Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03B671
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: MOITINHO DE ALMEIDA
Descritores: DIREITO DE PREFERÊNCIA
PRÉDIO CONFINANTE
QUOTA INDIVISA
Nº do Documento: SJ200304100006712
Data do Acordão: 04/10/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL GUIMARÃES
Processo no Tribunal Recurso: 296/02
Data: 11/06/2002
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Sumário : O artigo 1380° do Código Civil deve ser interpretado no sentido de que o direito de preferência aí previsto não tem lugar em caso de alienação de parte alíquota de determinado prédio rústico
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça :

1."A" intentou contra B e mulher C e D e mulher E a presente acção, com processo ordinário, com vista ao exercício do direito de preferência na venda de metade indivisa do prédio rústico denominado "Leiras de Costeira" efectuada pelos primeiros aos segundos Réus.

A acção foi julgada improcedente tendo o acórdão da Relação de Guimarães, de 6 de Novembro de 2002, confirmado o decidido.

Inconformado, recorreu A para este Tribunal, concluindo as alegações da sua revista nos seguintes termos:

1.O presente recurso limita-se à matéria que foi desfavorável ao recorrente.

2.E essa matéria tem a ver com a resposta negativa, dada no douto Acórdão recorrido, à questão de saber-se se o recorrente (Autor) tem direito de preferência na venda de metade indivisa do prédio denominado "Leiras da Costeira", identificado no artigo 1) da petição inicial.

3. Porque na segunda questão suscitada no douto Acórdão recorrido, que tem a ver com a procedência ou improcedência da invocada excepção de caducidade do exercício do direito de preferência, no douto Acórdão, que aqui para este efeito se dá por integralmente reproduzido, decidiu-se pela improcedência, e que, por consequência, não seria obstáculo à procedência do pedido de preferência.

4. Limitado que está o objecto do presente recurso, no douto Acórdão recorrido, à semelhança da douta sentença proferida em primeira instância, continua a entender que como "... o objecto da venda em causa, foi a metade indivisa do prédio rústico "Leiras da Costeira" e não o prédio juridicamente autónomo, pelo que com este fundamento e atento a interpretação legal que perfilhamos, aliás na linha da jurisprudência e doutrina que julgamos ser maioritária, a acção teria necessariamente de improceder".

5. Ora, é precisamente sobre esta "primeira questão" e sobre esta decisão de julgar improcedente o direito de preferência do Autor, que o recorrente não concorda e que vai tentar, apoiado na jurisprudência e na doutrina e na lei rebater.

6. O recorrente entende, salvo o devido respeito por melhor opinião, que a presente acção, o mesmo é dizer o douto acórdão recorrido, deveria ser julgado (sic) e conferido ao recorrente o direito de preferência na venda a que os autos se referem.

7. Ora, apurou-se, como consta da matéria provada, que os recorridos D e mulher compradores não são proprietários de qualquer prédio confinante com o prédio vendido, as referidas "Leiras de Costeira".

8. Ao contrário, provou-se que o recorrente é proprietário de um prédio rústico "Eiro da Costeira" que confronta com o prédio vendido, o que lhe conferia, nos termos do disposto no artigo 1.380° do Código Civil, o direito de preferência;

9. Porém, tal não foi entendido no douto Acórdão recorrido (e na douta sentença da primeira instância), com o argumento de que o artigo 1.380° do Código Civil pressupõe a existência de dois prédios confinantes e não partes indivisas de prédios, da parte alíquota de prédio confinante.

10. E se é verdade que existe jurisprudência a confirmar que não existe o exercício de direito de preferência na venda de" metade indivisa" ou "parte alíquota de um prédio" por não se tratar de um prédio juridicamente autónomo, também é verdade que já vai aparecendo jurisprudência, e em quantidade significativa, que defende a tese contrária, isto é, em defesa do exercício do direito de preferência sobre partes ideais ou alíquotas do prédio, como é o caso vertido nos presentes autos.

11. Com todo o respeito pelas decisões proferidas, parece-nos que a tendência da jurisprudência e da doutrina é no sentido de que se pode exercer o direito de preferência na venda de partes indivisas de prédios rústicos.

12. Esta tendência vem no seguimento do próprio espírito do artigo 1.380° do Código Civil e da lei do emparcelamento regulado (sic) no Decreto Lei n°103/90 de 22 de Março, que visa aglutinação de propriedades (terrenos), para melhor aproveitamento económico, numa região onde vigora o minifúndio, sem grandes hipóteses de mecanizar a agricultura.

13°E o certo é que se o recorrente juntar ao seu prédio mais metade indivisa do prédio que lhe é confinante, está a cumprir o espírito da lei do emparcelamento e do próprio legislador.

14. Assim, no sentido de considerar que existe direito de preferência no caso de venda de partes indivisas ou partes alíquotas de um prédio, relembram-se os doutos Acórdãos já anteriormente citados em alegações, como seja o Acórdão da Relação de Coimbra de 14/10/1997, in BMJ, n°273-236 que afirma que "o artigo 1.380° do Código Civil não afasta, antes abrange, a "possibilidade de o direito de preferência ser exercido em relação à venda de uma parte alíquota do prédio preferendo";

15. Verifica-se, ao contrário do afirmado no douto acórdão recorrido, de que "o direito de preferência pode exercer-se tanto na venda da totalidade do prédio, como na duma simples parte material ou de uma quota-ideal ou indivisa do mesmo.

16.Ao manter-se a venda para os recorridos D e mulher, o espírito da lei do emparcelamento não se verifica, pois aparecem novos donos de partes indivisas, quando o artigo 1.380° do Código Civil e a lei do emparcelamento visa exactamente o contrário, isto é, aglutinar e juntar termos (sic) no mesmo proprietário, e não os manter fraccionados, para um melhor aproveitamento económico e produtivo.

17. Em apoio desta posição veja-se ainda o Ac.Rel.Coimbra de 16/12/1997 in BMJ n°275-282, que defende o direito de preferência - e com base no artigo 1.380° do Código Civil de quotas partes ideais de prédios ou indivisas do mesmo.

18. Diz ainda o dito acórdão: "Só assim se evita a frustração de tal direito e se obtém o dimensionamento adequado a uma exploração vantajosa, querida pelo legislador.

19. E, finalmente, por mera analogia, e com a necessária adaptação, se poderia invocar aqui o assento emitido pelo Tribunal Pleno, no processo n°76.892, 1ªSecção-in Revista n°43-3° Trimestre de 1990-pág.99, que refere textualmente que "o direito de preferência concedido ao arrendatário (...) abrange a venda de quota do prédio", não se vendo que tal direito não possa ser conferido ao proprietário confinante.

20.Assim, por estas razões invocadas nos arestos acabados de referir, a acção intentada pelo recorrente deveria proceder e consequentemente ser-lhe conferido o direito de preferência à metade indivisa na venda do prédio referido no artigo 1° da petição inicial- As Leiras da Costeira-, com o que seria feita inteira justiça.

21. Violou, deste modo o douto acórdão recorrido o disposto no artigo 1.380° do Código Civil e eventualmente outros preceitos legais que V.Excia doutamente suprirão.

2. Quanto à matéria de facto remete-se para a decisão da 1ª instância (artigos 713°, n°6 e 726°, do Código de Processo Civil).

Cumpre decidir.

3.Constitui objecto do presente recurso a questão de saber se o artigo 1380° do Código Civil deve ser interpretado no sentido de que o direito de preferência aí previsto tem lugar no caso de alienação de parte alíquota de determinado prédio rústico.

Esta questão teve resposta negativa nos acórdãos deste Tribunal de 27 de Fevereiro de 1986, no BMJ, n°354, p.532, e de 19 de Abril de 1999, no BMJ, n°491, p.210. As razões aí invocadas são convincentes.

Com efeito, aquele artigo introduz limitações ao direito de propriedade, constituindo, assim, uma norma excepcional que não comporta uma aplicação analógica (artigo 11° do Código Civil). Ora, o artigo 1380° prevê um direito de preferência em caso de alienação do prédio confinante, e não de parte alíquota deste.

É certo que as disposições excepcionais permitem uma interpretação extensiva (mencionado artigo 11°), mas as situações não são idênticas, exigindo o mesmo tratamento.

A este respeito importa observar que a aquisição de uma parte alíquota só indirectamente (pela aquisição posterior das restantes partes pelo proprietário do prédio confinante) permitiria a realização do objectivo do artigo 1380°, o alargamento de prédios com área inferior à unidade de cultura, e teria como consequência o ingresso de um estranho na compropriedade, com os inconvenientes que daí resultam (potencialidade de conflitos). Ora, a lei encara com desfavor as situações de comunhão artigos 1409° e 1412° do Código Civil).

E observe-se enfim que, como salienta o acórdão de 27 de Fevereiro de 1986, acima mencionado que "Antes do Código Civil admitia-se expressamente a preferência em relação à venda de parte alíquota ou ideal, mas hoje o artigo 1380° daquele diploma só se refere a proprietários de "terrenos confinantes" que gozam de preferência na venda de qualquer dos "prédios", o que parece ter excluído o respectivo direito na venda de parte ideal."

Nega-se, pois, a revista.

Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 10 de Abril de 2003

Moitinho de Almeida

Ferreira de Almeida

Abílio Vasconcelos.