Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
414/12.3TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: FERNANDES DO VALE
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
ARRENDAMENTO URBANO
FORMA DE DECLARAÇÃO NEGOCIAL
FORMALIDADES AD PROBATIONEM
FORMALIDADES AD SUBSTANTIAM
NULIDADE DO CONTRATO
PROVA TESTEMUNHAL
ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
AÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 06/02/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS EM ESPECIAL / ARRENDAMENTO URBANO - DIREITOS REAIS / DIREITO DA PROPRIEDADE.
Doutrina:
- Aragão Seia, Arrendamento Urbano, Anotado e Comentado, 3.ª Ed., pp. 143/145.
- Isidro de Matos, Arrendamento e Aluguer, 1968, pp. 219/222.
- Januário Gomes, Arrendamento para Habitação, Almedina, Coimbra, 1996, 2ª Ed., p.62.
- José Gualberto, in “Rev. Trib.”, 94º, pags. 100.
- Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 1976, pp. 344/345.
- Pais de Sousa, Extinção do Arrendamento Urbano, 1980, p. 49, e 1985, 2.ª Ed., pp. 53/54.
- Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 2012, 7.ª Ed., pp. 606/607.
- Pereira Coelho, Arrendamento, 1977, p. 106, e 1984, pp. 114.
- Pinto Furtado, Manual do Arrendamento Urbano, Vol. I, 4ª Ed. Actualizada, pp. 450 a 455.
- Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil” Anotado, Vol. III, 2.ª Ed., p. 117, Vol. I, 4.ª Ed., pp. 61, 322/323, Vol. II, pp.498/499.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 12.º, N.º2, 2.ª PARTE, 219.º, 220.º, 298.º, N.º3, 334.º, 364.º, N.ºS1 E 2, 1083.º, N.º/S 1 E 2, 1085.º, N.º2, 1305.º, 1307.º, 1311.º, N.º2, 1313.º, 1397.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 635.º, N.º5, 674.º, N.º3, 682.º, N.º2.
LEI N.º 52/2008, DE 28.08 (L. O. F. T. J. - LEI DE ORGANIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO DOS TRIBUNAIS JUDICIAIS): - ARTIGO 33.º.
LEI Nº 6/2006, DE 27.02 - NLAU (NOVA LEI DO ARRENDAMENTO URBANO): - ARTIGO 3.º.
RAU (REGIME DO ARRENDAMENTO URBANO) APROVADO PELO D.L. N.º 321-B/90, DE 15-10, COM A REDACÇÃO QUE LHE FOI INTRODUZIDA PELO D.L. N.º 64-A/2000, DE 22-04: - ARTIGOS 7.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:
-DE 31.05.01 E DE 29.05.03, AMBOS ACESSÍVEIS EM WWW.DGSI.PT.
Sumário :

I - Nos termos do disposto no art. 7º, nº1 do RAU (Regime do Arrendamento Urbano) aprovado pelo DL nº 321-B/90, de 15.10, o contrato de arrendamento urbano devia ser celebrado por escrito.

II - E, atentos os respectivos nº/s 3 (originária redacção) ou 2 (redacção introduzida pelo DL nº 64-A/2000, de 22.04), a inobservância da forma escrita só poderia ser suprida pela exibição do recibo de renda e determinava a aplicação do regime de renda condicionada, sem que daí pudesse resultar aumento da renda.

III - Face à consequência cominada na lei para a inobservância da mencionada forma escrita (nulidade do contrato, ainda que susceptível de convalidação através de ulterior exibição de recibo de renda), atentando no preceituado nos arts. 219º, 220º e 364º, nº1, todos do CC e não resultando claramente do correspondente comando legal que o documento escrito fosse exigido apenas para prova da declaração (art. 364º, nº2, do CC), deve qualificar-se como «ad substantiam» a formalidade em causa.

IV - Em qualquer caso e mesmo que tal formalidade houvesse de ser qualificada como (meramente) «ad probationem», a respectiva inobservância não poderia ser suprida através da produção de correspondente prova testemunhal.

V - Sem prejuízo dos direitos adquiridos por usucapião, a acção de reivindicação não prescreve pelo decurso do tempo, como preceituado no art. 1313º do CC, aliás em perfeita harmonia com o disposto no art. 298º, nº3 do mesmo Cod., em matéria de não extinção do direito de propriedade por prescrição e pelo não uso, salvo, neste último caso, o preceituado no art. 1397º daquele Cod.
Decisão Texto Integral:

Proc. nº 414/12.3TVLSB.L1.S1[1]

              (Rel. 214)

                            Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça

1 - AA (agora representada por seus sobrinhos habilitados, BB, CC, DD e EE) instaurou, em 22.02.12, no Tribunal Cível da comarca de Lisboa, acção declarativa, com processo comum e sob a forma ordinária, contra FF, pedindo que, com o reconhecimento, a seu favor, do respectivo direito de propriedade, se condene a R. a restituir-lhe o rés-do-chão, direito, do prédio urbano sito na Rua …, nº…, em Lisboa, e, bem assim, a pagar-lhe, por via da ocupação do mesmo, uma indemnização não inferior a € 750,00 mensais, desde a citação até à restituição do imóvel.

      Fundamentando a respectiva pretensão, alegou, em resumo e essência, factos integrantes da respectiva titularidade do direito de propriedade sobre o reivindicado prédio, que a R., desprovida de qualquer título que tal legitime, vem ocupando, assim lhe vindo a causar um prejuízo de € 750,00 mensais, montante mínimo que estipularia de renda mensal, caso desse tal prédio de arrendamento.

       A acção foi contestada, contrapondo a R. (na parte que, ora, ainda releva) a sua qualidade de arrendatária da fracção predial reivindicada, a determinar a improcedência da acção.

      Replicou a A., para arredar (também na parte que, ora, ainda releva) tal qualidade invocada pela R., reiterando o, inicialmente, alegado e peticionado.

       Foi proferido despacho saneador, com subsequente e irreclamada enunciação da matéria de facto tida por assente e organização da base instrutória (b.i.).

       Prosseguindo os autos a sua tramitação, veio, a final, a ser proferida (em 03.10.13) sentença que, julgando, parcialmente, procedente a acção:

--- Declarou a A. proprietária do rés-do-chão, direito, do prédio sito na Rua ..., nº …, em Lisboa;

--- Condenou a R. a reconhecer o referido direito de propriedade da A. e a entregar a esta o mencionado rés-do-chão;

--- Condenou a R. a pagar à A. “uma indemnização pela ocupação da referida fracção, no valor de € 400,00 mensais, ao qual deve ser descontado o valor pago pela R. como contraprestação pelo uso da fracção, desde 24.02.12 até à efectiva restituição do imóvel”; e

--- Absolveu a R. do demais peticionado.

      Tendo apelado a R., a Relação de Lisboa, por acórdão de 09.12.14, e na integral procedência da apelação, revogou a sentença ”na parte em que condenou a R. a entregar à A. o andar reivindicado e a pagar-lhe indemnização pela ocupação da fracção, mantendo-se quanto ao reconhecimento do direito de propriedade a favor da A., sobre o qual não existiu qualquer litígio”.

       Daí, a presente revista interposta pelos recorridos, entretanto, habilitados, visando a revogação do acórdão impugnado, conforme alegações culminadas com a formulação das seguintes conclusões:

                                                     /

1ª - Da matéria de facto provada apenas resulta que a falecida A. aceitou que a R. não lhe devolvesse imediatamente o andar, após o falecimento do arrendatário, mantendo o pagamento da mesma importância, conforme resulta expressamente do art. 1045° do Código Civil, e não que tivesse sido celebrado novo contrato de arrendamento;

2ª - Nos termos do artº 7º do RAU, em vigor à data dos factos, qualquer contrato de arrendamento estaria sujeito, sob pena de nulidade (artº 220° CC), à forma escrita, a qual só poderia ser suprida pela exibição de recibo de renda;

3ª - Sendo essa formalidade ad substantiam, é manifesto que o nº 1 do artº 364° CC, só admite a prova documental como demonstrativa da celebração do contrato de arrendamento, pelo que não poderia a Relação de Lisboa ter considerado demonstrada a sua celebração com base em prova testemunhal;

4ª - Só se pode admitir abuso de direito (artº 334°) em relação à invalidade dos contratos em circunstâncias muito excepcionais que, no caso presente, não estão preenchidas;

5ª - Efectivamente, não há uma necessidade jurídica forte de tutela da confiança, nem a R. fez qualquer investimento com base na mesma, e muito menos sensível, uma vez que nem sequer reside no andar, residindo em ..., estando o andar a ser ocupado por uma sua bisneta, o que constitui, essa sim, uma situação abusiva;

6ª - A qual lesa gravemente os sucessores habilitados da A., uma vez que estes nada têm a ver com o facto de esta ter permitido à R. a continuação da ocupação do imóvel, sendo que só um arrendamento validamente celebrado lhes poderia ser oponível nos termos do artº 1057°.

7ª - Foram violadas pelo acórdão recorrido todas estas disposições legais.

       VOSSAS EXCELÊNCIAS FARÃO JUSTIÇA.

       Não se mostram juntas aos autos contra-alegações.

       Corridos os vistos e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.

                                                     *

2 - A Relação teve por provados os seguintes factos:

                                                     /

1 - A A. é proprietária do prédio urbano sito na Rua ..., …, em Lisboa, inscrito sob o artº …° na matriz predial urbana da freguesia de ... e descrito sob a ficha nº …. da freguesia de ..., na Conservatória do Registo Predial de Lisboa;

2 - Por contrato verbal celebrado em 1940, um anterior proprietário do imóvel deu de arrendamento a GG, que também usava GG …, o R/C lado direito do mencionado prédio, com destino a habitação;

3 - GG … faleceu, no dia ……..69, no estado de casado com HH, para quem o referido contrato de arrendamento se transmitiu;

4 - HH faleceu, no dia ……..83, no estado de viúva;

5 - O contrato de arrendamento transmitiu-se para seu filho, II que com ela convivia, no locado, no ano anterior ao seu falecimento;

6 - II faleceu, no dia ….02, no estado de casado com a, ora, R.;

7 - A R. detém as chaves da fracção referida;

8 - O valor locativo da fracção é de cerca de € 400,00; 

9 - A A. tomou conhecimento do óbito de II, logo após o falecimento deste, em 29.03.02; 

10 - A A. fez saber à R. que podia continuar na fracção;

11 - Acordaram que o montante da contrapartida pela habitação da fracção seria idêntico ao pago pelo marido da R.;

12 - Que esse montante seria pago através de transferência bancária

13 - A A. nunca recusou o recebimento de qualquer valor pago pela R. como contrapartida pelo uso da fracção, desde então;

14 - A A. nunca emitiu recibos, nem antes, nem depois do falecimento de II;

15 - A R. reside em ..., habitando a fracção dos autos a sua bisneta JJ;

16 - A R. continua a pagar, mensalmente, cerca de € 178,00, à A., como contrapartida pelo uso da fracção.

                                                       *

3 - Perante o teor das conclusões formuladas pelos recorrentes e não havendo lugar a qualquer conhecimento oficioso, as questões por si suscitadas e que, no âmbito da revista, demandam apreciação e decisão por parte deste Tribunal de recurso resumem-se a saber se ocorreu celebração de novo contrato de arrendamento, em 2002, legitimador do não decretamento da restituição do prédio integrante da herança indivisa da originária A. aos recorrentes e por estes reivindicado e, bem assim, se a A. incorreu em abuso do respectivo direito por ter instaurado a presente acção, apenas em Fevereiro de 2012.

       Apreciando:

                                                        *

4 - I - Como decorre do preceituado nos arts. 33º da Lei nº 52/2008, de 28.08 (L. O. F. T. J. - Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais) e 674º, nº3 e 682º, nº/s 1 e 2, do CPC, fora dos casos previstos na lei, o STJ apenas conhece de matéria de direito, aplicando definitivamente aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido o regime jurídico que julgue adequado. Sendo que, nos termos do preceituado no referido nº2, “a decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no nº3 do art. 674º”. Ou seja, “havendo ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”.

       No caso dos autos, a Relação, com arrimo na factualidade acolhida nos nº/s 11 a 14 de 2 supra e por nós digitalizados em itálico, teve por operada a celebração de um novo contrato de arrendamento habitacional, após a morte de II, ocorrida em 29.03.02. Constituindo tal novo arrendamento o título que, nos termos previstos no nº2 do art. 1311º do CC, obviou ao decretamento da restituição do reivindicado prédio aos declarados e reconhecidos titulares do respectivo direito (Cfr. art. 1037º do CC).

       Entendemos, sem quebra do respeito devido, que não podia ser reconhecida a existência de tal título, como tentaremos demonstrar.

                                                       /

II - Nos termos previstos na 1ª parte do nº2 do art. 12º do CC, “Quando a lei dispõe sobre as condições de validade…formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos…” Em comentário a este preceito legal, sustentam os Profs. Pires de Lima e Antunes Varela[2] que “as condições de validade de um contrato (capacidade, vícios de consentimento, forma, etc)…têm de aferir-se pela lei vigente ao tempo em que o negócio foi celebrado…”

       Ou seja, a validade formal do sobredito e “novo” contrato de arrendamento tem de ser analisada à sombra do correspondente regime legal, então, em vigor. Que era o decorrente do preceituado no art. 7º do RAU (Regime do Arrendamento Urbano), aprovado pelo DL nº 321-B/90, de 15.10, e entrado em vigor em 15.11.90, e tendo-se, ainda, em conta, a nova redacção que lhe foi introduzida pelo DL nº 64-A/2000, de 22.04, porém sem relevante repercussão na abordagem e tratamento legal da questão que nos ocupa.

       Ora, nos termos do disposto no nº1 do citado art. 7º, em qualquer das suas mencionadas redacções, “O contrato de arrendamento urbano deve ser celebrado por escrito”. Dispondo-se no nº3 da sua originária redacção que, “No caso do nº1, a inobservância da forma escrita só pode ser suprida pela exibição do recibo de renda e determina a aplicação do regime de renda condicionada, sem que daí possa resultar aumento de renda”. Por seu turno, passou a dispor o nº2 do mesmo art., na redacção introduzida pelo mencionado DL nº 64-A/2000, que “A inobservância da forma escrita só pode ser suprida pela exibição do recibo de renda e determina a aplicação do regime de renda condicionada, sem que daí possa resultar aumento de renda”. Sendo, pois, coincidente, no essencial, a disciplina legal decorrente de ambos os normativos.

                                                     /

III - Perante o transcrito regime legal, dividiram-se os entendimentos acerca da natureza da formalidade consubstanciada na exigência de forma escrita para a celebração do contrato de arrendamento urbano aí previsto: enquanto uns[3] a qualificaram como formalidade “ad substantiam”, outros[4] quedaram-se por considerá-la mera formalidade “ad probationem”.

       Sem que pretenda tomar-se posição definitiva em tal controvérsia, afigura-se-nos que, dada a consequência cominada na lei (nulidade do contrato, ainda que susceptível de convalidação através de ulterior exibição do recibo de renda) para a inobservância da forma legal prescrita e visto o preceituado nos arts. 219º, 220º e 364º, nº1, todos do CC, a sobredita formalidade deve ser considerada “ad substantiam”, tanto mais que tem de entender-se que do correspondente comando legal não resulta claramente que o documento escrito é exigido apenas para prova da declaração (art. 364º, nº2, do CC)[5].

      Porém, independentemente da posição que se tome em tal controvérsia, o facto é que, mesmo que se considere tal formalidade como meramente “ad probationem”, a respectiva falta não pode ser suprida através da produção de correspondente prova testemunhal, como bem observam os recorrentes. Tão só poderia ser suprida por exibição de recibo de renda, conforme expressa previsão legal, ou “por confissão expressa, judicial ou extrajudicial, contanto que, neste último caso, a confissão conste de documento de igual ou superior valor probatório” (art. 364º, nº2, do CC). O que não é, patentemente, o caso dos extractos de transferências bancárias constantes dos autos, os quais, para além de não poderem, de modo algum, ser considerados como consubstanciadores da sobredita confissão, emanam, unilateralmente, da R., podendo, além disso, reportar-se, em si considerados, a diferentes realidades.[6]

                                                      /

IV - Ora, a factualidade acolhida em 11 a 14 de 2 supra, porque decorrente, exclusivamente, da produção de prova testemunhal (como se extrai do teor de fls. 142), é desprovida de qualquer relevância, tendo a mesma de ser havida por não provada, nos termos conjugados do preceituado nos arts. 674º, nº3 e 682º, nº2, ambos do CPC, uma vez que traduz ofensa de disposição expressa de lei que exige a espécie de prova mencionada em III antecedente para a existência do facto que tal prova testemunhal habilitou a ter como integrado, ou seja, a celebração e existência de um novo contrato de arrendamento.

     E, inexistindo este e reconhecido o direito de propriedade dos recorrentes sobre o prédio, está a recorrida obrigada a restituí-lo àqueles, uma vez que não logrou a mesma provar a verificação de qualquer outro caso previsto na lei e que justifique a recusa de tal restituição (Cfr. art. 1311º, nº2, do CC).

                                                     *

5 - Face ao expendido em 4 antecedente, é óbvio que a A. não incorreu em qualquer abuso de direito ao instaurar a presente acção, na qualidade de proprietária do prédio reivindicado, relativamente ao qual a R. não dispõe de qualquer título que legitime a recusa da respectiva restituição, o que não ocorreu, anteriormente, tão só porque a A., usando de tolerância perante a R., não tomou a iniciativa de a instaurar, no mero uso das faculdades de uso e fruição que, na qualidade de respectiva proprietária, lhe são conferidas pelo art. 1305º do CC.

      De resto, sem prejuízo dos direitos adquiridos por usucapião - o que, aqui, irreleva -, a acção de reivindicação não prescreve pelo decurso do tempo, como preceituado no art. 1313º daquele Cod., aliás em perfeita harmonia com o disposto no art. 298º, nº3 do mesmo Cod., em matéria de não extinção do direito de propriedade por prescrição e pelo não uso, salvo, neste último caso, o preceituado no art. 1397º, como anotam os Profs. Pires de Lima e Antunes Varela[7].

       Aliás, para além da inverificação, “in casu”, da previsão constante do art. 334º do CC, em qualquer das suas modalidades - atente-se em que a R. nem sequer reside no prédio reivindicado, mas, sim, em ..., sendo este habitado por uma bisneta -, constituiria um verdadeiro contra-senso que a lei, na ausência de qualquer restritiva vinculação contratual, vedasse ao proprietário o que faculta ao senhorio - vinculado pelo contrato de arrendamento perante o respectivo locatário/inquilino -, nos termos conjugados do preceituado nos arts. 1083º, nº/s 1 e 2 e 1085º, nº2, ambos do CC, na redacção advinda do art. 3º da Lei nº 6/2006, de 27.02 - NLAU (Nova Lei do Arrendamento Urbano).

                                                      *

6 - Se bem interpretamos as doutas alegações e conclusões que as encimam, os recorrentes não impugnam, na presente revista, a absolvição da R. da condenação no pagamento de indemnização à A., que havia sido decretada na 1ª instância, sob a al. c) do segmento decisório da sentença.

       Daí que, em homenagem ao preceituado no art. 635º, nº5, do CPC, se mantenha intocada tal absolvição.

                                                      *

7 - Na decorrência do exposto, acorda-se em conceder a revista, repristinando-se, com a aduzida fundamentação e com excepção do constante da al. c) do respectivo segmento decisório - de que se mantém a absolvição da R., decretada no acórdão recorrido -, a sentença proferida na 1ª instância.

      As custas da revista serão suportadas pela R., sendo as das instâncias suportadas por ambas as partes, na proporção de 2/3 pela R. e de 1/3 pelos habilitados AA.

                                                      /

                                          Lx       02/06 /2015     /  

Fernandes do Vale (Relator)

Ana Paula Boularot

Pinto de Almeida

__________________
[1]  Relator: Fernandes do Vale (16/15)
   Ex. mos Adjuntos
   Cons. Ana Paula Boularot
   Cons. Pinto de Almeida
[2]  In “CC Anotado”, Vol. I, 4ª Ed., pags. 61.
[3] Designadamente, Pinto Furtado (in “Manual do Arrendamento Urbano”, Vol. I, 4ª Ed. Actualizada, pags. 450 a 455), Profs. Pires de Lima e Antunes Varela (é o que parece depreender-se de pags. 498/499 do seu “CC Anotado”, Vol. II, 4ª Ed.) e Januário Gomes, in “Arrendamento para Habitação”, Almedina, Coimbra, 1996, 2ª Ed., pags.62).
[4] Designadamente, Aragão Seia (in “Arrendamento Urbano”, Anotado e Comentado, 3ª Ed., pags. 143/145 e, no domínio da legislação anterior, se bem pensamos e perante um regime similar, Isidro de Matos (in “Arrendamento e Aluguer”, 1968, pags. 219/222), José Gualberto (in “Rev. Trib.”, 94º, pags. 100), Pereira Coelho (in “Arrendamento”, 1977, pags. 106 e 1984, pags. 114) e Pais de Sousa (in “Extinção do Arrendamento Urbano”, 1980. pags. 49 e 1985, 2ª Ed., pags. 53/54).
[5]  Sobre esta temática, cfr., designadamente, Prof. Mota Pinto (in “Teoria Geral do Direito Civil”, 1976, pags. 344/345), Prof. Pais de Vasconcelos (in “Teoria Geral do Direito Civil”, 2012, 7ª Ed., pags. 606/607) e Profs. Pires de Lima e Antunes Varela (in “CC Anotado”, Vol. I, 4ª Ed., pags. 322/323).
[6]  Cfr., com interesse nesta temática, os Acs. da Relação do Porto, de 31.05.01 e de 29.05.03, ambos acessíveis em www.dgsi.pt, sendo o primeiro relatado pelo, ora, 2º Adjunto que, nesta mesma qualidade, interveio no segundo.
[7]  In “CC Anotado”, Vol. III, 2ª Ed., pags. 117.