido no seu corpo naquelas circunstâncias de tempo e lugar e não em momento anterior. Com efeito, também a testemunha DD referiu ter visto o pedaço de celofane com creme hidratante no caixote do lixo usado pelo arguido, o que o levou a interpelá-lo, mesmo após este ter sido revistado por desnudamento. A testemunha relatou de forma credível e que o próprio arguido veio a corroborar, quando decidiu prestar declarações, o modo como o arguido retirou as bolotas do seu corpo, estando o número de bolotas e o modo como estavam acondicionadas ilustrado a fls. 15. O arguido acabou por assumir a detenção das bolotas e o modo como as mesmas foram retiradas do seu corpo – nos termos dados como provados – apenas colocando em crise que as mesmas lhe tenham sido fornecidas pela arguida. A este propósito, o arguido apresentou uma versão que não se afigurou minimamente credível e consentânea com as regras de experiência comum, referindo que já havia engolido as bolotas há três dias, não tendo comido nesse período – mas assumindo que durante a visita bebeu sumo e comeu um bolo. Assim, o arguido referiu que um recluso lhe dava as bolotas para guardar, o que já havia sucedido em duas ocasiões anteriores, sendo que as ia retirando do seu organismo conforme elas lhe iam sendo solicitadas, confirmando que detinha as bolotas para as ceder a terceiros. Relatou ainda o arguido que a guarda das bolotas surgiu como forma de pagamento de uma dívida que contraiu junto de tal recluso, em virtude da aquisição, noutra ocasião, de produto estupefaciente. Tais declarações não mereceram qualquer credibilidade, dado que desde logo se mostraram contrariadas pelo facto de o arguido referir não comer durante três dias, tendo ingerido, contudo, um sumo e um bolo no momento da visita. Por outro lado, as declarações do arguido foram sendo complementadas ao longo da sua tomada de declarações, não sendo coerentes com o comportamento que as testemunhas supra indicadas foram reportando e com o celofane com vestígios de creme hidratante que foi encontrado no caixote do lixo, dentro dos copos usados pelo arguido. Saliente-se que as bolotas apreendidas se mostravam envolvidas em celofane, idêntico ao encontrado no caixote do lixo. Assim, da análise dos depoimentos supra aludidos, a que se alia a análise das imagens recolhidas aquando da visita da arguida, constante de fls. 75 e seguintes, concluiu o Tribunal sem quaisquer dúvidas que o produto estupefaciente apreendido foi entregue ao arguido pela arguida, aquando da visita desta. O Tribunal considerou ainda o auto de apreensão de fls. 43, estando a quantidade e qualidade de estupefacientes apreendido descrita no relatório pericial de fls. 98 e 166. Quanto às condições sócio-económicas dos arguidos, o Tribunal atentou nas declarações prestadas pelo arguido a esse propósito [dado que a arguida, ao abrigo do direito ao silêncio que lhe assiste, não pretendeu prestar declarações], bem como nos relatórios sociais constantes dos autos. A matéria relativa aos antecedentes criminais está certificada nos autos. Os elementos subjectivos do tipo foram dados como provados com base na análise da matéria objectiva apurada, aliada às regras de experiência comum. No que respeita à demais factualidade não provada, o Tribunal considerou que a prova produzida não foi suficiente para suportar os factos imputados aos arguidos na acusação, razão pela qual foram tais factos dados como não provados. Direito IX. Como sabido, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação que apresentou (art. 412.º, n.º 1, do CPP). Os poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça restringem-se exclusivamente ao reexame da matéria de direito (art. 434.º do CPP), sem prejuízo do disposto nas alíneas a) e c) do n.º 1 do art. 432.º Vamos então analisar as questões suscitadas pela recorrente, tendo presente que, tal como resulta do texto da decisão recorrida, não ocorrendo quaisquer dos vícios previstos nas alíneas a), b) ou c) do n.º 2 do art. 410º, do CPP, nem nulidades ou irregularidades de conhecimento oficioso, considera-se definitivamente fixada a decisão proferida sobre a matéria de facto acima transcrita, a qual nessa parte se mostra devidamente sustentada e fundamentada. Assim. 1ª questão (enquadramento jurídico-penal dos factos dados como provados) Consta do acórdão impugnado o seguinte quanto a esta questão colocada pela recorrente: Enquadramento Jurídico-Penal Nos termos do n.º 1 do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos «quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40.º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III». Como se depreende da estatuição do citado normativo, o crime de tráfico de estupefaciente é objecto de um forte juízo de reprovação ético-social, «apenas comparável ao que se dirige aos mais graves crimes contra as pessoas – homicídio, ofensas graves, sequestro ou violação»2. De facto, se atentarmos no teor do artigo 51.º do mesmo diploma legal, verificamos que a conduta tipificada no artigo 21.º se encontra equiparada a casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, o que, por si só, indicia a grave censura social ao tipo de crime ora em apreço. Nesta matéria, é particularmente esclarecedor o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 430/83, legislação entretanto revogada, ao citar um relatório elaborado no âmbito de um organismo especializado das Nações Unidas: «A luta contra o abuso de drogas é antes de mais e sobretudo um combate contra a degradação e destruição de seres humanos. A toxicomania priva a sociedade do contributo que os consumidores de droga poderiam trazer à comunidade de que fazem parte. O custo social e económico do abuso das drogas é, pois, exorbitante, em particular se se atentar nos crimes e violências que origina e na erosão dos valores que provoca». A utilização de drogas para além de potenciar a destruição de cada ser individualmente considerado, contribui decididamente para a afectação do tecido familiar e da saúde pública. Por outro lado, como resulta do seu preâmbulo, o Decreto-Lei n.º 15/93 surge na sequência da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e de Substâncias Psicotrópicas de 1988, ratificada por Portugal, e visa prosseguir dois objectivos fundamentais: i) privar aqueles que se dedicam ao tráfico de estupefacientes do produto das suas actividades criminosas; e ii) adoptar medidas adequadas ao controlo e fiscalização dos precursores, produtos químicos e solventes, substâncias utilizáveis no fabrico de estupefacientes e de psicotrópicos. De facto, a utilização de drogas para além de potenciar a destruição de cada ser individualmente considerado, contribui decididamente para a afectação do tecido familiar e da saúde pública, tendo ainda repercussões significativas a nível económico. Atendendo a este pano de fundo, poderá afirmar-se que o bem jurídico protegido por este tipo de crime é, em primeiro lugar, a vida em sociedade, englobando-se aqui não só a necessidade de proteger a esfera individual de cada pessoa potencialmente atingida com substâncias que, além de dependência, provocam dor e sofrimento, mas também, e reflexamente, a economia de mercado de actividades lícitas, contra o atractivo económico que o tráfico parece dispor. O crime de tráfico de estupefacientes e outras actividades ilícitas com estas substâncias relacionadas, assume, assim, a natureza de crime de perigo, bastando-se as referidas condutas «com a aptidão que revelam para constituir um perigo para determinados bens e valores (a vida, a saúde, a tranquilidade, a coesão inter-individual das unidades de organização fundamental da sociedade)»3. Nestes termos, considera-se verificado o tipo de crime logo que qualquer das condutas descritas se revele, independentemente das consequências que possa determinar ou efectivamente determine, visando a lei proteger os aludidos bens jurídicos num momento ex ante, aquele em que o perigo se manifesta. Neste contexto, o crime ora em análise apresenta uma panóplia de acções [cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver] tendíveis a preencher o tipo objectivo, sendo notória a tentativa do legislador abarcar nelas a quase totalidade de actos possíveis sobre os bens constantes das tabelas anexas ao diploma. Como se refere no citado aresto, «a construção e a estrutura dos crimes ditos de tráfico de estupefacientes, como crimes de perigo, de protecção (total) recuada a momentos anteriores a qualquer manifestação de consequências danosas, e com a descrição típica alargada, pressupõe, porém, a graduação em escalas diversas dos diferentes padrões de ilicitude em que se manifeste a intensidade (a potencialidade) do perigo (um perigo que é abstracto-concreto) para os bens jurídicos protegidos». Ora, tal graduação da ilicitude encontra-se espelhada na existência de um tipo privilegiado e de um tipo qualificado face ao tipo base, visando-se, com tal distinção, abarcar realidades distintas: o grande tráfico, por um lado, e o pequeno e médio tráfico, por outro. Com efeito, o artigo 25.º do diploma legal a que vimos aludindo estabelece: «se nos casos dos artigos 21.º e 22.º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de: a) prisão de um a cinco anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V e VI; b) prisão até dois anos ou multa até 240 dias, no caso de substâncias ou preparações compreendidas na tabela IV». Por sua vez, dispõe o artigo 24.º: «As penas previstas nos artigos 21.º, 22.º e 23.º são aumentadas de um quarto nos seus limites mínimo e máximo se: a) As substâncias ou preparações foram entregues ou se destinavam a menores ou diminuídos psíquicos; b) As substâncias ou preparações foram distribuídas por grande número de pessoas; c) O agente obteve ou procurava obter avultada compensação remuneratória; d) O agente for funcionário incumbido da prevenção ou repressão dessas infracções; e) O agente for médico, farmacêutico ou qualquer outro técnico de saúde, funcionário dos serviços prisionais ou dos serviços de reinserção social, trabalhador dos correios, telégrafos, telefones ou telecomunicações, docente, educador ou trabalhador de estabelecimento de educação ou de trabalhador de serviços ou instituições de acção social e o facto for praticado no exercício da sua profissão; f) O agente participar em outras actividades criminosas organizadas de âmbito internacional; g) O agente participar em outras actividades ilegais facilitadas pela prática da infracção; h) A infracção tiver sido cometida em instalações de serviços de tratamento de consumidores de droga, de reinserção social, de serviços ou instituições de acção social, em estabelecimento prisional, unidade militar, estabelecimento de educação, ou em outros locais onde os alunos ou estudantes se dediquem à prática de actividades educativas, desportivas ou sociais, ou nas suas imediações; i) O agente utilizar a colaboração, por qualquer forma, de menores ou de diminuídos psíquicos; j) O agente actuar como membro de bando destinado à prática reiterada dos crimes previstos nos artigos 21.º e 22.º, com a colaboração de, pelo menos, outro membro do bando; l) As substâncias ou preparações foram corrompidas, alteradas ou adulteradas, por manipulação ou mistura, aumentando o perigo para a vida ou para a integridade física de outrem». Denota-se da análise de ambos os preceitos que o legislador optou por técnicas distintas para neles abarcar a diversa gradação de ilicitude. Assim, enquanto no tipo privilegiado se prevê um tipo aberto, no qual, de acordo com as circunstâncias, pode integrar-se a ilicitude “consideravelmente diminuída”, no tipo qualificado deparamo-nos com um elenco fechado, taxativo, de situações qualificadoras. A diferente estratégia utilizada pelo legislador não surge casualmente. De facto, tal opção revela-se coerente com os princípios que norteiam o nosso ordenamento jurídico-penal, possibilitando, por um lado, a intervenção do tipo qualificado, sempre que a ilicitude se demonstre consideravelmente diminuída (cabendo ao julgador integrar tal conceito indeterminado) e salvaguardando, por outro lado, as situações em que o tipo é qualificado, ao abrigo do princípio da tipicidade. De acrescentar ainda que se trata de um tipo doloso, pelo que o agente terá de ter o conhecimento correcto da factualidade típica, sob pena de não se preencher o elemento intelectual do dolo. Além do conhecimento da realização do tipo legal, o agente deverá ainda querer realizar tais factos, devendo, assim, verificar-se de igual modo o elemento cognitivo para que a conduta possa ser tipificada como dolosa. * Feito este enquadramento jurídico, debrucemo-nos sobre os factos praticados por cada um dos arguidos. Está provado que no dia .../2/2020, a arguida AA entregou ao arguido CC, durante uma visita que fez ao Estabelecimento Prisional onde aquele se encontrava recluso, 14 bolotas de haxixe, correspondentes a 749 doses, destinando-se tais produtos à cedência a terceiros. Tais factos foram praticados num estabelecimento prisional, com o intuito de ceder a terceiros 749 doses de haxixe. Quer a quantidade de estupefaciente, susceptível de ser disseminada por uma pluralidade significativa de reclusos, quer o modo expedito como o arguido dissimulou no seu corpo tal quantidade levam a crer, sem qualquer dúvida, que a conduta dos arguidos é enquadrável na alínea h) do artigo 24.º, razão pela qual importa concluir que ambos praticaram o crime pelo qual vinham acusados. Encontrando-se os arguidos acusados da prática do crime em co-autoria, a este propósito, deverá atentar-se no disposto no artigo 26.º do Código Penal, que estabelece: «é punível como autor quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros, e ainda quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução». Naquilo que ora importa analisar, deverá reter-se que a actuação em co-autoria exige uma decisão conjunta dos intervenientes, resultando da leitura atenta do preceito que não se requer a existência de um acordo prévio explícito, mas tão só que a acção seja concertada. Exige-se, sim, que haja consciência recíproca da actuação dos vários intervenientes, o que afasta as actuações paralelas do âmbito da co-autoria. Sublinhe-se que, como se conclui no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Janeiro de 19954, «para a verificação do acordo, basta a existência da consciência e vontade de várias pessoas na realização de um tipo legal de crime». Por outro lado, requer-se ainda a participação directa na execução do facto conjuntamente com outro ou outros, isto é, o exercício conjunto de determinada actuação, numa contribuição objectiva para a realização de um resultado. Este tipo de autoria remete-nos para a teoria do domínio do facto, desenvolvida a partir de Welzel e adoptada pelo Prof. Figueiredo Dias, a qual parte do princípio que autor é quem tem nas suas mãos o comando de dado processo causal, bem como a possibilidade de parar tal processo. Esta teoria, aplicável só aos crimes dolosos, deve ser conjugada com outras considerações, nomeadamente, quanto aos crimes que comportam elementos subjectivos especiais da ilicitude ou ainda no que respeita aos crimes específicos. Nas palavras da Prof. Teresa Beleza5, por um lado, admite-se «que para além deste critério final-objectivo, há aspectos do critério formal-objectivo, isto é, do critério que atende ao teor literal dos preceitos incriminadores, e do critério subjectivo na medida em que se dá relevância ao plano do agente, e até à essencialidade da participação ou não, que podem completar um raciocínio feito a partir da teoria do domínio do facto (…); e, por outro lado, porque se diz que há certos tipos de crimes em relação aos quais a teoria do domínio do facto pode não funcionar». Aplicando esta teoria ao caso concreto, entende o Tribunal ter ficado demonstrado que a actuação dos arguidos foi concertada e que todos tinham a possibilidade de evitar o resultado danoso, dado que foi a arguida quem trouxe o produto estupefaciente para entrega ao arguido recluso, que o disseminaria pelos demais reclusos, razão pela qual resta concluir que ambos praticaram o crime de que vinham acusados, em co-autoria material. Pois bem. Argumenta a recorrente que, perante a factualidade provada, se está perante um tráfico rudimentar de uma droga leve em pequena quantidade, sendo um manifesto exagero considerar verificada a agravante, que é para casos de excecional gravidade, para além de que se está perante um mero transporte feito por alguém altamente vulnerável/influenciável, que sofre de distúrbios psíquicos, provavelmente agindo mediante o ascendente do coarguido, não se justificando a qualificação da conduta tanto mais que como sabido as salas de visitas dos reclusos nos EP´s são altamente vigiadas (o que foi omitido pelo tribunal) e tudo foi detetado pelos guardas prisionais, pelo que antes se verifica uma diminuição considerável da ilicitude, pois, uma conduta como esta nunca produziria o efeito pretendido, ou seja, nunca se traduziria na disseminação da droga, porque esta sempre seria intercetada antes de chegar aos consumidores, como aconteceu, pelo que deve ser afastada a agravante do art. 24.º, al. h), e convolado o crime para o art. 25.º, al. a) ou in extremis para o art. 21.º, todos do DL 15/93, de 22.01. Vejamos. Dispõe o n.º 1 do art. 21.º (tráfico e outras atividades ilícitas) do DL n.º 15/93, de 22.1: Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no art. 40.º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos. (…). Segundo o art. 24.º (agravação) do mesmo DL n.º 15/93: As penas previstas nos artigos 21.º e 22.º são aumentadas de um quarto nos seus limites mínimo e máximo se: (…) h) a infração tiver sido cometida em instalações de serviços de tratamento de consumidores de droga, de reinserção social, de serviços ou instituições de ação social, em estabelecimento prisional, unidade militar, estabelecimento de educação, ou em outros locais onde os alunos ou estudantes se dediquem à prática de atividades educativas, desportivas ou sociais, ou nas suas imediações; (…) Por seu turno, estabelece a alínea a) do art. 25º (tráfico de menor gravidade) do cit. DL 15/93: Se, nos casos dos artigos 21º e 22º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de prisão de 1 a 5 anos, se se tratar de, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V e VI; (…). A canabis (resina) está incluída na tabela I-C anexa ao referido diploma legal. Como sabido, o crime de tráfico de estupefacientes, em qualquer das suas modalidades, é um crime exaurido ou crime executido (também chamado delito de empreendimento no direito alemão) visto que fica perfeito com a comissão de um só ato gerador do resultado típico, admitindo uma aplicação unitária e unificadora da sua previsão aos diferentes atos múltiplos da mesma natureza praticados pelo agente, em virtude de tal previsão respeitar a um conceito genérico e abstrato. Relativamente a estes crimes, os diversos atos constitutivos de infrações independentes e potencialmente autónomas podem, em diversas circunstâncias, ser tratadas como se constituíssem um só crime, por forma a que aqueles atos individuais fiquem consumidos e absorvidos por uma só realidade criminal. Cada atuação do agente traduz-se na comissão do tipo criminal, mas o conjunto das múltiplas atuações do mesmo agente reconduz-se à comissão do mesmo tipo de crime e é tratada unificadamente pela lei e pela jurisprudência como correspondente a um só crime. O STJ tem entendido que no crime de tráfico de estupefacientes deve ter-se em atenção a quantidade global traficada no período considerado como o dessa atividade6. Assim, tipo legal fundamental (ou tipo matricial) previsto no citado DL nº 15/93, é, entre outros, no que agora importa analisar, o crime de tráfico de estupefacientes previsto no art. 21.º. E é a partir desse tipo fundamental que a lei, por um lado, edifica as circunstâncias agravantes (qualificando o tipo, nos casos indicados no artigo 24.º) e, por outro lado, «privilegia» o tipo fundamental, quando concebe «o preceito do art. 25.º como um mecanismo que funciona como “válvula de segurança” do sistema», com o fim de acautelar que «situações efetivas de menor gravidade não sejam tratadas com penas desproporcionadas ou que, ao invés, se force ou use indevidamente uma atenuante especial». Especialmente quanto à agravante prevista no art. 24.º, al. h), do DL n.º 15/93, pretende-se reforçar a proteção da população prisional, tendo em vista a sua reinserção social sem perturbações, particularmente na vertente da saúde, sabido que os reclusos estão em situação de fragilidade e vulnerabilidade, procurando evitar-se o perigo de contacto com estupefacientes, tanto mais que muitos deles são também consumidores de estupefacientes. No que respeita ao artigo 25.º do cit. DL 15/93, prevê-se uma ilicitude do facto consideravelmente diminuída, «por referência à ilicitude pressuposta no art. 21.º, exemplificando aquela norma circunstâncias factuais com suscetibilidade de influírem no preenchimento valorativo da cláusula geral aí formulada.» Esse artigo 25.º, tem na sua base “o reconhecimento de que a intensidade das circunstâncias pertinentes à ilicitude do facto não encontra na moldura penal normal do art. 21.º, nº 1, pela sua gravidade diminuta, acolhimento justo, equitativo, proporcional»7. Para além disso tem-se defendido que, no crime de tráfico de estupefacientes, para se concluir no sentido de que a ilicitude do facto, para efeito de integração da conduta no tráfico de menor gravidade, está consideravelmente diminuída, é necessário avaliar globalmente a conduta do agente e olhar a «imagem» do arguido que resulta da ponderação do conjunto de factos que são dados como provados. Também o STJ tem sustentado que, «a conduta prevista no artigo 26.º [do mesmo diploma legal], embora envolvendo tráfico, refere-se, antes de tudo, à personalidade do agente e às suas motivações, o que justifica a epígrafe dirigida exatamente ao agente (traficante-consumidor) e não ao tráfico». De todo o modo, convém ter presente, que no art. 21.º do DL 15/93, tanto se pode incluir o grande, como o médio, tal como o pequeno tráfico de estupefacientes, desde que, neste último caso, não exista um quadro de acentuada diminuição da ilicitude e, portanto, não esteja abrangido no art. 25.º do mesmo diploma legal8. Terá de ser caso a caso, perante a análise global da matéria de facto apurada, tendo em atenção os critérios legais, que poderá fazer-se a respetiva subsunção dos factos ao direito. Ora, compulsando a matéria de facto dada como provada temos de concordar com a 1ª instância quando concluiu estarem preenchidos todos os elementos objetivos e subjetivos do crime de tráfico de estupefacientes agravado pelo qual a recorrente foi condenada. Com efeito, a arguida agiu mediante acordo com o arguido, que se encontrava preso no EP de ... já desde 1999, tendo na sequência desse acordo em ... .02.2020, se deslocado àquele estabelecimento prisional para lhe efetuar uma visita, levando consigo 14 embalagens de formato oval, contendo no seu interior canabis (resina), que lhe entregou no decurso da visita e que ele introduziu no interior do seu corpo via retal, substância essa que, submetida a exame laboratorial tinha o peso total de 127,941 gramas, com o grau de pureza (THC) de 29,3%, sendo correspondente a 749 doses. Além disso, o arguido destinava tal produto estupefaciente que veio a ser apreendido no final da visita, na sequência da intervenção dos guardas prisionais descrita no ponto 3 dos factos provados, ao seu consumo e à cedência a terceiros reclusos, conhecendo as caraterísticas e natureza estupefaciente da canabis (resina), tal como a arguida conhecia as caraterísticas e natureza estupefaciente da canabis (resina) e sabia que não lhe era permitido transportar para o interior do EP a mesma de molde a cedê-la ao arguido que aí se encontrava recluído a cumprir pena; acresce que, ambos os arguidos sabiam que ao agirem da forma descrita, transportando e detendo no interior do EP de ... os 127,941 gramas de canabis (resina), para posterior venda ou cedência a reclusos, estavam a colocar em crise a reabilitação e ressocialização daqueles, frustrando assim as suas finalidades subjacentes à aplicação e cumprimento de uma pena de prisão, tendo agido em comunhão de esforços e intentos, sabendo da proibição das suas condutas. Ao contrário do que a recorrente alega não se provou, nem se pode deduzir dos factos apurados, que o arguido tivesse algum ascendente sobre a arguida/recorrente, ou que esta fosse vulnerável/influenciável, nem tão pouco que esta tivesse atuado daquela forma pro bono ou mesmo por favor ou por sofrer de distúrbios do foro psíquico, nomeadamente graves, que até a conduziram à sua reforma por invalidez. Essas deduções alegadas pela recorrente não podem ser atendidas uma vez que não encontram suporte nos factos dados como provados. Ora, se é certo que a agravante prevista no art. 24.º, al. h), do DL n.º 15/93 citado não funciona de modo automático, a verdade é que, todo o circunstancialismo fáctico apurado permite concluir, sem margem para dúvidas, pelo preenchimento dessa qualificativa. A quantidade de estupefaciente proibido, canabis (resina), incluído na tabela I-C do DL n.º 15/93 citado, por ela transportada é elevada (127,941 gramas), não se podendo esquecer que correspondia a 749 doses, o que é muitíssimo expressivo, ainda para mais num espaço confinado como é um estabelecimento prisional, tendo em atenção que se destinava a reclusos, o que a arguida não ignorava, sabendo bem que estavam a colocar em crise a reabilitação e ressocialização daqueles, frustrando assim as finalidades subjacentes à aplicação e cumprimento de uma pena de prisão. Sendo certo que o coarguido destinava aquele estupefaciente que veio a ser apreendido ao seu consumo (o que já de si, constitui um ato de cedência da arguida em relação ao arguido, seu coautor) e à cedência a terceiros reclusos, também se apurou que a arguida agiu em comunhão de esforços e intentos com ele, dolosamente. Ora, ao contrário do que alega a recorrente, era irrelevante descrever como funcionava a sala de visitas de reclusos do Estabelecimento Prisional .... A alegação de que as salas de visitas de reclusos nos EP´s são altamente vigiadas é inócua para se concluir ou não pelo preenchimento da agravante prevista no art. 24.º, al. h), do DL n.º 15/93 e o facto, desde logo do arguido ter sido descoberto pelos guardas prisionais, no final da visita, quando lhe fizeram a revista, não diminuiu a ilicitude dos factos levados a cabo em coautoria pelos dois arguidos, nem permite concluir que se tratou de “um tráfico rudimentar”. Aliás, como bem refere o Sr. PGA no seu Parecer, a este propósito: “(…) é sabido que a entrada de estupefacientes nos EP é - embora não exclusivamente, como igualmente é conhecido - muitas vezes efetuada através das visitas. É tanto verdade que isto sucede que foram os próprios arguidos a planear os factos, o modo de transporte e a forma como seria até escondida dos guardas (veja-se a forma como o arguido procedeu àquela ocultação, incluindo com utilização de produto que facilitou a tarefa que empreendeu). O terem sido verificados os factos pelos guardas não retira gravidade aos factos, apenas levou a que não tivesse o arguido conseguido obter os lucros a que ambos se propunham com a atividade que levaram a cabo em coautoria.” De resto, olhando para os factos apurados, para a sua imagem global e circunstâncias descritas em que foi cometido o crime em questão (tendo em atenção todas as possíveis perspetivas) é manifesto que não se pode concluir que exista uma acentuada diminuição da ilicitude. É, pois, insustentável defender (como o faz a recorrente de forma interessada, mas sem apoio nos factos dados como provados) que não se verifica a agravante pela qual foi punida e muito menos que a respetiva conduta se poderia enquadrar no crime de tráfico de menor gravidade. E, perante aquela elevada quantidade de canabis (resina) apreendida, correspondente a 749 doses, que havia entrado no EP, levada pela arguida de acordo com o arguido, para posterior venda e cedência, agindo ambos em coautoria, é manifesto que o ilícito é agravado pelo perigo de disseminação pelos reclusos. Por isso, não temos quaisquer dúvidas em concordar com o enquadramento jurídico-penal feito pela 1ª instância, concluindo que a arguida constituiu-se co-autora de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, consumado, previsto e punido nos artigos 21º, n.º 1 e 24.º, do DL n.º 15/93, de 22.01, com referência à tabela I-C, anexa ao mesmo diploma legal, o que se conforma com a jurisprudência deste STJ9. Improcede, pois, nessa parte a argumentação da recorrente. 2ª questão (redução da pena concreta imposta e suspensão da sua execução, com condições) Depois de, no acórdão impugnado se ter qualificada a conduta da arguida/recorrente como constituindo a prática, em autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos artigos 21.º, n.º 1 e 24.º, al. h), do D.L. n.º 15/93, de 22.01, escreveu-se na mesma decisão, sobre as consequências do crime, o seguinte: Da medida concreta da pena: Feito pela forma supra descrita o enquadramento jurídico-penal da conduta dos arguidos, importa agora determinar a natureza e medida das sanções a aplicar. O Código Penal traça um sistema punitivo que se baseia no princípio basilar de que as penas devem ser executadas com um sentido pedagógico e ressocializador. As finalidades das penas estão previstas no artigo 40.º do referido diploma legal e visam, por um lado, proteger bens jurídicos (prevenção geral e especial) e, por outro, reintegrar socialmente o agente. Assim, devem ser tidas em consideração as exigências de prevenção que no caso se façam sentir, incluindo-se as exigências de prevenção geral – que visam o restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime, na medida do indispensável para estabilizar as expectativas comunitárias na validade da norma violada – e aquelas de prevenção especial – que visam tanto a reintegração do arguido na sociedade, como o evitar a prática de novos crimes, impondo-se, assim, a consideração da conduta e personalidade do agente. A determinação da medida concreta da pena será efectuada segundo os critérios consignados no artigo 71.º do Código Penal. Este dispositivo impõe o entendimento de que o julgador se encontra limitado pela exigência do respeito pela dignidade da pessoa humana, pelas exigências de prevenção e que toda a pena tem de ter como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta. Segundo Figueiredo Dias o poder punitivo do Estado exerce-se «primariamente no sentido do controlo do crime; ou vistas as coisas do outro lado, no sentido da protecção das condições essenciais da vida do homem na comunidade e, assim, de livre realização e desenvolvimento da personalidade de cada um»10. Defende ainda o insigne penalista que «através do requisito de que sejam levadas em conta as exigências de prevenção, dá-se lugar à necessidade comunitária da punição do caso concreto e, consequentemente, à realização in casu das finalidades da pena. Através do requisito de que seja tomada em consideração a culpa do agente, dá-se tradução à exigência de que a vertente pessoal do crime – ligada ao mandamento incondicional de respeito pela eminente dignidade da pessoa do agente – limite de forma inultrapassável as exigências de prevenção»11. Assim, importa proceder à ponderação dos factores relevantes para a determinação da medida concreta da pena, à luz do n.º 2 do artigo 71.º, devendo ser atendidas as seguintes circunstâncias concretas quanto a todos os arguidos: - A intensidade do dolo – directo; - As necessidades de prevenção geral, que são elevadíssimas – como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Abril de 200412, «nos tráficos de droga, quer pelo perigo que produzem para eminentes bens jurídico-pessoais, quer pela danosidade social que lhes está associada, e que provoca uma forte atitude comunitária de rejeição, as exigências de prevenção geral são intensamente determinantes, para protecção dos valores que são afectados e para apaziguamento dos sentimentos dos cidadãos e reposição e reforço da confiança na integridade das normas e dos valores que protegem, pelo que tais valores fundamentais são fortemente abalados por atitudes como as supra descritas sendo necessário restaurar a confiança societária na validade da norma. (…)13 No que respeita à arguida AA, há que considerar: - A ilicitude dos factos é média, atendendo ao tipo legal, tendo em conta a qualidade de estupefacientes [haxixe], mas sendo de relevar a quantidade em causa [que permitia obter 749 doses]; - As condições pessoais da arguida e a sua situação social – encontra-se familiarmente integrada na comunidade; - O comportamento da arguida – tem antecedentes criminais pela prática de crimes de roubo e detenção ilegal de arma, tendo praticado os presentes factos no período de suspensão da execução da pena de prisão aplicada. Uma vez feita esta balizagem, adiante-se que a moldura penal prevista para o crime cometido é de pena de cinco a quinze anos de prisão. Atenta tal moldura penal, entende este Tribunal que ponderando conjuntamente as circunstâncias atrás referidas, as políticas de reinserção social e as exigências de prevenção quanto à prática de futuros crimes, tem-se por adequado aplicar à arguida a pena de seis anos de prisão. Vejamos então. Argumenta a recorrente que o tribunal a quo deveria ter dado maior relevo ao circunstancialismo atenuativo apurado (ter agido a título de favor, quiçá, ante a insistência de alguém com ascendente sobre ela, usufruir de estabilidade sócio-familiar, não ter antecedentes deste tipo, apesar de ter estado internada por doença psiquiátrica, ter trabalhado, encontrando-se desde 2014 reformada por invalidez, ser o principal suporte dos pais com quem vive e ser a única cuidadora deles, que precisam dela por serem doentes), propondo a pena de 3 anos de prisão no caso de se enquadrar a sua conduta no crime previsto no art. 25.º, al. a), do DL 15/93 ou, subsidiariamente, a pena de 4 anos e 6 meses de prisão de prisão no caso de se entender que a sua conduta integra o crime previsto no art. 21.º do DL 15/93 e, sem conceder, a pena de 5 anos de prisão, no caso de se manter o crime agravado, mas em qualquer dos casos devendo beneficiar da suspensão da execução da pena, pois os factos já ocorreram há mais de 3 anos e os seus antecedentes, por crimes de natureza diferente, foram praticados há quase 10 anos (em 2014), devendo ser-lhe dada uma nova ou derradeira oportunidade, sendo o acento tónico colocado na prevenção especial, notando-se que está inserida em termos socio familiares, devendo beneficiar em liberdade de acompanhamento psicoterapêutico, como preconizado pela técnica da DGRS, ainda que sujeita a regime de prova e/ou a injunções, uma vez que tem boas condições para alcançar a sua ressocialização em liberdade e assim melhor se satisfazer as finalidades da pena, favorecendo-se a sua ressocialização. Pois bem. Como sabido, as finalidades da pena são, nos termos do artigo 40.º do Código Penal, a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade14. Na determinação da pena, o juiz começa por determinar a moldura penal abstrata e, dentro dessa moldura, determina depois a medida concreta da pena que vai aplicar, para, de seguida, escolher a espécie da pena que efetivamente deve ser cumprida15. Nos termos do artigo 71.º, n.º 1 e n.º 2, do Código Penal, a determinação da medida da pena, dentro dos limites fixados na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo-se, em cada caso concreto, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a seu favor ou contra ele. Diz Jorge de Figueiredo Dias16, que “só finalidades relativas de prevenção, geral e especial, não finalidades absolutas de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal e conferir fundamento e sentido às suas reacções específicas. (...) Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de reintegração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida.” Mais à frente17, esclarece que “culpa e prevenção são os dois termos do binómio com o auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida da pena em sentido estrito”. Acrescenta, também, o mesmo Autor18 que, “tomando como base a ideia de prevenção geral positiva como fundamento de aplicação da pena, a institucionalidade desta reflecte-se ainda na capacidade para abranger, sem contradição, o essencial do pensamento da prevenção especial, maxime da prevenção especial de socialização. Esta (…) não mais pode conceber-se como socialização «forçada», mas tem de surgir como dever estadual de proporcionar ao delinquente as melhores condições possíveis para alcançar voluntariamente a sua própria socialização (ou a sua própria metanoia); o que, de resto, supõe que seja feito o possível para que a pena seja «aceite» pelo seu destinatário - o que, por seu turno, só será viável se a pena for uma pena suportada pela culpa pessoal e, nesta acepção, uma pena «justa». (…) A pena orientada pela prevenção geral positiva, se tem como máximo possível o limite determinado pela culpa, tem como mínimo possível o limite comunitariamente indispensável de tutela da ordem jurídica. É dentro destes limites que podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial - nomeadamente de prevenção especial de socialização - os quais, deste modo, acabarão por fornecer, em último termo, a medida da pena. (…) E é ainda, em último termo, uma certa concepção sobre a ordem de legitimação e a função da intervenção penal que torna tudo isto possível: parte-se da função de tutela de bens jurídicos; atinge-se uma pena cuja aplicação é feita em nome da estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada; limita-se em seguida esta função pela culpa pessoal do agente; para se procurar atingir a socialização do delinquente como forma de excelência de realizar eficazmente a protecção dos bens jurídicos”. Uma vez determinada a pena concreta, pode ainda impor-se, consoante os casos, que o tribunal pondere se a deve substituir por outra pena, dentro do leque das respetivas penas de substituição previstas na lei. Feitas estas resumidas considerações teóricas, importa apreciar a questão colocada pelo recorrente. Como sabido a medida da pena é determinada a partir do que resulta dos factos provados (e do que deles se pode deduzir) em relação a cada arguido que tenha cometido ilícito penal e não a partir de considerações feitas pelo recorrente que não se extraem ou que não encontrem apoio nesses mesmos factos dados como provados. Perante os factos apurados e o que deles se pode deduzir, como veremos, no essencial, estamos de acordo com as considerações feitas pela 1ª instância, quanto à determinação da medida da pena individual que foi imposta à recorrente, acima já transcritas, considerando a moldura abstrata (pena de prisão de 5 anos a 15 anos) do crime de tráfico de estupefacientes agravado por si cometido. Assim, havia que considerar que a arguida/recorrente agiu com dolo (direto) e com consciência da ilicitude da sua conduta. Essa culpa e dolo são intensos, tendo presente a ação concreta em questão nos autos, por si praticada. Como bem diz o Coletivo, quer considerando o seu modo de atuação, visto o circunstancialismo apurado e tendo em atenção, a natureza (canabis resina) e quantidade do estupefaciente (127,941 gramas, com um grau de pureza THC de 29,3% e correspondente a 749 doses), em causa, não se tendo apurado que fosse consumidora, é manifesto que é elevada a ilicitude da sua conduta. Aliás, o seu modo de agir, naquelas circunstâncias, de acordo com o coarguido que visitou no EP de ..., transportando e detendo aquela quantidade de produto estupefaciente que bem sabia ser proibida, também mostra uma personalidade adequada aos factos que cometeu, não se deixando influenciar por aqueles que lhe eram próximos e lhe queriam bem (tanto mais que se encontrava inserida social e familiarmente e era cuidadora dos seus pais, que dela precisavam e dependiam por serem pessoas doentes). O facto da arguida gozar de estabilidade familiar nos termos dados como provados em nada altera a apreciação feita pelo Coletivo, tanto mais que essa situação já existia antes de cometer o crime aqui em apreço, não tendo constituído motivo para a afastar da criminalidade. Portanto, a sua integração familiar e social, estando reformada desde 2014, não a impediu de cometer o crime em apreciação, o que revela bem a sua personalidade avessa ao direito. São também elevadas as exigências de prevenção geral (necessidade de restabelecer a confiança na validade da norma violada), tendo em atenção o bem jurídico violado (genérica e primacialmente a saúde) no crime de tráfico de estupefacientes, que deve ser combatido com maior severidade, embora de forma proporcional à danosidade que causa e tendo em atenção as particulares circunstâncias do caso. Ou seja, ao contrário do alegado pela recorrente, o grau de ilicitude dos factos foi elevada como acima se referiu, assim como são elevadas as razões de prevenção geral positiva. Acresce que a arguida tem antecedentes criminais, ainda que por crimes diversos, mas graves (roubo e detenção ilegal de arma), tendo cometido o crime aqui em apreciação no período da suspensão da execução dessa pena, o que revela uma personalidade avessa ao direito. Ao contrário do que alega a recorrente, não se vê que haja qualquer exagero na ponderação feita pelo Coletivo. O alegado pela recorrente que extravasa o que se extrai dos factos dados como provados não pode ser atendido (v.g. que agiu a título de favor, quiçá ante a insistência de alguém com ascendente sobre ela). Assim, tudo ponderado, considerando o efeito previsível da pena sobre o seu comportamento futuro, olhando para os factos apurados e tendo presente o limite máximo consentido pelo grau de culpa da recorrente, bem como os princípios político-criminais da necessidade e da proporcionalidade, julga-se adequada e ajustada a pena de 6 (seis) anos de prisão que lhe foi imposta pela 1ª instância, a qual favorece a sua reinserção social. Repare-se que, no âmbito da moldura abstrata do crime cometido (pena de prisão de 5 anos a 15 anos) essa pena de 6 anos de prisão fica bem próximo do limite mínimo, o que mostra como o Coletivo valorizou adequadamente as circunstâncias atenuantes e mais favoráveis à arguida. Na perspetiva do direito penal preventivo, a pena de prisão que lhe foi aplicada mostra-se adequada, equilibrada e proporcionada em relação à gravidade dos factos cometidos e carência de socialização da recorrente (evidenciada pela personalidade adequada aos factos que cometeu), satisfazendo as finalidades das penas. A pretendida redução da pena mostra-se desajustada e comprometia irremediavelmente a crença da comunidade na validade da norma incriminadora violada, não sendo comunitariamente suportável aplicar pena inferior à que lhe foi imposta. Assim, perante a pena que lhe foi aplicada (6 anos de prisão), afastada está a possibilidade de aplicação da suspensão da execução da pena de prisão (art. 50.º do CP), improcedendo, igualmente, nessa parte, o requerido pela recorrente. Quanto à necessidade de acompanhamento psicoterapêutico da arguida, poderá a mesma também recebê-lo no EP, em momento oportuno e quando se justificar. Improcede, pois, totalmente a argumentação da recorrente, não tendo sido violados os princípios e normas por ela citados. * Decisão Pelo exposto, acordam nesta Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento ao recurso interposto pela arguida AA. Custas pela recorrente/arguida, fixando-se a taxa de justiça em 7 UC`s. * Processado em computador e elaborado e revisto integralmente pela Relatora (art. 94.º, n.º 2, do CPP), sendo assinado pela própria e pelos Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos. * Supremo Tribunal de Justiça, 25.10.2023 Maria do Carmo Silva Dias (Relatora) Ernesto Vaz Pereira (Adjunto) Ana Barata Brito (Adjunta) _____
1. O arguido CC foi condenado, em co-autoria e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punido nos artigos 21º, n.º 1 e 24.º, do DL n.º 15/93, de 22.01, na pena de 7 (sete) anos de prisão. 2. Rui Pereira, “A descriminação do consumo de droga”, in Liber Discipulorum para Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, pág. 1165. 3. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Abril de 2004, in www.dgsi.pt. 5. “Direito Penal”, 2.º volume, AAFDL, pág. 395. 6. Ver, entre outros, Ac. de 23/1/91, BMJ 403/161 e Ac. de 13/2/91, BMJ 404/188. 7. Assim, entre outros, Ac. STJ de 12.07.2000, BMJ n.º 499/117 ss. e Ac. STJ de 23.0302006, CJ Ac. do STJ 2006, I, 219 e 220. 8. Neste sentido, entre outros, acórdãos do STJ de 23.02.2005 e de 17.04.2008, relatados por Henriques Gaspar. 9. Ver jurisprudência citada pelo Sr. PGA, no seu Parecer, v.g. acórdãos do STJ de 19.05.2021 (Nuno Gonçalves), de 30.11.2022 (Conceição Gomes) e de 21.06.2023 (Pedro Branquinho Dias). 10. in “Jornadas do CEJ - Pressupostos da Punição”, pág. 47 11. “Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime”, 1993, pág. 215. 12. In www.dgsi.pt. 13. No que respeita ao arguido CC, há ainda que atentar nas seguintes circunstâncias concretas: - A ilicitude dos factos é média, atendendo ao tipo legal, tendo em conta a qualidade de estupefacientes [haxixe], mas sendo de relevar a quantidade em causa [que permitia obter 749 doses]; - As condições pessoais do arguido e a sua situação social – à data da prática dos factos, encontrava-se em cumprimento de pena há mais de uma década, estando desinserido socialmente; actualmente, ainda se encontra em cumprimento de pena efectiva de prisão; - O comportamento do arguido – à data da prática dos factos, o arguido tinha antecedentes criminais, designadamente pela prática de crimes de idêntica natureza, sendo muito elevadas as necessidades de prevenção especial. Uma vez feita esta balizagem, adiante-se que a moldura penal prevista para o crime cometido é de cinco a quinze anos de prisão, nos termos do n.º 1 dos artigos 21.º e 24.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro. Atenta tal moldura penal, entende este Tribunal que ponderando conjuntamente as circunstâncias atrás referidas, as políticas de reinserção social e as finalidades utilitaristas da prevenção geral, tem-se por adequado aplicar ao arguido CC a pena de sete anos de prisão. 14. Anabela Rodrigues, «O modelo da prevenção na determinação da medida concreta da pena», in RPCC ano 12º, fasc. 2º (Abril-Junho de 2002), 155, refere que o art. 40.º CP condensa “em três proposições fundamentais, o programa político-criminal - a de que o direito penal é um direito de protecção de bens jurídicos; de que a culpa é tão só um limite da pena, mas não seu fundamento; e a de que a socialização é a finalidade de aplicação da pena”. 15. Neste sentido, v.g. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Parte geral II, As consequências jurídicas do crime, Editorial Notícias, 1993, p.198. 16. Jorge de Figueiredo Dias, ob. cit., p. 72. 17. Jorge de Figueiredo Dias, ob. cit., p. 214. 18. Jorge de Figueiredo Dias, "Sobre o estado actual da doutrina do crime”, RPCC, ano 1º, fasc. 1º (Janeiro-Março de 1991), p. 29. |