Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
93/02.6TAPTB.G1-A.S1
Nº Convencional: 5ª SECÇÃO
Relator: ISABEL PAIS MARTINS
Descritores: ACÓRDÃO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
SENTENÇA
ABSOLVIÇÃO
RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO
ACORDÃO DA RELAÇÃO
ESCOLHA DA PENA
REENVIO DO PROCESSO
Data do Acordão: 01/21/2016
Nº Único do Processo: DR, I SÉRIE, 36, 22.02.2016, P. 532 - 542
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Decisão: FIXADA JURISPRUDÊNCIA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL PENAL - SENTENÇA ABSOLUTÓRIA / SENTENÇA CONDENATÓRIA / RECURSOS / RECURSO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO / REENVIO DO PROCESSO PARA NOVO JULGAMENTO.
Doutrina:
- Anabela Miranda Rodrigues, A Determinação da Medida da Pena Privativa de Liberdade, Coimbra Editora, Coimbra 1995, p. 96 e ss..
- Damião da Cunha, O Caso Julgado Parcial, Questão da culpabilidade e questão da determinação da sanção num processo de estrutura acusatória, Teses, Porto, 2002, Publicações Universidade Católica nota 90, pp. 99, 516-520, especialmente § 23, pp. 686-693.
- Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português. Do procedimento (marcha do processo), volume III, Lisboa; Universidade Católica Portuguesa, 2014, pp. 301, 320.
- J.J. Gomes Canotilho / Vital Moreira, “Constituição da República Portuguesa” Anotada, Volume I, 4.ª edição revista, Coimbra Editora, 2007, anotação III ao artigo 32.º, p. 516.
- Joaquim Correia Gomes, «As sentenças absolutórias, o recurso e o provimento condenatório na relação», Revista do Ministério Público, Ano 31, Abr-Jun 2010, n.º 122, pp. 200, 214 e ss..
- Jorge de Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, §§ 254, 255, pp. 196-197.
- Jorge Miranda / Rui Medeiros, “Constituição Portuguesa” Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, 2005, anotação XII ao artigo 20.º, p. 200.
- Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 4.ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, 2011, anotação 3 ao artigo 369.º, p. 949.
- Pereira Madeira, “Código de Processo Penal” Comentado, António Henriques Gaspar et alii, Almedina, 2014, comentários ao artigo 401.º, p. 1283 e ss..
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 128.º, N.º2, 358.º, N.º1, 368.º, 369.º, 371.º, 374.º, N.º 3, AL. B), 375.º, N.º 1, 379.º, N.º 1, ALS. A) E C), PRIMEIRO SEGMENTO, 400.º, N.º1, AL. E), 401.º, N.ºS1, ALS. A) E B), E 2, 402.º, 403.º,410.º, N.º2, 424.º, N.º 2, 425.º, N.ºS 2 E 4, 426.º, N.º1, 428.º, 430.º,
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 32.º, N.º1.
Referências Internacionais:
PACTO INTERNACIONAL RELATIVO AOS DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS (APROVADO PARA RATIFICAÇÃO, POR PORTUGAL, PELA LEI N.º 29/78, DE 12 DE JUNHO): - ARTIGO 14.º, N.º 5.

PROTOCOLO N.º 7, ADICIONAL À CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO HOMEM [PORTUGAL APROVOU ESTA CONVENÇÃO EM 15 DE JUNHO DE 1978 (DIÁRIO DA REPÚBLICA, I SÉRIE-A, DE 13 DE OUTUBRO, LEI N.º 65/78) E O PROTOCOLO N.º 7 FOI APROVADO, PARA RATIFICAÇÃO, PELA RESOLUÇÃO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA N.º 22/90, DE 27 DE SETEMBRO, E RATIFICADO PELO DECRETO DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA N.º 51/90, DA MESMA DATA]: - ARTIGO 2.º, N.º 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 15/05/2003, PROCESSO N.º 863/03-5.ª
-DE 31/10/2007, PROCESSO N.º 07P3271.
-DE 29/01/2014, PROCESSO N.º 17135/08.4TDPRT.P1.S1.
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ACÓRDÃO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA N.º 8/99, DE 30 DE OUTUBRO DE 1997, PUBLICADO NO DIÁRIO DA REPÚBLICA, I SÉRIE-A, N.º 185, DE 10/08/1999.

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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

-N.º 49/2003, DE 29 DE JANEIRO DE 2003, PUBLICADO NO DIÁRIO DA REPÚBLICA, II SÉRIE, DE 16 DE ABRIL DE 2003.
-N.OS 255/2005, 487/2006, 682/2006, 353/2010 E 546/2011,
TODOS DISPONÍVEIS EM WWW.TRIBUNALCONSTITUCIONAL.PT
-N.º 412/2015, DE 29 DE SETEMBRO DE 2015, DISPONÍVEL EM WWW.TRIBUNALCONSTITUCIONAL.PT

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JURISPRUDÊNCIA DAS RELAÇÕES:

-ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA, DE 19/12/2006 (PROCESSO N.º 1752/06.1), DE 14/04/2009 (PROCESSO N.º 276/08.5GDLLE.E1), DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO, DE 28/11/2007 (PROCESSO 0745421), DE 05/03/2008 (PROCESSO 0746287), 05/03/2008 (PROCESSO 0746465), 08/09/2010 (PROCESSO N.º 358/09.6GBOAZ.P1), 21/11/2012 (PROCESSO N.º 14/12.8TAMTR.P1), DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA, DE 14/01/2009 (PROCESSO N.º 10484/2008-3), DE 09/03/2010 (PROCESSO N.º 1713/06.9TALRS-L1-5), DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA, DE 25/01/2012 (PROCESSO N.º 2917/09.8TACBR.C1), DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES, DE 04/03/2013 (PROCESSO N.º 159/11.1GABCB.G1).
-ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA, DE 24/11/2009 (PROCESSO N.º 252/06.2GFSNT.L1-5), DE 21/01/2010 (PROCESSO N.º 98/05.5JELSB.L1-9), DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO, DE 12/09/2012 (PROCESSO N.º 1362/08.7TAVNF.P1).
-ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA, DE 21/01/10 (PROCESSO N.º 98/05.5JELSB.L1-9).
-ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO, DE 02/12/2009 (PROCESSO N.º 93/08.2PBMTS.P1), 26/05/2010 (PROCESSO N.º 1330/06.3TAGDM.P1), 14/04/2010 (PROCESSO 659/09.3GBAMT.P1).
Sumário :

«Em julgamento de recurso interposto de decisão absolutória da 1.ª instância, se a relação concluir pela condenação do arguido deve proceder à determinação da espécie e medida da pena, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 374.º, n.º 3, al. b), 368.º, 369.º, 371.º, 379.º, n.º 1, als. a) e c), primeiro segmento, 424.º, n.º 2, e 425.º, n.º 4, todos do CPP.»
Decisão Texto Integral:

Acordam no pleno das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça

I


1. O Ministério Público interpôs, para o pleno das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do disposto no artigo 437.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, com fundamento em oposição de acórdãos da relação – o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 06/05/2013, proferido no processo n.º 93/02.6TAPTB.G1, e o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 19/09/2012, proferido no processo n.º 279/09.2PCLRA.C1, ambos transitados em julgado.

Alegou, em conclusão:

«1. O acórdão recorrido considerou caber ao tribunal “a quo” o dever de determinar a pena concreta ao arguido que naquele havia sido absolvido, mas que, por recurso do M.ºP.º e na instância de recurso, viu modificada esta decisão por uma outra oposta, de condenação.

«2. Para tal apela ao respeito pelo princípio do segundo grau de jurisdição e pelo princípio do contraditório, aqui para se fazer cumprimento das normas relativas à escolha e fixação da pena.

«3. E neste pressuposto, determinou a remessa do processo à primeira instância, onde deverá ser reaberta a audiência.

«4. Diverge-se desta opinião, porquanto se persegue o entendimento oposto, ou seja, de que cabe ao tribunal “ad quem”, o de recurso, ponderar e escolher a pena a aplicar, só não o devendo fazer se não possuir todos os elementos para a determinação da pena, conforme exige o art. 71.º do CP, não havendo neste procedimento qualquer violação aos princípios acima indicados e que alicerçam a tese contrária.

«5. Nada obsta ao conhecimento do recurso extraordinário porquanto o acórdão recorrido, transitado em julgado e com a posição jurídica supramencionada, que deverá ser revogado, se apresenta em plena oposição ao que foi proferido a 19/09/2012 pelo Tribunal da Relação de Coimbra, tirado no processo n.º 279/09.PCRLA.C1, também já passado em julgado.

«6. Foi violado, por isso, o disposto nos artigos 402.º, n.º 1 e 369.º, ambos do CPP.»

O apenso de recurso foi instruído com certidão do acórdão recorrido.

2. Na oportunidade conferida pelo artigo 440.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o Ministério Público foi de parecer de que se mostravam reunidos os requisitos para prosseguimento do recurso devendo, pois, ser proferido acórdão a decidir pela verificação da oposição de julgados.

Requereu a junção de exemplar do acórdão fundamento.

3. Por acórdão tirado em conferência foi decidido que o recurso devia prosseguir por se verificar oposição de julgados sobre a mesma questão de direito e no âmbito da mesma legislação.

4. Após trânsito desse acórdão, determinou-se o cumprimento do disposto no n.º 1 do artigo 442.º do Código de Processo Penal.

5. Na sequência, o Ministério Público apresentou desenvolvidas alegações terminando a propor que o conflito de jurisprudência fosse resolvido nos seguintes termos:

«No caso de, em recurso da decisão absolutória proferida em 1.ª instância, o Tribunal da Relação revogar tal decisão, por julgar praticado o ilícito criminal em causa, compete-lhe a escolha e a decisão sobre a espécie e medida da pena a aplicar ao arguido, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 428.º, 374.º e 379.º, n.º 1, todos do C.P.P.»

6. Com projecto de acórdão, foi o processo remetido aos vistos dos juízes que constituem o pleno das secções criminais, para julgamento do recurso.

 Realizada a conferência a que se refere o artigo 443.º do Código de Processo Penal, cumpre decidir.  

II
           
            1. Uma vez que a decisão tomada na secção criminal sobre a oposição de julgados não vincula o pleno das secções criminais, como uniformemente tem sido entendido, há que preliminarmente reapreciar essa questão.
1.1. No acórdão proferido, nos termos do artigo 441.º do Código de Processo Penal, disse-se o seguinte:
«Quanto ao específico objecto do presente recurso, estamos em face de dois acórdãos, um do Tribunal da Relação de Guimarães e outro do Tribunal da Relação de Coimbra, que decidiram de formas opostas a mesma questão de direito – tribunal competente para a determinação da sanção aplicável, no caso de o tribunal de recurso ter revogado a decisão absolutória da 1.ª instância e condenado o arguido.
«Com efeito, no acórdão recorrido, estava em causa a prática de um crime de lenocínio, em que vários arguidos foram absolvidos; interposto recurso pelo Ministério Público para o Tribunal da Relação de Guimarães, veio este a condenar uma das arguidas como cúmplice, tendo ordenado o reenvio do processo para novo julgamento, restrito à questão da determinação da espécie e medida da pena a aplicar, no entendimento expresso, aliás contra a jurisprudência maioritária daquele Tribunal, de que o tribunal competente para o efeito era o da 1.ª instância, sob pena de violação do duplo grau de jurisdição e do princípio do contraditório, tal como resultava de outras decisões dos mesmos juízes.
«No acórdão fundamento, estava em causa a prática de vários crimes de furto e de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, tendo o arguido sido condenado por esse e por alguns crimes de furto; interposto recurso pelo Ministério Público para o Tribunal da Relação de Coimbra, veio este Tribunal a revogar em parte a decisão recorrida, condenando o arguido por outros crimes de furto de que tinha sido absolvido e aplicando as penas correspondentes, reelaborando também o cúmulo jurídico.
«Nessa decisão, aprovada por maioria com voto do presidente da secção e voto de vencida da Senhora Desembargadora adjunta, considerou-se expressamente que “ao tribunal ad quem, ao reexaminar a causa, tal como lhe assiste a faculdade de passar de uma decisão condenatória para uma absolutória, assistir-lhe-á a de passar de uma decisão absolutória para uma decisão condenatória e, neste último caso, dispondo dos necessários elementos, fixar a espécie e medida da pena”».  
1.2. Temos, assim, em ambos os acórdãos a verificação do mesmo pressuposto: interposto recurso pelo Ministério Público de sentença absolutória da 1.ª instância, a relação, na sequência de alteração da decisão proferida sobre matéria de facto, veio a revogar essa sentença absolutória concluindo pela condenação do arguido.
Impondo a decisão sobre a culpabilidade que se lhe siga a decisão sobre a determinação da sanção, os acórdãos recorrido e fundamento divergem quanto a saber qual é o tribunal que deve decidir essa última questão.
Enquanto o acórdão recorrido determinou o “reenvio” do processo para novo julgamento, restrito a essa questão, isto é, para que fosse o tribunal da 1.ª instância a decidir quanto à escolha e à medida da sanção a aplicar, o acórdão fundamento partiu do entendimento de que cabe à relação decidir a questão.
O acórdão fundamento remeteu para a fundamentação do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21/10/2010 (processo n.º 08/05.5JELSB.L1-9), segundo a qual “o tribunal ad quem pode e deve, na consideração da verificação dos elementos constitutivos do tipo legal, condenar o arguido que vinha absolvido”, assim respondendo à sua própria interrogação quanto a saber se, condenado o arguido que vinha absolvido, caberá à relação proceder à determinação da medida concreta da pena a aplicar. Todavia, aquele referido acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa pormenorizou “as situações em que a factualidade provada não permita, com o rigor exigível, a determinação da espécie e medida da pena nos termos dos artigos 70.º e 71.º do CP, o que a ocorrer, justificaria, então, que se determinasse a reabertura da audiência, nos termos dos artigos 369.º, 370.º e 371.º do CPP”. 
1.3. Neste quadro, o pleno das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça não pode deixar de confirmar a decisão tirada em conferência de verificação de oposição de julgados sobre a mesma questão fundamental de direito.
Com efeito, os dois acórdãos da relação em confronto, recorrido e fundamento, proferidos no âmbito da mesma legislação, sustentam entendimento divergente quanto à questão de saber a que instância cabe a decisão sobre a espécie e medida da sanção, no caso de a decisão condenatória ser pela primeira vez proferida na relação.
III
         
          1. A questão a decidir
A questão a decidir pelo pleno das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça está, pois, em saber se cabe à relação ou à 1.ª instância a determinação da espécie e medida da pena no caso de a relação, em recurso, revogar a decisão absolutória da 1.ª instância e formular um juízo positivo sobre a culpabilidade do arguido. 
          2. As divergências na jurisprudência
Questão essa que tem sido intensamente debatida na jurisprudência detectando-se a divergência de soluções ao nível de todos os tribunais da relação.
            No caso de a relação, em recurso, alterar a decisão proferida em matéria de facto, com a consequência de condenar um arguido por crime de que tinha sido absolvido na 1.ª instância, revogando, nessa parte, a decisão recorrida, perfilam-se duas fundamentais orientações na solução da questão de saber a que instância cabe a decisão sobre a determinação da espécie e medida da pena: uma que sustenta deverem os autos ser devolvidos (“reenviados”) à 1.ª instância para novo julgamento restrito à determinação da espécie e medida da pena; outra que entende caber à relação a decisão sobre essa questão.
            Afinal, as duas linhas de solução sustentadas uma, no acórdão recorrido, outra, no acórdão fundamento.
            2.1. A solução de “reenvio” assenta numa dupla ordem de razões primaciais.
Em primeiro lugar, por ser essa a solução imposta pela consagração constitucional do princípio do duplo grau de jurisdição, acolhido no artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa.
            Pondera-se que a ser o tribunal ad quem a proceder à determinação da espécie e medida da pena, nos casos, evidentemente, de irrecorribilidade da decisão condenatória da relação que revoga a decisão absolutória proferida em 1.ª instância, sairia preterido o direito ao duplo grau de jurisdição, pois retirava-se ao arguido a possibilidade de ver apreciada em 2.ª instância a decisão proferida em matéria de determinação da sanção.    
Concluindo-se que, decidindo a relação, em recurso, que o arguido cometeu o crime de que fora acusado e absolvido em 1.ª instância e devendo, em consequência, ser condenado, já não deve a relação proceder à determinação da sanção sob pena de decidir em 1.ª e única instância essa questão, sendo, dessa forma, contrariado o direito fundamental ao recurso com consagração no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
            Em segundo lugar, por ser essa a solução imposta pelo nosso modelo – processual e substantivo – de determinação da sanção.
            Por um lado, a relativa autonomização do momento de determinação da sanção leva a que só depois de decidida positivamente a questão da culpabilidade, o tribunal pondere e decida a necessidade de produção de prova suplementar com vista à determinação da sanção. Assim, decidida pela relação a culpabilidade de arguido absolvido pelo tribunal de 1.ª instância, deve ser este [a 1.ª instância] a proceder à determinação da espécie e medida da pena concreta a aplicar, de harmonia com o disposto nos artigos 369.º e seguintes do Código de Processo Penal e 70.º e seguintes do Código Penal.
            Por outro lado, os direitos de defesa do arguido, no âmbito da determinação da sanção, assumem também uma função positiva, dentro das eventuais possibilidades de sancionamento que estejam dependentes da sua livre vontade, como sucede nos casos em que é suposto o consentimento do condenado (v. g., prestação de trabalho a favor da comunidade, sujeição a tratamento médico ou plano individual de readaptação social no âmbito da pena de suspensão da execução da pena).
            Concluindo-se, por conseguinte, que, para além da necessidade decisiva de cumprir o princípio do duplo grau de jurisdição, também o cabal cumprimento das normas de direito processual e substantivo relativas à escolha e determinação da pena implica que deva ser o tribunal de 1.ª instância a proferir a respectiva decisão[1].    
2.2. A solução de que cabe à relação, no caso de revogação da decisão absolutória da 1.ª instância, proceder à escolha e determinação da medida concreta da pena foi sendo adoptada sem qualquer expressa justificação, isto é, a relação, em recurso, decidindo pela condenação do arguido, procedia à determinação da espécie e medida da pena na assunção implícita de que lhe cabia essa tarefa.
Todavia, depois de surgirem decisões das relações a defender o contrário, a solução passou a ser positivamente justificada apoiando-se no entendimento de que o princípio do duplo grau de jurisdição mostra-se observado com a possibilidade de os sujeitos processuais, por via de recurso, fazerem reapreciar a decisão da 1.ª instância pela relação e na afirmação da plenitude de jurisdição do tribunal de recurso.
Recusando-se, pois, que o princípio do duplo grau de jurisdição imponha – sempre e em qualquer circunstância – a possibilidade de recurso da primeira decisão condenatória, mesmo que esta seja proferida pelo tribunal de recurso, e convocando, em abono desta posição, a jurisprudência do Tribunal Constitucional e o artigo 2.º, n.º 2, do Protocolo n.º 7, adicional à Convenção Europeia dos Direitos do Homem[2]
            Nesta corrente de entendimento, abriu-se, no entanto, uma excepção à regra geral de caber à relação a determinação da espécie e da medida da pena ou, dito de outro modo, estabeleceu-se uma restrição a essa regra. À relação competiria proceder à determinação da espécie e medida da sanção sempre que dispusesse, mas só quando dispusesse, dos factos necessários, para o efeito.
            A solução passaria, por conseguinte, por a relação, dando por verificados os elementos constitutivos do tipo legal, condenar o arguido e proceder à determinação da espécie e medida da sanção, com excepção das situações em que os factos provados não fossem suficientes para, com o rigor exigível, proceder à determinação da espécie e medida da pena[3]. Nestas situações excepcionais impor-se-ia, então, a devolução do processo à 1.ª instância para a determinação da sanção.
            Contudo, numa outra perspectiva, não são reconhecidas excepções que fundamentem a devolução do processo à 1.ª instância. No caso de o tribunal superior revogar a sentença absolutória de 1.ª instância, substituindo-a por uma sentença condenatória, cabe-lhe sempre proceder à determinação da espécie e medida da pena, salvaguardando o direito de defesa e o direito a um processo equitativo, assegurados por via da audição do arguido e de lhe ser reconhecida a possibilidade de requerer e de ser ouvido em audiência[4].   
            2.3. Em decisões de recursos interpostos de acórdãos da relação que, na sequência de revogação de decisões absolutórias de 1.ª instância, decidiram pela condenação dos arguidos mas ordenaram a remessa do processo à 1.ª instância para, aí, se proceder à determinação da espécie e medida da pena, a jurisprudência mais recente do Supremo Tribunal de Justiça[5] tem sido no sentido de julgar as decisões recorridas afectadas por nulidade – por falta da menção referida na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º [alínea a), primeiro segmento, do n.º 1 do artigo 379.º do Código de Processo Penal] e por omissão de pronúncia [alínea c), primeiro segmento, do n.º 1 do mesmo artigo].
            Em síntese, essa jurisprudência[6] decorre da compreensão da função do tribunal de recurso como sendo a de “perante o objecto do recurso, quando possa conhecer de mérito, proferir decisão que dê resposta cabal a todo o thema decidendum que convocou o tribunal ad quem a um juízo de mérito”.
            Por isso, “conhecendo de mérito, de facto e de direito, não pode a relação, perante as questões postas e fixada a matéria de facto, deixar de proferir a decisão de direito correspondente, de forma a que, fixando a matéria de facto, se escuse a extrair as consequências jurídicas, na determinação e aplicação da lei aos factos, omitindo a subsunção jurídica [e/ou a determinação da sanção], devolvendo ao tribunal a quo o conhecimento e a decisão da parte em falta”.
            “O tribunal de recurso apenas pode fazer uso do reenvio (parcial ou total) nos termos do artigo 426.º do CPP, pela verificação dos pressupostos ali apontados no seu n.º 1 (…). Fora da situação prevista no artigo 426.º do CPP, somente nos casos de nulidade da decisão recorrida, é que a reapreciação da questão objecto de recurso, pode ou deve de novo ser conhecida pelo tribunal a quo conforme o âmbito da nulidade (…)”.          
3. A apreciação crítica das soluções jurídicas em confronto e a solução do conflito
            Exposta a questão e as soluções jurídicas divergentes que tem merecido, impõe-se-nos chegar à resolução do conflito.
3.1. No plano da finalidade do recurso, três são os sistemas possíveis: sistema de cassação, sistema de substituição e sistema intermédio[7].
Num puro sistema de cassação (de tornar nulo, sem efeito), o tribunal de recurso, se o acolher, limita-se a revogar a decisão recorrida e o tribunal a quo decidirá de novo.
Num sistema de substituição, o tribunal de recurso, se o acolher, substitui a decisão por aquela que considere ser a legal.
Num sistema intermédio, o tribunal de recurso, se o acolher, manda ao tribunal a quo que profira nova decisão com o conteúdo que o tribunal de recurso lhe fixa.
No nosso sistema processual penal predomina o sistema de substituição, embora com limitações. O conteúdo normal do recurso, que corresponde à sua finalidade, é a substituição da decisão recorrida por outra.
As relações, enquanto instâncias de recurso e atentos os seus amplos poderes de cognição (em matéria de facto e em matéria de direito) não podem, em regra, limitar-se a revogar a decisão recorrida, mandando baixar o processo ao tribunal recorrido para que este profira uma nova decisão.
«É que o nosso modelo processual penal de recurso segue essencialmente o modelo de substituição – e não de cassação – na modalidade de apelação limitada, tendo por base o princípio do dispositivo, sendo este o paradigma dos recursos para as Relações.»[8]
No nosso sistema, só quando não for possível decidir da causa, por qualquer um dos vícios elencados no n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal – seja por insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, seja por contradição insanável na fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, seja por erro notório na apreciação da prova – é que o tribunal ad quem não decide da causa, substituindo a decisão recorrida por outra.
Nos termos do artigo 426.º, n.º 1, do mesmo diploma, na hipótese de não ser possível decidir da causa, por existência dos referidos vícios, o tribunal de recurso determina o reenvio do processo para novo julgamento, relativamente à totalidade do objecto do processo ou a questões concretamente identificadas.
3.2. Sobre o âmbito do recurso dispõem os artigos 402.º e 403.º do Código de Processo Penal.
O princípio geral é que o recurso interposto de uma decisão a abrange na sua totalidade (artigo 402.º, n.º 1) salvo se for fundado em motivos estritamente pessoais do recorrente (artigo 402.º, n.º 2) ou for limitado a uma parte autónoma da decisão (artigo 403.º, n.º 1).
Por força do princípio do conhecimento amplo, o tribunal de recurso conhecerá de toda a decisão a não ser que o recorrente tenha expressamente limitado o recurso a uma parte dela e a limitação seja admissível.
Porém, a limitação do recurso não determina, em absoluto, o conteúdo da decisão do tribunal ad quem, pois, como acautela o n.º 3 do artigo 403.º, “a limitação do recurso a uma parte da decisão não prejudica o dever de retirar da procedência daquele as consequências legalmente impostas relativamente a toda a decisão recorrida”.
Daqui decorre a aceitação legal da ideia da plenitude de jurisdição dos tribunais de recurso, no sentido de que podem decidir sobre todo o objecto do processo, não se apresentando, pois, qualquer obstáculo legal à possibilidade de o tribunal de recurso substituir uma decisão absolutória por uma condenatória e, simultaneamente, determinar e aplicar uma pena.
Por isso, como observa Germano Marques da Silva[9], «se apenas se impugna a questão da culpabilidade e o recurso procede, a procedência terá normalmente efeitos na determinação da pena».
3.3. No nosso sistema de recursos é reconhecida a legitimidade e o interesse em agir para recorrer de decisões absolutórias ao Ministério Público (com legitimidade para recorrer de quaisquer decisões, ainda que no exclusivo interesse do arguido) e ao assistente (com legitimidade para recorrer de decisões contra ele proferidas), nos termos do artigo 401.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código de Processo Penal.
Pereira Madeira[10], em comentário ao artigo 401.º, destaca a função de representante da sociedade do Ministério Público como fundamento da ampla legitimidade para recorrer que a lei lhe reconhece por objectivamente lhe dever interessar “tanto a punição dos culpados em medida justa como a absolvição dos inocentes”; quanto ao assistente, a respectiva legitimidade para recorrer é afirmada quanto às decisões que contrariem as posições processuais por si formuladas, não havendo dúvidas, em conformidade com o seu estatuto processual, quanto à legitimidade para recorrer de decisões absolutórias, já sendo controversa, porém, a resposta à questão de “saber se é proferida contra o assistente a decisão que condene o arguido, embora em espécie e medida da pena diversas das propostas”. Ora, como observa, “estando apenas em causa, imediatamente, a medida concreta da pena, e nada mais, dificilmente se poderia afirmar por banda do assistente um «concreto e próprio interesse em agir, no recurso”, aliás, conforme a doutrina do acórdão de uniformização de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 8/99, de 30 de Outubro de 1997[11].
Sem prejuízo das críticas que, num plano doutrinário, se possam fazer a esta solução legal a mesma passa por, no reconhecimento da legitimidade e interesse em agir de o Ministério Público e de o assistente recorrerem de decisões absolutórias, por via de recurso, vir a ser proferida uma decisão condenatória em substituição de uma sentença absolutória.
Nesta hipótese, o tribunal de recurso é confrontado com o conhecimento de duas questões: a questão da culpabilidade e a questão da determinação da sanção.
3.4. Com efeito, à deliberação sobre a questão da culpabilidade segue-se a deliberação sobre a determinação da sanção – sobre a espécie e medida da sanção a aplicar –, nos termos dos artigos 368.º e 369.º do Código de Processo Penal.
O tribunal começa por deliberar e votar a questão da culpabilidade [artigo 368.º] e, resultando que ao arguido deve ser aplicada uma pena ou medida de segurança, «o presidente lê ou manda ler toda a documentação existente nos autos relativa aos antecedentes criminais do arguido, à perícia sobre a sua personalidade e ao relatório social» [artigo 369.º, n.º 1], sendo, quando necessária a produção de prova suplementar exclusivamente para a determinação da espécie e medida da sanção a aplicar, reaberta a audiência, nos termos do artigo 371.º [artigo 369.º, n.º 2, primeiro segmento]. Não sendo necessária a produção de prova suplementar ou após a produção de prova nos termos do artigo 371.º, «o tribunal delibera e vota sobre a espécie e determinação da sanção a aplicar». 
No nosso sistema processual penal instaurou-se, em termos mitigados[12], uma  “césure” entre a questão da culpabilidade e a questão da determinação da sanção, constituindo a possibilidade de uma “césure” na audiência de julgamento, na opinião de Paulo Pinto de Albuquerque, “uma das marcas ideológicas do CPP”[13].
Além dessa possibilidade de reabertura da audiência, em diversos preceitos é referida a necessidade de afastar da avaliação e decisão sobre a culpabilidade qualquer consideração sobre a personalidade e antecedentes criminais do arguido, remetendo-a para o âmbito da determinação da sanção. Assim, v.g., o artigo 128.º, n.º 2, sobre o objecto e limites do depoimento, prescreve que «Salvo quando a lei dispuser diferentemente, antes do momento de o tribunal proceder à determinação da pena ou medida de segurança aplicáveis, a inquirição sobre factos relativos à personalidade e ao carácter do arguido, bem como às suas condições pessoais e à sua conduta anterior, só é permitida na medida do estritamente indispensável para a prova dos elementos constitutivos do crime, nomeadamente da culpa do agente, ou para a aplicação de medida de coacção ou de garantia patrimonial».
Ora, em recurso, são correspondentemente aplicáveis as disposições sobre deliberação e votação em julgamento, tendo em atenção a natureza das questões que constituem o objecto do recurso (artigo 424.º, n.º 2, do Código de Processo Penal).
3.5. Segundo o mesmo diploma, a decisão condenatória – a que, agora, interessa considerar – constitui requisito do dispositivo da sentença (alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º), estabelecido sob cominação de nulidade da sentença (alínea a) do n.º 1 do artigo 379.º), sendo correspondentemente aplicável aos acórdãos proferidos em recurso, nomeadamente, o disposto no artigo 379.º, como decorre do n.º 4 do artigo 425.º do Código de Processo Penal.
Ademais, conforme artigo 375.º, n.º 1, “a sentença condenatória especifica os fundamentos que presidiram à escolha e medida da sanção aplicada, indicando, nomeadamente, se for caso disso, o início e o regime do seu cumprimento, outros deveres que ao condenado sejam impostos e a sua duração, bem como o plano individual de readaptação social”.
A necessidade de fundamentação da sentença condenatória, por especificação das razões que presidiram à escolha e medida da sanção, prescrita no Código de Processo Penal – e que, já antes da sua entrada em vigor, decorria do próprio Código Penal, então no artigo 72.º, n.º 3[14] [«Na sentença devem ser expressamente referidos os fundamentos da medida da pena»] –, inicialmente pensada para as decisões finais da 1.ª instância, assegura a controlabilidade, em via de recurso, da determinação da sanção.
 O dever jurídico-substantivo e processual de fundamentação da escolha e da medida da pena visa, justamente, tornar possível o controlo – total no caso dos Tribunais da Relação – da decisão sobre a determinação da sanção[15], conferindo ao procedimento de determinação da espécie e da medida da pena um nível de racionalidade satisfatório[16].
Os acórdãos proferidos em recurso obedecem, na sua estrutura, aos requisitos das sentenças de 1.ª instância, estando sujeitos a similares deveres de fundamentação e a exigências de explicitação da decisão absolutória e condenatória, ou seja, os requisitos enunciados na alínea a) do n.º 1 do artigo 379.º sob pena de nulidade do acórdão.
No concreto aspecto da determinação da sanção, quer quando dele conhece imediatamente, por constituir o objecto do recurso interposto de decisão condenatória, quer quando dele conhece por via de recurso interposto de decisão absolutória, a fundamentação da determinação da sanção já não visará, em primeira linha, a controlabilidade, por via de recurso – tanto mais quanto nem sempre será caso de admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça –, mas fomentará sempre um modelo de “transparência” da decisão, passível de “fiscalização” pelos sujeitos processuais e pela própria comunidade.
Se a relação se abstiver da determinação da sanção, na linha da tese do acórdão recorrido, omite pronúncia sobre questão que devia conhecer, incorrendo na nulidade prevista no primeiro segmento da alínea c) do n.º 1 do artigo 379.º, norma que, como já destacámos, é correspondentemente aplicável aos acórdãos proferidos em recurso, conforme estatui o artigo 425.º, n.º 4.
3.6. Decorre, assim, da lei a imposição legal de a relação determinar a sanção.
Por outro lado, nem as garantias constitucionais de defesa nem o estatuto do acusado conformam verdadeiros obstáculos a que a relação, assumindo a sua plenitude jurisdicional, no quadro do julgamento do recurso de uma decisão absolutória, profira decisão condenatória sem que tenha de reenviar o processo para o tribunal a quo para a determinação da sanção[17].
 O que importa é que sejam reconhecidos e conferidos ao arguido todos os direitos e instrumentos processuais imprescindíveis e ajustados a fazer valer as suas posições, contrariando as motivações de recurso no sentido da sua condenação, garantindo-lhe a possibilidade efectiva de, previamente ao julgamento do recurso da sentença absolutória na perspectiva de vir a ser proferida uma decisão condenatória, a discutir, contestar e influenciar, aduzindo argumentos, de facto e de direito, em abono da defesa da sua posição processual.
O que passa por conferir ao acusado um estatuto de sujeito processual, com plenos e adequados direitos de intervenção processual, assegurando-se um processo equitativo [um “due process of law”], com particular incidência no princípio do contraditório compreendido este como o dever de o tribunal de recurso proporcionar à defesa possibilidades razoáveis de defender os seus interesses numa posição de tendencial paridade com a acusação [princípio da igualdade de armas].
Nas palavras de Joaquim Correia Gomes[18]:
«Assim, ficarão asseguradas as garantias de defesa e o direito a um processo equitativo, mesmo no caso de uma sentença absolutória, sempre que se confira ao acusado não só a possibilidade de responder ao recurso, como ainda o direito a uma nova audiência de julgamento onde o mesmo possa estar presente, não nos termos de um primeiro julgamento, mas como um julgamento em sede de recurso, exercendo o respectivo contraditório e a faculdade de influenciar argumentativamente a decisão recursiva.»
3.7. Neste ponto, não será descabido recordar a norma do n.º 3 do artigo 424.º, introduzida pela Lei n.º 49/2007, de 29 de Agosto, com o propósito de, justamente, assegurar o direito de defesa do arguido quanto a uma alteração não substancial dos factos ou da respectiva qualificação jurídica dele não conhecida.
O sentido da notificação do arguido quando se antevê a possibilidade de serem alterados não substancialmente os factos ou a qualificação jurídica decorre da necessidade de não pôr em causa o seu direito de defesa, o direito de se pronunciar quanto a elementos surpresa de que não pôde oportunamente defender-se[19].
A solução legislativa de adoptar para o julgamento do recurso nos tribunais superiores[20] a solução prevista para o julgamento da 1.ª instância (artigo 358.º, n.º 1) apresenta-se como forma adequada de assegurar os direitos de defesa.
Para a concretização do direito de o arguido se pronunciar sobre uma alteração não substancial dos factos ou uma alteração de qualificação jurídica, deve ao arguido ser dado o conhecimento antecipado de essas situações virem a ocorrer, por meio de notificação, de forma a poder apresentar a sua defesa, em prazo adequado, por escrito, no caso de não haver lugar a audiência de julgamento do recurso ou na própria audiência de recurso, no caso contrário.
Em recurso de decisão absolutória de 1.ª instância – e para além da defesa assegurada pela resposta ao recurso –, com a adopção de um procedimento similar, dando a possibilidade ao arguido de se pronunciar sobre concretos aspectos da determinação da espécie e medida da pena, não resultaria violada a proibição da indefesa, apresentando-se esse procedimento, ao invés, conforme às exigências de um processo equitativo.
3.8. A hipótese de reenvio do processo para novo julgamento, relativamente à totalidade do objecto do processo ou a questões concretamente identificadas na decisão de reenvio, prevista no artigo 426.º do Código de Processo Penal, é condicionada por uma dupla exigência: verificação de um ou mais do que um dos vícios do n.º 2 do artigo 410.º do mesmo diploma e, em razão disso, não ser possível decidir da causa.
 Ora, os vícios do n.º 2 do artigo 410.º têm de resultar do próprio texto da decisão recorrida, na sua globalidade, mas sem recurso a quaisquer elementos externos, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.
Como já vimos, nos termos do artigo 369.º, a questão da determinação da sanção pode ser deliberada e votada somente com base na prova produzida em audiência e na documentação junta aos autos relativa aos antecedentes criminais do arguido, à perícia sobre a sua personalidade e ao relatório social.
Pode, no entanto, o tribunal considerar necessária a produção de prova suplementar para a determinação da espécie e da medida da sanção a aplicar

 Sendo, efectivamente, necessária prova suplementar para a determinação da espécie e da medida da sanção a mesma deverá ser produzida sob pena de se verificar, nesse âmbito, uma insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito, a reclamar que a matéria de facto seja completada. Isto é, o vício da alínea a) do n.º 2 do artigo 410.º
Porém, no caso de o tribunal de 1.ª instância não passar à questão da determinação da espécie e medida da pena porque, previamente, da deliberação e votação sobre a questão da culpabilidade resultou que ao arguido não devia ser aplicada uma pena ou medida de segurança já não se poderá considerar a existência de tal vício mesmo quando a relação altere a decisão absolutória respondendo afirmativamente à questão da culpabilidade.
Neste caso, a falta de elementos necessários à determinação da sanção não é um vício que afecte a decisão recorrida porque para a mesma eles não eram necessários; do que se trata é de a relação, respondendo afirmativamente à questão da culpabilidade, não dispor de todos os elementos que são reclamados pela determinação da espécie e medida da sanção. Do que se trata, por conseguinte, não é de um vício intrínseco da decisão recorrida mas de uma falta revelada pela decisão do recurso ao revogar a decisão recorrida quanto à questão da culpabilidade.
Não se verificam, pois, os pressupostos do reenvio, definidos no artigo 426.º do Código de Processo Penal.
3.9. Daí que não se adira à solução do reenvio defendida, na doutrina, por Damião da Cunha[21] como uma das duas vias possíveis.
Embora ao Autor se apresente insuportável a possibilidade de o Ministério Público, em recurso, obter uma decisão condenatória, em substituição de uma decisão absolutória, “e mais insuportável, ainda, quando possibilite que o tribunal de recurso defina, a partir daí, a concreta pena”, propendendo a defender uma solução baseada na ideia de que o tribunal de recurso não pode “transformar” uma decisão absolutória em decisão condenatória, para o caso de tal se verificar, opina, quanto à questão da determinação da sanção, que a solução só pode reconduzir-se à alternativa: “ou o tribunal de recurso se assume como efectivo «tribunal de julgamento» e, portanto, no que toca a esta questão, realiza um «novo julgamento» (uma audiência de julgamento), ou, então procede a um reenvio para o tribunal a quo”.
De qualquer modo, sempre alvitrando que “não deve haver possibilidade de um tribunal superior alterar uma decisão, de absolutória para condenatória, porque não é possível declarar culpado um arguido sem que essa declaração seja precedida por uma audiência de julgamento (ou uma qualquer renovação de prova) em que lhe sejam concedidas, ex novo, todas as possibilidades de defesa. Ou seja, a declaração de absolvição pode ser «revogada» mas não alterada (se se quiser, pode ser «cassada», mas não «reformada»)”.
3.10. Retomando-se o artigo 369.º, dele resulta que a questão da determinação da sanção pode ser deliberada e votada somente com base na prova produzida na audiência, no registo criminal do arguido, no relatório sobre a sua personalidade e no relatório social.
Reconhecida a autonomia da questão da culpabilidade relativamente à questão da determinação da sanção, a relação, num quadro de plenitude de jurisdição e de amplos poderes de cognição, em matéria de facto e em matéria de direito (artigo 428.º), não se confrontará, por regra, com um défice de fundamentação de facto, ou, pelo menos, com uma insuficiente base de facto impossível de suprir, no caso de alteração uma decisão de absolutória para condenatória – seja por razões de direito seja por razões de facto –, a implicar a impossibilidade de determinação da sanção.
Mesmo na hipótese de uma insuficiente base de facto não está a relação impedida de obter os elementos necessários à determinação da sanção por via da realização de uma audiência, nos termos do artigo 371.º, pois, como vimos, em recurso são aplicáveis as disposições sobre deliberação e votação em julgamento, tendo em atenção a natureza das questões objecto do recurso (n.º 2 do artigo 425.º), nelas se incluindo tanto a questão da culpabilidade como a questão da determinação da sanção e, nesta, contempla-se a possibilidade de a deliberação e votação sobre a espécie e a medida da sanção ser precedida de produção de prova nos termos do artigo 371.º   
Numa outra perspectiva, defende-se uma interpretação extensiva ou mesmo por analogia do artigo 430.º do Código de Processo Penal, “por exigência do direito a um processo equitativo, no caso em que depois de uma absolvição em 1.ª instância poderá seguir-se uma condenação no tribunal de recurso”[22].
Uma ou outra solução o que realçam é não ter qualquer sentido que, após o reexame da matéria de facto e ficando assente a culpabilidade do arguido que vinha absolvido da 1.ª instância, a relação profira uma decisão condenatória incompleta, por omissão da consequência jurídica, e “reenvie” o processo para o tribunal a quo, a fim de aí ser determinada a espécie e medida da sanção.
Solução essa que, ademais, contraria, expressamente, as normas do direito processual penal a que fizemos referência e implica a assunção, por parte da relação, de uma jurisdição diminuída.
3.11. O “reenvio” para a determinação da espécie e medida da sanção conforma, ainda, uma forma artificiosa de garantir uma via de recurso, nessa matéria, em todos aqueles casos, evidentemente, em que da decisão condenatória da relação não seja admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
Quer-se evitar que a relação decida em primeira e última instância a questão da determinação da sanção no entendimento de que tal contrariaria o direito ao recurso, com consagração constitucional no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
3.11.1. O direito ao recurso foi expressamente inscrito no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa pela Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro[23].
Houve, assim, o reconhecimento constitucional da integração do direito ao recurso nos direitos de defesa do arguido.
Tratou-se “de explicitar que, em matéria penal, o direito de defesa pressupõe a existência de um duplo grau de jurisdição, na medida em que o direito ao recurso integra o núcleo essencial das garantias de defesa constitucionalmente consagradas. Na falta de especificação, o direito ao recurso traduz-se na apreciação da questão por um tribunal superior, quer quanto à matéria de direito, quer quanto à matéria de facto”[24].
Na interpretação do conteúdo do direito ao recurso, o Tribunal Constitucional, até data recente[25], sempre rejeitou a ideia de que a Constituição portuguesa imponha que haja sempre recurso de decisões condenatórias da relação que tenham revogado anteriores decisões absolutórias da 1.ª instância, considerando que o direito ao recurso coincide, pelos seus fundamentos, com a garantia de um duplo grau de jurisdição.
Na procura do necessário equilíbrio entre a tutela efectiva dos direitos de defesa do arguido e a tutela da racionalidade do sistema judiciário, o Tribunal Constitucional tem sustentado que o direito de acesso aos tribunais não impõe ao legislador ordinário que garanta sempre aos interessados o acesso a diferentes graus de jurisdição para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos. A existência de limitações à recorribilidade funciona como mecanismo de racionalização do sistema judiciário, permitindo que o acesso à justiça não seja, na prática, posto em causa pelo colapso do sistema, decorrente da chegada de todas (ou da esmagadora maioria) das acções aos diversos “patamares” de recurso. Por maioria de razão, a Constituição não exige a consagração de um sistema de recursos sem limites ou ad infinitum[26].
Paradigmático o acórdão n.º 49/2003, de 29 de Janeiro de 2003[27], o qual, ao julgar a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal, na redacção dada pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto[28], não encontrou qualquer violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição.
Segundo a doutrina desse acórdão, confirmada, em muitos outros, v.g., acórdãos n.os 255/2005, 487/2006, 682/2006, 353/2010 e 546/2011[29], a apreciação do caso por dois tribunais de grau distinto tutela de forma suficiente as garantias de defesa constitucionalmente consagradas, sendo, portanto, lícito ao legislador determinar a irrecorribilidade das decisões da relação que, em recurso de decisões absolutórias proferidas em 1.ª instância, condenem o arguido desde que tal determinação não se apresente como algo manifestamente desproporcionado ou lesivo de quaisquer outros princípios constitucionais.
Naquele acórdão n.º 49/2003 realça-se que o direito ao recurso, constituindo uma das mais importantes dimensões das garantias de defesa do arguido em processo penal, assenta em diferentes ordens de fundamentos, entre eles a ideia de redução do risco de erro judiciário, sendo que “o reexame do caso por um novo tribunal vem sem dúvida proporcionar a detecção de tais erros, através de um novo olhar sobre o processo» mas «mais do que isso, o direito ao recurso permite que seja um tribunal superior a proceder à apreciação da decisão proferida, o que, naturalmente, tem a virtualidade de oferecer uma garantia de melhor qualidade potencial da decisão obtida nesta nova sede”.
Por outro lado, o arguido tem a faculdade de “expor perante um tribunal superior os motivos – de facto ou de direito – que sustentam a posição jurídico-processual da defesa. Neste plano, a tónica é posta na possibilidade de o arguido apresentar de novo, e agora perante um tribunal superior, a sua visão sobre os factos ou sobre o direito aplicável, por forma a que a nova decisão possa ter em consideração a argumentação da defesa”.
Daí a conclusão de que “os fundamentos do direito ao recurso entroncam verdadeiramente na garantia do duplo grau de jurisdição”.
Ora, no caso de a relação vir a proferir uma decisão condenatória na sequência de recurso interposto de decisão absolutória da 1.ª instância, tal decisão condenatória resulta, justamente, da reapreciação por um tribunal superior (o tribunal da relação), perante o qual o arguido tem a possibilidade de expor a sua defesa. “Por outras palavras, o acórdão da relação, proferido em 2.ª instância, consubstancia a garantia do duplo grau de jurisdição, indo ao encontro precisamente dos fundamentos do direito ao recurso”.
E à objecção de que, tendo havido uma decisão absolutória na primeira instância, o direito ao recurso implicaria a possibilidade de recorrer da primeira decisão condenatória, precisamente o acórdão da relação, responde que esse entendimento, não só encara o direito ao recurso desligado dos seus fundamentos substanciais “mas levaria também, em bom rigor, a resultados inaceitáveis” pois “se o direito ao recurso em processo penal não for entendido em conjugação com o duplo grau de jurisdição, sendo antes perspectivado como uma faculdade de recorrer – sempre e em qualquer caso – da primeira decisão condenatória, ainda que proferida em recurso, deveria haver recurso do acórdão condenatório do Supremo Tribunal de Justiça, na sequência de recurso interposto de decisão da Relação que confirmasse a absolvição da 1.ª instância. O que ninguém aceitará”.
3.11.2. A doutrina do acórdão n.º 49/2003 foi recentemente[30] contrariada pelo acórdão n.º 412/2015, de 29 de Setembro de 2015,[31] no qual, ponderando-se a evolução do regime processual penal de recursos e o novo contexto em que se apresenta a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), após a revisão de 2013[32], se concluiu, sem unanimidade, não ser sustentável defender “a sua não inconstitucionalidade na esteira do Acórdão n.º 49/2003”.
Em síntese, porque o direito do arguido ao recurso da sua condenação não se basta com o exercício do contraditório no recurso interposto pelo assistente ou pelo Ministério Publico da sua absolvição.
Na concepção de que “o direito ao recurso é o efectivo poder de suscitar uma reapreciação da decisão judicial condenatória” pondera-se que, para o seu efectivo exercício, “o arguido tem que poder conhecer os fundamentos dessa decisão, o que não é possível garantir com a norma em apreciação, desde logo porque a decisão condenatória pode integrar matéria não abrangida pela decisão de primeira instância, designadamente no que respeita ao acervo factual relevante para a escolha e determinação da medida da pena aplicada. Mesmo que esse processo decisório se sustente apenas nos factos apurados em primeira instância, ele implicará necessariamente uma valoração assente num critério de doseamento da medida da pena que ao arguido só é revelado com a sua condenação. Só após a decisão ser proferida é que pode existir verdadeiro exercício do direito de recurso quanto a essa decisão.”       
3.11.3. Naquele acórdão n.º 49/2003 invocava-se, ainda, o artigo 2.º do Protocolo Adicional n.º 7 da Convenção Europeia dos Direitos Humanos[33].
A Convenção, muito embora reconhecendo, no respectivo artigo 6.º, o direito a um processo equitativo, não consagrava, de forma expressa, um direito ao recurso ou a segundo grau de jurisdição. O direito a um duplo grau de jurisdição em matéria penal só foi estabelecido, nos casos e com as excepções aí previstas, pelo referido Protocolo n.º 7.
No seu artigo 2.º, sob a epígrafe “Direito a um duplo grau de jurisdição em matéria penal” passou a consagrar-se, no n.º 1 que «Qualquer pessoa declarada culpada de uma infracção penal por um tribunal tem o direito de fazer examinar por uma jurisdição superior a declaração de culpabilidade ou a condenação. O exercício deste direito, bem como os fundamentos pelos quais ele pode ser exercido, são regulados por lei».
No seguinte n.º 2 estabelecem-se os desvios a esta regra, nos termos seguintes: «Este direito pode ser objecto de excepções em relação a infracções menores, definidas nos termos da lei, ou quando o interessado tenha sido julgado em primeira instância pela mais alta jurisdição ou declarado culpado e condenado no seguimento de recurso contra a sua absolvição».
Como se vê, a parte final do n.º 2 ressalva, precisamente, a hipótese de condenação em recurso interposto de decisão absolutória; no âmbito de protecção do direito a um reexame do processo por parte de uma jurisdição superior não se incluem os casos de uma condenação na sequência de um recurso por ter havido absolvição, como foi reafirmado, quanto a esta excepção, no Relatório Explicativo deste Protocolo n.º 7, sem qualquer outro esclarecimento.
Por seu lado, a conclusão a que chega o acórdão n.º 412/2015 é confortada pela interpretação dada pelo Comité dos Direitos do Homem das Nações Unidas ao artigo 14.º, n.º 5, do Pacto Internacional relativo aos Direitos Civis e Políticos[34], instituindo que «Qualquer pessoa declarada culpada de crime terá o direito de fazer examinar por uma jurisdição superior a declaração de culpabilidade e a sentença em conformidade com a lei».
Enquanto na jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem não se detecta qualquer controvérsia quanto à questão de saber se uma primeira condenação em segunda instância, na sequência de recurso interposto de decisão absolutória em primeira instância, exige ou não recurso para um tribunal superior, dada a clareza da norma do n.º 2 do artigo 2.º do Protocolo n.º 7, já o Comité dos Direitos do Homem tem entendido, em várias decisões, que a inexistência da possibilidade de recurso de qualquer primeira decisão condenatória viola o n.º 5 do artigo 14.º [Comentário Geral n.º 32, parágrafo 14].   
Mas, como se observa na declaração de voto de vencida aposta no acórdão n.º 412/2015, “sem descurar o facto de semelhante leitura dever ser sempre considerada como importante auxiliar hermenêutico na descoberta do sentido a atribuir às normas da CRP (artigo 16.º, n.º 2) não deve (…) perder-se de vista que à mesma não deve ser atribuída o valor que é próprio de interpretações adoptadas por órgãos jurisdicionais, pertençam eles a sistemas nacionais de justiça constitucional ou – como é o caso do TEDH – integrem eles sistemas supranacionais de protecção de direitos”.
3.11.4. Esta incursão pela jurisprudência constitucional tem como propósito exclusivo evidenciar a errada perspectiva do acórdão recorrido quanto à concretização do direito ao recurso, como garantia de defesa, consagrado no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa.  
Crê-se, com efeito, que a linha de solução em que se insere o acórdão recorrido incorre no erro de “querer” ignorar toda a problemática a respeito da norma da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal – centrada em saber se a inadmissibilidade de um segundo grau de recurso terceiro de jurisdição no caso de decisão condenatória da relação proferida em recurso interposto de decisão absolutória de 1.ª instância assegura as garantias de defesa em processo penal, nomeadamente o direito ao recurso do arguido –, optando por colocar a relação na posição de se abster de decidir a questão da espécie e medida da pena, com a finalidade e consequência de assegurar, mais uma vez, o direito a um primeiro grau de recurso, embora restrito a essa mesma questão.
O que significa que a corrente jurisprudencial em que se insere o acórdão recorrido desconsidera e contraria a lei processual penal, que impõe à relação o dever de, resolvida a questão da culpabilidade, decidir a questão da determinação da sanção e assume uma posição de defesa de decisões deliberadamente “incompletas” e, por isso, ilegais, porque afectadas de nulidade.
III
Com base no exposto, o pleno das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça decide:
1. Fixar a seguinte jurisprudência:
Em julgamento de recurso interposto de decisão absolutória da 1.ª instância, se a relação concluir pela condenação do arguido deve proceder à determinação da espécie e medida da pena, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 374.º, n.º 3, alínea b), 368.º, 369.º, 371.º, 379.º, n.º 1, alíneas a) e c), primeiro segmento, 424.º, n.º 2, e 425.º, n.º 4, todos do Código de Processo Penal.
2. Revogar o acórdão recorrido que deverá ser substituído por outro que aplique a jurisprudência fixada.
***
Cumpra-se, oportunamente, o disposto no artigo 444.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
***
Não são devidas custas.
***
Supremo Tribunal de Justiça, 21/01/2016

-Isabel Pais Martins (Relatora)
– Manuel Braz , com declaração de voto (Concordo com a jurisprudência proposta. Mas não com parte da fundamentação, quando de afirma que, em casos como este, o tribunal de 1.ª instância, não chegando à fase de determinação da sanção por haver decidido antes que a ela não há lugar, se não decidir toda a matéria de facto relevante para a determinação da pena concreta, não incorre no vício da al. a) do n.º 2 do art. 410.º do CPP, porque a decisão de facto deve ser suficiente para qualquer das decisões de direito plausíveis. Não apenas para aquela que o tribunal de 1.ª instância perspectiva. Se a Relação, em recurso, passa de uma absolvição para uma condenação e verifica que a decisão recorrida não decidiu toda a matéria de facto relevante para determinar a pena concreta, só terá um caminho a seguir: declarar a verificação daquele vício e decretar o reenvio do processo para novo julgamento relativamente aos pontos de facto não decididos, ao abrigo do art. 426.º, n.º1, do CPP).


– Isabel São Marcos

– Helena Moniz , com a declaração de voto que junto (Voto a decisão, pois considero que o Tribunal da Relação deve decidir não só a questão da culpabilidade, como também a questão da determinação da pena, isto porque não vigora entre nós o regime da cassação, e por isso a não determinação da sanção implica uma nulidade do acórdão por omissão de pronúncia. Porém, sendo esta a solução correcta, esta indirectamente determina uma restrição do direito ao recurso. Dado o regime de recursos vigente, em um caso de absolvição pela 1.ª instância seguido de condenação na Relação em pena de prisão inferior a 5 anos, o direito ao recurso do arguido torna-se inexistente dado que numa primeira fase nem sequer o pode exercer por falta de legitimidade [cf. art. 401.º, n.º 1, al. b), do CPP] – e não se pode considerar exercido por interposta entidade (o Ministério Público) quando esta o exerceu contra os interesses do arguido – e, numa 2.ª fase não o pode exercer por não ser admissível o recurso atento o regime estabelecido no CPP.))

– Nuno Gomes da Silva , vencido conforme declaração de voto que junto (Vencido por considerar que um recurso de uma decisão absolutória só pode versar, naturalmente, a questão da culpabilidade pois foi só essa que o tribunal recorrido analisou e sobre a qual decidiu, inexistindo omissão de pronúncia por o tribunal da relação não se debruçar sobre a determinação da sanção, na medida em que, a decisão recorrida não se debruçou sobre esta. O que o tribunal da relação tem que fazer, uma vez fixada a matéria de facto e decidida a questão da culpabilidade, é determinar que o tribunal recorrido, como tribunal de julgamento, complete a sua tarefa que será então a de levar a cabo a 2ª parte do julgamento – que é a da determinação da sanção com a reabertura da audiência para eventual produção de prova, se isso for necessário, mas seguramente para a acusação e a defesa se pronunciarem sobre essa sobejante questão, sobre a qual não houvera pronúncia e sobre a qual a relação não tivera de se pronunciar, insiste-se. É este , o melhor meio de superar as questões de legalidade que a solução consagrada no acórdão a meu ver pode vir a suscitar e, principalmente, de acautelar plenamente as garantias de defesa do arguido, nomeadamente o seu direito ao recurso e o seu direito de estar perante o juiz (tribunal) que lhe fixa a pena.)
– João Silva Miguel
– Francisco Caetano (Voto a jurisprudência proposta com a declaração apresentada pelo Senhor Conselheiro Manuel Braz)
– Manuel Augusto de Matos
– Pereira Madeira
– Santos Carvalho
– Santos Monteiro
– Santos Cabral
– Oliveira Mendes
– Souto de Moura
– Pires da Graça
– Raul Borges (Voto o acórdão de acordo com a posição assumida em 09.11.2011 no processo 43/09.9PAAMD.L1.S1)
– Henriques Gaspar (Presidente) 

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[1] Assim, v.g., os acórdãos do Tribunal da Relação de Évora, de 19/12/2006 (processo n.º 1752/06.1), de 14/04/2009 (processo n.º 276/08.5GDLLE.E1), do Tribunal da Relação do Porto, de 28/11/2007 (processo 0745421), de 05/03/2008 (processo 0746287), 05/03/2008 (processo 0746465), 08/09/2010 (processo n.º 358/09.6GBOAZ.P1), 21/11/2012 (processo n.º 14/12.8TAMTR.P1), do Tribunal da Relação de Lisboa, de 14/01/2009 (processo n.º 10484/2008-3), de 09/03/2010 (processo n.º 1713/06.9TALRS-L1-5), do Tribunal da Relação de Coimbra, de 25/01/2012 (processo n.º 2917/09.8TACBR.C1), do Tribunal da Relação de Guimarães, de 04/03/2013 (processo n.º 159/11.1GABCB.G1). 
[2] Assim, v. g., os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 24/11/2009 (processo n.º 252/06.2GFSNT.L1-5), de 21/01/2010 (processo n.º 98/05.5JELSB.L1-9), do Tribunal da Relação do Porto, de 12/09/2012 (processo n.º 1362/08.7TAVNF.P1). 
[3] Assim, v.g., o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 21/01/10 (processo n.º 98/05.5JELSB.L1-9).
[4] Assim, v. g., acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, de 02/12/2009 (processo n.º 93/08.2PBMTS.P1), 26/05/2010 (processo n.º 1330/06.3TAGDM.P1), 14/04/2010 (processo 659/09.3GBAMT.P1).
[5] Não será caso, agora, de convocar a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, de que é exemplo o acórdão de 15/05/2003 (proc. n.º 863/03-5.ª), no qual, na esteira da doutrina de Damião da Cunha (O Caso Julgado Parcial, Porto 2002, Publicações Universidade Católica, especialmente § 23, pp. 686-693), se defendia um “reenvio atípico” para determinação da pena, nos casos de alteração da qualificação jurídica dos factos, uma vez que a mesma é anterior às alterações introduzidas ao Código de Processo Penal pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, a qual acrescentou ao artigo 424.º, um n.º 3, com a seguinte redacção: «Sempre que se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na decisão recorrida ou da respectiva qualificação jurídica não conhecida do arguido, este é notificado para, querendo, se pronunciar no prazo de 10 dias».
[6] Cfr., por todos, o acórdão de 29 de Janeiro de 2014, proferido no processo n.º 17135/08.4TDPRT.P1.S1, do qual extractámos o que vai assinalado.
[7] Neste ponto, cfr. Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português. Do procedimento (marcha do processo), volume III, Lisboa; Universidade Católica Portuguesa, 2014, p. 301, que passamos a seguir.
[8] Joaquim Correia Gomes, «As sentenças absolutórias, o recurso e o provimento condenatório na relação», Revista do Ministério Público, Ano 31, Abr-Jun 2010, n.º 122, p. 200.
[9] Ob. cit., p. 320.
[10] Código de Processo Penal Comentado, António Henriques Gaspar et alii, Almedina, 2014, comentários ao artigo 401.º, p. 1283 e ss.
[11] Publicado no Diário da República, I Série-A, n.º 185, de 10/08/1999, no qual se firmou a seguinte jurisprudência: «O assistente não tem legitimidade para recorrer, desacompanhado do Ministério Público, relativamente à espécie e medida da pena aplicada, salvo quando demonstrar um concreto e próprio interesse em agir.»
[12] Como destaca Damião da Cunha, O Caso Julgado Parcial, Questão da culpabilidade e questão da determinação da sanção num processo de estrutura acusatória, Teses, Porto, 2002, Publicações Universidade Católica nota 90, p. 99: «Mitigados obviamente porque – aliás de acordo com as críticas que vimos já ser referidas – aquilo de “césure” que o CPP contém é, apenas, justificado por razões de ordem processual: isto é, pela garantia da imparcialidade da decisão sobre a culpa. Nem a configuração da “césure” implica – pelo menos primordialmente – uma ideia de pesquisa inquisitória da personalidade do arguido, nem, por outro lado, se verifica – à excepção da reabertura da audiência para produção de prova suplementar – um processo “misto” (o que implica uma “césure” meramente formal).
[13] Comentário do Código de Processo Penal, 4.ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, 2011, anotação 3 ao artigo 369.º, p. 949.
[14] Correspondendo ao actual artigo 71.º, n.º 3.
[15] Assim, Jorge de Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, §§ 254, 255, pp. 196-197.
[16] Como destaca, por exemplo, Anabela Miranda Rodrigues, A Determinação da Medida da Pena Privativa de Liberdade, Coimbra Editora, Coimbra 1995, p. 96 e ss., acentuando também a ideia de controlabilidade em via de recurso.
[17] Nesta linha de entendimento, cfr. Joaquim Correia Gomes, loc. cit., p. 214 e ss.  
[18] Idem, p. 217.
[19] Assim se ponderou no acórdão do supremo Tribunal de Justiça, de 31/10/2007, no processo 07P3271.
[20] A alteração não substancial dos factos só pode ter lugar na relação e não no Supremo Tribunal de Justiça (artigo 434.º), a não ser nos casos do artigo 11.º, n.º 3, alínea b), do CPP.
[21] O Caso Julgado Parcial cit., especialmente, pp. 516-520.
  
[22] Assim, Joaquim Correia Gomes, As sentenças absolutórias … cit., pp. 219-220.
 [23] Quarta Revisão Constitucional.
[24] J.J. Gomes Canotilho / Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4.ª edição revista, Coimbra Editora, 2007, anotação III ao artigo 32.º, p. 516.
[25] Até à prolação do acórdão n.º 412/2015, em 29 de Setembro de 2015, do qual foi interposto recurso para o Plenário, ainda não decidido.
[26] Na síntese de Jorge Miranda / Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, 2005, anotação XII ao artigo 20.º, p. 200.
[27] Publicado no Diário da República, II série, de 16 de Abril de 2003 que daqui em diante passaremos a citar, textualmente, nos pontos assinalados.
[28] Nos termos da qual [Não é admissível recurso] «De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, em processo por crime a que seja aplicável pena de multa ou pena de prisão não superior a cinco anos, mesmo em caso de concurso de infracções ou em que o Ministério Público tenha usado da faculdade prevista no artigo 16.º, n.º 3».
[29] Todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt
[30] Não interessará, agora, determo-nos no julgamento de inconstitucionalidade da norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), por violação do princípio da legalidade (acórdão n.º 324/2013, do Plenário do Tribunal Constitucional) uma vez que a questão foi ultrapassada com a redacção dada a essa norma pela Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro.
[31] Disponível em www.tribunalconstitucional.pt
[32] Que conferiu à alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º a seguinte redacção: [Não é admissível recurso] «De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que apliquem pena não privativa de liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos».
[33] Portugal aprovou esta Convenção em 15 de Junho de 1978 [Diário da República, I Série-A, de 13 de Outubro, Lei n.º 65/78] e o Protocolo n.º 7 foi aprovado, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República n.º 22/90, de 27 de Setembro, e ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 51/90, da mesma data.
[34] Aprovado para ratificação, por Portugal, pela Lei n.º 29/78, de 12 de Junho.