Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1022/12.4TBCNT.C1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: FERNANDA ISABEL PEREIRA
Descritores: ACÇÃO DE PREFERÊNCIA
AÇÃO DE PREFERÊNCIA
DEPÓSITO DO PREÇO
SIMULAÇÃO
CADUCIDADE
PREÇO
TRÂNSITO EM JULGADO
BENFEITORIAS ÚTEIS
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
DIREITO DE PREFERÊNCIA
PRÉDIO CONFINANTE
PROPRIETÁRIO
ÓNUS DA PROVA
PRINCÍPIO DA ECONOMIA E CELERIDADE PROCESSUAIS
UNIDADE DE CULTURA
AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO
EXCESSO DE PRONÚNCIA
MODIFICABILIDADE DA DECISÃO DE FACTO
Data do Acordão: 09/08/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: ANULADO O ACÓRDÃO RECORRIDO E DETERMINADA A REMESSA À RELAÇÃO
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO - DIREITOS REAIS / PROPRIEDADE DE IMÓVEIS / PRÉDIOS RÚSTICOS / DIREITO DE PREFERÊNCIA.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA ( NULIDADES ) / RECURSOS / ALTERAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO / RECURSO DE REVISTA / FUNDAMENTOS DA REVISTA.
Doutrina:
- Almeida Costa, Direito das Obrigações, 9.ª ed., revista e aumentada, Almedina, 2001, 418.
- Antunes Varela, in R.L.J. 119, 381.
- Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil” Anotado, vol. III, 2.ª ed., Coimbra Editora, Limitada, 374 e seguintes.
-Agostinho Cardoso Guedes, O Exercício do Direito de Preferência, Publicações Universidade Católica, Colecção Teses, Porto 2006, 655, 656.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 243.º, N.º1, 874.º, 1380.º, N.ºS 1 E 4, 1410.º, N.º1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 608.º, N.º 2, 615.º, N.º 1, AL. D), 635.º, N.º 3, E 4, 639.º, N.º 1, 662.º, N.º 1, 666.º, N.º 1, 674.º, N.º 3, 682.º N.ºS 1E 3, 683.º N.º 1, 684.º, N.º1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 10-04-2003, IN WWW.DGSI.PT ;
-DE 22-02-2005, (PROCESSO N.º 4669/04);
-DE 18-04-2013 (PROCESSO N.º 71/07.9TBCRB.C1.S1);
-DE 01-04-2014 (PROCESSO N.º 854/07.0TBLMG.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT);
-DE 27-10-2015 (PROCESSO N.º 125/04.3TBSAT.C1.S1, IN WWW.DGSI.PT).

-*-

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:

-DE 04-11-2008 (PROCESSO N.º 557/2001.C1, IN WWW.DGSI.PT).

ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:

-DE 24-05-2011 (PROCESSO N.º 1/09.3TCGMR-A.G1, IN WWW.DGSI.PT);
-DE 19-01-2012 (PROCESSO N.º 3782/09.0TBGMR.G1, IN WWW.DGSI.PT).
Sumário :
I - Tendo-se a Relação limitado a fazer uso dos poderes que lhe são legalmente conferidos em sede de modificabilidade da decisão de facto sem extravasar o seu âmbito, é o respectivo aresto impassível de padecer do vício de excesso de pronúncia.

II - No contexto da previsão do n.º 1 do art. 1380.º do CC (que tem como escopo evitar a existência de prédios de área inferior à unidade de cultura), impende sobre o preferente o ónus da prova de que o adquirente não é proprietário de prédio confinante.

III - O depósito do preço, no âmbito da acção de preferência, cobre o risco do alienante se ver confrontado com a hipótese de perder o negócio com o adquirente e de não vir a celebrar qualquer contrato com o preferente, forçando-o a apresentar os meios para a aquisição que pretende efectuar.

IV - A expressão preço devido corresponde ao valor em dinheiro a pagar pelo preferente como contrapartida da aquisição do bem que constitui objecto da preferência (cfr. art. 874.º do CC). Trata-se da totalidade (e não somente aquela parcela que se acha paga ou vencida) do preço real já pago ou declarado para a transacção; apurando-se que o preço real é superior ao declarado e apesar de a simulação não ser oponível a terceiros, deve o preferente liquidá-lo sob pena de incorrer em injusto locupletamento.

V - Tendo sido efectuado apenas o depósito do valor do preço declarado, valor inferior àquele que se apurou ser o preço real, tal não determina a caducidade do direito de preferência, justificando-se que se conceda aos autores, preferentes, a possibilidade de depositarem o remanescente.

VI - A falta da notificação para pagamento do remanescente do preço configura insuficiência factual que prejudica a aplicação do direito ao caso concreto, situação subsumível à previsão dos arts. 682.º n.º 3 e 683.º n.º 1, ambos do NCPC (2013), e que impõe que se ordene a baixa dos autos à Relação para concretização desse acto, após o que será ali proferida decisão conforme à definição do direito aplicável feita pelo STJ.

VII - Para calcular o valor da indemnização pelas benfeitorias úteis que são impossíveis de ser levantadas sem detrimento da coisa, deve-se apurar o respectivo custo e a sua valorização actual e, após, fixar o seu quantitativo pelo menor daqueles valores, porquanto o empobrecimento do benfeitor é o limite máximo do seu ressarcimento.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I. Relatório:


AA e marido BB instauraram, em 20-11-2012, acção declarativa constitutiva (de preferência), sob a forma ordinária, contra CC e marido DD; EE; FF; GG; HH; II; e JJ.

Formularam os seguintes pedidos:

1) Que se reconheça à autora o direito de preferência na venda que os réus vendedores fizeram à ré JJ do prédio rústico sito em …, freguesia de Murtede, concelho de Cantanhede, com a área de 57 350 m2, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 2682 e actualmente descrito na Conservatória do Registo Predial de Cantanhede sob o n.º 6420/… e, em consequência, o direito de para si o haver pelo preço de € 40 000,00 (quarenta mil euros), em substituição da ré compradora, condenando a ré JJ a entregar tal prédio à autora;

2) Que se condene a ré JJ a restituir à autora, a título de enriquecimento sem causa, a quantia de € 20 000,00 (vinte mil euros), acrescida dos juros de mora a contar da citação, referente ao valor das árvores existentes no prédio vendido à data da venda e que cortou e vendeu.

Alegaram, em síntese, que a autora é proprietária de dois prédios confinantes com o prédio objecto de escritura pública de compra e venda de 28-08-2012, na qual a ré JJ declarou comprar aos demais réus, que declararam vender-lhe o identificado prédio, pelo preço de € 40 000,00, sem que estes tivessem comunicado à autora o projecto de venda, nem as respectivas cláusulas.

Mais alegaram que, logo após a aquisição do prédio, a ré JJ procedeu ao corte e venda de todas as árvores nele plantadas (pinheiros e eucaliptos), que valiam mais de € 20 000,00, valor que a autora deve ser ressarcida, com fundamento no enriquecimento sem causa.

Comprovaram, em 03-12-2012, o depósito do preço de € 40. 000,00.

Contestou a ré JJ, por excepção e impugnação, alegando, em síntese, que comprou aos réus, não o prédio que a autora refere, mas duas partes (metades) indivisas do prédio inscrito sob o art. 2682, da freguesia de Murtede, Cantanhede – razão por que não é a autora titular do direito de preferência que invoca – e fê-lo, pelo preço de € 75.000, 00, valor que os autores não depositaram (nem sequer o IMT ou os emolumentos notariais e registais), verificando-se a caducidade do direito de preferência alegado.

Deduziu reconvenção, pedindo a condenação dos autores a pagarem-lhe a quantia de € 77.744, 66, correspondente ao preço pago pelas duas partes indivisas; a quantia de € 155, 58, pelas despesas tidas com a licença de repovoamento ou plantação do terreno; e a quantia de € 38 314, 50, acrescida dos juros legais, pela surriba e plantação do terreno, a que procedeu, com valorização deste.

Replicaram os autores, pedindo a improcedência da excepção de caducidade, alegando, ainda, não ser a ré compradora, à data da venda, proprietária confinante do prédio vendido e impugnando a restante facticidade, nomeadamente, que o preço real tivesse sido superior ao que figura na escritura de compra e venda.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença, em 21 de Abril de 2015, que julgou os réus vendedores parte ilegítima, absolvendo-os da instância no que se refere ao pedido de reconhecimento de propriedade da autora sobre a parcela de 2125 m2, identificada no artigo 11.º da petição inicial, do prédio descrito na CRP de Cantanhede sob o n.º 1659; e julgou a acção improcedente, absolvendo os réus dos pedidos contra si formulados.

Apelaram os autores, bem como a ré JJ, em recurso subordinado, tendo o Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão de 19 de Janeiro de 2016, decidido:

a) não admitir o recurso subordinado da ré;

b) julgar a apelação dos autores parcialmente procedente e, em consequência:

b.1) revogar a sentença recorrida;

b.2) julgar a acção procedente e, consequentemente:

1. reconhecer aos autores o direito de preferência na venda que os RR. vendedores fizeram à ré JJ do prédio rústico sito em …, freguesia de Murtede, concelho de Cantanhede, com a área de 57.350 m2, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 2682 e actualmente descrito na Conservatória de Registo Predial de Cantanhede sob o n.º 6420/… e em consequência, o direito de para si o haver, pelo preço de 40.000,00 €, em substituição da ré compradora, condenando a ré JJ a entregar tal prédio aos autores;

2. condenar a ré JJ a restituir a título de enriquecimento sem causa a quantia que se vier a apurar em incidente de liquidação, referente ao valor das árvores existentes no prédio vendidos à data da venda e que cortou e vendeu, acrescida dos juros de mora a contar da liquidação.

c) julgar a reconvenção parcialmente procedente e:

1. condenar os autores a pagarem à ré reconvinte o valor de € 40.000, correspondente ao preço depositado;

2. condenar os autores a pagarem à ré reconvinte o valor das despesas tidas com a licença de repovoamento ou plantação no montante que se vier a apurar em incidente de liquidação;

3. condenar os autores a pagarem à ré reconvinte o seguinte valor: o valor da valorização do prédio (a apurar em incidente de liquidação), se for inferior ao custo das benfeitorias da surriba e da plantação (a apurar também em incidente de liquidação); ou, no caso de a valorização ser superior ao custo das benfeitorias, apenas a indemnização correspondente ao valor destas;

4. condenar os autores a pagarem juros sobre o valor que vier a ser devido nos termos do número anterior, desde a data da liquidação até integral pagamento.


Inconformada, recorreu a ré JJ de revista.

Finalizou a alegação, pedindo a revogação do acórdão recorrido, e formulando as respectivas conclusões, das quais se destacam, por condensarem as questões objecto do recurso, as seguintes:

- o acórdão recorrido é nulo, nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, na parte em que apreciou questões não suscitadas nas conclusões recursivas das partes e que não são de conhecimento oficioso, tendo alterado, indevidamente, a decisão sobre a matéria de facto, considerando provado um facto que havia sido dado como não provado pela 1.ª instância (facto a)) e alterado o facto considerado provado sob 7.;

- incumbe aos autores, que se arrogam titulares do direito de preferência, o ónus da prova de que a ré recorrente, à data da aquisição do prédio objecto da preferência, não era proprietária de nenhum prédio confinante, pelo que, a manter-se a decisão sobre a matéria de facto proferida pela 1.ª instância, deverá a acção improceder;

- o preço “devido” a que alude o art. 1410.º, n.º 1, do CC, é o preço realmente pago pelo adquirente e não o preço declarado na escritura pública, no caso, respectivamente, € 75 000, 00 e não € 40 000,00, impondo-se aos autores que, logo na réplica, após conhecimento daquele valor por via da contestação, se manifestassem se pretendiam ou não exercer o direito de preferência pelo mesmo e, em caso afirmativo, procedessem ao depósito da diferença, o que não fizeram, pelo que caducou o direito de preferência invocado;

- o preço “devido” a que alude o art. 1410.º, n.º 1, do CC, inclui, além da contrapartida paga pelo comprador ao vendedor pela transmissão do imóvel, os impostos pagos pelo adquirente, de que o preferente beneficia, bem como as despesas com a escritura e o registo da aquisição;

- tendo a ré, no mesmo dia 28-02-2012, adquirido dois prédios rústicos confinantes entre si, passam estes a formar uma unidade predial, que ilegalmente se dividirá, violando, entre outros, o disposto no art. 1376.º do CC, com o reconhecimento do direito de preferência, como decidiu o acórdão recorrido;

- não pode ser objecto de direito de preferência a aquisição de duas quotas partes indivisas, como sucedeu no caso; e o eventual direito de preferência da autora deve ceder perante o direito de preferência da ré decorrente da sua qualidade de comproprietária da metade adquirida do prédio objecto da preferência;

- na decisão proferida quanto às benfeitorias realizadas no prédio objecto da preferência, o acórdão recorrido além de ter decidido – mal – que o aqueduto feito pela ré é susceptível de ser levantado sem detrimento da coisa – devendo ter decidido por uma indemnização segundo as regras do enriquecimento sem causa, omitiu a terraplanagem (o nivelamento do terreno), o que configura uma nulidade;

- na decisão proferida quanto às despesas tidas com a licença de repovoamento ou plantação no prédio objecto da preferência, o acórdão recorrido omitiu a licença para remoção de terras e nova plantação, o que configura uma nulidade;

Contra-alegaram os autores, defendendo a manutenção do julgado.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


   II. Fundamentos:

De facto:

A matéria de facto provada na 1ª instância, alterada na Relação, é a seguinte:

 “1. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Cantanhede sob o n° 254/…, um prédio rústico composto de pinhal e mato, com a área de 3300 m2, sito em … ou …, freguesia de Murtede, concelho de Cantanhede, com as seguintes confrontações: norte e poente com KK; sul LL; nascente com MM, inscrito na matriz sob o artigo 2689 (cfr. certidão do registo predial junta a fls. 13, cujo integral teor aqui se dá por reproduzido).

2. A aquisição do direito de propriedade sobre o prédio descrito sob o n° 254/… está registada a favor da Autora pela inscrição Ap. 910 de 2010/09/07 (cfr. doc. de fls.13).

3. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Cantanhede sob o n° 1659/…, um prédio rústico composto de terra de vinha e milho, com a área de 8.500 m2, sito em … ou …, freguesia de Murtede, concelho de Cantanhede, com as seguintes confrontações: norte NN, sul OO; nascente PP; poente QQ (hoje com a Ré JJ - antes os RR. vendedores que o adquiriram de QQ), inscrito na matriz sob o artigo 2688 (cfr. certidão do registo predial junta a fls. 14 a 16, cujo integral teor aqui se dá por reproduzido).

4. A aquisição do direito de propriedade sobre o prédio descrito sob o n° 1659/… está registada a favor de RR e mulher SS, de TT e marido UU, de VV, casada no regime de comunhão de adquiridos com XX, e de AA (a A.), casada no regime de comunhão de adquiridos com BB, na proporção de um quarto para cada, pelas inscrições Aps. 23 de 1996/04/19, 24 de 1996/04/19, 5 de 2004/12/09 e 910 de 2010/09/07.

5. Por escritura pública, celebrada em 28 de Agosto de 2012 no Cartório Notarial na Mealhada, perante o notário ZZ, exarada de folhas 74 a 76 do Livro 73-E, os RR. CC e marido DD, EE, FF, GG, HH, II, declararam vender à ré JJ, pelo preço global de quarenta mil euros [vinte mil relativamente a cada uma], as duas metades indivisas do prédio rústico inscrito na matriz sob o art. 2682, freguesia de Murtede, do prédio rústico composto por vinha, pinhal, mato e milho, sito em …, freguesia de Murtede, concelho de Cantanhede, com a área total de 57.350 m2, a confrontar do norte com AAA e outros, do sul com BBB e outro, do nascente com KK/e outros e do poente com CCC e outros, omisso no registo predial e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 2682 (cfr. certidão da escritura de compra e venda junta a fls. 30 a 34 e cujo integral teor aqui se dá por reproduzido).

6. Este prédio está actualmente descrito na Conservatória de Registo Predial de Cantanhede sob o n° 6420/… e a aquisição do direito de propriedade sobre o mesmo está inscrita a favor da ré JJ pela Ap. 417 de 2012/09/03.

7. O preço pago aos 1ºs RR pela ré JJ relativamente à compra por si efectuada do prédio descrito nos pontos 5. e 6., foi de 75.000,00 euros.(facto alterado pela Relação, que suprimiu “negociado”).

8. O negócio da compra do prédio foi efectuado pela ré JJ através de seu pai DDD.

9. O qual emitiu alguns dos cheques para proceder ao pagamento do montante do preço acordado, entregues aos vendedores como pagamento pela ré JJ da quantia acordada com aqueles.

10. Foram emitidos à ordem dos vendedores e entregues para pagamento do preço aos 1ºs RR, sacados sobre o BANCO EEE, os seguintes cheques:

- Cheques números 510…, 760…, 040…,190…, emitidos com data de 25/07/2012, nos valores de 7.500,00€ cada;

 - cheque nº 290…, no montante de 10.000.00€, com data de 25/07/2012;

- o cheque nº 628…, no montante de 26.250.00€ , com data de 28/08/2012;

- o cheque nº 648…, no montante de 8.750.00, com data de 28/08/2012, conforme cópia junta a fls.203 a 209 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, que foram apresentados a pagamento tendo tido boa cobrança.

11. A R. contestante pagou o custo da escritura de compra e venda no valor de 174,66€.

12. Pagou a despesa com o registo a seu favor, no montante de 250,00€.

13. A R. JJ liquidou e pagou o I.M.T. pelo valor declarado de 2.000.00€.

14. Liquidou e pagou o imposto de selo no montante de 320.00€.

15. Os prédios descritos nos pontos 1. e 3. dos factos confrontam do seu lado norte ( o 1º) e poente ( o 3º), com o prédio vendido, descrito no ponto 5.

16. Todos os terrenos supra referidos são aptos para a cultura, praticando-se nos mesmos o mesmo tipo de cultura de pinhal e eucaliptal.

17. Logo após a negociação e mesmo antes da escritura pública do prédio, a ré procedeu ao corte e venda das árvores nele existentes (pinheiros e eucaliptos), por valor não concretamente apurado.

18. De seguida a ré surribou todo o terreno para nele plantar eucaliptos, o que fez nele plantando eucaliptos Clone HD.

19. As árvores existentes no prédio antes de a R. contestante adquirir o prédio eram eucaliptos e pinheiros de tamanho variado, sem alinhamento e com espaços sem árvores.

20. Com a plantação e surriba efectuada pela ré JJ o prédio ficou valorizado.

21. O prédio adquirido pela ré JJ tem uma área de cerca de 57.350m2.

22. Por escritura pública celebrada em 28 de Agosto de 2012 no Cartório Notarial na Mealhada, FFF e marido GGG, declararam vender à ré JJ, pelo preço de 750,00 euros, o prédio rústico composto de pinhal e mato, sito no …, freguesia de Murtede, concelho de Cantanhede, com a área de novecentos metros quadrados, a confrontar do norte e nascente com QQ (ante proprietário do prédio descrito em 5. De quem os vendedores o adquiriram), sul com caminho e poente com CCC, inscrito na matriz sob o art. 2685, cf. doc. junto a fls. 106 a 109,que aqui se dá por reproduzido.

23. O prédio adquirido pela ré JJ referido no ponto anterior confronta do norte e nascente com o prédio que lhe foi vendido pelos 1ºs RR, identificado em 5.

24. Em 20.11.2012 os AA. procederam ao depósito da quantia de 40.000,00€ à ordem dos autos, conforme guia de fls. 56.

25. Dado que o terreno do prédio descrito em 5. também era muito desnivelado, a ré JJ mandou efectuar a remoção de terras das partes mais altas para a mais baixas, nivelando mais o prédio;

26. A R. JJ diligenciou de modo a proceder a nova plantação de eucaliptos de boa qualidade e devidamente alinhados e distribuídos por todo o prédio.

27. Pediu licença ao município de Cantanhede para fazer remoção das terras e nova plantação tendo pago quantia não apurada.

28. Para fazer essa plantação a R. teve de terraplanar o terreno e plantar eucaliptos novos, clone, tendo que despender por tal serviço quantia não concretamente apurada.

29. O terreno é atravessado, no sentido poente nascente, por uma vala por onde se faz a descarga de uma estação de tratamento ali existente.

30. Essa vala divide o terreno em duas partes, não sendo possível a passagem de veículos ou pessoas de um lado para o outro do terreno sem que fosse feita uma passagem.

31. A R. JJ para poder passar no terreno e cuidar da plantação fez uma passagem (aqueduto), com manilhas;

32. A R. contestante despendeu na compra e aplicação dessas manilhas na vala, o montante de 1.414.50€.

33. Essa passagem ligou as duas partes do terreno e valorizou o terreno na sua globalidade.

34. O preço por m2 de terreno naquele local ronda os 1,5 a 2 euros.

35. À data da celebração do contrato de compra e venda referido no ponto 5., a ré JJ não era proprietária de qualquer prédio que confinasse com o prédio rústico vendido (considerado provado pela Relação).


II. Fundamentos:

De direito:

          Não se suscitando a apreciação de matéria de conhecimento oficioso, são duas as questões essenciais a decidir no presente recurso, em face da síntese conclusiva apresentada pelos autores, recorrentes, a saber:

- se o acórdão incorreu nos vícios de excesso e omissão de pronúncia, sendo nulo, nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC;

- se o preço “devido” a que alude o art. 1410.º, n.º 1, do CC, é o preço realmente pago pelo adquirente ou o preço declarado na escritura pública e se, concluindo-se, pelo primeiro, deviam os autores ter formulado pedido subsidiário de preferência por aquele preço, depositando o respectivo valor; se o referido preço “devido” inclui também os impostos pagos pelo adquirente, de que o preferente beneficia, bem como as despesas com a escritura e o registo da aquisição;


1. A primeira questão a decidir está em saber se o acórdão recorrido é nulo, nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, por excesso de pronúncia, ao modificar a decisão sobre a matéria de facto, considerando provado um facto que havia sido julgado não provado pela 1.ª instância (facto a)) e alterando o facto considerado provado sob 7.; e, por omissão de pronúncia, na parte em que, quanto às benfeitorias realizadas no prédio objecto da preferência, omitiu a terraplanagem (o nivelamento do terreno), e nas despesas tidas com a licença de repovoamento ou plantação omitiu a licença para remoção de terras e nova plantação;

O acórdão é nulo por excesso de pronúncia, quando o juiz conhece de questões de que não podia tomar conhecimento; e nulo, por omissão de pronúncia, quando deixa de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (arts. 615.º, n.º 1, al. d), e 666.º, n.º 1, do CPC).

É sancionado com a nulidade da decisão, no caso, do acórdão, o incumprimento do comando contido no art. 608.º, n.º 2, do CPC, segundo o qual, “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir o impuser o conhecimento oficioso de outras”.

Em sede de recurso, a delimitação do thema decidendum far-se-á a partir das alegações e conclusões recursivas (arts. 635.º, n.º 3, e 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), a não ser que se assinale questão de conhecimento oficioso.

Como se vê, o tribunal conhece de questões e não de argumentos ou razões aduzidas pelas partes para fundamentar as suas posições, pelo que a não apreciação desses argumentos ou razões não dá azo à nulidade do acórdão em análise.

No caso, não se verifica nulidade do acórdão recorrido.

Na verdade, a Relação alterou a decisão proferida pela 1.ª instância sobre a matéria de facto no uso dos poderes que lhe competem quanto à modificabilidade da decisão de facto e que decorrem do disposto no art. 662.º, n.º 1, do CPC. O que só por si, nestes termos enquadrada, nunca poderia reconduzir-se a uma situação de nulidade.

De todo o modo, quanto ao primeiro facto, que de não provado passou a provado –“35. À data da celebração do contrato de compra e venda referido no ponto 5., a ré JJ não era proprietária de qualquer prédio que confinasse com o prédio rústico vendido (considerado provado pela Relação)” – o assim decidido resultou do teor das escrituras públicas juntas aos autos, documentos autênticos dotados de força probatória plena quanto às declarações e factos notariais neles exarados e dos quais retirou ilações que se percepcionam do respectivo conteúdo (arts. 362.º, 369.º, 371.º e 372.º, todos do CC, e ainda art. 37.º, n.º 1, e n.º 2, do Código do Notariado, aprovado pelo DL n.º 207/95, de 14/08, com a actual redacção do DL n.º 125/2013, de 30/08).

Quanto ao segundo – facto 7. –, alterado pela supressão da palavra “negociado”, a Relação decidiu com base nos elementos constantes do processo, concretamente, o teor da contestação/reconvenção da ré Patrícia Alexandra, a qual alegou que a negociação fora feita pelo seu pai. Resultou de uma análise mais rigorosa da facticidade alegada, que não tem qualquer reflexo na sorte da acção, porquanto o facto relevante – pagamento do preço de € 75.000,00 pela ré – se manteve inalterado.

Em qualquer dos casos o Tribunal da Relação actuou com observância dos poderes que lhe estão cometidos, no que à matéria de facto concerne, pelo artigo 662º nº 1 do CPC.

Ao Supremo Tribunal de Justiça não cabe, porém, sindicar o julgamento da matéria de facto feito pelas instâncias, cabendo-lhe apenas aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado aos factos fixados no tribunal recorrido (art. 682.º, n.º 1, do CPC). Só assim não será nos casos da chamada prova vinculada, isto é, se houver ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que exija a força de determinado meio de prova (art. 674.º, n.º 3, do CPC).

Nenhum obstáculo legal existia à decisão sobre a matéria de facto proferida pela Relação, que não extravasou os poderes que por lei lhe estão cometidos nessa sede.

Acresce que o tema/questão das benfeitorias, incluindo a terraplanagem, a licença para remoção de terras e nova plantação e o aqueduto, foi devidamente abordada e decidida no acórdão.

Não se verificam, pois, as causas de nulidade apontadas ao acórdão recorrido.


2. Ultrapassada a questão de saber a quem cabe o ónus da prova do facto negativo constitutivo do direito de preferência que o autor/preferente pretende fazer valer, isto é, o de que o adquirente do prédio não é proprietário confinante, sendo entendimento comum às instâncias – e que o Supremo chancela – que tal ónus cabe ao autor, certo que tal facto, como visto, já foi dado como provado, temos de passar à seguinte que se prende com a definição do preço “devido” para efeitos do depósito a realizar pelo preferente.

Defende a ré/recorrente que o preço “devido” a que alude o art. 1410.º do Código Civil é o preço realmente pago pelo adquirente do prédio objecto da preferência (no caso, € 75 000, 00, em vez de € 40 000,00), e que cabe ao preferente manifestar a intenção de exercer a preferência por tal preço, procedendo ao depósito do valor efectivamente acordado e pago pelas partes, sob pena de caducidade do seu direito.

Diversamente, consideram os autores que o preço devido é o preço declarado na escritura pública, desde que não se tenha invocado qualquer causa (falsidade, simulação, erro) que invalide o mesmo.

A 1.ª instância, seguindo de perto o entendimento perfilhado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18-06-1996 (in www.dgsi.pt), manifestou concordância com esta posição da ré, muito embora o fundamento principal para a improcedência da acção se tivesse centrado na falta de demonstração, por banda dos autores, do facto negativo constitutivo do direito de preferência, isto é, de que a ré à data da aquisição não era proprietária de prédio confinante.

O Tribunal da Relação de Coimbra, citando dois Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, um de 11-01-2011 (e não, como se refere, de 11-02-2011), outro, de 01-04-2014 (ambos acessíveis em www.dgsi.pt) para ilustrar o que considera ser o preço “devido”, concluiu não ser o preço pago, mas o preço acordado, sendo este, em princípio, o preço declarado, a não ser que se prove que o preço acordado não é o declarado mas outro, o que, em sua análise, não ficou demonstrado nos autos, tanto mais que a ré não forneceu qualquer explicação para a desconformidade, não arguiu a simulação do preço da venda, não invocou qualquer erro ou mero lapso ocorrido na escritura.

À luz do estipulado pelos artigos 1410.º, n.º 1, e 1380.º, n.º 4, ambos do Código Civil, o proprietário de terreno confinante, de área inferior à unidade de cultura, a quem se não dê conhecimento da venda ou dação em cumprimento tem o direito de haver para si a quota alienada a quem não seja proprietário confinante, contanto que o requeira dentro do prazo de seis meses, a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação, e deposite o preço devido nos quinze dias seguintes à propositura da acção.

Vem-se discutindo qual o sentido da expressão “preço devido”, nomeadamente se corresponde ao preço real ou ao preço que veio a ser declarado na escritura pública de compra e venda e em que circunstâncias, para, uma vez definido o conceito, retirar a consequência da não realização do depósito no prazo e condições impostas por lei.

Encerrando a ideia de garantir, tanto quanto possível, a utilidade real da acção de preferência, a exigência do depósito do preço traduz uma segurança para o alienante – que fica a coberto do risco de perder a posição de adquirente do bem e de o contrato não vir a ser celebrado com o preferente –, e ainda para o preferente que é forçado a apresentar, desde logo, os meios necessários para a aquisição que pretende realizar.

A preferência, traduzida no direito de haver para si a coisa alienada, assegura ao respectivo titular uma prioridade de contratar em igualdade de condições, no que esta igualdade de condições representa para o adquirente (Agostinho Cardoso Guedes, O Exercício do Direito de Preferência, Publicações Universidade Católica, Colecção Teses, Porto 2006, pág. 655).

Na realidade, “o direito de preferência numa versão tradicional autêntica, consiste na faculdade atribuída a alguém de em condições de igualdade (tanto por tanto) chamar a si com preterição de outrem a aquisição de determinada coisa ou direito que o titular pretenda alienar”, cfr. Antunes Varela, in RLJ 119, pág. 381.

Como tal, o termo “preço devido” designará o valor em dinheiro a pagar pelo preferente como contrapartida da aquisição do bem sujeito à preferência (no fundo, o conceito técnico de “preço” a que alude o art. 874.º do Código Civil), valor esse correspondente ao benefício económico ajustado entre vendedor e o adquirente como contrapartida da alienação do bem.

No § 1.º do artigo 1566.º do Código de Seabra, na redacção que lhe foi dada pela Reforma de 1930, se dispunha que o preferente devia depositar o preço que, segundo as condições do contrato, estivesse pago ou vencido. O n.º 1 do actual art. 1410.º do Código Civil, mandando depositar o preço devido, sem qualquer restrição ou especificação, se afasta deliberadamente daquela solução – Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. III, 2.ª ed., Coimbra Editora, Limitada, págs. 374 e seguintes.

Para explicar esta alteração referem, no local citado, os mesmos autores: “é que o alienante pode ter concedido crédito ao adquirente apenas em atenção à confiança que este lhe merecia, ou à capacidade de pagamento que o respectivo património lhe proporcionava, e não seria razoável que a lei estendesse ao preferente, por conta e risco do alienante, as mesmas facilidades de pagamento”.

Cremos querer tal significar que o conceito de “preço pago” não surge, necessariamente, como sinónimo de “preço acordado”, pela simples razão de naquele poderem estar contempladas situações em que se acertaram pagamentos parcelares ou prestacionais entre o alienante e o terceiro adquirente (é o caso do Ac. do STJ de 11-01-2011, citado no acórdão recorrido), visando a alteração da lei tornar claro que a preferência se faz pela totalidade do preço (o devido) e não por apenas uma parte, a que estaria paga ou vencida.

Dito isto, temos por mais justo e adequado à formulação legal o entendimento de que a preferência há-de fazer-se pelo preço real, o valor correspondente à contrapartida da alienação do bem. A não ser assim, configurando-se caso em que o preço real é superior ao preço declarado, apesar de a simulação ser inoponível a terceiros de boa fé – art. 243.º, n.º 1, do Código Civil, verificar-se-ia locupletamento injustificado do preferente, que não merece a protecção da lei (neste sentido, entre outros, Almeida Costa, Direito das Obrigações, 9.ª ed., revista e aumentada, Almedina, 2001, pág. 418).

O preço devido corresponderá ao preço real, que pode ser quer o preço pago pelo terceiro adquirente ao alienante, quer o preço acordado entre estes para a transacção, mesmo que ainda não esteja pago, a menos que tal não se tenha provado, situação em que, a final, o preço devido corresponderá, simplesmente, ao preço declarado na escritura pública.

É este o entendimento que se extrai da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, dominante na matéria, de que são exemplo os seguintes:

- Ac. do STJ de 22-02-2005, (Revista n.º 4669/04): o preço objecto da preferência é o preço constante da escritura à data da instauração da acção de preferência que o preferente tem de depositar, embora, provado posteriormente ser superior o preço real, deva depositar a diferença, no prazo fixado pela sentença, sob pena de perder o direito;

- Ac. do STJ de 01-04-2014 (Revista n.º 854/07.0TBLMG.P1.S1, in www.dgsi.pt): o preço objecto da preferência é aquele que consta do teor da escritura pública, único elemento disponível para os preferentes, com base no qual instauraram a acção, a não ser que os contraentes aleguem e demonstrem que, por engano ou intencionalmente (simulação do preço), se declarou, na escritura de venda, um preço não correspondente à realidade, caso em que o preferente deverá depositar o preço efectivamente pago;

- Ac. do STJ de 27-10-2015 (Revista n.º 125/04.3TBSAT.C1.S1, in www.dgsi.pt): o preço objecto da preferência é o preço declarado na escritura pública, a não ser que se tenha provado simulação, erro ou que é outro o preço real;

Também as Relações têm proferido vários arestos no mesmo sentido, nomeadamente, os seguintes:

- Ac. da Relação de Coimbra de 04-11-2008 (Apelação n.º 557/2001.C1, in www.dgsi.pt): é o preço real, porque provada a divergência entre a declaração negocial e a vontade real dos declarantes, que resultou de acordo entre vendedores e compradores e implica a caracterização do negócio como relativamente simulado;

- Ac. da Relação de Guimarães de 24-05-2011 (Apelação n.º 1/09.3TCGMR-A.G1, in www.dgsi.pt): é o preço real pago pela coisa que é objecto da preferência.

- Ac. da Relação de Guimarães, de 19-01-2012 (Apelação n.º 3782/09.0TBGMR.G1, in www.dgsi.pt): é o preço real, efectivamente pago, independentemente de se tratar ou não de um caso de simulação do preço.


No caso em apreço, a segunda ré, recorrente, provou que: “O preço pago aos 1ºs RR pela ré JJ relativamente à compra por si efectuada do prédio descrito nos pontos 5. e 6., foi de 75.000,00 euros” (facto 7.).

Demonstrado nos autos o preço efectivamente pago pela ré JJ, será este o relevante, independentemente de vir desacompanhado de uma qualquer justificação para a discrepância de valores verificada, a qual nada acrescentaria ao cerne do exercício do direito de preferência, entendido como a faculdade conferida ao seu titular de contratar em condições idênticas às do terceiro adquirente.

Logo, provado o preço real da compra e venda (€ 75 000,00), é este o preço pelo qual o direito de preferência dos autores deve ser exercido, e não o preço declarado na escritura de compra e venda (€ 40 000,00), decisão que se insere no objecto do processo, visto que peticionado pela ré recorrente em sede reconvencional.

Levanta-se, porém, a questão de saber se, efectuado o depósito pelo valor do preço declarado – inferior ao real e, portanto, insuficiente –, deve conferir-se aos autores o direito de preferência na aquisição do bem.

É sabido que a falta de depósito do preço devido nos 15 dias subsequentes à data da propositura da acção, como o exige o art. 1410.º, n.º 1, do Código Civil, determina a caducidade do direito de preferência.

O caso dos autos não se reconduz exactamente a esta situação, a de falta de depósito do preço, mas sim àquela em que o depósito foi tempestivamente efectuado, mas apenas pelo preço declarado, insuficiente por inferior ao preço real.

Ocorre perguntar, então, se a consequência deverá ser ou não a mesma.

A resposta é negativa.

Seguir-se-á de perto o Acórdão deste Supremo Tribunal de 22-02-2005 (Revista n.º 4669/04), que decidiu questão fáctico-jurídica similar e tem inteira pertinência para a nossa análise, no qual se lê, a dado passo: “No caso, os AA. deparam-se com um único preço que têm por bom e que é o de 1 750 000$00, constante da escritura de compra e venda. Não alegaram, por conseguinte nenhuma simulação do preço. Quem veio dizer que o preço real era de 13 000 000$00 e que o preço constante da escritura (…) só por erro (aliás não explicado) ficou a constar dela, foram os RR na contestação (…). Mas, desde que os AA. na resposta e na contestação do pedido reconvencional, mantiveram que o preço real era o constante da escritura (…), competia aos RR provar ser outro o preço real. Ora, perante este circunstancialismo não se vê como poderia exigir-se aos AA. o depósito do preço alegado pelos RR., ainda que por mera cautela, como se pretende no acórdão recorrido. Afinal, a lógica da solução proposta pela doutrina e jurisprudência para as situações mais frequentes em que o preferente coloca logo a questão da simulação do preço na própria acção de preferência, é a mesma que deve presidir à solução de situações como a dos autos. De facto, (…) é o preço constante da escritura à data da instauração da acção de preferência (…) que o preferente tem de depositar, embora, provado posteriormente, ser superior o preço real, deva depositar a diferença (no prazo fixado na sentença), sob pena de perder o direito. (…) Por conseguinte, só a partir do trânsito da decisão que fixar o preço real do negócio é que começa a correr o prazo para o exercício da acção de preferência (…) que existe já (…) na qual os AA/preferentes alegaram e depositaram o único preço conhecido, provado preço superior, alegado pelos RR. que, por sua vez, para o caso da procedência da acção, pediram em sede reconvencional a condenação dos AA. a pagarem o preço real e não havendo nos autos nada que permita concluir que os AA. não querem preferir pelo preço real apurado, o que se justificava era exactamente a posição assumida pela 1.ª instância, se mais não fosse por uma questão de economia processual”.

Esta solução, também defendida no Acórdão deste Supremo Tribunal de 18-04-2013 (Revista nº 71/07.9TBCRB.C1.S1) é a que prefilhamos, afastando aqueloutra que considera em tal situação verificada a caducidade do direito de preferência se os autores, após conhecimento da contestação, não deduziram na réplica pedido subsidiário de exercício do direito de preferência pelo preço alegado pelos réus, nem depositaram o remanescente do preço em falta.

      Nesta conformidade, definido o preço real pelo qual deve ser exercido o direito de preferência (€ 75 000,00), deve dar-se oportunidade aos autores, preferentes, de efectivarem o depósito do remanescente (€ 35 000,00), que corresponde à diferença entre os preços declarado e o real, devendo conceder-se para o efeito um prazo de quinze dias, a contar do trânsito em julgado, sob pena de perda do direito, entendimento que não envolve excesso de pronúncia, conforme doutrina dos citados Acórdãos de 22-02-2005 e de 18-04-2013.

      O depósito a realizar, que irá perfazer o preço devido, será efectuado apenas nesse montante, sem inclusão de outras despesas em que o terceiro adquirente possa ter incorrido ou os impostos que possa ter pago, os quais são completamente irrelevantes para o exercício do direito de preferência (neste sentido, Agostinho Cardoso Guedes, ob. cit., pág. 656, e ainda, a título de exemplo, o supra citado acórdão do STJ, de 22-02-2005).

      Não obstante, tem a ré JJ direito a ser reembolsada das despesas que realizou com a escritura de compra e venda, o pagamento do IMT e o imposto de selo, no valor global de € 2.494,66, comprovadas nos autos e cujo pagamento pediu no âmbito do pedido reconvencional que deduziu.

      Não lhe assiste já direito ao que despendeu com a inscrição da aquisição a seu favor no registo predial, facto posterior à aquisição e de que só a aquela ré beneficiou.

 

       A questão da venda das partes alíquotas mostra-se bem decidida no acórdão recorrido, em juízo que se mantém e, de certa forma, se reproduz, por ser, no caso, possível através da aquisição de todas as partes alíquotas alcançar, ainda que indirectamente, o objectivo do art. 1380.º do Código Civil, ou seja, evitar a existência de prédios com área inferior à unidade de cultura. (Ac. STJ de 10.4.2003, in www.dgsi.pt/jstj).”


Relativamente às benfeitorias, considerou o acórdão recorrido:

Pede, também, a ré o pagamento das despesas tidas com a licença de repovoamento ou plantação, o que não pode deixar de constituir uma benfeitoria útil, de que deve ser ressarcida (art. 216 e 1273 do CC).

Porém, apenas se provou que a ré pediu licença ao município de Cantanhede para fazer remoção de terras e nova plantação, pela qual pagou quantia não apurada, valor que deverá ser, assim, apurado em incidente de liquidação.

Pede, finalmente, a condenação dos autores a pagarem-lhe o valor gasto na surriba, plantação e “feitura” do aqueduto no montante de € 38.314,50, que foi, pelo menos, o valor em que o prédio fiou valorizado.

E de facto, dado que o terreno do prédio descrito em 5. era muito desnivelado, a ré JJ mandou efectuar a remoção de terras das partes mais altas para as mais baixas, nivelando mais o prédio (25); e só depois diligenciou de modo a proceder a nova plantação de eucaliptos de boa qualidade e devidamente alinhados e distribuídos por todo o prédio (26); ou seja, para fazer essa plantação a R. teve de terraplanar o terreno e plantar eucaliptos novos, clone, tendo que despender por tal serviço quantia não concretamente apurada (28). Com a plantação e surriba efectuada pela ré JJ o prédio ficou valorizado (20).

Ou seja, a ré introduziu, pois, benfeitorias úteis que, melhorando a coisa (prédio), lhe aumentaram o valor (art. 216 e 1273 do CC).

Quanto ao nivelamento, terraplanagem e surriba do terreno, são benfeitorias que não podem, obviamente, ser levantadas. São insusceptíveis de levantamento. Caem, por conseguinte, na alçada do nº 2 do art. 1273 do CC, dando direito a indemnização (v. Ac. STJ de 27.9.2012, Fernando Bento, in www.dgsi.pt).

Também relativamente aos eucaliptos, se aceita que não é possível o levantamento sem detrimento (juridicamente relevante) para o prédio (art. 1273, nº 1 e 2 do CC; Pires de Lima e Antunes Varela, CC anotado, Volume III, 2ª edição, pág. 42; v. o citado Ac. STJ de 27.9.2012).

Como assim, devem os autores pagar à ré o valor gasto por esta na surriba do terreno e na plantação dos eucaliptos, que se vier a apurar.

Quanto ao aqueduto também aqui se está em presença de uma benfeitoria útil (cfr. 29 a 31). Só que, ainda que com esforço, torna-se difícil presumir que não é possível o levantamento das manilhas sem detrimento do prédio. Em princípio, as manilhas podem ser levantadas, sem detrimento (não se vendo onde é que a vala pode sofrer deterioração). Aliás, era à ré que incumbia demonstrar o contrário (Pires de Lima e Antunes Varela, loc. citado).

Há, assim, que atender ao custo das benfeitorias (plantação de eucaliptos e surriba do terreno) e à valorização que daí decorreu (20). E já não ao aqueduto com manilhas (e à valorização que daí decorreria facto 33).

Sendo que a indemnização, calculada nos termos do art. 1273, nº 2 do CC, segundo as regras do enriquecimento sem causa, deverá corresponder ao menor dos seguintes valores: o do custo real das benfeitorias ou o do valor objectivo e actual destas (cfr. Ac. STJ de 28.11.2002, Dionísio Correia, in www.dgsi.pt). Se a valorização (incremento do valor) for inferior ao custo das benfeitorias, a indemnização corresponde ao valor da valorização. Mas se for superior, a indemnização não corresponderá ao valor da valorização mas apenas ao custo da benfeitoria, ou seja, à medida do empobrecimento, que funcionará como tecto, como limite máximo da indemnização, nos termos do art. 479, nº 1 do CC (v. Pires de Lima e Antunes Varela, CC anotado, Volume I, 3ª edição, pág. 440).

Ou seja: se a valorização (que falta calcular) for inferior ao custo das benfeitorias da surriba e da plantação (que falta averiguar) a indemnização corresponde ao valor da valorização. Mas se for superior, a indemnização deverá corresponder não ao valor da valorização mas apenas ao custo da benfeitoria.”

O juízo aqui formulado não suscita, neste particular, qualquer reparo e deverá manter-se inalterado.


3. Em face do exposto, não tendo sido os autores, preferentes, notificados para proceder ao depósito do remanescente do preço devido – o preço real provado –, nem se mostrando tal depósito realizado, ocorre insuficiência factual que prejudica a aplicação do direito ao caso concreto, situação subsumível à previsão dos artigos 682º nº 3 e 684º nº 1 do Código de Processo Civil.

Pelo que, no uso da faculdade contida nestes normativos, determina este Supremo Tribunal de Justiça que se amplie nesse âmbito, ou seja, quanto à realização (ou não) do depósito do remanescente do preço, definindo, desde já, o respectivo regime jurídico a ser aplicado pelo Tribunal recorrido.

Concretizando:

- reconhecer o direito de preferência invocado, se for efectuado pelos autores depósito considerado válido do remanescente do preço (€ 35.000,00),  no prazo a fixar pela Relação, e condenar os mesmos, na parcial procedência da reconvenção, a pagar à ré JJ a quantia de € 2.494,66.

- não sendo efectuado tal depósito, a acção improcederá, bem como a reconvenção.


III. Decisão:

Termos em que, com os fundamentos expostos, se acorda em anular o acórdão recorrido.

Custas pelo vencido a final.


Lisboa, 8 de Setembro de 2016


Fernanda Isabel Pereira (relatora)

Olindo Geraldes

Maria dos Prazeres Beleza