Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1594/19.2T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: JOSÉ FETEIRA
Descritores: CATEGORIA PROFISSIONAL
Data do Acordão: 01/27/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :

I- O reconhecimento do direito de um trabalhador a uma determinada categoria profissional, pressupõe a demonstração, pelo mesmo, do desempenho das tarefas ou funções que preencham o núcleo essencial das que a caracterizam para, desse modo, se determinar o momento a partir do qual a categoria profissional a considerar deva produzir os seus efeitos;

II- É pacífico na jurisprudência, designadamente do Supremo Tribunal, não se mostrar necessário que o trabalhador desempenhe todas as tarefas ou funções que tipifiquem determinada categoria profissional institucionalizada para que se lhe deva reconhecer o direito à correspondente classificação. Basta que haja uma correspondência no que respeita ao núcleo essencial das funções ou tarefas predominantemente exercidas pelo trabalhador para que tal suceda.

Decisão Texto Integral:


Processo n.º 1594/19.2T8LSB.L1.S1

Relator: José Feteira

1º Adjunto: Cons. Leonor Rodrigues.

2º Adjunto: Cons. Júlio Gomes

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça.

I
1- AA intentou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra a Rádio Televisão de Portugal, S.A. pedindo que a Ré seja condenada a:
a) A reconhecer ao Autor, com efeitos a Janeiro de 2006, a sua integração no nível de desenvolvimento III da categoria de assistente de programas/informação;
b) A pagar ao Autor as quantias relativas a diferenças salariais resultantes da aplicação dos valores mínimos das tabelas para o vencimento base de assistente de programas/informação nível de desenvolvimento III, desde Janeiro de 2006 até Dezembro de 2018 e que nesta data se quantificam em 68.150 €, a que acrescem os valores que se vencerem na pendência da ação;
c) A pagar ao Autor, juros de mora à taxa legal, contados desde a data da citação e até efetivo e integral pagamento sobre todas as quantias em que for condenada.
Alega o Autor, no essencial, que trabalha por conta e fiscalização da Ré desde outubro de 1987, detendo a categoria profissional de «Assistente de programas/informação», auferindo a retribuição mensal de € 1.374,00, acrescidos de € 309,16 de remuneração de antiguidade, de € 25,00 de subsídio de integração e € 213,52 a título de horário especial irregular.
À data de 2006 executava o planeamento antecipado das necessidades para realização definitiva do programa; preparação do programa (entrada e saída de intervenientes, de equipamentos técnicos); coordenação das câmaras e de outras equipas técnicas que estão no palco; gestão e preparação de sets; leitura e transposição de alinhamentos para a realidade do programa e determinação das entradas e saídas de palcos em direto ou em programas previamente gravados, pelo que já deveria ter sido integrado no nível III da categoria.
2- Contestou a Ré alegando que o Autor não tem direito ao posicionamento que reclama nos autos.

3- Saneado o processo e realizado o julgamento no Tribunal da 1ª instância, foi proferida sentença que culminou com a seguinte decisão:

«Nos termos e fundamentos expostos, julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência, decido:

1.         Condenar a ré Radio Televisão de Portugal, SA a reclassificar o autor como assistente de programa/informação nível III com efeitos a Fevereiro de 2018 e, em consequência pagar-lhe as diferenças salariais entre a retribuição e a que deveria auferir por via desta reclassificação, acrescidas de juros de mora à taxa legal de 4% desde a data da citação até integral e efectivo pagamento.

2.         Custas a cargo do autor e ré na proporção de 90% e 10% respectivamente (art.° 527° CPC aplicável ex vi art° 1.° n.° 2 al a) do CPT).

Registe e notifique».

4- Inconformado com esta sentença, dela interpôs o Autor recurso de apelação para o Tribunal da Relação …… que, por acórdão proferido em 27 de maio de 2020, decidiu da seguinte forma:

«Pelo exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente o recurso, pelo que se altera a sentença recorrida, condenando-se a Ré a reclassificar o Autor como assistente de programas/informação, nível de desenvolvimento III, a partir de 31.12.2006 e, em consequência, a pagar-lhe as diferenças salariais entre o que deveria auferir por via desta reclassificação, com as deduções e congelamento das progressões salariais supra referidas, e a retribuição que auferiu, acrescidas de juros de mora, vencidos e vincendos, desde a data da citação até efectivo pagamento, à taxa legal.

Custas por Autor e Ré, na proporção do respectivo decaimento».

5- Irresignada com esta decisão, veio agora a Ré Rádio e Televisão de Portugal, S.A. interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, apresentando alegações que termina mediante a formulação das seguintes conclusões:

I.         Vem o presente recurso interposto do Acórdão da Relação …., proferido a fls. __ dos autos, o qual, alterando a sentença proferida pela 1.ª instância, condenou a Recorrente a: a) reclassificar o Recorrido como assistente de programas/informação, nível de desenvolvimento III, desde 31.12.2006; b) liquidar todas as diferenças salariais entre a retribuição auferida e a que deveria ter auferido por via dessa reclassificação; c) pagar os respetivos juros de mora, contados à taxa legal anual, desde a data da citação e até integral pagamento.

II.        Contudo, o referido Acórdão, salvo o devido respeito, é ilegal e o presente recurso merece franco provimento.

III.      O Tribunal da Relação ….. apenas fez as seguintes modificações à factualidade considerada provada pelo Tribunal de 1.ª instância: passou a constar que o Recorrido já acompanha estagiários pelo menos desde 2000 e ainda que, desde 2006, Quando a ré tem necessidade de alocar a um programa um maior número de assistentes de realização, o autor é que determina o número de assistentes que são necessários, que escolhe esses trabalhadores e que coordena essa equipa.

IV.      Modificação essa claramente insuficiente para que o douto Tribunal da Relação …… tivesse alterado a decisão proferida pelo Tribunal de 1.º instância.

V.        Aliás, em face da insuficiência dos factos alegados na petição inicial para a procedência do pedido do Recorrido, qualquer alteração dos factos provados, por parte do Tribunal de Recurso, nunca poderia ter sido acompanhada da modificação da decisão do Tribunal de 1.ª instância.

VI.      Tal como já foi destacado pelo Supremo Tribunal de Justiça, por exemplo, no Acórdão de 15-09-2016, proferido     no âmbito do processo número 3900/15.0T8PRT.P1.S1 e disponível em www.dgsi.pt, "A categoria profissional dum trabalhador afere-se pelas funções efectivamente desempenhadas por este…". Sendo certo que, "… Reclamando o trabalhador uma categoria diversa da que lhe é atribuída pela empregadora, a ele compete o ónus de alegação e prova de todos os elementos de facto necessários para que seja reconhecida a categoria a que se arrogue, conforme decorre das regras gerais sobre ónus da prova, constantes do nº 1 do artigo 342º do CC…".

VII.     Ónus esse que, como se viu, não foi observado pelo Recorrido, razão pela qual o Acórdão do Tribunal da Relação ….., tendo seguido a orientação referida, alterando a decisão do Tribunal de 1.ª instância, violou, manifestamente, quer as regras previstas no Acordo de Empresa da Recorrente em matéria de progressão profissional quer o aludido artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil.

VIII. Aliás, até a própria decisão do Tribunal de 1.ª instância poderá, com o devido respeito, ser questionável quanto ao cumprimento deste ónus. No entanto, a Recorrente conformou-se com tal decisão, não tendo recorrido da mesma, justamente pelo facto de a considerar justa e equilibrada (porque, naturalmente, reportada a apenas 2018 e não 2006, como pretende o Recorrido).

IX.      Recorda-se, pois, que o Recorrido não provou (nem sequer, aliás, alegou) que desempenha, desde 2006, todas as tarefas descritas no Acordo de Empresa para o nível de desenvolvimento III da categoria de Assistente de Programas/Informação.

X. Sendo certo que a integração em nível de desenvolvimento superior ao que é detido pelo trabalhador compreende o desempenho de todas as atividades previstas para os níveis de desenvolvimento inferiores e o exercício pleno das atividades previstas no nível superior.

XI. Acresce que o nível de desenvolvimento II da categoria do Recorrido já prevê a possibilidade de coordenação da atividade de outros trabalhadores. O que significa que o eventual acompanhamento de estagiários ou mesmo a coordenação de outros Assistente de Programas/Informação, desde 2006, por parte do Recorrido, não pode funcionar como critério e fundamento para a sua integração no nível de desenvolvimento III dessa categoria desde essa data.

XII.     Como é evidente, qualquer trabalhador vai evoluindo ao longo da sua carreira profissional numa determinada empresa. E, note-se, essa evolução ainda se torna mais evidente quanto menor for a mutação em termos de carreira. E é justamente esta uma das razões pelas quais o Acordo de Empresa em vigor na Ré estabelece, dentro de cada categoria, diferentes níveis de desenvolvimento. Níveis esses que podem contemplar um descritivo de funções mais ou menos semelhante. Contudo, mesmo nos casos em que a distinção não parece tão evidente, obviamente que a decisão de progressão para níveis superiores tem sempre de considerar as concretas funções desempenhadas e o passado profissional do trabalhador na empresa.

XIII. Sendo inequívoco que a ascensão na carreira constitui o expoente máximo da realização do trabalhador e um sinal evidente da sua promoção humana e social, o efeito per saltum para o nível de desenvolvimento III da categoria de assistente de programas/informação, logo desde 2006, produzido pelo Acórdão do Tribunal da Relação ……, terá de ser necessariamente rejeitado.

XIV. Tendo decidido da forma descrita, o Tribunal da Relação …., para além de ter violado frontalmente o aludido artigo a 342.º, n.º 1, do Código Civil, em matéria de ónus da prova (pois era ao Recorrido que competia alegar e provar os factos constitutivos do direito que invocou, o que não logrou fazer), violou igualmente as disposições constantes do Acordo de Empresa aplicável à Ré em matéria de progressão e evolução profissional, em especial, a cláusula 12.ª e o Anexo III-Descrição e caracterização das funções tipo/Categorias e respetivos níveis de desenvolvimento.

XV.     Pelo que deverá ser revogado, confirmando-se integralmente a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª instância.

Nestes termos, e nos demais de direito que doutamente se suprirão, deve o presente recurso ser considerado procedente e, em consequência, deve o Acórdão recorrido ser revogado, mantendo-se integralmente a sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância, assim se fazendo a tão costumada JUSTIÇA!

6- Não houve contra-alegação por parte do Autor.

7- Admitido o recurso e remetidos os autos para o Supremo Tribunal de Justiça, foi determinado se desse cumprimento ao disposto no n.º 3 do art. 87º do CPT, tendo a Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitido douto parecer no sentido de o acórdão recorrido não merecer censura e de, consequentemente, ser julgada improcedente a revista.

8- Este parecer não foi objeto de resposta por qualquer das partes.

Cumpre apreciar e decidir do mérito do recurso.

II

Apreciação

Dado que, como se sabe e com exceção de questões de conhecimento oficioso, são as conclusões de recurso que delimitam o objeto do mesmo perante o Tribunal “ad quem”, em face das que são extraídas pela Recorrente na revista interposta, apenas se coloca à apreciação do Supremo Tribunal de Justiça a questão de saber se a reclassificação do Autor como Assistente de Programas/Informação – Nível III deve produzir efeitos a partir de fevereiro de 2018 – como se decidiu na sentença proferida pela 1ª instância e defende a Recorrente – ou a partir de 31 de dezembro de 2006 – como se decidiu no acórdão recorrido.

Fundamentos de facto

As instâncias consideraram provados os seguintes factos:

1.         O Autor trabalha por conta da Ré e sob a sua orientação e fiscalização desde Outubro de 1987.

2.         O Autor tem a categoria profissional de Assistente de programas/informação e aufere a retribuição de € 1.347,00, acrescidos de € 309,16 de remuneração de antiguidade, € 25,00 de subsídio de integração e € 213,52 a título de horário especial irregular 5.

3.         O Autor realizou……; 17 Galas……; Galas de “……”; Gala por….; Gala de entrega dos prémios……; Gala dos Prémios……; A……; …… e participação técnica em programa de ficção, nomeadamente novelas.

4.         Desde data não apurada, mas pelo menos desde 2000, o Autor acompanha estagiários na área de produção-assistentes, tendo formado os novos recrutamentos nessa área. (redação conferida pelo Tribunal da Relação, na sequência de impugnação de matéria de facto deduzida pelo Autor/apelante)

5.         BB que o Autor formou, foi atribuído o nível de desenvolvimento II, antes de passar a realizador.

6.         CC que o Autor formou e já detém o nível de desenvolvimento II.

7.         DD que o Autor formou e detém o nível de desenvolvimento II.

8.         Quando a Ré tem necessidade de alocar a um programa um maior número de assistentes de realização, o Autor é que determina o número de assistentes que são necessários, que escolhe esses trabalhadores e que coordena essa equipa.

9.         Por escrito de 6 de Fevereiro de 2018, o Autor remeteu à Ré por carta registada a reclamação escrita junta a fls. 8 e s. e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.

Não obstante as instâncias o não terem feito, reproduz-se aqui a referida declaração, a qual tem o seguinte teor:

«Assunto: Promoção / Níveis de desenvolvimento – AA

(…)

……, 06 de Fevereiro de 2018

Ex.mos Senhores,

Fui contactada pelo Srº AA no sentido de V. abordar no que respeita à sua evolução profissional, nomeadamente à sua progressão nos denominados níveis de desenvolvimento previstos no AE que se encontra neste momento em vigor e que rege as relações laborais entre as partes.

O acordo em causa criou um modelo de carreiras que detém um item denominado “níveis de desenvolvimento”. Ora, o espírito de tal enquadramento foi o de tentar alinhar as expectativas da empresa e as que individualmente os trabalhadores geram no decurso da sua carreira profissional, porquanto através desta evolução se procura garantir o ganho do trabalhador mas também a sua profissionalidade, pelo que se pressupõe que a integração num nível de desenvolvimento superior compreende o desempenho de todas as actividades que se preveem para a carreira em causa num nível inferior.

Assim e no caso concreto do Srº AA, o mesmo desde sempre e não obstante as diversas reclassificações ocorridas por força das alterações dos IRCT’s aplicáveis à relação laboral, sempre esteve classificado em categoria / nível equivalente ao que detém à presente data, ou seja, Assistente de Programas I.

Diga-se que, já desde 2006 se previa que a empresa deveria criar condições de acesso a níveis de desenvolvimento superiores, relativamente a trabalhadores que permanecessem há mais de 15 anos no mesmo nível, contando para tal todo o tempo decorrido antes da transposição ocorrida em 2006 (vide artº 9 do ACT entre a Rádio e Televisão de Portugal SGPS e o STT, publicado no BTE nº 16 de 29/04/2006).

E em 2015, reflectia-se no AE assinado que seriam critérios para esta evolução, deter as habilitações adequadas, formação técnica especializada, experiência profissional comprovada e o reconhecimento do desempenho do trabalhador ser consistente e significante.

No caso do Srº AA nunca a sua situação foi revista desde a data da sua admissão (1987), não obstante até haver uma obrigação face ao acordado em 2006.

Aliás, o Srº AA, para além de realizar todas as funções compreendidas para a categoria nos seus diversos níveis, detém habilitações, formação técnica especializada e experiencia profissional comprovada.

Quanto ao seu desempenho profissional sempre realizou de forma diligente e responsável todos os trabalhos que lhe tem sido propostos, o que em muitas situações tem levado a que seja ele a acompanhar programas que para a empresa tem uma maior importância.

Por fim, é o Srº AA que tem nos últimos anos estado a formar os novos recrutamentos que tem sido feitos nesta área da produção (assistentes), aliás neste momento os trabalhadores que por ele foram formados já progrediram nos níveis de desenvolvimento, enquanto ele nunca viu a sua situação actualizada.

Tendo em conta que já por diversas vezes pessoalmente abordou a situação junto da sua chefia directa e que a mesma se mantem inalterável, venho em nome do meu constituinte solicitar seja revista a sua integração no nível de desenvolvimento III, face às funções e responsabilidades que detém neste momento no quadro da empresa.

Ficando ao dispor para o que tiverem por conveniente…».

      

10.       A Ré respondeu por escrito de 9 de Março de 2018, junta a fls. 9 e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.

Não obstante as instâncias o não terem feito, reproduz-se aqui o mencionado escrito, qual tem o seguinte teor:

«Exma. Sr.ª Dr.ª EE

 Acusamos a receção da v/ carta de 06.02.2018 sobre o pedido de revisão da situação profissional do trabalhador AA (n.º 130), que mereceu a nossa melhor atenção.

Na exposição que nos remete, informa que o trabalhador titula a categoria de Assistente de Programas I mas no entanto, constatamos que o AA detém, atualmente, a categoria de Assistente de Programas/Informação, Nível de Desenvolvimento 2C.

Analisada a sua situação profissional verificámos, ainda, que a sua carreira na F....... foi evoluindo de acordo com as regras previstas no Acordo de Empresa. Foi admitido, por sentença judicial, com efeitos a 1997 com a categoria de Assistente de Programas/Realização Grau 1, Nível 7, Escalão 3, tendo progredido para o Escalão 4 a 01.04.2000 e para o Escalão 5, a 01.04.2003.

Foi integrado no ACT com a categoria de Assistente de Programas/informação Nível de Desenvolvimento 2B, com efeitos a 01.03.2006.

O trabalhador progrediu para o Nível de Desenvolvimento 2C da categoria de Assistente de Programas/Informação em janeiro de 2018, com efeitos a 01.01.2012, na sequência da reposição da Cláusula 39.ª do AE, que se encontrava suspensa pelas diversas Leis do Orçamento de Estado.

Importa realçar que o Acordo referido na sua carta, celebrado em 2006 e que previa que a Empresa deveria criar condições de acesso a Níveis de Desenvolvimento superiores relativamente aos trabalhadores que permanecessem há mais de 15 anos no mesmo nível, apenas abrangia os associados do Sindicato subscritor desse Protocolo de Acordo – o Sindicato dos Trabalhadores de Telecomunicações e Comunicação Audiovisual (STT), pelo que não se aplica ao AA, que assinou a adesão ao Acordo Coletivo de Trabalho celebrado em 2005 entre a F....... e SMAV (Sindicato dos Meios Audiovisuais) e outros».

11.       Por declaração de 31 de Março de 2006, o Autor aderiu ao regime do Acordo Coletivo de Trabalho “que obriga por um lado a Rádio e Televisão de Portugal, SGPS, S.A., a Radiotelevisão Portuguesa - Serviço Público de Televisão, S.A., a RTP - meios de Produção, S.A., e a Radiotelevisão Portuguesa, S.A., e, por outro lado os trabalhadores ao seu serviço, qualquer que seja o seu local de trabalho, representados pelas Associações Sindicais outorgantes, celebrado em 17 de Fevereiro de 2005.”

12.       Em Janeiro de 2018, o Autor foi enquadrado no nível de desenvolvimento II-C da sua categoria.

13.       Tendo passado a auferir, a partir dessa data, uma remuneração de categoria de € 1.374,00.

14. O Autor exerce as funções descritas em 4. e 8. desde, pelo menos, 2006. (matéria de facto aditada pelo Tribunal da Relação na sequência da impugnação deduzida pelo Autor/apelante).

Fundamentos de direito

Como anteriormente se referiu, a única questão que se coloca no recurso agora em causa, consiste em saber se a reclassificação do Autor como Assistente de Programas/Informação – Nível III deve produzir os seus efeitos a partir de fevereiro de 2018 – como se decidiu na sentença proferida pelo Tribunal da 1ª instância e defende a  Ré/Recorrente Rádio Televisão de Portugal, S.A. – ou a partir de 31 de dezembro de 2006 – como se decidiu no acórdão recorrido proferido pelo Tribunal da Relação ……..

Em síntese, alega e conclui a Recorrente que, cabendo ao Recorrido o ónus de alegação e prova de todos os elementos de facto necessários para que lhe seja reconhecida a categoria de que se arroga nos presentes autos, o mesmo não provou (nem sequer alegou) que desempenha, desde 2006, todas as tarefas descritas no Acordo de Empresa para o nível de desenvolvimento III da categoria de Assistente de Programas/Informação.

Para além disso e escudada no Acordo de Empresa (AE) em vigor na Ré/Recorrente, refere que «a integração em nível de desenvolvimento superior ao que é detido pelo trabalhador compreende o desempenho de todas as atividades previstas para os níveis de desenvolvimento inferiores e o exercício pleno das atividades previstas no nível superior», sendo que «o nível de desenvolvimento II da categoria do Recorrido já prevê a possibilidade de coordenação da atividade de outros trabalhadores», referindo também que «o eventual acompanhamento de estagiários ou mesmo a coordenação de outros Assistentes de Programas/Informação, desde 2006, por parte do Recorrido, não pode funcionar como critério e fundamento para a sua integração no nível de desenvolvimento III dessa categoria desde essa data».

Alega e conclui ainda que a modificação introduzida pelo Tribunal “a quo” na matéria de facto é claramente insuficiente para que este tivesse alterado a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª instância, razão pela qual o acórdão recorrido violou, manifestamente, quer as regras previstas no Acordo de Empresa da Recorrente em matéria de progressão profissional, quer o disposto no artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, devendo ser revogado, confirmando-se integralmente a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª instância.

Vejamos!

Antes de mais, importa referir que, em face da matéria de facto provada, sobretudo a que consta dos pontos 4, 8, 11, 12 e 14, matéria que aqui se dá por reproduzida, na análise da suscitada questão de recurso devemos ter presentes as normas, quer da LCT aprovada pelo Decreto-Lei n.º 49408 de 24-11-1969, quer do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003 de 27-08, que entrou em vigor em 01 de dezembro de 2003, bem como do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009 de 12-02 e que entrou em vigor em 17 de fevereiro de 2009.

Por outro lado, importa considerar o que se refere no acórdão recorrido, quando, a dado passo, aí se afirma que «a 1ª instância reconheceu o direito do Autor a ser reclassificado nessa categoria e nível de desenvolvimento com efeitos a Fevereiro de 2018.

E fê-lo considerando aplicável o Acordo Colectivo de Trabalho (ACT) celebrado entre a Rádio Televisão de Portugal, SGPS e o SMAV - Sindicato dos Meios Audiovisuais e outros, publicado no BTE nº 14, de 15.4.2005 e BTE nº 36, de 29.9.2015, com base na declaração de adesão formulada pela Autor em 31.3.2006, o que não foi colocado em causa no presente recurso» (fim de citação), sendo que na sentença proferida pelo Tribunal da 1ª instância, se escreveu, efetivamente e a dado passo, que «o autor reivindica a aplicação do Acordo de Empresa para a Rádio Televisão de Portugal, SGPS, SA – protocolo e acordo publicado no BTE n.º 16 de 29.04.2006, o AE para a Rádio e Televisão de Portugal, SGPS, SA, publicado no BTE n.º 16 de 29.04.2007 e o Protocolo de Acordo relativo ao Acordo de Empresa para a Rádio e Televisão de Portugal, SA, publicado no BTE n.º 36, de 29.09.2015.

Contudo não invoca o autor os fundamentos nessa aplicação.

Ao invés, a ré contrapõe que à relação de trabalho vigente com o autor é aplicável o Acordo de Empresa subscrito pela ré e o SMAV – Sindicato dos Meios Audiovisuais, sem que identifique onde se encontra publicado, o que fundamenta na declaração de adesão, facto que comprovou nestes autos.

Considerando esta declaração é aplicável o Acordo Colectivo de Trabalho (ACT) entre a Rádio e Televisão de Portugal, SGPS, S.A., e outras e o SMAV – Sindicato dos Meios Audiovisuais e outros, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego (BTE), n.º 14, de 15.05.2005 e BTE n.º 36 de 29.09.2015» (fim de citação).

Ora, em face do que se afirma nestes excertos e tendo em consideração a declaração de adesão a que se alude no ponto 11 dos factos provados – muito embora em março de 2006 não existisse norma equivalente à do n.º 1 do art. 497º do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009 de 12 de fevereiro – afigura-se-nos não podermos deixar de levar aqui em consideração também as Cláusulas Convencionais estabelecidas no Acordo Coletivo de Trabalho (ACT) que em 17 de fevereiro de 2005 foi celebrado entre a Rádio e Televisão de Portugal, SGPS, S.A. e o SMAV – Sindicato dos Meios Audiovisuais e outros, ACT que foi publicado no BTE n.º 14 de 15/04/2005, bem como o Acordo de Empresa celebrado em 16 de julho de 2015 entre a Recorrente Rádio e Televisão de Portugal, S.A. e diversos Sindicatos, entre eles o SMAV, o qual foi publicado no BTE n.º 36 de 29/09/2015, sendo que as condições de trabalho estabelecidas neste AE foram estendidas, no território do continente, às relações de trabalho entre aquela entidade empregadora e trabalhadores ao seu serviço das profissões e categorias profissionais previstas na convenção, não representados pelas associações sindicais outorgantes, o que se verificou através da Portaria n.º 410/2015 de 25/11 que entrou em vigor em 30/11/2015.

Posto isto, frisa-se que, no recurso em causa, apenas se coloca à apreciação do Supremo Tribunal de Justiça a questão da determinação do momento a partir do qual deva produzir efeitos a categoria profissional reconhecida ao Autor/Recorrido AA de Assistente de Programas/Informação – Nível III.

Na verdade, muito embora a Ré/Recorrente Rádio Televisão de Portugal, S.A., nas conclusões IX a XIII do recurso de revista interposto e agora em apreciação, pareça discordar da classificação profissional do Autor/Recorrido como Assistente de Programas/Informação – Nível III, alegando a violação, por parte do Tribunal “a quo” das regras do ónus da prova (art. 342º n.º 1 do Código Civil), bem como o estabelecido nas disposições constantes do Acordo de Empresa aplicável «em matéria de progressão e evolução profissional, em especial, a cláusula 12.ª e o Anexo III-Descrição e caracterização das funções tipo/categorias e respetivos níveis de desenvolvimento», o certo é que resulta das alegações e conclusões do recurso, de uma forma particularmente evidente da segunda parte da conclusão VIII do mesmo, que a Ré/Recorrente aceitou uma tal classificação profissional e nível de desenvolvimento judicialmente reconhecidos ao Autor/Recorrido pelo Tribunal da 1ª Instância, decisão que, nessa parte, não foi alterada pelo Tribunal da Relação ….., na medida em que não impugnada e daí que tenha transitado em julgado, sendo que a Ré/Recorrente ali afirma claramente que «a Recorrente conformou-se com tal decisão, não tendo recorrido da mesma justamente pelo facto de a considerar justa e equilibrada (porque naturalmente, reportada a apenas 2018 e não a 2006 como pretende o Recorrido)».

Mostra-se, pois, indiscutível, nesta fase processual, o direito que assiste ao Autor/Recorrido AA à categoria profissional de Assistente de Programas/Informação – Nível III, sendo que a Ré/Recorrente apenas aceita que esta categoria e nível de desenvolvimento opere os seus efeitos a partir de fevereiro de 2018 conforme também decidido pelo Tribunal da 1ª instância, insurgindo-se contra o acórdão recorrido proferido pelo Tribunal da Relação …… ao decidir que essa classificação profissional e nível de desenvolvimento deve produzir efeitos a partir de 31 de dezembro de 2006.

Sem dúvida que o reconhecimento do direito de um trabalhador a uma determinada categoria profissional pressupõe a demonstração, pelo mesmo, do desempenho das tarefas ou funções que preencham o núcleo essencial das que a caracterizam para, desse modo, se determinar o momento a partir do qual a categoria profissional a considerar deva produzir os seus efeitos e para que também se possa verificar qual o nível de desenvolvimento em que o trabalhador deve ser integrado, caso a lei ou instrumento de regulamentação coletiva de trabalho (IRCT) preveja níveis de progressão, de evolução ou de desenvolvimento das categorias profissionais institucionalizadas.

Contudo, no caso vertente e como resulta do anteriormente referido, apenas se mantém em litígio determinação do momento a partir do qual se deve considerar que o Autor/Recorrido se mostra beneficiário dos direitos, mormente remuneratórios, emergentes da atribuição da referida categoria profissional e nível de desenvolvimento.

Ora, quanto a este aspeto, diremos que se é certo haver-se provado que, por escrito de 6 de fevereiro de 2018, o Autor e ora Recorrido AA remeteu à Ré Recorrente, por carta registada, a reclamação cujo conteúdo se reproduziu no ponto 9 dos factos assentes, na qual chamava à atenção desta para a circunstância de não ver alterada a sua classificação e nível de desenvolvimento, também se demonstrou que o Autor/Recorrido, tendo sido admitido ao serviço da Ré/Recorrente Rádio Televisão de Portugal, S.A. em outubro de 1987, como resulta do ponto 1 dos factos provados, desde, pelo menos, 2006 que exerce as funções descritas nos pontos 4 a 8 desses mesmos factos, ou seja, acompanha estagiários na área de produção-assistentes, tendo formado os novos recrutamentos nessa área e, para além disso, formou os trabalhadores BB, CC e DD, sendo que ao primeiro foi atribuído o nível de desenvolvimento II antes de passar a realizador e os demais também já detêm o nível de desenvolvimento II e, por outro lado, demonstrou-se que, quando a Ré/Recorrente tem necessidade de alocar a um programa um maior número de assistentes de realização, o Autor/Recorrido é que determina o número de assistentes que são necessários, que escolhe esses trabalhadores e que coordena essa equipa, funções que, sobretudo estas últimas, se pode considerar integrarem o Nível III de desenvolvimento da categoria profissional de Assistente de Programas/Informação, como decorre do estabelecido no Anexo II-A (modelo de carreiras) do ACT celebrado em 17 de fevereiro de 2005 entre a Rádio e Televisão de Portugal, SGPS, S.A. e o SMAV – Sindicato dos Meios Audiovisuais e outros e que foi publicado no BTE n.º 14 de 15/04/2005, bem como do Anexo II-A (modelo de carreiras) do AE celebrado em 16 de julho de 2015 entre a Recorrente Rádio e Televisão de Portugal, S.A. e diversos Sindicatos, entre eles o SMAV, o qual foi publicado no BTE n.º 36 de 29/09/2015, sendo que, se é verdade que nestes IRCT’s se estabelece que «a integração num nível de desenvolvimento superior compreende o desempenho de todas as atividades descritas nos níveis de desenvolvimento inferiores», já não é verdade que ali se exija também o «exercício pleno das atividades previstas no nível superior», como defende a Recorrente.

Tal não faz qualquer sentido, sendo certo ser pacífico na jurisprudência, designadamente deste Supremo Tribunal, não se mostrar necessário que o trabalhador desempenhe todas as tarefas ou funções que tipifiquem determinada categoria profissional institucionalizada para que se lhe deva reconhecer o direito à correspondente classificação. Basta que haja uma correspondência no que respeita ao núcleo essencial das funções ou tarefas predominantemente exercidas pelo trabalhador para que tal suceda. Neste sentido e entre diversos outros, pronunciaram-se os acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça de 30 de janeiro de 2013 e de 09 de março de 2017, proferidos, respetivamente,  nos processos n.º 77/06.5TTLSB.L1.S1 e n.º 161/15.4T8VRL.G1.S1, ambos acessíveis em www.dgsi.pt.

III

Decisão

Nestes termos, acorda-se em negar revista mantendo-se o acórdão recorrido.

Custas a cargo da Recorrente.

Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-lei n.º 10-A/2020, de 13 de março (aditado pelo art. 3º do Decreto-Lei n.º 20/2020 de 01 de maio), consigna-se que o presente acórdão obteve voto de conformidade dos Exmos. Juízes Conselheiros Adjuntos, Leonor Maria da Conceição Cruz Rodrigues e Júlio Manuel Vieira Gomes, sendo assinado apenas pelo relator.

                                              

Lisboa, 27/01/2021

José António Santos Feteira (Relator)