Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
04S338
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: FERREIRA NETO
Descritores: CADUCIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO
REFORMA
INVALIDEZ
Nº do Documento: SJ200403240003384
Data do Acordão: 03/24/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 3246/03
Data: 07/09/2003
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : A reforma por invalidez só opera a caducidade do contrato de trabalho a partir do momento em que ambas as partes - empregador e trabalhador - têm conhecimento daquela.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

"A" intentou a presente acção declarativa emergente de contrato individual de trabalho contra "B, Lda.", alegando, em síntese, o seguinte:
Foi admitido ao serviço da "C, Lda.", em 1 de Agosto de 1958, para desempenhar as funções de paquete, evoluindo na sua situação profissional até atingir a categoria de vendedor de automóveis.
Em 1981, aceitou ser transferido para a ora Ré, empresa esta que pertencia ao Grupo "C, Lda.", sendo-lhe garantida a manutenção de todos os direitos adquiridos e todas as regalias sociais que auferia na "C, Lda.".
Ultimamente, prestava a sua actividade profissional de vendedor de automóveis nas instalações da Ré, sitas na Rua Bica do Sapato, ..., em Lisboa. Em 24 de Março de 1998 foi-lhe entregue em mão uma carta da Ré, informando-o que a partir de 26 de Março se deveria apresentar nas novas instalações da Ré na Avenida Eng. Adelino Amaro da Costa, nº. ..., junto ao Hotel Cidadela, em Cascais, e que deixaria de angariar vendas de veículos novos de marca Ford para transaccionar veículos usados de todas as marcas.
Em 25 de Março de 1998, respondeu à carta da Ré, pedindo para se pronunciar na semana seguinte, porquanto pretendia antes aconselhar-se com o seu advogado e este encontrava-se ausente.
Com data de 26 de Março, mas recebida a 30, a Ré comunica-lhe por carta que estava a faltar no seu novo posto de trabalho, com todas as consequências legais.
A Ré procedeu ao desconto na sua remuneração do mês de Março de 1998 da importância de 10.142$00, correspondente aos dias em que o Autor não se apresentou no novo local de trabalho.
A Ré, tentando justificar a sua transferência, encerrou as instalações da Bica do Sapato, mas reabriu-as logo a seguir.
Em consequência da transferência o Autor teve que suportar um acréscimo de despesas com a sua alimentação, do que deu conhecimento à Ré, sendo-lhe devida a importância de 500$00 diários - nos dias úteis - desde 30 de Março de 1998 até 3 de Junho de 1998, altura em que entrou de baixa por doença, num total de 22.000$00.
A Ré nunca lhe completou o subsídio de baixa por doença, como era seu direito, reclamando a esse título a quantia de 324.576$00.
Em 20.4.99 procedeu à rescisão do contrato de trabalho que o ligava à Ré, com invocação de justa causa.
A Ré recusou-se a receber esta carta, pelo que se viu forçado a remetê-la por fax, no que gastou 1.350$00, que reclama.
Na data em que entrou de baixa ainda não lhe tinha sido pago o subsídio de férias nem a remuneração do tempo de férias, assim como não lhe estavam pagas as importâncias proporcionais ao tempo de trabalho prestado no ano de 1998, até 3 de Junho, de férias, subsídio de férias e de subsídio de Natal, num total de 249.050$00.
Pede, consequentemente, que a Ré seja condenada a pagar-lhe as seguintes importâncias:
22.000$00, referentes ao acréscimo de despesas com o almoço, no período compreendido entre 30 de Março e 3 de Junho de 1998;
324.576$00, respeitantes ao complemento de subsídio de doença em dívida durante os 322 dias em que esteve de baixa;
249.050$00, relativos a férias e subsídio de férias vencidas em 1 de Janeiro de 1998, bem como as férias e subsídio de férias respeitantes ao tempo de trabalho que prestou à Ré no ano de 1998, até entrar de baixa por doença;
1.350$00, referentes ao custo da remessa por fax da carta de rescisão;
10.142$00 que lhe foram descontado ilegitimamente na retribuição do mês de Março de 1998;
3.603.900$00 de indemnização por rescisão unilateral do contrato de trabalho com justa causa.

A Ré contestou, invocando, em primeiro lugar, a prescrição dos créditos reclamados.
A tal respeito aduziu o seguinte:
O Autor passou à situação de pensionista por invalidez a partir de 30.10.98, altura em que o contrato cessou por caducidade. Dado que a acção só foi interposta no ano de 2000, já tinha decorrido o prazo do art. 38º, nº. 1, do Dec. Lei nº. 49408 para o Autor reclamar os seus créditos.
O facto de apenas ter tomado conhecimento da passagem do A. à situação de reforma em Julho de 1999, em nada altera o que ficou dito.
O Autor quando rescindiu o contrato de trabalho já tinha conhecimento de que lhe havia sido concedida a reforma por invalidez, sabendo assim que a relação laboral estava finda, conquanto a Ré o desconhecesse.
Não pode assim o Autor tirar quaisquer vantagens jurídicas de um comportamento seu que é reprovável ao abrigo dos princípios da boa-fé e da proibição de "venire contra factum proprium".
E quanto aos demais créditos reclamados pelo A., disse a Ré:
Quanto ao subsídio de doença - tal benefício foi abolido através do regulamento interno de que deu difusão geral em 3.11.93. Nos 30 dias seguintes ao da publicação do regulamento não houve qualquer reacção por parte dos trabalhadores, nomeadamente por parte do A.. Mesmo que assim não se entendesse, o Autor apenas poderia receber entre 6.6.98 a 30.10.98, data em que o contrato cessou com a reforma do A..
Faltas ocorridas em Março de 1998 - o Autor não tem razão, porque logo no dia 26 de Março de 1998 lhe foi comunicado oralmente que se não se apresentasse incorreria em faltas injustificadas.
Subsídio de férias e remuneração de férias relativas ao trabalho prestado em 1997 e vencidas em 1998 - a Ré não nega que o Autor tem direito a receber estes créditos. Porém, deveria ter solicitado o seu pagamento à Ré, dado que se encontrava de baixa, como é a prática nestes casos.
Não lhe assiste direito aos proporcionais entre o dia 1 de Janeiro de 1998 e a data em que entrou de baixa, não existindo qualquer preceito legal nesse sentido.
O Autor desde sempre se mostrou pouco colaborador, tendo-se tornado voluntariamente no seu pior vendedor, como ficou provado na acção que correu seus termos na 3ª secção do 5º Juízo do Tribunal do Trabalho de Lisboa.
Quanto aos motivos constantes na carta em que o Autor rescinde o contrato de trabalho:
O complemento do subsídio de doença não é devido;
O subsídio de Natal e o impresso para a Segurança Social já tinham sido reconhecidos como sendo devidos ao A. na sua carta de 16.4 e foram até entregues ao mesmo antes de este ter apresentado a carta de demissão;
Quanto às condições de transferência é o próprio que reconhece que as mesmas não são suficientemente gravosas para o levarem a despedir-se.
Acresce que a invocação desta factualidade é extemporânea, tendo já caducado nos termos do art. 34º, nº. 2, do Dec. Lei nº. 64-A/89.
Quanto ao ponto nº. 5, os motivos nele invocados são falsos, como desde logo o demonstra a circunstância da Ré ter recebido as prorrogações das baixas médicas.
Finalmente invoca a compensação, caso se entenda que o contrato não se extinguiu em 30.10.98 por caducidade, tendo então cessado por rescisão sem justa causa, sem prévio aviso legal.
O Autor respondeu às excepções, mantendo a posição assumida na petição inicial.
Após audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente por provada e condenou a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 19.398,99 (3.889.149$00).
A Ré interpôs então recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, que o julgou improcedente.
Inconformada a mesma, recorre ainda de revista, extraindo as seguintes conclusões nas alegações que apresentou:
"A) O douto acórdão recorrido fez uma interpretação das normas aplicáveis que, com o devido respeito, no entender da Recorrente não é correcta.
B) Não se deveria ter considerado improcedente a excepção da prescrição por o contrato que vinculou as partes não ter caducado em 30.10.98, data em que o ora Recorrido requereu a sua reforma por invalidez.
C) A equiparação legal entre reforma por velhice e reforma por invalidez é uma imprecisão terminológica lamentável, porque desnecessária, pois no sistema normativo da Segurança Social, o conceito de reforma restringe-se à reforma por velhice; e a situação de invalidez já é susceptível de activar a caducidade por via da impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar trabalho.
D) Esta é inquestionavelmente a situação que ocorreu com o ora Recorrido pois que o mesmo entrou em situação de Baixa em 03.06.98 até 23.04.99.
E) As entidades competentes para o efeito consideraram que o Recorrido se encontrava hincapaz definitivamente para o exercício da sua profissão desde 30.10.98.
F) O Recorrido encontrava-se, de facto, impossibilitado absoluta e definitivamente de prestar trabalho, desde 30.10.98,
G) O que determinou então a caducidade do contrato de trabalho existente entre a ora Recorrente e o Recorrido com efeitos a partir da data da ocorrência do evento determinante, ou seja, a aludida impossibilidade de prestar trabalho de forma absoluta e definitiva.
H) Tendo caducado o contrato em 30.10.98 e tendo o Recorrido interposto acção judicial apenas no ano de 2000, encontram-se extintos por prescrição todos e quaisquer direitos e créditos que o Recorrido hipoteticamente pudesse ter sobre a Recorrente, nada sendo pois devido por esta àquele.
I) Não pode merecer acolhimento a tese segundo a qual a caducidade apenas poderia operar quando a situação de reforma por invalidez fosse conhecida pela ora Recorrente e que levaria à consideração de que não se verificaria a prescrição.
J) Esse não é o espírito da lei e do legislador (Decreto-Lei nº. 64-A/89 de 27 de Fevereiro) porquanto em tal reformulação da matéria da cessação dos contratos de trabalho, foi eliminada a disposição contida no nº. 2 do art. 8º da anterior legislação que regulava a matéria (Decreto-Lei nº. 372-A/75 de 16 de Julho) na qual se estatuía que só se verificava a impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho ou de a empresa o receber, quando ambos os contraentes a conhecessem ou devessem conhecer.
K) Não se verificou justa causa para o Recorrido rescindir o seu contrato de trabalho.
L) Dos motivos invocados pelo Recorrido como integradores de justa causa para rescindir o seu contrato de trabalho, no douto acórdão apenas um foi considerado procedente por si só.
M) A Recorrente não procedeu com culpa ao não efectuar o pagamento do subsídio de doença ao Recorrido em 1998 pois que, nos termos do comunicado de 1993 referido supra, aboliu o pagamento dos complementos de subsídio de doença aos seus trabalhadores, liberalidade essa que havia sido concedida sem que tal lhe fosse imposto por qualquer forma.
N) Em 1993, perante o teor de tal comunicado, nem o Recorrido, nem qualquer outro trabalhador se manifestaram acerca do seu conteúdo, opondo-se a tal abolição nos trinta dias seguintes à sua publicitação, pelo que a abolição do complemento do subsídio de doença deixou de ser devido a partir de tal data.
O) O não pagamento do subsídio de doença - admitindo que era devido - não foi grave nem afectou o Recorrido ao ponto de durante quase um ano dele não ter reclamado, apesar de ter tido essa possibilidade nas cartas em que reclamou o subsídio de Natal, e de só o ter feito pela primeira vez 6 dias antes de ter rescindido o contrato.
P) No momento em que o Recorrido rescindiu o seu contrato de trabalho, invocando como justa causa para tal, entre outros, o não pagamento pontual do subsídio de Natal de 1998, já tal pagamento tinha sido efectuado.
Q) À data em que o Subsídio de Natal de 1998 deveria ter sido pago, o Recorrido encontrava-se em situação de baixa desde 03.06.98, não se encontrando naturalmente a Recorrente a processar e pagar quaisquer montantes ao Recorrido, razão esta pela qual se verificou o lapso alegado de tal subsídio não ter sido pago - como devia - em Dezembro de 1998.
R) Não se verificou, por parte da ora Recorrente, qualquer comportamento culposo ao não ter procedido ao pagamento do Subsídio de Natal de 1998 ao Recorrido até 15 de Dezembro desse ano.
S) A apreciação da justa causa nestes casos deve ser efectuada em termos idênticos àqueles em que é apreciada a justa causa para despedimento promovido pela entidade empregadora.
T) Nos casos em que o trabalhador - como o Recorrido - rescinde o contrato de trabalho com invocação de justa causa, para além da existência dos elementos objectivo (factos violadores dos direitos do trabalhador) e subjectivo (imputação da violação a culpa da entidade empregadora), torna-se imprescindível que em virtude do comportamento desta se torne impossível prática e imediatamente a subsistência da relação laboral existente entre as partes.
U) Entendimento que é perfilhado na Jurisprudência.
V) À data da invocação de tais motivos por parte do Recorrido, este não só já havia requerido a sua passagem à reforma, como igualmente já estava em condições de saber - ou saberia efectivamente - que a sua incapacidade de reforma por invalidez já havia sido objecto de despacho favorável.
W) Qualquer dos referidos comportamentos da ora Recorrente não tornavam prática e imediatamente impossível a subsistência do contrato de trabalho do Recorrido (tanto mais que o mesmo havia já caducado), pelo que este não tinha justa causa para - como fez - rescindir o seu contrato de trabalho.
X) Não tendo assim o Recorrido direito a qualquer indemnização por esse facto.

Nestes termos,
e nos mais de Direito que V.Exas. mui doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser o Acórdão recorrido revogado por outro que julgue procedente a excepção peremptória da prescrição e assim absolva a ora Recorrente do pedido ou, caso assim não se entenda, ser de igual modo o Acórdão recorrido revogado por outro que julgue improcedentes os motivos invocados pelo Recorrido para a rescisão do contrato de trabalho e, como tal, absolva a ora Recorrente dos pedidos, assim se fazendo Justiça."

O Autor contra-alegou, defendendo que deve ser negada a revista.
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto, no seu parecer, sustenta que a revista deve ser parcialmente concedida, não se afirmando a justa causa para a rescisão.
Notificado o mesmo, não houve resposta.
Correram os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.

Vem dada como provada a seguinte matéria de facto:
"1. O Autor foi admitido ao serviço da "C, Lda.", em 1 de Agosto de 1958 para desempenhar as funções de paquete, evoluindo na sua situação profissional até atingir a categoria profissional de vendedor de automóveis.
2. Em 1981, aceitou ser transferido para a ora R., empresa que pertencia ao denominado grupo "C, Lda.", sendo-lhe garantida a manutenção de todos os direitos adquiridos e todas as regalias sociais que auferia até então, nos termos do documento de fls. 21 e 22, cujo teor dou aqui por reproduzido.
3. No referido documento diz-se, nomeadamente "... o Conselho de Gerência entendeu de vir por este meio assegurar formalmente a todos os Empregados que, ao serem integrados nas novas Empresas ou Unidades, não perderão quaisquer direitos adquiridos nem regalias sociais de que actualmente dispõem na "C, Lda.", designadamente no que toca a categoria profissional, remuneração, antiguidade, direito à reforma e ao subsídio de reforma, subsídio de doença, outros subsídios e benefícios que a "C, Lda." concede (e nos termos em que os concede) ..."
4. O subsídio de doença consistia em a entidade patronal complementar o valor da prestação da segurança social até à importância da retribuição base líquida do trabalhador, em caso de baixa por doença devidamente comprovada pelos Serviços da Segurança Social, sem qualquer limite temporal.
5. A R. dedica-se à actividade de comércio e reparação de viaturas automóveis.
6. O Autor quando foi transferido para a R. encontrava-se a prestar a sua actividade profissional de vendedor de automóveis nas instalações da Av. da República, nº. ..., em Lisboa.
7. Posteriormente, foi transferido pela R. no interesse desta, para as suas instalações sitas na Rua Bica do Sapato, nº. ..., em Lisboa.
8. Em 24 de Março de 1998, foi-lhe entregue em mão uma carta da R. onde o informava que a partir de 26 de Março de 1998 se deveria apresentar nas novas instalações da R., sitas na Av. Eng. Adelino Amaro da Costa, nº. ..., junto ao Hotel Cidadela, em Cascais, nos termos do documento de fls. 23, cujo teor dou aqui por reproduzido.
9. À carta de fls. 23, respondeu o Autor à R. pela carta de fls. 24, entregue em 25.03.98, cujo teor dou aqui por reproduzido.
10. A R. remeteu ao Autor a carta de fls. 25, cujo teor dou aqui por reproduzido, datada de 26.03.98, mas recebida pelo A. em 30.03.98, onde informa o Autor que "está faltando ao serviço no posto de trabalho da "B, Lda.", que lhe indicámos, com todas as consequências legais dessa sua decisão".
11. No dia 25 de Março de 1998, de tarde, a R. encerrou as instalações sitas na Bica do Sapato.
12. O Autor permaneceu à porta das instalações, acompanhado por D, igualmente trabalhador da R..
13. O Autor permaneceu à porta das instalações da Bica do Sapato nos dias 26 e 27.
14. A R. procedeu ao desconto da importância de 10.142$00 na remuneração do mês de Março de 1998, a título de falta injustificada, nos termos do doc. de fls. 26, cujo teor dou aqui por reproduzido.
15. No dia 30 de Março de 1998, após ter recebido a carta da R. datada de 26.03, o Autor apresentou-se de tarde nas instalações de Cascais.
16. Em Cascais, não estava colocado outro trabalhador da R., além do Autor.
17. Em Cascais, o Autor apenas podia vender viaturas usadas, dado que a venda de viaturas novas da marca comercializada pela R. nessa área estava atribuída a outra empresa.
18. No dia 30 de Março de 1998, o Autor remeteu por fax uma comunicação à R., junta a fls. 27, cujo teor dou aqui por reproduzido.
19. O Autor não pode enviar o fax do escritório existente junto ao stand onde trabalhava, por a R. não permitir a utilização de meios da empresa - faxes e telefones - para fins não profissionais.
20. As instalações na Rua Bica do Sapato foram reabertas pela R., após o decurso de alguns meses (não mais de 3 ou 4) sobre o seu encerramento.
21. Em 16 de Abril de 1998, o Autor remeteu à R. a carta de fls. 28 a 30, cujo teor dou aqui por reproduzido, à qual a R. respondeu por carta de fls. 31 e 32, cujo teor dou aqui por reproduzido.
22. O Autor quando se encontrava colocado nas instalações da R. na Bica do Sapato comia normalmente com os colegas num Restaurante onde lhe fora estabelecido um preço especial de 1.000$00 por refeição, incluindo sopa, um prato de peixe ou de carne, vinho, pão, sobremesa e café.
23. O Autor pagou em Cascais, quando se encontrava a prestar trabalho para a R., por 6 refeições em restaurantes, importâncias que oscilaram entre 1.530$00 e 1.710$00.
24. Em Cascais, nas instalações onde o Autor foi colocado a trabalhar, não se encontrava afixado o seu horário de trabalho, nem o mapa de férias.
25. O Autor remeteu à R. uma carta em 28.05.1998, junta a fls. 40, recebida em mão pelo Sr. Eng. E onde invoca que não está afixado o mapa do seu horário de trabalho, nem está afixado o mapa de férias a gozar em 1998 e que nessa data apresentou queixa na Inspecção de Trabalho.
26. Em 29 de Maio foram entregues ao Autor o mapa de férias e o horário de trabalho para serem afixados, o que o Autor cumpriu.
27. O horário de trabalho do A. foi entregue no IDICT em 29.05.98, estando datado de 31.03.98.
28. O Autor entrou de baixa por doença em 3.06.98.
29. A R. não complementou ao Autor o subsídio de doença pago pela Segurança Social.
30. O subsídio de doença pago pela Segurança Social ao A. tinha o valor diário de 1.873$00, correspondendo a 65% do valor da retribuição média diária do A. no valor de 2.881$00.
31. O Autor esteve de baixa por doença até pelo menos 23.04.1999.
32. O Autor não gozou férias em 1998 nem a R. lhe pagou qualquer quantia a título de remuneração de férias, nem subsídio de férias.
33. No dia 20.04.1999, o Autor pretendeu entregar aos empregados da R. F e G a carta em que procedia à rescisão do seu contrato de trabalho, os quais recusaram a sua recepção, alegando ser ordens da R..
34. O Autor, face a tal recusa, remeteu, dirigida à Gerência da R. e à Administração da "H, S.A." a carta de fls. 62 e 65, cujo teor dou aqui por reproduzido, por fax, em 20.04.99, no que despendeu 1.350$00, procedendo à rescisão do contrato de trabalho com invocação de justa causa.
35. Em Dezembro de 1998, a R. não recebeu uma carta dirigida pelo A. e entregue por este em mão a um colega, a fim de a entregar à R..
36. O Autor remeteu, registada com AR, a carta junta a fls. 56, dirigida ao Exmo. Senhor Sr. I, na qualidade de gerente da "B, Lda." para a morada sita na Rua Alves Redol, ..., a que se refere o impresso de fls. 57 e que veio devolvida com a indicação de "não reclamada".
37. Ultimamente o Autor auferia a retribuição mensal de 87.900$00.
38. A R. pagou ao Autor a parte que lhe incumbia relativa ao Subsídio de Natal de 1998, em 20.04.1999, tendo-lhe, na mesma data, entregue o impresso necessário para o Autor requerer junto da Segurança Social a parte do subsídio de Natal não suportada pela R..
39. Tal pagamento foi efectuado quando o Autor se dirigiu às instalações da R. para entregar a carta de rescisão.
40. A R. remeteu ao Autor a carta de fls. 48 que este recebeu a 19.04.99, onde declara, nomeadamente, que "em resposta ao vosso fax de 14.04.99, informamos que por lapso efectivamente não lhe foi pago o subsídio de Natal/98,
41. Assim, agradecemos que no próximo dia 20.04.99, às 16 horas, compareça nas instalações da "B, Lda." na Rua Alves Redol, ..., a fim de receber o Subsídio de Natal assim como o Requerimento de Prestações Compensatórias, para entregar na Segurança Social".
42. O Autor, entregou em 30.10.98 no Centro Nacional de Pensões, o requerimento de atribuição de pensão por invalidez, junto a fls. 156 e 157.
43. A Comissão de Verificação de Incapacidades Permanentes deliberou em reunião realizada em 22.02.99 considerar o Autor incapaz definitivamente para a sua profissão, devendo a invalidez ser considerada a partir de 30.10.98.
44. Por despacho de 6.04.99 foi deferida a pensão requerida pelo A. com início em 30.10.98.
45. Em Julho de 1999 a Caixa Nacional de Pensões processou ao Autor o pagamento das pensões devidas desde 30.10.98.
46. Por comunicação interna datada de 93.11.03, junta a fls. 144, a R. comunicou aos trabalhadores que "em virtude da tentativa de uniformização entre as normas da "B, Lda." e da "H, S.A.", deixarão de ser pagos os Complementos de baixa que até à data se praticavam. Assim, todos os trabalhadores que ficarem de baixa apenas receberão o valor correspondente ao pagamento da Caixa de Previdência, ou do Seguro de Acidentes de Trabalho.
47. O Autor intentou contra a R. a acção nº. 377/97 que correu termos na 3ª secção do 5º Juízo do Tribunal de Trabalho de Lisboa e na qual foi proferida a sentença junta a fls. 117 a 132.
48. Por causa das relações entre o Autor e a R. se encontrarem conflituosas, a R. deu ordens aos seus trabalhadores para não receberem, pelo menos, correspondência entregue em mão pelo Autor."

Conhecendo de direito.
Neste recurso de revista a Ré/Recorrente repete, no essencial, os argumento que já havia utilizado no recurso de apelação, extraindo também conclusões idênticas nas alegações.
Por isso, e porque a decisão havida na Relação, como os respectivos fundamentos, desenvolvidos, aliás, merecem a nossa concordância, para eles remetemos nos termos do disposto nos arts. 726º e 713º, nº. 5. do CPC.
Em todo o caso não deixaremos, ainda assim, de vincar os traços mais marcantes do diferendo.
Prossigamos então.
Duas são as questões levantadas no recurso:
a prescrição dos créditos reclamados pelo Autor, por uma banda, e a verificação da justa causa para a rescisão e direito à indemnização respectiva, por outro lado.

Comecemos pela questão da prescrição, que se prende com a caducidade do contrato de trabalho.
Diz o art. 4º, nº. 1, al. b), da LCCT, que o contrato de trabalho caduca nos termos gerais de direito, "verificando-se a impossibilidade superveniente absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho ...".
E a alínea c) logo acrescenta que tal acontece, também, "com a reforma do trabalhador por velhice ou invalidez".
Segundo a matéria de facto alcançada, o Autor entregou em 30.10.98 no Centro Nacional de Pensões o requerimento para a atribuição da pensão de invalidez.
A Comissão de Verificação de Incapacidades Permanentes deliberou, em reunião realizada em 22.2.99, considerar o Autor incapaz definitivamente para a sua profissão, devendo a invalidez ser considerada a partir de 30.10.98.
E por despacho de 6.4.99 foi deferida a atribuição da pensão.
Mas quanto à comunicação às partes daquela deliberação, a matéria de facto não é esclarecedora, sendo que tal ocorreu no que ao Autor respeita, ao menos em Julho de 1999, altura em que lhe foi paga a pensão concedida, e quanto à Ré, como lembra o acórdão recorrido, existe nos autos uma cópia do ofício da CNP datado de 26.6.99, a comunicar o deferimento da pensão de invalidez ao Autor.
E como diz Monteiro Fernandes, já citado nos autos, apesar da caducidade ser apresentada muitas vezes como a cessação automática do vínculo, tal não traduz, com rigor a realidade das coisas, pois que no processo conducente àquela, intervém sempre, de uma maneira ou de outra, um momento volitivo, que se exprime através de declarações ou manifestações com carácter para-negocial ("Direito do Trabalho", 11ª edição, págs. 509/510).
E no que à reforma por invalidez concerne, depois de se afirmar que a atribuição da pensão se inscreve numa relação bilateral, entre o trabalhador beneficiário e a instituição de segurança social, sustenta que a reforma só pode operar a caducidade do contrato a partir do momento em que a entidade empregadora a conheça (ob. citada, pág. 513).
E pese embora, da lei actual não constar expressamente, ao contrário do que acontecia com o sistema anterior (v. art. 8º, nº. 2, do Dec.-Lei nº. 372-A/75, de 16.7) que ambos os contraentes conheciam ou deviam conhecer a decretada reforma para a operância, num caso assim, da caducidade, não entendemos que tal deva servir para concluir que esses requisitos foram arredados, antes é mais natural reconhecer que, por se tratar de princípios gerais, não tinham que estar necessariamente inscritos na regulamentação do instituto.
Por isso, dentro deste contexto, havemos de assentar em que a Ré não demonstrou, como lhe competia, a alegada prescrição dos créditos invocados pelo Autor (v. art. 342º, nº. 2, do CC).
Na verdade, antes que comprovadamente ocorresse a caducidade do contrato de trabalho por incapacidade absoluta e definitiva do A., este fez operar a cessação do mesmo por alegada justa causa, ao fazer chegar às mãos da Ré, em 20.4.99, a carta a comunicar a intenção de rescindir o contrato.
Por isso não há prescrição alguma, pois que a presente acção foi intentada em 4.4.00, e isto pese embora a citação ter ocorrido apenas em 22.5.00 (v. art. 323º, nº. 2, do CC).

Segunda questão: justa causa para a rescisão.
Dois são os fundamentos relevantes que, para o efeito, vêm considerados - a falta de pagamento pontual do subsídio de Natal de 1998 e a falta de pagamento do complemento de subsídio de doença.
Relativamente a este segundo, mostra-se decidido, com trânsito em julgado, que o mesmo era devido.
Daí a subjacente ilicitude da conduta da Ré.
E a culpa, que aliás se presume (art. 799º, nº. 1, do CC), não se mostra ilidida, pois que para tanto não basta a mera emissão de um comunicado pela entidade patronal, abolindo tal complemento, na base de um alegado convencimento da correcção da atitude.
Quanto à falta de pagamento pontual do subsídio de Natal, não vem provado, ao contrário do afirmado, que tal se deveu a um mero lapso.
E as incidência a tal propósito relatadas no acórdão da Relação, nomeadamente cartas do Autor a reclamar a satisfação daquele, confirmam que o comportamento da Ré não pode deixar de ser havido como censurável.
Em concreto, a Ré só em 20.4.99 pagou o subsídio quando o devia ter feito em 15.12.98 (v. art. 2º, nº. 1, do Dec.-Lei nº. 88/96, de 3.6).
Mas justificarão todos estes factos a rescisão havida?
Por outras palavras: o comportamento culposo do empregador, pela sua gravidade e consequências, tornou imediata e praticamente impossível a subsistência relação de trabalho (v. arts. 9º, nº. 1, 12º, nº. 5, e 35º, nº. 1, alíneas a) e b) da LCCT)?
A resposta, como a das instâncias, será afirmativa.
Os factos valem, de alguma forma, numa cisão de conluio, mas aqui pesa decisivamente a circunstância de a Ré não ter, ao longo de 11 meses, pago o complemento do subsídio de doença, no contexto da enorme conflituidade entre as partes que, como diz o acórdão recorrido, "constitui seguramente para o trabalhador uma grave perturbação pelas dificuldade económicas que lhe causa, podendo ser entendido como uma forma grave de pressão no sentido de levar o trabalhador a fazer cessar a relação de trabalho ...".
E de evidenciar aqui é que o subsídio de doença pago pela Segurança Social ao Autor, tinha o valor diário de 1.873$00, correspondendo a 65% da retribuição média diária daquele, no valor de 2.881$00 (ponto 30º da matéria de facto), sendo que o complemento do subsídio de doença, a satisfazer pela entidade patronal, deveria perfazer o total do vencimento líquido.
Longe, muito longe mesmo, de ser desprezível nas circunstâncias do caso.
É certo que o subsídio de doença (complemento) só foi reconhecido na acção no período que vai de 3.6.98 a 30.10.98, por se ter entendido que não era cumulável com a pensão de invalidez.
Porém, naqueles 11 meses, cerca disso, o Autor ainda não tinha recebido qualquer pensão, nem sabia, tal como a Ré, por forma comprovada, se aquela viria a ser efectivamente, atribuída (aliás só em 22.2.99 foi deliberado considerar o Autor incapaz, sendo a pensão deferida em 6.4.99, conforme já se assinalou supra), razão por que então havia a estrita obrigação por parte da Ré, de pagar o dito complemento. Foi nesses momentos que o Autor sentiu na sua vida a falta de tais quantias, sofrendo com isso.
Em suma, deve dar-se por verificada a justa causa, fazendo jus à rescisão do contrato de trabalho, o que confere ao Autor o direito à indemnização consagrada no art. 36º, da LCCT.

Em tais termos, acorda-se em negar a revista, confirmando o acórdão impugnado.
Custas pela Recorrente.

Lisboa, 24 de Março de 2004
Ferreira Neto,
Fernandes Cadilha,
Mário Pereira.