Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
309/19.0T8ALM-B.L1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: VIEIRA E CUNHA
Descritores: EXECUÇÃO
OPOSIÇÃO À PENHORA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
RECURSO DE REVISTA
OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
CONTRADIÇÃO
QUESTÃO FUNDAMENTAL DE DIREITO
DESPACHO DO RELATOR
REVISTA EXCECIONAL
CONSTITUCIONALIDADE
PRINCÍPIO DO ACESSO AO DIREITO E AOS TRIBUNAIS
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
Data do Acordão: 09/23/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: RECLAMAÇÃO INDEFERIDA
Sumário :
I - No processo de execução, ou o recurso se integra nos sempre admissíveis critérios gerais do artº 854º CPCiv, e não se levanta sequer a questão da admissibilidade enquanto revista excepcional, ou não se integra, não se chegando sequer a abrir caminho para a revista excepcional.

II – Sem prejuízo dos casos em que o recurso de revista é sempre admissível (artº 629º nº 2 CPCiv, nas suas diversas alíneas), a oposição à penhora não se mostra abrangida pela previsão da 2ª parte da norma do artº 854º CPCiv.

III - Em matéria de contradições entre acórdãos, importa que essa invocada oposição seja frontal e não apenas implícita ou pressuposta

IV - Inexistindo possibilidade de “revista normal”, nos termos do artº 671º nº 1 CPCiv, também inexiste possibilidade de interpor recurso de revista excepcional.

Decisão Texto Integral:

Acordam em Conferência no Supremo Tribunal de Justiça


                  

As Partes, o Pedido e o Objecto do Processo

Nos autos de execução, para pagamento de quantia certa, que o Condomínio do Prédio da Rua ..., nº …, Centro Comercial ..., ..., ..., instaurou contra AA, de que os presentes constituem o apenso B, em 01-08-2019 foi penhorada à Executada a fracção autónoma designada pelas letras "DS", correspondente a … andar - Tipo T1 para habitação, do prédio urbano, sito na ..., …, …-…, freguesia ..., concelho ....

Em 10-09-2019, a executada deduziu oposição à penhora, nos termos dos artºs 784º e 785º CPCiv, concluindo pelo levantamento da penhora realizada, dando origem ao presente apenso B.

Invocou que ocorreu nulidade, por considerar que a notificação da penhora do imóvel foi extemporânea e, como fundamentos de oposição à penhora, alegou:

- inadmissibilidade da penhora da fracção autónoma “apartamento … do edifício “...”, sito na ..., nº …, ...;

- inadmissibilidade da extensão da penhora realizada, face à pendência de processos precedentes;

- violação do disposto no artº 751º CPCiv, quanto à ordem de realização da penhora;

- valor patrimonial atribuído ao bem inferior ao valor de mercado,

concluindo pretender a anulação ou redução do bem penhorado e, em segundo plano, a substituição do bem penhorado em 01/08/2019 por outro bem localizado no espaço comercial do ... e não em qualquer imóvel situado no exterior do referido espaço, invocando as normas dos artºs 20º CRP e 751º, 851 e 858º CPCiv.

Contestou o Exequente, concluindo pelo indeferimento da oposição.


As Decisões Judiciais

Em 17-11-2020, foi proferida a seguinte decisão judicial:

“No seguimento do despacho de 15 de Setembro de 2020 e ponderando a ref.ª ...100, da qual resulta que a execução já se mostra extinta pelo pagamento voluntário, é manifesto que não mais subsiste o interesse substancial que se pretendia fazer valer com a pendência da presente oposição à penhora, pelo que, ao abrigo do disposto no art.º 277.º al. e) do CPC, declaro extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.”

“Custas pela executada – art.º 536.º n.º 3, 1.ª parte, do CPC - fixando-se ao incidente o valor de € 48.695,06 - arts. 297.º n.º 1, 302.º n.º 1, 304.º n.º 1, 2.ª parte e 306.º n.º 2, do CPC.”

“Registe e notifique, sendo o Sr. SE para, no caso de ainda não o ter feito, diligenciar pelo levantamento de todas as penhoras efectivadas nos autos (…)”.

Tendo apelado a Executada, a Relação confirmou a decisão adrede proferida.


A Revista 

A Ré interpôs agora expressamente recurso de revista normal (artº 671º nº 3 CPCiv – por ser sempre admissível recurso por haver contradição do acórdão ora recorrido com o acórdão fundamento), e ainda, a título subsidiário, recurso de revista excepcional, fazendo-o ao abrigo da norma do artº 672º nº 1 als.a), b) e c) CPCiv.

Juntou cópia do acórdão fundamento, proferido no processo nº 279/96.0TAALM-E.L1, datado de 12/11/2019.


A Tramitação neste S.T.J.

Recebidos os autos neste Supremo Tribunal de Justiça, o relator proferiu despacho no qual fundamentou e decidiu da seguinte forma:

“Tendo sido confirmada integralmente, sem fundamentação essencialmente diferente, a sentença e o despacho recorridos, verifica-se o obstáculo à admissibilidade do recurso de revista normal, conhecido como “dupla conforme” (artº 671º nº 3 CPCiv).”

“Todavia, o presente recurso de revista é interposto em via excepcional, como referido – via excepcional que posterga a revista normal.”

“No caso, inexistem obstáculos de natureza formal prévios à remessa dos autos à Formação prevista na norma do artº 672º nº 3 CPCiv – o recurso é interposto por quem tem legitimidade e o valor da causa e o decaimento admitem o recurso (artºs 629º nº 1 CPCiv e 44º nº 1 LOSJ), para além de se verificar a “dupla conforme” – artºs 853º nº 1 e 671º nº 3 CPCiv.”

“Os Recorrentes encontram-se em tempo.”

“Desta forma, remeta os autos à Formação prevista no citado artº 672º nº 3 CPCiv.”

A Formação pronunciou-se por despacho do relator, no qual se concluiu:

“4. Uma vez que o Exmº. Senhor Juiz Conselheiro relator apenas se pronunciou sobre a verificação da dupla conformidade entre as decisões das Instâncias (“Tendo sido confirmada integralmente, sem fundamentação essencialmente diferente, a sentença e o despacho recorridos, verifica-se o obstáculo à admissibilidade do recurso de revista normal, conhecido como “dupla conforme” (artº 671º nº 3 CPCiv). (…) o recurso é interposto por quem tem legitimidade e o valor da causa e o decaimento admitem o recurso (artºs 629º nº 1 CPCiv e 44º nº 1 LOSJ), para além de se verificar a “dupla conforme” – artºs 853º nº 1 e 671º nº 3 CPCiv.), torna-se necessário que este se pronuncie, liminarmente, sobre a (in)admissibilidade da revista ao abrigo do disposto no citado art.º 854º do Código de Processo Civil, uma vez que, conquanto se verifique a dupla conformidade, acaso a revista não seja admissível, por diversa razão da conformidade de decisões das Instância, está prejudicada a remessa dos autos a esta Formação, e, assim, arredada está a revista excecional.”

“Tudo visto, uma vez que a questão da (in)admissibilidade da revista, em termos gerais, não foi expressamente apreciada no despacho liminar, apresentem-se os autos ao Exmº Relator para o que for considerado pertinente.”


O Despacho Reclamado

No despacho reclamado, proferido nos termos do despacho anterior da Formação, fundamentou-se:

“Em primeiro lugar, cumpre-nos salientar que o acórdão recorrido confirmou a decisão anterior da Comarca, que determinou a extinção da instância, no presente apenso de oposição à penhora, por força da anterior extinção da instância no processo executivo e em função do pagamento voluntário efectuado pela Executada.”

“Desta forma, aplica-se ao recurso a norma do artº 854º CPCiv.”

“Lê-se naquele artº 854º: “Sem prejuízo dos casos em que é sempre admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, apenas cabe revista, nos termos gerais, dos acórdãos da Relação proferidos em recurso nos procedimentos de liquidação não dependente de simples cálculo aritmético, de verificação e graduação de créditos e de oposição deduzida contra a execução”.

“Sendo uma evidência que não nos encontramos perante as ocorrências recursórias especificadas na segunda parte da citada norma, o preceito ressalva, na 1ª parte, os casos em que o recurso de revista é sempre admissível, o que nos remete para o disposto no artº 629º nº2 CPCiv, nas suas diversas alíneas.”

“Ora, do disposto no artº 629º nº 2 al. d) CPCiv pode extrair-se com clareza que o recurso é sempre admissível quando, ocorrendo contradição com outros acórdãos da Relação, “não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal” - o que a Recorrente colocou em causa foi a simples oposição de julgados, entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, dimanado do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 12/11/2019 (Secção Criminal).”

“O Recorrente vem imputar ao acórdão proferido determinadas nulidades, colocando em causa:”

“- o facto de a citação para a execução e a notificação da penhora terem sido efectuadas em momentos temporais diferentes, em violação da norma do artº 856º CPCiv, pelo que caberia a anulação da execução, nos termos do artº 851º CPCiv;”

“- incidentalmente, tendo o acórdão omitido pronúncia sobre a questão da natureza de contra-acção, na oposição à penhora, não um mero incidente da execução.”

“Por tais razões, o acórdão recorrido e o acórdão fundamento encontram-se em contradição.”

“Nesta matéria de contradições entre acórdãos, e servindo-nos do desenvolvimento do Ac.S.T.J. 7/6/2018, pº 2877/11.5TBPDL-D.L2.S1 (Maria Rosa Oliveira Tching), a jurisprudência deste Supremo Tribunal vem afirmando que importa que a invocada oposição de acórdãos seja frontal e não apenas implícita ou pressuposta (cf. Acs. STJ 20.07.2017, pº 755/13.2TVLSB.L1.S1-A, 25.05.2017, pº  1738/04.PTBO.P1.S1-A, 28.01.2016, pº 291/1995.L1.S1, 13.10.2016, pº 2276/10.6TVLSB.L1.S1-A, 26.05.2015, pº 227/07.OTBOFR.C2-S1-A, 20.3.2014, pº 1933/09.4TBPFR.P1.S1, e 4.07.2013, pº 2625/09.0TVLSB.L1.S1-A).”

“De igual modo, não basta, para o efeito, uma qualquer contradição relativamente a questões laterais ou secundárias. A questão de direito deve apresentar-se com natureza essencial para o resultado que foi alcançado em ambas as decisões, sendo irrelevante a que respeitar apenas a alguns argumentos sem valor decisivo ou obiter dicta”.

“E essa oposição, na expressão do Ac. STJ 17/02/2009, pº 08A3761 (Salazar Casanova), “só é relevante quando se inscreva no plano das próprias decisões em confronto e não apenas entre uma decisão e a fundamentação de outra, ainda que as respetivas fundamentações sejam pertinentes para ajuizar sobre o alcance do julgado”.

“E, finalmente, que tal oposição incida sobre a mesma questão de direito fundamental, o que pressupõe que as decisões em confronto tenham subjacente um núcleo factual idêntico ou coincidente, na perspectiva das normas ali diversamente interpretadas e aplicadas – cf. Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos, 9ª ed., pgs. 122 e 123.”

“Ora, o que se verifica é que o acórdão recorrido, para o efeito de desconsiderar as invocadas nulidades da sentença proferida em 1ª instância, proferiu considerandos sobre a natureza incidental da oposição à penhora, fundamentando-o no disposto no artº 785º nº 2 CPCiv.”

“Todavia, essa classificação formulada em nada relevou para a decisão de improcedência das nulidades, tratando-se justamente de uma questão lateral ao conhecimento de mérito.”

“Por outro lado, o acórdão recorrido afastou a relevância da norma do artº 856º nº 1 CPCiv na decisão do recurso ou sobre a requerida anulação da execução.”

“Centrou-se o acórdão na “compatibilidade entre o decidido – a extinção dos autos de oposição à penhora - e os fundamentos em que se balizou – assentes na falta de verificação do assinalado interesse no seu prosseguimento”.

“Quanto ao acórdão fundamento, confirmou decisão de 1ª instância que havia julgado improcedentes a oposição à execução e à penhora.”

“Pronunciou-se sobre o mérito da oposição à execução, não sobre a inutilidade da lide, que são formas diversas de extinção da instância – artº 277º als. a) e e) CPCiv.”

“É certo que o acórdão fundamento produz alguns considerandos sobre a natureza de contra-acção ou de verdadeira acção declarativa nos embargos, mas fá-lo num contexto de argumento suplementar para a fixação de efeito devolutivo ao recurso de apelação ou no contexto meramente elucidativo de um conceito de nulidade processual, para efeitos do disposto no artº 195º CPCiv.”

“Ou seja – inexiste qualquer contradição entre as decisões, nem sequer uma contradição frontal.”

“Existem fundamentos coadjuvantes que podem ter-se contraditado, mas sem qualquer relevância nas decisões proferidas, que, acima do mais, elas próprias, não se contradisseram.”

“Constituía-se mister de uma divergência jurisprudencial que a mesma se constituísse, como visto em I, de forma frontal e não apenas implícita ou pressuposta, tendo as decisões em confronto um subjacente núcleo factual idêntico ou coincidente, na perspectiva das normas ali diversamente interpretadas e aplicadas, ou seja, em resumo, uma idêntica e possível substanciação.”

“Não existe assim qualquer contradição entre acórdãos, relevante para efeitos do disposto no artº 629º nº 2 al. d) CPCiv.”

O despacho em causa produziu ainda determinados fundamentos para afastar a possibilidade de recurso de revista excepcional, no caso em apreço.

Concluiu o despacho por “não admitir os recursos de revista ordinário e excepcional apresentados pela Embargante”.


Conclusões do Recurso:

1ª- Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça porque, independentemente da dupla conforme – art. 671º, nº 3 do NCPC/13 – é sempre admissível recurso por haver contradição do acórdão ora recorrido com o citado acórdão – fundamento, isto é, o Acórdão do TRLx de 12-11-2019, invocado no recurso interposto para o TRLx e também face ao que determinam os arts. 852º, 853º e 854º do NCPC/13.

2ª - Para além da admissibilidade do recurso de revista normal, é ainda admissível a revista excepcional, a título supletivo e subsidiário, nos termos das alíneas a), b) e c) do nº 1 do art. 672º do NCPC/13. Vejamos então se os pressupostos referidos no nº 1 da citada norma se verificam no caso em apreciação.

3ª - A Recorrente lança mão dos pressupostos das alíneas a) e b) do nº 1 do art. 672º do NCPC/13 porque existem divergências na doutrina ou na jurisprudência sobre as questões suscitadas ou ajuizadas ou ainda nos casos em que os termos estão eivados de novidade, tudo de sorte que o cidadão comum que lida com este tipo de assuntos não pode legitimamente estar seguro da interpretação com que pode contar por parte dos Tribunais.

4ª - Por isso, a Recorrente já indicou as mencionadas divergências e o ineditismo das questões e, bem assim, a inerente razoabilidade da insegurança, tudo em ordem a compreender-se a necessidade de intervenção do Supremo Tribunal.

5ª - Neste prisma, a Recorrente deduz com autonomia a parte relativa à integração dos pressupostos de admissão da revista excepcional, a título subsidiário ou supletivo, para além da revista normal, ainda que deva sempre obedecer-se ao princípio da prevalência do fundo sobre a forma, indagando-se no conteúdo alegatório as manifestações dos elementos integrantes dos pressupostos invocados.

6ª - Ora, as razões que subjazem à revista excepcional, para além das já indicadas, prendem-se ainda com o facto de hoje depararmos com o grave problema de não cumprimento escrupoloso dos princípios executivos pelos Senhores Agentes de Execução, que exercem a actividade de forma manifestamente arbitrária, indiferente às tentativas de conciliação e às audiências prévias previstas no art. 591º do NCPC/13 como obrigatórias, mas que às vezes até são exclusivas e dispensadas sem qualquer fundamento legal ou por mera aceleração processual para os seus próprios interesses, sem respeito pelas garantias dos executados, face à falência do controlo judicial no momento adequado, permitindo que os AE´s consumam atropelos executivos irreparáveis.

7ª - Muitas vezes os Senhores Juízes, na realidade processual, limitam-se a observar sequências de actos executivos ou ratificar as práticas erradas daqueles auxiliares de justiça, com pouco controlo judicial e quando efectuado surge quase sempre “à posteriori” e inoperante, em vez de actuarem preventivamente; tal omissão jurisdicional causa grande alarme social devido aos prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação para os cidadãos executados, surgindo amiúde a Comunicação Social a noticiar situações de desvio de numerário e até de casos fatais e outros lamentáveis infortúnios que deviam e devem ser evitados, afastando assim a responsabilidade das entidades públicas prevista na norma do art. 22º da Lei Fundamental.

8ª - Deste modo verifica-se, com clareza, que a problemática levantada justifica a intervenção clarificadora do Supremo Tribunal, considerando-se preenchidas as alíneas a) e b) que vêm sendo referidas.

9ª - Na verdade, as questões em discussão extravasam os interesses das partes, o inerente objecto do processo e despertam a atenção de relevantes camadas da população, porque está aqui um relevante “sentir social”, uma motivação da comunidade exequenda que gravita em redor das acções executivas, que se tornaram exponenciais, por exemplo, no grupo de empresários da restauração e da animação nocturna, entre muitos outros, que estão numa situação de urgência, por grave violação dos seus direitos fundamentais, interessando relevantes camadas da sociedade.

10ª - Esses Cidadãos comuns, com reacções normais relativamente à sua cidadania, postos perante a pendência desta acção e respectivos temas, ficariam interessados com intenso grau de probabilidade, o que justifica a intervenção do Venerando Supremo Tribunal de Justiça, pela via da alínea b) do nº 1 do art. 672º do NCPC/13.

11ª - Assim, a situação descrita integra o conceito de interesses de particular relevância social pelo que, subsidiariamente e em caso de necessidade o presente Recurso deve ser admitido pela via da Revista Excepcional.

12ª - O sumário do Acórdão ora recorrido, para além de focar a norma do art. 32º da Constituição da República Portuguesa, estriba-se essencialmente nos arts. 729º, 731º e 732º, relativos à oposição à execução, prosseguindo com os arts. 784º e 785º, referentes à oposição à penhora e finaliza com os arts. 846º (quanto à cessação da execução pelo pagamento voluntário) e 858º (sanções do exequente).

13ª - Por sua vez, o Relatório do mesmo Acórdão, relativo aos elementos factuais relevantes para a apreciação do recurso, parte cronologicamente do Apenso B para o Apenso A, isto é, em sentido inverso, uma vez que a ordem temporal ficou invertida, porquanto a Executada, ora Recorrente, deduziu embargos de executado em 18-03-2019 (Apenso A) e deduziu oposição à penhora em 10-09-2019 (Apenso B), num distanciamento de seis meses, não por culpa sua mas por irregularidades processuais cometidas nos autos.

14ª - E quando, na sequência da audiência prévia foi proferido saneador – sentença, em 15-10-2019, foi relegada ilegalmente “sine die” a apreciação da oposição à penhora, descurando a cumulação das oposições, com violação do art. 856º da NCPC/13.

15ª - No caso em apreço, a cumulação da oposição à penhora com os embargos de executado, era da máxima relevância, pelo que o saneador - sentença de 15-10-2019, ao relegar para data indeterminada a apreciação da oposição à penhora, prejudicou objectivamente a Oponente face à abrangência excessiva das várias penhoras.

16ª - E o Acórdão ora impugnado, ao enunciar as questões a decidir, omitiu inexplicavelmente esta relegação insustentável, porquanto foi expressamente suscitada como relevante para o conhecimento consciencioso do objecto do recurso, pelo que, nesta parte, o Acórdão sub judice é manifestamente nulo, porque há omissão de pronúncia sobre uma questão que o julgador devia apreciar e conhecer. (arts. 608º, nº 1, alínea d) do NCPC/13)

17ª - O Acórdão ora impugnado está em contradição com o Acórdão do TRLx de 12-11-2019 proferido no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito e contra larga jurisprudência, não tendo sido proferido Acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.

18ª - Veja-se que, no seu regime geral, a apelação tem por via de regra efeito meramente devolutivo – art. 647º, nº 1 do NCPC/13. Mas, terá efeito suspensivo nos casos previstos nos respectivos nºs. 2 e 3.

19ª - E só não se aplicando a alínea c) daquele nº 3 é que restaria à embargante lançar mão do nº 4 do citado art. 647º, devendo nesse caso alegar que a execução lhe causava prejuízo considerável e prestar caução. Neste caso, o efeito do recurso é fixado segundo tais critérios.

20ª - Impõe-se, aqui e agora, distinguir entre incidente e acção, porque esse paralelismo conduz a situações diferenciadas. No nosso antigo direito adjectivo, o incidente não constituía uma figura processual própria, sendo tratado a propósito das sentenças ou despachos interlocutórios. Contudo, na doutrina mais recente, incidente é qualquer questão anormal que surge na pendência de uma causa, ligada aos termos que nele se discutem e que, por sua natureza, exige uma decisão prévia e especial – cf Jacinto Rodrigues Bastos, Notas ao Código do Processo Civil, 2º, 1971, Lisboa, 2ª edição, 95 e 96.

21ª - Certo é que, com os embargos de executado, é cumulada a oposição à penhora que o executado pretende deduzir. Efectivamente, feita a penhora, é o executado citado para a execução e, em simultâneo, notificado do acto da penhora, podendo deduzir, no prazo de 20 dias, embargos de executado e oposição à penhora. Enfim, a cumulação da oposição à execução e à penhora é imperativa nos termos da norma do art. 856º do NCPC/13.

22ª - E, nesta cumulação, os embargos apresentam a figura quase perfeita duma acção dirigida contra o exequente, é uma acção acessória sujeita a despacho liminar semelhante ao instituído no art. 558º do NCPC/13, correspondente ao art. 474º do CPC/61, embora, vistas as condições peculiares, de mais restrito alcance – art. 732º do NCPC/13, correspondente ao art. 817º do CPC/61 – cf Lopes Cardoso, Manual da Acção Executiva, 1987, Imprensa Nacional, 39º edição, 300.

23ª - Nesta sede executiva são aplicáveis as disposições reguladoras do processo de declaração – art. 852º do NCPC/13 – aos recursos de apelação interpostos de decisões proferidas em procedimentos ou incidentes de natureza declaratória, inseridos na tramitação da acção executiva – art. 853º do NCPC/13 – e, sem prejuízo dos casos em que é sempre admissível recurso para o STJ, cabe revista, nos termos gerais, dos acórdãos da Relação proferidos em recursos nos procedimentos executivos e de oposição deduzida contra a execução – art. 854º do mesmo diploma legal.

24ª - É essa precisamente a natureza que a Doutrina consigna para a decisão aqui em apreciação, que contempla o caso da oposição deduzida contra a execução cumulável com a oposição à penhora.

25ª - Revisitando o Acórdão recorrido, interessa, desde logo, reiterar que a oposição à execução foi deduzida em 18-03-2019 e a oposição à penhora em 10-09-2019, transcorridos seis meses em relação àquele, quando ambas as oposições deviam ser deduzidas em simultâneo porque os embargos de executado são cumulados com a oposição à penhora, nos termos do art. 856º do NCPC/13, motivo porque a citação e a notificação enfermam da nulidade prevista na norma do art. 851º do mesmo diploma legal, que conduz à anulação da execução, porque a executada não foi citada/notificada quando o devia ser. A relegação de uma e outra é ilegal, nula.

26ª - Por sua vez, o Acórdão impugnado centrou-se indevidamente na questão incidental em prejuízo manifesto da contra-acção, inquinando todo o processado separadamente.

27ª - O Acórdão fundamento foi proferido em 12-11-2019, a fls. 231-261, pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, 5ª Secção, no Proc. 279/96.0TA ALM – E.L1, quanto à natureza de “contra – acção” associada a este tipo de tramitação, não devendo os “embargos” ser considerados um incidente da execução mas sim uma acção quase perfeita contra o exequente.

28ª - A Executada / Oponente e ora Recorrente persiste com as precedentes sete (7) conclusões apresentadas no recurso interposto da Sentença de 17-11-2020, de fls., para o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa e que vêm transcritas no Acórdão ora recorrido de 25-02-2021, de fls…., nas suas páginas 5 e 6, as quais agora e aqui será redundante reproduzir, até por obediência ao princípio de economia processual.

29ª - Contudo, em acréscimo apresenta conclusões específicas, nesta sede recursiva para o Venerando Supremo Tribunal de Justiça em revista normal ou subsidiária / supletivamente excepcional (arts. 671º, 672º e 854º do NCPC/13), a qual sobe de imediato nos próprios autos (art.º 675º, nº1), com efeito devolutivo (art. 676º, nº1), com os fundamentos vinculativos dos arts. 674º e 672º, respectivamente do mesmo diploma.

30ª - O Acórdão ora impugnado omitiu pronúncia sobre a questão relevante, suscitada em sede de apelação e relativa à cumulação das oposições nos termos do art. 856º do NCPC/13, pelo que a citação e a notificação deviam ter sido efectuadas em simultâneo e, como tal procedimento não foi efectuado, verifica-se o desvalor da anulação da execução nos termos da norma do art. 851º do mesmo diploma, nulidade que pode ser invocada pela executada a todo o tempo.

31ª - Efectivamente, o Saneador – Sentença de 15-10-2019 sofre de desvalor da nulidade devido à relegação ilegal “sine die” da apreciação da oposição à penhora, que contraria frontal e desnecessariamente a norma do citado art. 856º do NCPC/13, com as referidas consequências legais.

32ª - Também o Acórdão recorrido omitiu pronúncia sobre a questão da natureza de “contra-acção” associada a este tipo de tramitação e não como incidente de execução, pelo que o aresto é nulo, de harmonia com a alínea d) do nº 1 do art. 615º do CPC.

33ª - O Acórdão recorrido está em oposição com o Acórdão – fundamento, proferido em 12-11-2019, a fls… 231 – 261, também pelo TRLx, sobre a mesma questão fundamental de direito, no domínio da mesma legislação e sem que tenha sido proferido Acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.


Encontram-se provados os factos supra relatados, relativos à tramitação processual e ao conteúdo do acórdão recorrido.


Inconformada com o despacho do relator, a Ré reclama agora para a Conferência, invocando, em resumo:

- existe contradição total entre o despacho do relator que admitiu liminarmente a revista excepcional em 24/6/2021 e o despacho que rejeitou a revista normal e a revista excepcional em 8/7/2021 – encontrava-se esgotado o poder jurisdicional do relator; o despacho reclamado incorreu em nulidade;

- o despacho reclamado faz interpretação inconstitucional da norma do artº 854º CPCiv, pois que a oposição à penhora e a oposição à execução por embargos de executado foram cumuladas;

- a extinção da execução pelo pagamento não extingue automaticamente os embargos de executado ou a oposição à penhora, como resulta da conjugação dos artºs 846º e 848º CPCiv (interpretação contrária é inconstitucional).


Conhecendo:


I


O despacho reclamado foi proferido na sequência do despacho da Formação, aqui se reproduzindo os respectivos fundamentos:

“1. A presente revista excecional tem por fundamento as alíneas a), b) e c) do n.º 1 do art.º 672º do Código de Processo Civil, importando decidir, sumariamente, a pretensão formulada, tendo presente a inequívoca excecionalidade do mecanismo adjetivo recursivo e a especial exigência com que a lei conforma a aferição dos respetivos requisitos.”

“2. Impõe-se, desde já, relembrar que a Formação apenas poderá conhecer da verificação dos pressupostos do n.º 1 do art.º 672º do Código de Processo Civil, cumpridos que esteja os exigidos ónus adjetivos, e tendo em consideração que só é possível este conhecimento desde que a revista, em termos gerais, seja admissível, mas não permitida por efeito da conformidade de julgados, daí que seja necessário distinguir se no caso sub iudice, se encontra excluída a admissibilidade da revista excecional por virtude da decisão em escrutínio não comportar revista, em termos gerais, que não a conformidade de julgados, apreciação esta a cargo do Exmº Senhor Juiz Conselheiro, a quem o recurso foi distribuído, ao abrigo do item 7. do Provimento 23/2019 do Supremo Tribunal de Justiça.”

“3. Estando em causa, como está, a admissibilidade do recurso, cujo objeto contende com o acórdão que conheceu da decisão que julgou extinta a oposição à penhora, por inutilidade superveniente da lide, nos termos do disposto no art.º 277.º al. e) do Código de Processo Civil, há que convocar, a este propósito, as regras recursivas adjetivas civis - artºs. 852º e 854º, ambos do Código de Processo Civil.”

“O nosso direito adjetivo civil ao prevenir sobre o processo de execução (Livro IV do Código de Processo Civil) teve a preocupação de estatuir regras gerais, sem deixar de estabelecer critérios próprios reguladores dos recursos, conforme se colhe do art.º 852º do Código de Processo Civil ao estabelecer que “Aos recursos de apelação e de revista de decisões proferidas no processo executivo são aplicáveis as disposições reguladoras do processo de declaração e o disposto nos artigos seguintes” sendo a disposição normativa seguinte, no que ao caso interessa, o art.º 854º (enquanto preceito inovador do Novo Código de Processo Civil, com alguma correspondência com o art.º 922º-C do anterior Código de Processo Civil) que dispõe “Sem prejuízo dos casos em que é sempre admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, apenas cabe revista, nos termos gerais, dos acórdãos da Relação proferidos em recurso nos procedimentos de liquidação não dependente de simples cálculo aritmético, de verificação e graduação de créditos e de oposição deduzida contra a execução.”

“Está afastada, em regra, a recorribilidade dos acórdãos da Relação sobre a oposição deduzida contra a penhora e sobre a generalidade das decisões interlocutórias, quer as impugnadas juntamente com o recurso de apelação da decisão final, quer autonomamente”, neste sentido, António Abrantes Geraldes, in, Recurso no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, 2018, página 516.”

“Assim, importa sublinhar que a revista excecional só pode ser admitida quando, aparte a questão da dupla conforme, a revista normal também for admissível, sendo que nem outra orientação seria de acolher na medida em que, a não ser neste enquadramento técnico jurídico, haveria revistas que eram admissíveis havendo dupla conforme e recusadas quando esta não tivesse lugar, o que, de resto, encerraria manifesto contra-senso, relativamente à relevância desta mesma dupla conforme.”

“Ademais, o n.º 3 do art.º 671º do Código de Processo Civil exceciona, desde logo, os casos em que o recurso é sempre admissível, não se levantando, então, a questão da admissibilidade da revista excecional.”

“Posto isto, concluímos que ou o presente recurso se integra nos sempre admissíveis ou nos particulares critérios de admissibilidade, em termos gerais, (recursos nos procedimentos de liquidação não dependente de simples cálculo aritmético, de verificação e graduação de créditos e de oposição deduzida contra a execução), decorrentes do art.º 854º do Código de Processo Civil, e não se levanta sequer a questão da admissibilidade enquanto revista excecional, ou não se integra e fica truncado, logo à partida, não se chegando a abrir caminho para a interposição da revista excecional.”

“4. Uma vez que o Exmº. Senhor Juiz Conselheiro relator apenas se pronunciou sobre a verificação da dupla conformidade entre as decisões das Instâncias (“Tendo sido confirmada integralmente, sem fundamentação essencialmente diferente, a sentença e o despacho recorridos, verifica-se o obstáculo à admissibilidade do recurso de revista normal, conhecido como “dupla conforme” (artº 671º nº 3 CPCiv). (…) o recurso é interposto por quem tem legitimidade e o valor da causa e o decaimento admitem o recurso (artºs 629º nº 1 CPCiv e 44º nº 1 LOSJ), para além de se verificar a “dupla conforme” – artºs 853º nº1 e 671º nº3 CPCiv.), torna-se necessário que este se pronuncie, liminarmente, sobre a (in)admissibilidade da revista ao abrigo do disposto no citado art.º 854º do Código de Processo Civil, uma vez que, conquanto se verifique a dupla conformidade, acaso a revista não seja admissível, por diversa razão da conformidade de decisões das Instância, está prejudicada a remessa dos autos a esta Formação, e, assim, arredada está a revista excecional.”

“Tudo visto, uma vez que a questão da (in)admissibilidade da revista, em termos gerais, não foi expressamente apreciada no despacho liminar, apresentem-se os autos ao Exmº Relator para o que for considerado pertinente.”

“III. DECISÃO - Pelo exposto, determina-se a apresentação dos autos ao Mmº. Juiz Conselheiro a quem o recurso foi distribuído, para os termos do precedente item. 4.”



II


O despacho da Formação, portanto, concluiu que:

- ou o recurso se integra nos sempre admissíveis critérios de admissibilidade nos termos gerais decorrentes do artº 854º CPCiv, e não se levanta sequer a questão da admissibilidade enquanto revista excepcional;

- ou não se integra, não se chegando sequer a abrir caminho para a revista excepcional.

O despacho da Formação determinou a apresentação do recurso ao presente relator para apreciação da possibilidade de admitir a revista ao abrigo da norma do artº 854º CPCiv.

Em primeiro lugar, o despacho anterior do presente Relator, determinando a remessa dos autos à Formação, nada havia dito quanto à referida matéria do artº 854º CPCiv.

Por outro lado, tinha considerado apenas a interposição de revista excepcional, ignorando a interposta, a título principal, revista ordinária ou normal.

Daí que, em consequência, se tenha conhecido da aplicabilidade ao caso da norma do artº 854º CPCiv, como aliás compete ao relator, em momento prévio à apreciação da possibilidade de interposição de revista excepcional.

Foi em suprimento dessa omissão de conhecimento, oportunamente suscitada pela Formação, que o presente relator se pronunciou no despacho reclamado.

Não existia assim qualquer caso julgado formal anterior que impedisse a apreciação dos pressupostos da interposição da revista – fosse de revista normal, fosse de revista excepcional, na concreta vertente assinalada.

Não existia qualquer afirmação explícita quanto à admissibilidade, em geral, do recurso de revista, enquanto pressuposto da admissibilidade da revista excepcional, na vertente apontada do disposto no artº 854º CPCiv.

Cabia ao relator pronunciar-se expressamente sobre a matéria, sem prejuízo de, após, a Formação poder não admitir como revista excepcional um recurso que nem revista admitisse.

Ou seja – a Formação constatou omissão de pronúncia do relator e, como tal, determinou a apresentação dos autos para eventual suprimento da omissão de pronúncia.

Foi a essa matéria que se dedicou o despacho ora reclamado.



III


Na verdade, aplicava-se ao recurso, interposto em apenso executivo, a norma do artº 854º CPCiv.

Lê-se naquele artº 854º: “Sem prejuízo dos casos em que é sempre admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, apenas cabe revista, nos termos gerais, dos acórdãos da Relação proferidos em recurso nos procedimentos de liquidação não dependente de simples cálculo aritmético, de verificação e graduação de créditos e de oposição deduzida contra a execução”.

É uma evidência que não nos encontramos perante as ocorrências recursórias especificadas na segunda parte da citada norma.

O processo foi intentado pela Executada/Embargante enquanto oposição à penhora e como tal tramitado.

A oposição à execução foi deduzida em momento temporal diverso e tramitada em diferente apenso (apenso A).

A oposição à penhora não se mostra abrangida pela previsão da 2ª parte da norma do artº 854º CPCiv.

Todavia, o preceito em causa ressalva, na 1ª parte, os casos em que o recurso de revista é sempre admissível, o que nos remete para o disposto no artº 629º nº 2 CPCiv, nas suas diversas alíneas.

Ora, do disposto no artº 629º nº 2 al. d) CPCiv pode extrair-se com clareza que o recurso é sempre admissível quando, ocorrendo contradição com outros acórdãos da Relação, “não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal” – e assim, a Recorrente colocou em causa a oposição de julgados, entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, dimanado do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 12/11/2019 (Secção Criminal).

O Recorrente começa por imputar ao acórdão proferido determinadas nulidades, designadamente:

- o facto de a citação para a execução e a notificação da penhora terem sido efectuadas em momentos temporais diferentes, em violação da norma do artº 856º CPCiv, pelo que caberia a anulação da execução, nos termos do artº 851º CPCiv;

- incidentalmente, tendo o acórdão omitido pronúncia sobre a questão da natureza de contra-acção, na oposição à penhora, não um mero incidente da execução.

Por tais razões, o acórdão recorrido e o acórdão fundamento encontram-se em contradição.

Mas nesta matéria de contradições entre acórdãos, e servindo-nos do desenvolvimento do Ac.S.T.J. 7/6/2018, pº 2877/11.5TBPDL-D.L2.S1 (Maria Rosa Oliveira Tching), a jurisprudência deste Supremo Tribunal vem afirmando que importa que a invocada oposição de acórdãos seja frontal e não apenas implícita ou pressuposta (cf. Acs. STJ 20.07.2017, pº 755/13.2TVLSB.L1.S1-A, 25.05.2017, pº  1738/04.PTBO.P1.S1-A, 28.01.2016, pº 291/1995.L1.S1, 13.10.2016, pº 2276/10.6TVLSB.L1.S1-A, 26.05.2015, pº 227/07.OTBOFR.C2-S1-A, 20.3.2014, pº 1933/09.4TBPFR.P1.S1, e 4.07.2013, pº 2625/09.0TVLSB.L1.S1-A).

“De igual modo, não basta, para o efeito, uma qualquer contradição relativamente a questões laterais ou secundárias. A questão de direito deve apresentar-se com natureza essencial para o resultado que foi alcançado em ambas as decisões, sendo irrelevante a que respeitar apenas a alguns argumentos sem valor decisivo ou obiter dicta”.

E essa oposição, na expressão do Ac. STJ 17/02/2009, pº 08A3761 (Salazar Casanova), “só é relevante quando se inscreva no plano das próprias decisões em confronto e não apenas entre uma decisão e a fundamentação de outra, ainda que as respetivas fundamentações sejam pertinentes para ajuizar sobre o alcance do julgado”.

E, finalmente, que tal oposição incida sobre a mesma questão de direito fundamental, o que pressupõe que as decisões em confronto tenham subjacente um núcleo factual idêntico ou coincidente, na perspectiva das normas ali diversamente interpretadas e aplicadas – cf. Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos, 9ª ed., pgs. 122 e 123.

Ora, o que se verifica é que o acórdão recorrido, para o efeito de desconsiderar as invocadas nulidades da sentença proferida em 1ª instância, proferiu considerandos sobre a natureza incidental da oposição à penhora, fundamentando-o no disposto no artº 785º nº 2 CPCiv.

Todavia, essa classificação formulada em nada relevou para a decisão de improcedência das nulidades, tratando-se justamente de uma questão lateral ao conhecimento de mérito.

Por outro lado, o acórdão recorrido afastou a relevância da norma do artº 856º nº 1 CPCiv na decisão do recurso ou sobre a requerida anulação da execução.

Centrou-se o acórdão na “compatibilidade entre o decidido – a extinção dos autos de oposição à penhora - e os fundamentos em que se balizou – assentes na falta de verificação do assinalado interesse no seu prosseguimento”.

Quanto ao acórdão fundamento, confirmou decisão de 1ª instância que havia julgado improcedentes a oposição à execução e à penhora.

Pronunciou-se sobre o mérito da oposição à execução, não sobre a inutilidade da lide, que são formas diversas de extinção da instância – artº 277º als. a) e e) CPCiv.

É certo que o acórdão fundamento produz alguns considerandos sobre a natureza de contra-acção ou de verdadeira acção declarativa nos embargos, mas fá-lo num contexto de argumento suplementar para a fixação de efeito devolutivo ao recurso de apelação ou no contexto meramente elucidativo de um conceito de nulidade processual, para efeitos do disposto no artº 195º CPCiv.

Ou seja – inexiste qualquer contradição entre as decisões, nem sequer uma contradição frontal.

Existem fundamentos coadjuvantes que podem ter-se contraditado, mas sem qualquer relevância nas decisões proferidas, que, acima do mais, elas próprias, não se contradisseram.

Constituía-se mister de uma divergência jurisprudencial que a mesma se constituísse, como visto em I, de forma frontal e não apenas implícita ou pressuposta, tendo as decisões em confronto um subjacente núcleo factual idêntico ou coincidente, na perspectiva das normas ali diversamente interpretadas e aplicadas, ou seja, em resumo, uma idêntica e possível substanciação.

Não existe assim qualquer contradição entre acórdãos, relevante para efeitos do disposto no artº 629º nº 2 al. d) CPCiv.

Inexistindo tal contradição, inexistia fundamento para a revista normal, por força das disposições conjugadas dos artºs 854º e 629º nº 2 CPCiv.

Tal como admitido no despacho da Formação, e que aqui se reproduz, “não se chegou a abrir caminho para a interposição de revista excepcional”.



IV


Sem prejuízo dos fundamentos aduzidos pelo despacho da Formação, a que o relator aderiu, no despacho reclamado, pode dizer-se que o conceito de “dupla conforme” (artº 671º nº 3 CPCiv), determinando a (possível) interposição de revista excepcional, se reserva para as hipóteses do artº 671º nº 1 CPCiv – a aplicação do artº 629º nº 2 exclui que se possa falar, no caso concreto, de dupla conforme – cf., por todos, Acs. S.T.J. 29/10/2020, pº 464/19.9T8VRL.G1-A.S1 (Maria Rosa Oliveira Tching) e S.T.J. 8/10/2020, pº 824/17.0T8PTL-A.G1-A.S1 (Oliveira Abreu).

Em sentido muito semelhante ao da presente decisão, podem ver-se também os Acs. S.T.J. 9/3/2021, pº 23572/15.0T8LSB-B.L1.S1 - Graça Amaral, e S.T.J. 30/6/2020, pº 302/16.4T8VIS.C1.S1 - Pinto de Almeida: “a revista excepcional não é uma espécie diferente de recurso de revista; antes constitui uma revista "normal", que seria apenas impedida pelo pressuposto negativo da dupla conformidade, nos termos do art. 671º, nº 3, do CPC”.

“Se todos os acórdãos da Relação em contradição com outros acórdãos da Relação admitissem a revista “ordinária”, nos termos do artº 629º nº 2 al. d) CPCiv, deixaria necessariamente de haver qualquer justificação para construir um regime de revista excepcional para a contradição entre acórdãos da Relação, tal como se encontra no artº 672º nº 1 al. c) CPCiv” – assim, Teixeira de Sousa, blog do ippc, entrada 157, de 24/6/2015.

Ora, no caso dos autos, inexiste possibilidade de “revista normal” – ela é impedida, “nos termos gerais”, pela norma do artº 854º 2ª parte CPCiv.

Inexistindo possibilidade de “revista normal”, nos termos do artº 671º nº1 CPCiv, também inexiste possibilidade de interpor recurso de revista excepcional.

Nada se podendo afirmar acerca de uma idêntica substanciação das matérias apreciadas, torna-se claro que o recurso, não admitido pela norma do artº 854º CPCiv, também não podia ser admitido, fosse pela via do artº 629º nº 2 al. d) CPCiv, fosse pela via do artº 672º nº 1 als. a), b) e c) CPCiv.



V


A ora Reclamante invoca também a inconstitucionalidade da interpretação efectuada, relativamente à norma do artº 854º CPCiv.

Salientamos que, como constante do Ac.S.T.J. 06/10/2016, pº 89/13.2TBMAC-A.E1.S1 (relator – Consº Orlando Afonso), “há muito que constitui jurisprudência pacífica do Tribunal Constitucional que não existe um genérico e ilimitado direito de recorrer de todos os actos jurisdicionais, que seja extensivo a todas e quaisquer matérias, gozando, ao invés, o legislador ordinário de uma razoável margem de liberdade na definição dos casos em o que o recurso é admissível e dos termos em que tal direito há de ser exercido. Decorrentemente, o que se vem acentuando é que, no processo civil, o que o legislador tem de assegurar sempre a todos, sem discriminações, é o acesso a um grau de jurisdição, tanto mais que se o texto constitucional é omisso quanto ao limite máximo dos graus de jurisdição, também o é quanto ao mínimo, não sendo, portanto, desejável a banalização do acesso à jurisdição do Supremo Tribunal de Justiça (cf. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 259/97 e 132/2001, publicados no Diário da República, 2.ª Série, respectivamente de 30 de Junho de 1997 e de 25 de Junho de 2001).”

“Face à margem de liberdade do legislador na definição dos graus de recurso admissíveis, os princípios constitucionais do direito a um processo equitativo, da igualdade das partes, da segurança jurídica e da protecção da confiança, plasmados nos artigos 2.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa, não obrigam a que se considerem recorríveis para o Supremo Tribunal de Justiça todas as decisões, designadamente as proferidas em sede cautelar, onde a regra que vigora é precisamente a contrária.”.

Diga-se, porém, que a Reclamante não chega a concretizar relevantemente qualquer espécie de norma constitucional que se mostre violada, pelo que, em rigor, se nos mostra impossível a pronúncia sobre a matéria.


Em resumo:

I - No processo de execução, ou o recurso se integra nos sempre admissíveis critérios gerais do artº 854º CPCiv, e não se levanta sequer a questão da admissibilidade enquanto revista excepcional, ou não se integra, não se chegando sequer a abrir caminho para a revista excepcional.

II – Sem prejuízo dos casos em que o recurso de revista é sempre admissível (artº 629º nº 2 CPCiv, nas suas diversas alíneas), a oposição à penhora não se mostra abrangida pela previsão da 2ª parte da norma do artº 854º CPCiv.

III - Em matéria de contradições entre acórdãos, importa que essa invocada oposição seja frontal e não apenas implícita ou pressuposta

IV - Inexistindo possibilidade de “revista normal”, nos termos do artº 671º nº 1 CPCiv, também inexiste possibilidade de interpor recurso de revista excepcional.


Termos em que se indefere a reclamação apresentada e se confirma a decisão reclamada.


Custas pela Ré/Reclamante.

Taxa – 2 UC´s.


S.T.J., 23/9/2021


Vieira e Cunha (relator)

Abrantes Geraldes                                              

Tomé Gomes