Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1106/12.9YYPRT-B.P1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ABRANTES GERALDES
Descritores: LIVRANÇA
LIVRANÇA EM BRANCO
VINCULAÇÃO DA SOCIEDADE SUBSCRITORA
PACTO DE PREENCHIMENTO
AVALISTA DO SUBSCRITOR
RESPONSABILIDADE AUTÓNOMA DO AVALISTA
LIMITAÇÃO DOS MEIOS DE DEFESA DO AVALISTA
Data do Acordão: 04/28/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA EM PARTE
Área Temática:
DIREITO BANCÁRIO - ACTOS BANCÁRIOS EM ESPECIAL ( ATOS BANCÁRIOS EM ESPECIAL ) / CRÉDITO BANCÁRIO / CESSÃO FINANCEIRA.
DIREITO COMERCIAL - TITULOS DE CRÉDITO / LIVRANÇA / AVAL.
DIREITO FALIMENTAR - PLANO DE INSOLVÊNCIA / EXECUÇÃO DO PLANO DE INSOLVÊNCIA E SEUS EFEITOS.
Doutrina:
- Angel Rojo, El aval, em Derecho Bancário, Estudios sobre la Ley Cambiaria y del Cheque, 601 e ss..
- Carolina Cunha, Letras e Livranças, 107, 108, 112, 252, 254, 315, 632, 636, 637, 641e jurisprudência aí citada, 642, 652; Manual de Letras e Livranças, 40 e 123.
- Carvalho Fernandes e João Labareda, no “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas” Anotado.
- Justino Dominguez, El aval de la letra de cambio, em Documentacion Juridica - Monográfico dedicado a la Ley Cambiária e del Cheque, 43 e ss..
- Pinto Furtado, Títulos de Crédito, 145, 153, 154.
- Romano Martinez e Fuzeta da Ponte, Garantias de Cumprimento, 5.ª ed., 119.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 859.º.
CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGO 217.º, N.º4.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 662.º, N.º4, 671.º, N.ºS 1 E 2, 672.º, N.º 3.
LULL: - ARTIGOS 10.º, 32.º, §2.º, 49.º, 77.º, § 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 10-2-2009, EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 29-11-2011, EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 26-2-2013, DE 10-5-2011, DE 11-2-2010, DE 3-9-2010, DE 10-9-2009, DE 2-12-2008, DE 5-12-2006, DE 1-7-2003, DE 11-11-2004, TODOS EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 30-10-2014,EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
1. A homologação do plano de insolvência relativamente à subscritora da livrança não altera a responsabilidade solidária assumida pelo respectivo avalista (art. 217º, nº 4, do CIRE).

2. A regularidade da vinculação de uma sociedade numa livrança subscrita em branco é aferida em função do regime de representação societário que vigorava na data da subscrição, sem qualquer interferência decorrente de modificação posteriormente ocorrida no pacto social.

3. O preenchimento de livrança subscrita e avalizada em branco, com aposição de um quantitativo superior ao que emergia do pacto de preenchimento que a sustentava, não determina a nulidade do título de crédito, mas apenas a redução do quantitativo aos limites ajustados ao pacto de preenchimento.

4. O avalista do subscritor responde autonomamente perante o sacador.

5. Sem embargo da invocação de nulidade formal da livrança ou do pagamento do valor nela inscrito ao seu portador, o avalista não pode suscitar, em regra, perante o sacador e portador da livrança excepções que decorrem unicamente da relação subjacente estabelecida entre este e o subscritor.

6. O avalista da sociedade subscritora da livrança não pode invocar perante o sacador e portador da mesma designadamente a falha de representação da sociedade nem a excepção de compensação emergente das relações estabelecidas entre o sacador e a sociedade subscritora.

Decisão Texto Integral:

I – O Banco AA, S.A., interpôs contra BB acção executiva para pagamento de € 1.551.312,23.

Pelo executado foi deduzida oposição que foi julgada improcedente.

O executado interpôs recurso de apelação que foi julgado parcialmente procedente, sendo deduzida à quantia exequenda o valor de € 381.522,72.

O executado interpôs recurso de revista normal e, em termos subsidiários, recurso de revista excepcional.

Foi proferido despacho pelo ora relator considerando inadmissível o recurso de revista normal, atenta a verificação de uma situação de dupla conforme, na medida em que a Relação produzira um resultado quantitativamente mais favorável ao recorrente/embargante.

Este, contudo, veio reclamar para a conferência cuja decisão é integrada no presente acórdão.

Vejamos:

No anterior recurso de apelação que foi interposto pelo embargante a Relação reduziu a quantia exequenda. Tal redução foi determinada em função da precedente alteração da decisão da matéria de facto no que concerne à repercussão financeira da não amortização do empréstimo a que os autos respeitam (ponto 56º da matéria de facto adiante enunciada). Foi tal modificação que levou a Relação a determinar a redução da quantia exequenda, quanto ao montante fixado no ponto 56º.

Todavia, a Relação já considerou insuficiente para sustentar uma redução superior a matéria de facto que também adicionou e que adiante se enuncia sob o ponto 58º. Relativamente a esta matéria de facto considerou que da mesma não decorria para o recorrente qualquer efeito, tendo em conta que se trata de matéria que se inscreve unicamente na relação subjacente estabelecida entre o Banco exequente e a subscritora da livrança.

Trata-se, nesta perspectiva, de uma fundamentação substancialmente diversa da que foi empregue pela 1ª instância e que, por isso, justifica o acesso ao recurso de revista nos termos da regra geral do art. 671º, nº 1, do CPC.

Por conseguinte, decidir-se-á considerando a interposição do recurso de revista normal, sem necessidade de remeter os autos à formação prevista no nº 3 do art. 672º do CPC para efeitos de apreciação da admissibilidade da revista excepcional.


II – No recurso de revista foram suscitadas pelo recorrente diversas questões:

a) Entre elas encontra-se a arguição de nulidade do acórdão decorrente da omissão de pronúncia quanto à impugnação de uma decisão interlocutória.

Ora, esta nulidade foi reconhecida e apreciada no acórdão complementar que se encontra a fls. 1239 e segs., o qual foi notificado às partes que não reagiram.

Aliás, tratando-se de acórdão que reapreciou decisão interlocutória de natureza adjectiva, a sua impugnação para este Supremo Tribunal debater-se-ia com a forte restrição prevista no art. 671º, nº 2, do CPC.

Por conseguinte, tal questão não será apreciada por este Supremo Tribunal de Justiça.


b) Foram suscitadas na revista ainda as seguintes questões:

1) Ineficácia da livrança, por ter sido subscrita em branco apenas por um dos Administradores da Sociedade, sendo que, na data do preenchimento da livrança, já eram exigidas as assinaturas de dois Administradores, e liberação do avalista em face do disposto no art. 653º do CC;

2) Invocação por parte do avalista da aprovação do plano de insolvência relativamente à subscritora da livrança CC;

3) Nulidade da livrança por ter sido afectada por preenchimento abusivo;

4) Invocação por parte do avalista do facto de a exequente não ter procedido às amortizações de acordo com as instruções dadas pela sociedade mutuária e subscritora da livrança;

5) Invocação por parte do avalista da compensação resultante da consideração de spreads superiores aos que eram devidos pela sociedade mutuária;

6) Não dedução no capital em dívida da quantia de € 381.522,72 já considerada pela Relação.

Houve contra-alegações, pronunciando-se a exequente no sentido da improcedência de cada uma das questões.

Cumpre decidir.


II – Factos provados:


III – Decidindo:

1. Necessidade de duas assinaturas para vincular a subscritora e liberação do avalista:

Elementos a ponderar:

- A livrança foi subscrita em 18-2-09 pela CC através da assinatura de um seu Administrador, sendo entregue à exequente aquando da celebração do contrato de financiamento;

- Nessa data, a Sociedade obrigava-se através de um só Administrador, regime que apenas foi modificado em 29-4-10, passando a exigir-se a intervenção de dois Administradores;

- A livrança foi preenchida em 18-9-10.

Alega o avalista/embargante que a livrança apenas foi assinada em branco por um Administrador da Sociedade subscritora, sendo que na ocasião em que foi preenchida pela exequente já o respectivo pacto social havia sido alterado, obrigando-se a mesma Sociedade pela intervenção de outro Administrador.

A argumentação do executado não procede por duas ordens de razões.

Em primeiro lugar, ainda que houvesse alguma falha no procedimento relacionado com a vinculação da Sociedade subscritora da livrança a mesma não podia ser invocada pelo respectivo avalista.

Na verdade, como decorre do art. 32º §2º da LULL, a responsabilidade assumida pelo avalista é independente dos vícios da obrigação cambiária, com excepção dos que colidam com a forma do título de crédito, o que não se verifica quando é suscitada a insuficiência de intervenientes para vincular a Sociedade subscritora da livrança.

Em segundo lugar, a vinculação da Sociedade (tal como a identificação dos sujeitos que a podem obrigar) afere-se através do teor do pacto social vigente na data que o título de crédito foi subscrito, não sofrendo qualquer interferência em resultado de eventuais modificações posteriormente ocorridas.

É este o resultado da admissão legal de livranças em branco que decorre do disposto nos arts. 77º § 2 e 10º da LULL.

Não se ignora que tanto na jurisprudência como na doutrina não é uniforme o entendimento quanto ao momento da constituição da obrigação cambiária, se na data da sua emissão do título (tese da emissão), se naquela em que se processa o preenchimento dos elementos em falta, quando a sua entrega é acompanhada de um pacto de preenchimento (tese do preenchimento).

A primeira tese foi acolhida no Ac. do STJ, de 29-11-11 (www.dgsi.pt) onde se refere que é com a subscrição da livrança que “cambiariamente, nasce e fica constituída a obrigação, bem como a responsabilidade do subscritor (e seus avalistas) pelo respectivo pagamento na data do vencimento”. Tese também adoptada nos Acs. do STJ, de 9-7-02 e 20-5-04, referenciados por Carolina Cunha (Letras e Livranças, pág. 641).

Já a segunda solução é defendida por Pinto Furtado (Títulos de Crédito, pág. 145) e por Carolina Cunha (ob. cit., pág. 636), com argumentos que fazem todo o sentido mas que, no entanto, não interferem na resolução do caso concreto em que a questão está conexionada com a alteração do modo de funcionamento da Sociedade.

Com efeito, independentemente da resposta à questão enunciada acerca do momento em que efectivamente se constitui obrigação cambiária (in casu da subscritora da livrança), tal não interfere na eficácia da anterior vinculação da Sociedade. Com efeito, mesmo quando se entenda que a constituição da obrigação opera no momento do preenchimento dos elementos em falta, com a precedente subscrição da livrança constitui-se a obrigação da subscritora de assumir a obrigação cambiária nos termos previamente ajustados (Carolina Cunha, ob. cit., pág. 637).

Como bem o ilustra esta autora, as alegações em torno da vinculação cambiária de sociedades “correspondem – como o caso concreto, aliás, bem o evidencia – a uma tentativa dos avalistas (e da própria sociedade) para se eximir ao pagamento do título, mais do que a uma verdadeira desavença jurídica” (ob. cit., pág. 641), para logo de seguida concluir que “as alterações sofridas pela composição dos órgãos de representação não afectam os compromissos em cada momento assumidos pela pessoa colectiva” e que “o que importa avaliar é se, em cada momento, o sujeito que concretamente agiu pela sociedade era aquele a quem competia tal incumbência” (pág. 642).

Deste modo, a eficácia da vinculação cambiária estabelecida em representação da CC nunca seria afectada pelo facto de, na data em que ocorreu o seu preenchimento, já ter sido modificado a sua forma de vinculação perante terceiros.

O facto de estar associado à subscrição e ao aval de livrança em branco a assinatura simultânea de um pacto de preenchimento revela bem como é destituída de fundamento jurídico a argumentação tecida pelo executado em sentido contrário.


Com a anterior resposta improcede também a outra questão que a esta estava associada relacionada com a alegada desoneração do embargante avalista.

Não havendo motivo para considerar a CC desonerada da sua responsabilidade, enquanto subscritora da livrança, não faz qualquer sentido a argumentação deduzida pelo embargante para se eximir à sua responsabilidade que assumiu enquanto avalista e devedor solidário da quantia garantida pela livrança.

Ao avalista que paga a quantia inscrita na livrança é concedido o direito de regresso relativamente ao respectivo avalizado, nos termos do art. 49º da LULL.

Ademais, ainda que não fosse este o regime resultante da LULL, não encontraria justificação o recurso subsidiário à norma do art. 653º do CC que vigora em exclusivo para a fiança, sem que possa ser feita qualquer assimilação entre a figura do avalista e do fiador.


2. Efeitos da aprovação do plano de insolvência da subscritora da livrança:

Alega o recorrente que o plano de insolvência aprovado relativamente à subscritora da livrança também produz efeitos na sua esfera jurídica, quer porque a exequente irá receber da subscritora 50% da dívida, quer porque com a aprovação do plano de insolvência houve novação objectiva da dívida.

Nenhuma das questões procede.

Sendo o embargante devedor solidário, a aprovação do plano de insolvência relativamente à subscritora da livrança não o liberta de qualquer responsabilidade perante o credor, quer pelas regras gerais da LULL, quer de acordo com o que expressamente se dispõe no nº 4 do art. 217º do CIRE.

Este preceito não deixa margem para dúvidas, como bem o revela o Ac. do STJ, de 26-2-13 (www.dgsi.pt), onde se decidiu expressamente que “a aprovação de um plano de insolvência, com moratória para pagamento da dívida, de que beneficia a sociedade subscritora da livrança, não é invocável pelos avalistas contra quem é instaurada a execução para seu pagamento”.

Também no Ac. do STJ, de 30-10-14 (www.dgsi.pt) se refere que, uma vez que “o plano de insolvência está, inexoravelmente, de fora da relação cartular configurada na livrança que se executa, esta ocorrência judicial não é susceptível de se impor na presente execução”.

Trata-se, aliás, de entendimento também expresso por Carvalho Fernandes e João Labareda, no CIRE anot., quando referem que “seja qual for a posição assumida no processo, o credor mantém incólumes os direitos de que dispunha contra condevedores e terceiros garantes, podendo exigir deles tudo aquilo por que respondem e no regime de responsabilidade”.

Obviamente que o credor não poderá receber em duplicado e que o pagamento que eventualmente venha a ser efectuado por algum dos devedores solidários deverá ser contabilizado de forma a evitar que o credor receba em duplicado.

Todavia, tal não interfere na tramitação de qualquer dos processos que esteja pendente, devendo ser garantida a possibilidade de o credor agir relativamente a cada um dos devedores solidários. É este, aliás, um dos efeitos decorrentes do regime de solidariedade passiva que vigora em sede de títulos de crédito e que, relativamente ao avalista, decorre ainda da natureza autónoma da sua vinculação e do facto de nem sequer se exigir a excussão do património da avalizada, como ocorreria, em regra, se fosse aplicável o regime da fiança.

Também improcede a alegada novação objectiva da dívida que, aliás, não encontra qualquer eco na sentença que homologou o plano de insolvência, sendo certo que, atento o disposto no art. 859º do CC, a vontade de contrair uma nova obrigação em substituição da antiga deve ser expressamente manifestada.


3. Alegada nulidade do título resultante do preenchimento abusivo da livrança:

Alega o recorrente que, tendo sido reconhecido que não foi respeitado o cumprimento de uma cláusula relativa à consignação de rendimentos e tendo-se determinado a dedução da quantia de € 381.522,72 à quantia exequenda, deveria ter sido declarada a nulidade da livrança com tal fundamento.

Tal argumento não procede, sendo comummente aceite que o preenchimento de alguma livrança com resultado diverso do que deveria decorrer do pacto de preenchimento não determina a nulidade do título de crédito, mas tão só a redução do capital inscrito por forma a ajustá-lo àquele pacto.

Assim se decidiu, designadamente, no Ac. deste STJ, 10-2-09 (www.dgsi.pt), no qual se refere que “tendo o beneficiário respeitado qualitativamente o acordo de preenchimento, a inscrição, numa livrança subscrita em branco, de um montante superior ao devido à data do preenchimento não a inutiliza como título executivo”. No mesmo sentido cfr. o Ac. do STJ, de 11-2-10.

É também esta a solução defendida pela doutrina, como o revela Carolina Cunha, Letras e Livranças, pág. 632, quando conclui que se “opera a mera reconfiguração da pretensão cambiária, devolvendo-a aos limites excedidos pelo credor”.

Correspondentemente, o avalista que efectuar o pagamento da dívida pelo montante que vier a ser determinado depois de operada a redução em conformidade com o pacto de preenchimento poderá exercer o direito de regresso, nos termos do art. 49º da LULL, não decorrendo daí qualquer prejuízo adicional para o avalista.


4. Invocação por parte do avalista de excepções resultantes de relações imediatas entre a exequente e a subscritora:

4.1. No acórdão recorrido foi dada razão ao executado na parte em que no montante inscrito na livrança não foi ponderado o incumprimento de uma cláusula que obrigaria a exequente a respeitar a afectação específica da quantia de € 381.522,72 (deduções efectuada no adiantamentos de quantias ao abrigo do contrato de factoring) à amortização do empréstimo garantido pela livrança avalizada, o que se reflectiu na redução do montante da obrigação exequenda.

Do acórdão recorrente apenas recorreu o executado. Uma vez que a exequente se conformou com o mesmo, está fora de discussão neste recurso de revista a reapreciação dos fundamentos que determinaram um tal resultado que, deste modo, se considera transitado em julgado, importando apenas reflectir sobre o outro segmento da pretensão do avalista.


4.2. Alega o executado avalista que o que foi acordado entre a exequente e a subscritora da livrança acerca das deduções feitas ao abrigo do contrato de factoring implicaria um efeito mais amplo do que o declarado pela Relação, de tal modo que ao valor aposto na livrança - € 1.405.964,55 - já deduzido do montante de € 381.522,72, deve ainda ser abatido o valor de € 803.980,79.

Para o efeito, considera que o mesmo juízo que levou a Relação a determinar a dedução da quantia de € 381.522,72 deveria estender-se ao valor das deduções de 22,5% feitas nos adiantamentos efectuados ao abrigo do contrato de factoring, uma vez que tais deduções não foram aplicadas na amortização do empréstimo a que se reporta a livrança, tendo-lhes sido dado outro destino, prejudicando o executado na sua qualidade de avalista.


4.3. Decorre da matéria de facto provada que:

- Em 19-8-09, foi feita uma alteração do contrato de factoring nº ...48, celebrado entre a CC e a exequente, nos termos da qual 10% dos adiantamentos seriam retidos em conta-margem para amortização de responsabilidades (cfr. doc. fls. 207);

- No dia subsequente (20-8-09), por solicitação da exequente, a CC dirigiu carta à mesma solicitando que esses 10% fossem afectos à liquidação do empréstimo aqui em causa (doc. de fls. 208/209), instrução que foi cumprida, tendo os 10% retidos sido afectos ao pagamento do empréstimo;

- A 23-2-10 (e concomitantemente com a celebração de contrato de financiamento de € 2.000.000,00, a 18-2-10) foi feita nova alteração ao contrato de factoring nos termos da qual o adiantamento a reter em conta margem para amortização de responsabilidades passou a ser de 22,5% (doc. fls. 211);

- No dia 12-7-10, a CC dirigiu à exequente a carta de fls. 212, solicitando que esses 22,5% fossem afectos:

- À amortização do empréstimo aqui em causa, bem como à amortização de empréstimo nº ...851, no valor de € 2.000.000,00, contratado posteriormente ao empréstimo de € 5.500.000,00;

- Após a liquidação integral de tais empréstimos, à liquidação dos montantes em dívida ao abrigo de contrato de abertura de crédito sob a forma de conta corrente nº ...84, no montante de € 750.000,00;

- Após a liquidação desse empréstimo, utilizar o remanescente na liquidação parcial dos montantes em dívida ao abrigo da conta corrente n.º ...19, no montante de € 2.743.388,43.

Mais se provou ainda – em parte, devido a alteração introduzida pela Relação – que:

- Caso tivessem sido cumpridas as instruções dadas quanto à imputação dos valores retidos na conta-margem e à amortização dos empréstimos identificados (considerando-se uma imputação proporcional ao valor inicial dos mesmos), do saldo da conta margem de € 1.096.337,45 (indevidamente daí libertado para fins diversos), o valor de € 803.980,79 (proporção imputável ao empréstimo de e € 5.500.000,00), teria igualmente sido imputado à amortização do empréstimo garantido (facto aditado);

- Consequentemente, o capital em dívida à data da insolvência não seria de € 1.405.964,55, mas antes de € 220.461,55 (€ 1.405.965,06-€ 381.522,72-€ 803.980,79) (facto aditado);

- O valor de € 1.096.337,45 foi retido na conta-margem, não tendo sido utilizado para amortização dos empréstimos a que se destinava;

- Ao libertar os montantes existentes na conta-margem para fins diversos, a exequente permitiu o pagamento de outras obrigações da CC, nomeadamente descobertos na Conta de Depósitos à Ordem.


4.4. A tese do recorrente improcede por dois motivos diversos.

a) Por um lado, não é revelado pela matéria de facto o incumprimento de qualquer acordo que impusesse à exequente que a imputação das retenções da percentagem de 22,5% sobre os adiantamentos concedidos à CC ao abrigo do contrato de factoring se fizesse obrigatoriamente sob uma determinada forma.

b) Em segundo lugar, o avalista não pode invocar questões que emergem simplesmente das relações estabelecidas entre a subscritora e a sacadora.


4.4.1. Quanto ao primeiro fundamento:

a) Tendo sido celebrado pelo Banco exequente e pela CC um contrato de factoring, em 19-8-09 o mesmo sofreu uma alteração no sentido de 10% dos adiantamentos serem retidos “em conta margem para amortização de responsabilidades” (fls. 207 e 630).

No dia subsequente (20-8-09), por solicitação da exequente, a CC dirigiu-lhe uma carta solicitando que esses 10% fossem afectos à liquidação do empréstimo aqui em causa (fls. 208/209). Esta instrução foi cumprida, tendo a retenção de 10% sido afecta ao pagamento do empréstimo.

Antes de passarmos à análise dos que posteriormente ocorreu, importa, no entanto, analisar o teor dessa primeira missiva, na qual se refere, além do mais, que “fica expressamente convencionado que esse Banco pode, mas não fica obrigado a, de imediato, após o crédito das quantias em causa, proceder ao débito dos montantes respectivos na conta de D. O. com o nº …28, bem como da conta margem nº …77 aberta para o efeito, utilizando-os no imediato pagamento, ainda que antecipado, das obrigações desta empresa perante esse Banco, emergentes das operações acima enunciadas e/ou retendo-os numa conta margem criada especificamente para o efeito, a título de caução das mesmas responsabilidades, sem necessidade de declaração expressa ou tácita adicional desta Empresa” (fls. 208 e 631).

Em 23-2-10 foi feita nova alteração ao mesmo contrato de factoring, nos termos da qual o adiantamento a reter em conta margem “para amortização de responsabilidades” passaria a ser de 22,5% (fls. 211 e 634).

No dia 12-7-10, a CC dirigiu à exequente a carta de fls. 212 e 635, solicitando que esses 22,5% fossem afectos à amortização do empréstimo aqui em causa, bem como à amortização de empréstimo nº 190.189.851, no valor de € 2.000.000,00, contratado posteriormente ao empréstimo de € 5.500.000,00, seguindo-se-lhe outras obrigações.

Refere-se em tal carta que “… vimos por este meio dar instruções irrevogáveis a esse banco, para, na data em que os dois contratos de empréstimo supra identificados se encontrarem integralmente liquidados, utilizarem os montantes que se encontrarem depositados na conta de depósitos nº ....677 …”.


b) Importa sublinhar, antes de mais, que a natureza irrevogável da instrução (que estabelecia uma especial afectação de quantitativos que viessem a ser contabilizado na conta de depósitos à ordem) era estabelecida a favor do Banco credor, por forma a evitar que a CC alterasse o destino das quantias que iam sendo creditadas nessa conta correspondentes às deduções que eram feitas nos adiantamentos que eram creditados relacionados com créditos da CC perante terceiros, ao abrigo do contrato de factoring.

Tais instruções tinham, aliás, como precedente mais antigo as que haviam sido dadas na carta de 18-2-09 (data da celebração do contrato de empréstimo a que os autos se reportam) a que o próprio executado alude no art. 209º da petição e que se encontra a fls. 200 e 623. Instruções irrevogáveis, na perspectiva da subscritora e mutuária, que esta se obrigou a dar à Soares da Costa para que esta creditasse as quantias que lhe deveriam ser pagas na conta à ordem assocada à amortização do empréstimo.


c) Ora, como bem se refere no acórdão recorrido, estas instruções são posteriores à data em que foi subscrita e avalizada a livrança ajuizada - 18-2-09 - não podendo interferir no anterior pacto de preenchimento que simultaneamente foi assinado pelas partes aquando da outorga do contrato de financiamento que estava subjacente a tal título de crédito.

Mas ainda que, porventura, se admitisse que essa carta também vincularia o Banco a obedecer a uma determinada ordem de amortizações por via das quantias que viessem a ser depositadas em tal conta bancária, os autos não revelam que a devedora alguma vez se tivesse insurgido contra o modo como as amortizações foram efectivamente executadas, nada obstando, pois, a que aquelas indicações fossem objecto de alteração, expressa ou tácita, neste caso, por via de uma prática que não foi questionada por nenhuma das partes.

Não pode ignorar-se ainda, nesta sede, que o avalista ora recorrente era simultaneamente Administrador da CC, o que torna ainda mais incompreensível a invocação – sem limites de razoabilidade – de determinados meios de defesa, só porque numa determinada perspectiva formal existe essa possibilidade consentida por uma interpretação abusiva do direito processual e por uma interpretação enviesada do direito material.

Por fim, o decaimento do argumento apresentado pelo executado sempre decorreria da constatação de que a referida carta subscrita pela CC não tinha, por si, a virtualidade de modificar o que ficara condensado na anterior missiva de 20-8-09, da qual resultava que as operações de amortização aí previstas constituíam uma faculdade do Banco, mas não uma obrigação que este devesse respeitar.

Ora, esta e outras cláusulas do contrato de factoring - com excepção do aumento da percentagem da retenção para 22,5% - ficaram salvaguardadas na alteração operada em 23-2-10, onde se consignou que “para todas as restantes condições, mantém-se em vigor o contrato de factoring supra identificado”.


d) Por cada um destes motivos se pode concluir que improcede a pretensão do recorrente que, com mais firmeza ainda, é confirmada pela resposta que será dada à outra questão.


4.4.2. Quanto ao segundo fundamento:

a) O exequente, embora também fosse Administrador da devedora CC, foi demandado e está a defender-se na sua qualidade de avalista dessa sociedade subscritora da livrança executada.

O facto de a livrança apresentada como título executivo constituir um título de crédito cujo regime jurídico decorre essencialmente da LULL limita necessariamente o âmbito da defesa susceptível de ser invocada pelo avalista da subscritora relativamente à sacadora da livrança.

O avalista é responsável nos mesmos termos que a pessoa afiançada, mas tal não significa que possa invocar, quando demandado, os mesmos meios de defesa.

Este seria o resultado de uma leitura abusiva do que se dispõe no art. 32º da LULL, mas que de imediato é afastado quando se analisa com mais com mais rigor a figura do aval cambiário e se atenta nas suas características essenciais (abstracção, autonomia, literalidade) que justificam a manutenção da responsabilidade do avalista mesmo nos casos em que a relação cambiária esteja afectada por nulidade que não seja de natureza formal.

A jurisprudência e a doutrina admitem que o avalista possa invocar a violação do pacto de preenchimento , mas apenas nos casos em que também tenha sido subscrito pelo avalista e já não nos demais casos em que o seja apenas pelo subscritor avalizado.

Também são praticamente unânimes em concluir que é legítimo ao avalista invocar em sua defesa, no âmbito de acção ou execução instaurada pelo sacador da livrança, o pagamento da quantia inscrita na livrança, considerando que tal facto interfere directamente na relação cambiária, já que o portador é obrigado a entregar ao subscritor a livrança a que respeita o pagamento.

Porém, existe uma forte tendência quer na doutrina quer também na jurisprudência, designadamente ao nível deste Supremo Tribunal de Justiça, no sentido de restringir os demais meios de defesa que o avalista pretenda sustentar exclusivamente na relação jurídica subjacente (entre o sacador e o subscritor avalizado), relação essa que representa para o avalista res inter alios acta.


b) É esta a jurisprudência corrente neste Supremo Tribunal de Justiça, como bem o revelam os seguintes arestos (em www.dgsi.pt):

- Ac. do STJ, de 26-2-13:

O aval é uma garantia prestada à obrigação cartular do avalizado. O avalista não é sujeito da relação jurídica existente entre o portador e o subscritor da livrança, mas apenas da relação subjacente à obrigação cambiária estabelecida entre ele e o avalizado. A razão de ser do art. 32º da LULL é constituir o aval um acto cambiário que desencadeia uma obrigação independente e autónoma. A obrigação do avalista vive e subsiste independentemente da obrigação do avalizado, mantendo-se mesmo que seja nula a obrigação garantida, salvo se a nulidade provier de um vício de forma. Por via dessa autonomia, o avalista não pode defender-se com as excepções que o seu avalizado pode opor ao portador do título, salvo a do pagamento.

- Ac. do STJ, de 10-5-11:

A circunstância de ocorrerem vicissitudes na relação subjacente não captam a virtualidade de se transmitirem à obrigação cambiária, pelo que esta se mantém inalterada e plenamente eficaz, podendo o beneficiário do aval agir, mediante acção cambiária, perante o avalista, para obter a satisfação da quantia titulada na letra.

- Ac, do STJ, de 11-2-10:

A obrigação do avalista é materialmente autónoma, ainda que formalmente dependente da do avalizado. Atenta esta autonomia, o avalista não pode defender-se com as excepções do avalizado, salvo no que concerne ao pagamento.

- Ac. do STJ, 3-9-10:

“O aval configura-se como uma garantia da obrigação cambiária, destinando-se a garantir o seu pagamento. O avalista não é sujeito da relação jurídica estabelecida entre o portador e o subscritor da livrança, mas tão só sujeito da relação subjacente ao acto cambiário do aval. A obrigação do avalista, como obrigação cambiária, é autónoma e independente da do avalizado, mantendo-se mesmo no caso da obrigação por ele garantida ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma – art. 32º LULL”.

- Ac. do STJ, 10-9-09:

“O avalista não é um obrigado cambiário posicionado ao lado do subscritor da livrança, garantindo, de forma puramente acessória, o crédito do legítimo portador do título sobre o subscritor da livrança. Embora a medida da responsabilidade do avalista se meça pela do avalizado, o avalista é titular de uma obrigação cambiária materialmente autónoma da que vincula o avalizado, que vive e subsiste independentemente da obrigação do avalizado, mantendo-se mesmo que seja nula a obrigação garantida, salvo se a nulidade provier de vício de forma, nos termos estatuídos no art. 32º da LULL.

Ora, sendo autónoma a obrigação de garantia assumida pelo avalista, o plano das relações «imediatas» - que pressupõe que os sujeitos cambiários são concomitantemente sujeitos das convenções extracartulares que lhes estão subjacentes e em que, por isso, não vigoram plenamente os típicos regimes da literalidade e abstracção que caracterizam as obrigações cambiárias - esgota-se, em princípio, no âmbito das relações entre avalista e avalizado, não se estendendo ao plano das relações que intercorrem entre o subscritor da livrança e o legítimo portador desta, assentes, porventura, noutra e diversa relação causal: sujeitos cambiários imediatos serão, pois, de um lado, o portador e o subscritor da livrança e, de outro, o avalista e o avalizado/subscritor do título”.

Este aresto cita outra jurisprudência, entre a qual o Ac. do STJ de 24-1-08 (CJSTJ, tomo I, pág. 61), quando nele se refere que “o avalista não é sujeito da relação jurídica existente entre o portador e o subscritor da livrança. O avalista é apenas sujeito da relação subjacente ou fundamental à obrigação cambiária do aval, relação essa constituída entre ele e o avalizado e que só é invocável no confronto entre ambos”.

- Ac. do STJ, 2-12-08:

“O aval, como autêntico acto cambiário, origina uma obrigação autónoma, que se mantém mesmo no caso de a obrigação que ele garantiu ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma. A livrança em branco destina-se, normalmente, a ser preenchida pelo seu adquirente imediato ou posterior, sendo a sua entrega acompanhada de poderes para o respectivo preenchimento de acordo com o denominado «pacto ou acordo de preenchimento». É indiferente que o avalista tenha dado ou não o seu consentimento ao preenchimento da livrança. Com efeito, esse acordo apenas diz respeito ao portador da livrança e ao seu subscritor, não sendo o avalista sujeito da relação jurídica existente entre estes, mas apenas sujeito da relação subjacente à obrigação cambiária do aval, relação essa constituída entre ele e o avalizado e que só é invocável no confronto entre ambos”.

- Ac. do STJ, 5-12-06:

“O avalista garante apenas e tão só o pagamento da obrigação cambiária assumida pela subscritora da livrança. Nessa medida são de todo irrelevantes todas as suas alegações relativas à relação subjacente contraída entre esta e o portador de tal título”.

- Ac. do STJ, 1-7-03:

“O aval é o acto pelo qual um terceiro ou um signatário de uma letra ou de uma livrança garante o seu pagamento por parte de um dos seus subscritores. A obrigação do avalista é materialmente autónoma, ainda que formalmente dependente da obrigação do avalizado. Com efeito, a obrigação do avalista vive e subsiste independentemente da obrigação do avalizado, mantendo-se mesmo que seja nula a obrigação garantida, salvo se a nulidade desta provier de vício de forma. Atenta essa autonomia, o avalista não pode defender-se com as excepções do avalizado, salvo no que concerne ao pagamento”.

- Ac. do STJ, 11-11-04:

“O aval representa um acto cambiário que desencadeia uma obrigação independente e autónoma de honrar o título, ainda que só caucione outro co-subscritor do mesmo - princípio da independência do aval (art. 32º, ex-vi art. 77º da LULL)”.


c) Trata-se de entendimento que é também corrente na doutrinaem geral.

Entre a mais recente, destaca-se Carolina Cunha, em Letras e Livranças, para quem, fora dos casos em que exista uma relação subjacente entre o avalista-demandado e o credor-demandante, designadamente quando a aposição do aval seja acompanhada da subscrição de documentos adicionais (como ocorre com o pacto de preenchimento que esteja associado a títulos em branco (pág. 252)), é inviável a invocação de excepções que decorram das relações entre o avalisado e o portador da livrança ou da letra. Salvaguardando a situação do pagamento que já tenha sido efectuado ao devedor, como facto de natureza cambiária que pode ser invocado também pelo avalista (pág. 315), quanto a outras excepções afirma peremptoriamente que “se no próprio plano cambiário a nulidade da obrigação do avalizado se não comunica à vinculação assumida pelo avalista, por maioria de razão não há-de ser possível ao avalista invocar vicissitudes extra-cambiárias atinentes ao avalizado para justificar uma recusa de cumprimento da sua própria obrigação” (pág. 254).

Esta tese aflora noutros segmentos da mesma obra, designadamente a fls. 107, onde afirma, de forma peremptória, que “não existe, no domínio da LULL, qualquer preceito que, ao arrepio do princípio res inter alios acta, autorize o avalista a invocar contra o credor meios de defesa próprios do avalizado”, acrescentando que verdadeiramente o avalista não se limita a caucionar ou garantir a obrigação do avalizado, caucionando “isso sim, o pagamento da letra” (pág. 108) relativamente a um determinado círculo de sujeitos. Noutro local refere ainda que “quanto aos meios de defesa oriundos da relação subjacente avalizado/credor, a impossibilidade da sua invocação pelo avalista fundar-se-á no princípio geral res inter alios acta, também acolhido no art. 17º da LULL” (pág. 112). Entendimento em que a mesma autora insiste no Manual de Letras e Livranças, designadamente a págs. 40 e 123.

Também Pinto Furtado conclui que “o subscritor avalizado, que esteja em relação imediata com o portador, poderá opor-lhe todos os meios de defesa que se baseiem na relação fundamental, ao passo que o avalista, apesar de obrigado “da mesma maneira” da pessoa avalizada, não poderá invocar esses meios, porque não é sujeito de tal relação e não estará, assim, em relação imediata com o portador, pelo facto de ser avalista de um obrigado imediato do portador” (Títulos de Crédito, págs. 153 e 154).

Semelhante entendimento é expresso por Romano Martinez e Fuzeta da Ponte, quando observam que “o carácter autónomo do aval, de certo modo, descaracteriza-o como verdadeira garantia pessoal, pois o avalista passa a responder – solidariamente com o avalizado – como devedor de uma obrigação própria (Garantias de Cumprimento, 5ª ed., pág. 119.([1])


4.5. Compreende-se a forte restrição aos meios de defesa oponíveis ao portador da livrança por parte do avalista do subscritor, encontrando o regime restritivo que decorre da LULL justificação não apenas na natureza jurídica do aval, como ainda na sua finalidade. Constituindo para o beneficiário da livrança uma garantia dotada de autonomia e abstracção, aquela restrição evita que seja confrontado com excepções que apenas encontram justificação num plano em que a relação cambiária coexista com a relação subjacente, o que ocorre relativamente ao subscritor mas não em relação ao respectivo avalista que, em regra, se limita a apor no verso da livrança a declaração que o vincula, de modo abstracto, literal e autónomo, como avalista.

Por conseguinte improcede em toda a linha a defesa que o embargante pretendeu sustentar nas relações imediatas que se estabeleceram entre o Banco exequente e a subscritora da livrança.

Tal como improcede a inconstitucionalidade, por alegada violação do direito à tutela judiciária efectiva ou dos princípios da igualdade e da proporcionalidade que, em concreto, para além de alinhar na mesma tendência para a utilização abusiva do direito de defesa, não encontra a menor justificação, quer se considere o regime que decorre da LULL, quer se pondere ainda o facto de o embargante ter sido, afinal, Administrador da subscritora da livrança.

Importa ainda referir que não faz sentido a ampliação da matéria de facto suscitada pelo recorrente a fls. 1157, uma vez que toda a matéria relevante para a apreciação da questão foi já submetida a julgamento.

Menos justificação encontra a alteração da matéria de facto, uma vez que a que foi fixada pela Relação foi o resultado da apreciação de meios de prova sujeitos a livre apreciação, não tendo este Supremo Tribunal competência para se imiscuir no resultado declarado que, aliás, nem pode ser objecto de impugnação (art. 662º, nº 4, do CPC).


5. Considera o recorrente que não poderia ter deixado de ser ponderado o reflexo que no capital que foi inscrito na livrança decorre do facto de ter sido aplicada no contrato que lhe subjaz um spread mais elevado do que aquele que deveria ser contabilizado.

Também relativamente a este ponto considerou a Relação que se tratava de matéria que apenas pode ser invocada nas relações entre o credor e o devedor principal, sem que possa servir ao avalista.

A este respeito apurou-se essencialmente que:

- Relativamente ao contrato referido em 22., uma análise cuidada dos juros debitados permite constatar que o spread efectivamente aplicado entre Maio de 2009 e Janeiro de 2010 foi de 9%, tendo sido debitado indevidamente um valor de € 17.616,93 decorrente da aplicação de um spread de 9% em vez dos 6% e 6,875% contratualizados (€ 84.546,39 - € 66.927,18).

- O mesmo se passou relativamente à conta corrente caucionada nº 178.256.319; apesar de as taxas de juro e spreads contratualizados serem os mesmos para ambas as contas correntes caucionadas, o mesmo débito indevido de juros ocorreu, tendo sido debitado indevidamente um valor de € 64.442,96 decorrente da aplicação de um spread de 9% em vez dos 6% e 6,875% contratualizados (€ 309.414,24 - € 244.971,36).

- O executado/opoente só tomou conhecimento das aludidas divergências depois de lhe ter sido entregue o levantamento referido em 45.

Também esta matéria se integra exclusivamente na relação imediata estabelecida entre a exequente e a subscritora da livrança, não podendo ser objecto de discussão promovida exclusivamente pelo avalista da subscritora que, como já se disse anteriormente, era Administrador da Sociedade e, desse modo, ligado à respectiva gestão.

Valem relativamente a esta questão os argumentos que foram tecidos no antecedente 4.4.2., sendo compreensível, mais uma vez, a limitação quanto aos meios de defesa susceptíveis de serem invocados pelo avalista, tendo em conta as características do aval e a função que desempenha, na medida em que, cobrindo a responsabilidade do avalizado, dá ao beneficiário maiores garantias de efectivo recebimento da quantia garantida pelo aval, atenuando os efeitos da insolvência e reduzindo a margem de discussão que é potenciada entre os sujeitos da relação subjacente e fortemente limitada relativamente a outros obrigados cambiários.


6. Interferência da dedução ao capital em dívida da quantia de € 381.552,72 que não foi considerada:

Suscita o recorrente uma questão em torno da operação de redução da quantia exequenda, concluindo que o quantitativo de € 381.552,72 deve ser abatido ao capital em dívida - € 1024.442.34 - na data em que essa quantia deveria ter sido aplicada conforme resultava das instruções irrevogáveis.

Tem razão.

Está estabilizada a decisão que determinou a dedução à quantia exequenda do valor de € 381.552,72.

Ultrapassado esse aspecto, verifica-se que a livrança foi preenchida envolvendo no valor inscrito quer o capital que a exequente considerava ainda em dívida, quer os juros de demais acréscimos.

Ora, a Relação considerou que aquela quantia deveria ter sido especialmente destinada ao capital que estava em dívida, de modo que se exige a correcção da operação, por forma a ponderar, no montante da quantia exequenda, a aplicação da quantia de € 381.552,72 no capital que estava em dívida na data em que foi preenchida a livrança, sendo os juros e demais acréscimos contabilizados a partir do montante que, assim, for alcançado.


IV – Face ao exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente a revista, de modo que, para efeitos de quantificação da dívida exequenda, o valor de € 381.552,72 considerado pela Relação será abatido ao valor do capital de € 1.405.954,06, sendo reduzido para € 1024.442,34, a que acrescerão os juros e os demais acréscimos que foram contabilizados pelo exequente no requerimento executivo.

Custas da revista e nas instâncias a cargo de ambas as partes na proporção do decaimento.

Notifique.

Lisboa, 28-4-16


Abrantes Geraldes (Relator)

Tomé Gomes

Maria da Graça Trigo

______________

.[1] Também assim Angel Rojo, reportando-se ao direito espanhol, quando conclui que ao avalista é inviável opor ao portador as excepções que decorrem das relações entre o avalisado e o portador do título de crédito (El aval, em Derecho Bancário, Estudios sobre la Ley Cambiaria y del Cheque, págs. 601 e segs.). No mesmo sentido Justino Dominguez, El aval de la letra de cambio, em Documentacion Juridica - Monográfico dedicado a la Ley Cambiária e del Cheque, págs. 43 e segs.