Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03P2130
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: COSTA MORTÁGUA
Descritores: RECURSO PENAL
RECURSO PARA O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
DECISÃO CONDENATÓRIA
SENTENÇA CONDENATÓRIA
ADMISSIBILIDADE
INADMISSIBILIDADE
RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Nº do Documento: SJ200306120021305
Data do Acordão: 06/12/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL COIMBRA
Processo no Tribunal Recurso: 2898/02
Data: 11/27/2002
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Sumário :
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

Na comarca do Sabugal, julgado em processo comum, com intervenção do Tribunal Colectivo, mediante acusação do Ministério Público, o arguido A, com os sinais dos autos, foi condenado como autor material de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, previsto e punível nos termos dos artigos, 131º, 132º, nºs 1 e 2, al.h), 22º, 23º e 74º, todos do CP, na pena de 3 anos e 4 meses de prisão.
Inconformado interpôs recurso para a Relação de Coimbra.
Nas conclusões da motivação apresentada insurge-se contra a qualificação jurídico-penal operada no acórdão recorrido, discordando que o meio utilizado, dado por provado no cometimento do crime, seja idóneo a causar a morte do ofendido e que a sua conduta revele especial censurabilidade ou perversidade.
A Relação negou provimento ao recurso, ‘mantendo-se inalterada a decisão impugnada’.
Inconformado, o arguido interpôs recurso para este Supremo Tribunal.
As conclusões da motivação:
1. Afirma-se no acórdão revidendo (partindo o mesmo, na completude, de tal pressuposto) que o recorrente (no recurso interposto para o Tribunal da Relação de Coimbra) questionava apenas a qualificação do crime feita que foi como integradora da alínea h) do artigo 132º do CP;
2. Tal não corresponde à verdade, uma vez que, nas conclusões 5.1 e 5.2, o recorrente questiona (de forma bem clara) se a sua conduta preencheu (ou não) o crime p. e p. no artigo 131º do CP;
3. Por isso que, salvo o devido respeito e melhor opinião, o acórdão revidendo não se pronunciou sobre uma concreta questão que foi submetida à sua apreciação, razão pela qual se verifica a nulidade do mesmo - o que se alega para todos os devidos e legais efeitos;
4. Não existem nos autos factos dados como provados que permitam extrair a conclusão, sem margem para dúvidas, de que o meio utilizado pelo arguido/recorrente era idóneo a causar a morte do ofendido B (obviamente se sublinhando que jamais houve a intenção de matar quem quer que fosse...);
5. Mas, ainda que se pudesse considerar verificado no caso vertente a prática de um crime de homicídio na forma tentada (o que apenas por cautela de patrocínio se admite), não existem no processo em epígrafe circunstâncias que permitam considerar a respectiva qualificação (designadamente a alínea h) do art. 132º, nº 2 do CP);
6. O acórdão revidendo violou, entre outras, as normas dos artigos, 379º, nº 1, alínea c), e 425º, nº 4, do CPP, e, 22º, 23º, 73º, 131º e 132º, nº 1 e 2, alínea h), do CP.
Respondeu o Ministério Público, assim rematando o seu articulado:
1. O acórdão recorrido não padece da invocada nulidade, pois que se pronunciou sobre a matéria de direito posta em causa no recurso.
2. As circunstâncias em que o arguido desenvolveu a sua acção justificam que a tentativa de homicídio seja qualificada nos termos do nº 2 do artigo 132º do CP.
Neste Supremo Tribunal a Exmª. Procuradora-Geral Adjunta apôs o seu ‘visto’ nos autos.
No despacho preliminar do Relator suscitou-se a questão da inadmissibilidade do recurso, face ao estatuído nos artigos, 400º, nº 1, al. f), 409º, nº 1, e 399º, do CPP, sendo, por conseguinte, os autos presentes à conferência.
Correram os ‘vistos’ legais.
Não é admissível recurso, nomeadamente, ‘de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de primeira instância, em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a oito anos, mesmo em caso de concurso de infracções - artigo 400º, nº 1, al. f), do CPP.
In casu, o recorrente foi condenado como autor material de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, previsto e punível nos termos dos artigos, 131º, 132º, nºs 1 e 2, al. h), 22º, 23º e 74º, todos do CP, na pena de 3 anos e 4 meses de prisão.
Aquela disposição processual legal consubstancia uma aplicação do princípio da ‘dupla conforme’.
Se a decisão condenatória da 1ª instância for confirmada em recurso pela Relação só é admissível recurso se a pena aplicável for superior a oito anos.
Também aqui - tal como na al.e), do nº 1, do mesmo dispositivo - a expressão ‘mesmo em caso de concurso de infracções’ significa que se há-de atender, sendo caso disso, unicamente à pena aplicável a cada um dos crimes em concurso (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 2º edº, II, 325).
Importará, assim, no critério imposto pelos normativos invocados, indagar se no caso sub juditio não é admissível recurso, socorrendo-nos, em primeira linha, do artigo 400º do CPP.
Repete-se, a pena aplicada ao recorrente acha-se fixada em 3 anos e 4 meses de prisão, inferior, pois, ao limite de 8 anos.
Já a moldura penal abstracta correspondente ao ilícito por que foi condenado é superior a esse limite.
O recurso acha-se interposto unicamente pelo arguido pelo que nunca a pena aplicada pode ser agravada (artigo 409º, do CPP), e, por essa via, superior a 8 anos de prisão.
É o que resulta expressamente dessa disposição quando preceitua que interposto recurso de decisão final somente pelo arguido, pelo Ministério Público, no exclusivo interesse daquele, ou pelo arguido e pelo Ministério Público no exclusivo interesse do primeiro, o tribunal superior não pode modificar, na sua espécie ou medida, as sanções constantes da decisão recorrida, em prejuízo de qualquer dos arguidos, ainda que não recorrentes, não se aplicando essa proibição à agravação da pena de multa, se a situação económica e financeira do arguido tiver entretanto melhorado de forma sensível.
Ou seja, sempre está presente o limite da alínea f): pena de prisão não superior a 8 anos, sendo, como é, a decisão da Relação confirmativa da decisão condenatória da primeira instância.
Essa é a pena máxima aplicável, que coincide, por força da proibição da reformatio in pejus, com a pena aplicada.
Já seria obviamente diferente em caso de recurso do assistente, havendo-o, ou do Ministério Público, sem ser no interesse exclusivo da defesa, em que pena aplicada e aplicável não coincidiriam.
Cai, assim, o presente caso no âmbito de aplicação daquela alínea, assim se afastando a regra geral do artigo 399º do CPP (recorribilidade) (1).
Dispõe a primeira parte do nº 2 do artigo 414º do CPP que o recurso não é admitido quando a decisão for irrecorrível.
Sendo certo que o despacho que admitiu o recurso na Relação não vincula este Supremo Tribunal (nº 3 do artigo 414º do CPP).
Termos em que acordam os Juízes da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em rejeitar o presente recurso, por não ser recorrível a decisão que se pretende impugnar (artigos, 420º, nº 1, e 414º, nº 2, do CPP).
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 Ucs (artigo 420º, nº 4, do CPP), e 2 Ucs pelo decaimento do recurso.

Lisboa, 12 de Junho de 2003
Costa Mortágua
Rodrigues da Costa
Abranches Martins
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(1) Cfr., no mesmo exacto sentido da presente decisão, os recentes Acórdãos deste Supremo Tribunal proferidos em 08.05.2003 (Procº nº 1224/03-5), 15.05.2003 (Procº nº 1109/03-5) e 22.05.2003 (procº nº 1798/03-5).