Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
81/16.5T8VLG.P1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: FERREIRA PINTO
Descritores: TRÂNSITO EM JULGADO
CASO JULGADO MATERIAL
DESPEDIMENTO ILÍCITO
NOTA DE CULPA
EXCEÇÃO PERENTÓRIA
CADUCIDADE DA AÇÃO
Data do Acordão: 10/26/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDER A REVISTA, NÃO CONHECENDO DE PARTE DO OBJETO RESPETIVO
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO – CONTRATO DE TRABALHO / CONCESSÃO DO CONTRATO / CADUCIDADE.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – ARTICULADOS / CONTESTAÇÃO / EXEÇÕES – SENTENÇA / EFEITOS DA SENTENÇA – RECURSOS / APELAÇÃO / RECURSO DE REVISTA / REVISÃO.
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / DECLARAÇÃO / INTERPRETAÇÃO – DIREITO DAS SUCESSÕES / SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA.
Doutrina:
-António Júlio Cunha, Limites Subjetivos do caso Julgado, Quid Juris, 2010, 90.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGO 387.º, N.º 2.
CÓDIGO DE PROCESSO DO TRABALHO (CPT): - ARTIGOS 98.º-B A 98º-P.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 576.º, N.ºS 1 E 3, 608.º, N.º 2, 619.º, N.º 1, 621.º, 628.º, 665.º, N.º 2, 679.º, 696.º, 697.º, 698.º, 699.º, 700.º, 701.º E 702.º,
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 9.º, N.º 2, 236.º, N.º 1, 238.º, N.º 1 E 2187.º, N.º 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 05-05-2005, PROCESSO N.º 05B602, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 23-11-2005, PROCESSO N.º 4624/04;
- DE 15-09-2010, PROCESSO N.º 415/06.0TLSB.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
1. Todas as questões e exceções suscitadas e solucionadas, ainda que implicitamente, na sentença, e que funcionam como pressupostos necessários e fundamentadores da decisão final, incluem-se nos limites objetivos do caso julgado material.

2. Assim, reconhecer que a decisão está abrangida pelo caso julgado não significa que ela valha, com esse valor, por si mesma e independentemente dos respetivos fundamentos, pois não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo.

3. Uma sentença proferida numa ação declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, que absolve a Ré do pedido com a fundamentação de que “considera que o procedimento disciplinar não enferma da alegada ilicitude por falta de remessa da “Nota de Culpa” e ainda que assim se não entenda, então também há muito que estava ultrapassado o prazo de caducidade de 60 dias, previsto no artigo 387.º, n.º 2, do Código do Trabalho, para o Autor intentar a ação com processo especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, tal como bem alega a Ré”, resolve a questão da invalidade do procedimento disciplinar, com a consequente ilicitude do despedimento do Autor, bem como a questão da exceção da caducidade do direito a impugnar judicialmente o seu despedimento.

4. Tendo apenas sido interposto, pelo Autor, recurso de apelação restrito à questão da invalidade do procedimento disciplinar, por não entrega da Nota de Culpa, o mesmo não abrange a exceção perentória, julgada procedente, da caducidade da propositura da ação.

5. Transitada a sentença, nessa parte, está a causa solucionada com força de caso julgado material, pelo que o Supremo Tribunal de Justiça não pode apreciar o objeto do recurso de revista na parte relativa à ilicitude do despedimento com fundamento na não notificação da nota de culpa.
Decisão Texto Integral:


Processo n.º 81/16.5T8VLG.P1.S1 (Revista) – 4ª Secção[1]

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I

Introdução:

a. Da 1.ª instância:

AA instaurou, em 09 de janeiro de 2016, no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Valongo, Instância Central, 4ª Secção do Trabalho, J1, a presente ação declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra “BB – …, S. A.”, peticionando que a ação seja julgada procedente, por provada, e, consequentemente, a Ré condenada:

1) A reintegrá-lo no seu posto de trabalho, na mesma categoria profissional, vencimento e demais retribuições, no local e no desempenho das funções que exerceu até ao dia 05 de maio de 2015;

2) A pagar-lhe, a titulo de indemnização por danos morais, a quantia de € 12.500,00, acrescida de juros vincendos, contados desde a citação da ré, até efetivo e integral pagamento;

3) A pagar-lhe, a titulo de retribuições vencidas até 31/12/2015, a quantia de € 5.602,97, acrescida de juros vencidos e vincendos desde os respetivos vencimentos parciais, até efetivo e integral pagamento;

4) A pagar-lhe as retribuições, nas quais se integram prémios e demais direitos, vincendas até à efetiva e plena reintegração do autor no seu posto de trabalho;

5) A publicar um pedido de desculpas ao trabalhador e dar conhecimento efetivo do mesmo aos trabalhadores da ré.

6) A pagar custas, procuradoria e demais encargos processuais.

              Para o efeito, alegou, em síntese, que foi admitido ao serviço da ré, em fevereiro de 1982, tem a categoria profissional de caixeiro de 1ª classe e, no âmbito desta categoria, tem como funções, entre outras, as de rececionar mercadorias provenientes dos fornecedores, introduzindo as respetivas referências e quantidades no sistema informático, com vista à gestão dos stocks. 

             O Autor auferia, à data do despedimento, como retribuição mensal bruta a quantia de € 754,64, que a sua Administração lhe fixou, por comunicação feita em 25 de março de 2015, para o ano de 2015, com efeitos a partir de janeiro, acrescida do prémio de assiduidade, de valor correspondente a 10% do seu vencimento, ou seja, € 75,46 (€ 754,64 x 10%), quantia que sempre recebeu com regularidade.

             Em 05 de Maio de 2015, foi impedido de retomar as suas funções na Ré e, posteriormente, despedido ilicitamente, por não ter sido notificado de qualquer nota de culpa contra ele deduzida.

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Realizada a audiência de partes, frustrou-se a conciliação.

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Citada, a Ré contestou:

· Por exceção: invocando a caducidade do direito que o Autor tinha de impugnar o despedimento, por não ter usado meio processual próprio e por não o ter feito no prazo legal [artigos 98º-C, do CPT, e 387º, n.º 2, do CT];

· Por impugnação: impugnando os factos essenciais da causa de pedir, dizendo que rejeitava “a encenação alegada pelo A. nos artigos 6º a 142º, da petição inicial” que não passava de “uma alegação deturpada pelo “non sense” do procedimento do A.” e que omitia “por completo que foi suspenso no dia 5.5.2015, de manhã, as sucessivas recusas de receber as cartas que a R. lhe enviou, inclusive a carta de suspensão, que se recusou a receber em mão, e os esclarecimentos prestados ao seu procurador e as informações dadas pela ACT.”

Concluiu, pedindo que a ação devia improceder, que o depoimento de parte devia ser indeferido e que o Autor devia ser condenado como litigante de má-fé.

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O autor respondeu, alegando que “a manifesta falta de notificação da nota de culpa ao trabalhador, implica a impossibilidade de este exercer o seu direito de defesa, o que inquina de nulidade insuprível, a partir daí, o procedimento disciplinar instaurado pela ré” e terminou como na petição inicial.

Na audiência preliminar, foi proferido o despacho saneador e as partes acordaram quanto à matéria de facto.

b. Da sentença:

Posteriormente, foi proferida a seguinte decisão:

 

“Pelo exposto, julgo a presente ação totalmente improcedente por não provada, absolvendo a Ré da totalidade do pedido.

Absolvo o Autor do pedido de indemnização como litigante de má-fé requerido pela Ré.

Custas pelo Autor, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário de que goza.”

.

II

Da apelação:

O autor, não se conformando com tal decisão, interpôs recurso de apelação, apresentando as seguintes conclusões:

 
1) Vem o presente recurso interposto da sentença final proferida pelo Tribunal “a quo” que, em suma, julgou “(…) a presente ação totalmente improcedente por não provada absolvendo a Ré da totalidade do pedido”.
2) O tribunal “a quo” dá como provado, e bem, que:
Ø “J). Com data de 02 de junho de 2015, a Ré enviou ao Autor uma carta registada com Aviso de receção na qual declarava estar a organizar o processo disciplinar tendente ao seu despedimento juntando em anexo a Nota de Culpa elaborada, concedendo ao Autor o prazo de 10 dias úteis para responder por escrito e reiterando que continuava suspenso sem perda de remuneração, tendo essa carta sido enviada para o Autor para a morada Rua ..., …, …, ..., ... ....
Ø K). Essa carta foi devolvida à Ré com a menção de "retirou sem deixar novo endereço 03.06.2015”.
3) A referida carta teve o seguinte percurso nos CTT:
• foi registada a 02/06/2015;
• o Sr. Carteiro no dia seguinte (03/06/2015) mencionou o suprarreferido; e
• no dia 04/06/2015 a citada carta foi recebida (devolvida) nas instalações da Ré.
4) O tribunal “a quo” considerou que - “Ora, sendo essa a morada do Autor e tendo a carta sido enviada para o endereço correto, nada obrigava a Ré a tentar notificar novamente o Autor de um outro modo.”
5) A Nota de culpa consubstancia uma declaração receptícia que apenas produz efeitos a partir do momento em que entra no poder do destinatário ou dele é conhecida, nos termos gerais do artigo 224º, n.º 1, do Código Civil.
6) Incumbe ao emitente dessa declaração receptícia, in casu, à Ré, o ónus da prova de que a carta que continha a aludida declaração – A NOTA DE CULPA - não foi recebida por culpa do destinatário, conforme artigos 224, n.º 2, e 342º, n.º 1, do Código Civil.
7)  A Nota de culpa sendo uma declaração recipienda, como tal, ou seja, como declaração receptícia, a eficácia da comunicação do seu conteúdo dependerá, sempre, do conhecimento pelo destinatário.
8) Não tendo havido efetiva receção da declaração, pelo trabalhador, esta só pode ser considerada eficaz quando só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida, conforme 242º, n.º 2, do Código Civil, o que significa que, havendo culpa do declarante, de terceiro, caso fortuito ou de força maior, estará, então, afastada a aplicabilidade da norma.

      Pelo que,
9) haverá necessidade de demonstrar, em cada caso, que, sem ação ou omissão culposa do destinatário, a declaração teria sido recebida, não dispensando a concretização do regime um juízo cuidadoso sobre a culpa, por parte do declaratário, no atraso ou na não receção da declaração, demonstração essa que impende sobre a parte que tiver o ónus da interpelação.

Assim,
10) Não preenche tal ónus a mera indicação de devolução da carta, constando do envelope que «retirou sem deixar novo endereço», o que, para além do mais, como está demonstrado e adquirido nos presentes autos é falso.
11) A manifesta falta de notificação/conhecimento por parte do trabalhador da Nota de Culpa, pretensamente enviada pela R., na sua carta de 02 de junho de 2015, configura uma invalidade do procedimento disciplinar - cf. artigos 381º - c), e 382º nº. 2 – a), do CT (equivalente à nulidade insuprível prevista na alínea a), do n.º 1, do art.º 12º da LCCT/89);

Pelo que,
12) a posterior decisão proferida no procedimento disciplinar, encontra-se inquinada da referida invalidade do procedimento, o que só por si, deve levar a que, sem mais, seja declarada a ilicitude do despedimento, por invalidade do procedimento disciplinar.

          Terminou dizendo que, pelas razões por si invocadas, deve dar-se provimento ao recurso.

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A ré contra-alegou e apresentou as seguintes conclusões:


1º. O A./recorrente queixa-se de coarção [sic] de direito de defesa por não ter recebido a nota de culpa do processo disciplinar;
2º. Não tem razão, porque a nota de culpa não foi por ele recebida por culpa própria, já que foi enviada para a sua residência e nesse local foi dada informação errada ao carteiro de que tinha retirado para outro endereço;
3º. O A. também não recebeu a decisão de despedimento, por não a ter ido reclamar aos correios, dando-se a carta como recebida, ex vi legis (nº 7, in fine, do art.º 357º do CT).
4º. O A. não impugnou o despedimento, ato final do processo disciplinar e que verdadeiramente é o ato que em última análise o lesou e integrou todos os vícios que o processo disciplinar tivesse (e não tinha), concretamente a coarção [sic] do direito de defesa de que o A. se queixa.
5º. A presente ação é, pois, anómala e um meio processual impróprio e extemporâneo de o A. fazer valer os seus direitos, nomeadamente de impugnar o despedimento.

Finalizou dizendo que o recurso deve ser julgado improcedente.

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           Distribuídos os autos no Tribunal da Relação do Porto, por despacho do Relator de 30.01.2017, ordenou-se a sua remessa à 1ª instância, para se fixar o valor da causa.

          Fixado, em € 56.589,61, voltou o processo ao Tribunal da Relação.

           

            c. Do acórdão:

Por acórdão, proferido em 27.03.2017, julgou-se a apelação procedente e, em consequência, revogou-se a sentença recorrida, que por ele foi substituída, e condenou-se a Ré:


a. A reconhecer a ilicitude do despedimento do autor;
b. A reintegrá-lo no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade;
c. A pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão deste Tribunal de recurso, a liquidar em execução de sentença.

  Para o efeito, entendeu-se que “os factos provados [eram] insuficientes para concluir por uma culpa do autor/destinatário, menos ainda exclusiva […], para efeitos de se considerar eficaz a declaração nos termos do artigo 224.º n.º 2 do CC.
                Na insuficiência desses factos, não cumpre ao julgador optar por uma calibração dos factos existentes, em termos de deles fazer retirar a solução, substancialmente, mais justa, dado que não há o mínimo indício de prova de que o “carteiro” terá contactado com o autor, no dia 03 de junho de 2015, por qualquer meio.

           A partir daqui – do não recebimento, pelo autor, da nota de culpa – irreleva toda a restante tramitação do procedimento disciplinar, mormente, o não recebimento da decisão final, dada a sua invalidade ab initio.



III

            Da revista:

Irresignada ficou, agora, a Ré que interpôs recurso de revista.

Concluiu o seu recurso deste modo:

                 

1. O acórdão recorrido fez errada aplicação da lei, na medida em que não existe qualquer invalidade do processo disciplinar nem ilicitude do despedimento [artigos 381°, c) e 382°, n.º 2, a), do CT].

2. O A. não recebeu a nota de culpa porque, estando o A. suspenso preventivamente [F) e G)], na sua morada foi dada informação falsa ao carteiro de que tinha retirado sem deixar novo endereço [factos J) e K)], o que inviabilizou a entrega da carta e que fosse deixado o aviso postal para ir levantá-la ao estabelecimento postal.

3. Perante essa informação o carteiro fez devolver a carta, cumprindo o artigo 24°, n° 4, do Regulamento do Serviço Público de Correios.

4. O A. não recebeu a nota de culpa por culpa própria (artigo 224°, n° 2, do CC e artigo 357°, n° 7, do CT), pelo que a sentença de 1ª instância, nesta parte, é correta.

5. Mesmo que o despedimento fosse ilícito, por invalidade do processo disciplinar, não tendo o A. recorrido da sentença de 1ª instância na parte em que decidiu que mesmo que o despedimento fosse considerado ilícito, há muito estava ultrapassado o prazo de 60 dias do n.º 2, do artigo 387° do CT, para intentar a respetiva ação de impugnação, e em que decaiu, formou-se caso julgado (artigo 619°, n° 1, do CPC), que o acórdão recorrido ofende, pelo que a ação teria de improceder, de qualquer forma.

6. O A. não impugnou o despedimento, ato final do procedimento disciplinar e que aglutina todos os eventuais vícios desse processo, na forma processual própria do artigo 98°-C do CPT e no prazo do artigo 387° n.º 2, do CT, deixando caducar o direito de impugnação.

7. Na hipótese remota de a ação não improceder, e subsidiariamente, para o caso de se manter a ilicitude do despedimento, os salários de tramitação não podiam contar desde o despedimento, mas desde os 30 dias anteriores à data da entrada da ação [artigo 390°, n° 2, b), do CT] e sem prejuízo do disposto no artigo 98°-N, n.º 1, do CPT, que deveria ser atuado.

8. Também as custas da ação, em caso de procedência, teriam de ser na proporção do decaimento (e não totalmente a cargo da R.) – artigo 527° do CPC.

Finalizou, dizendo que o recurso deve ser julgado procedente, deve revogar-se o acórdão recorrido, repristinar-se a sentença de 1ª instância e julgar-se a ação totalmente improcedente ou, caso assim não se entenda, alterar-se o acórdão recorrido em conformidade com as conclusões 7ª e 8ª.

            O Autor contra-alegou, concluindo:

1. Vem o presente recurso interposto do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto que, em suma, decidiu:

- Reconhecer a ilicitude do despedimento do autor;

- Reintegrá-lo no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade;

- Pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão deste Tribunal de recurso, a liquidar em execução de sentença.

2. Encontra-se provado, nos autos, que:

- "J) – “Com data de 02 de junho de 2015, a Ré enviou ao Autor uma carta registada com Aviso de receção na qual declarava estar a organizar o processo disciplinar tendente ao seu despedimento juntando em anexo a Nota de Culpa elaborada, concedendo ao Autor o prazo de 10 dias úteis para responder por escrito e reiterando que continuava suspenso sem perda de remuneração, tendo essa carta sido enviada para o Autor para a morada Rua ..., …, R/C, ..., ... ...”;

- K) – “Essa carta foi devolvida à Ré com a menção de "retirou sem deixar novo endereço 03-06-2015" tendo sido recebida peia Ré no dia 04 de junho de 2015."

3. A referida carta teve o seguinte percurso nos CTT

- Foi registada a 02/06/2015;

- O Sr. Carteiro no dia seguinte (03/06/2015) mencionou o suprarreferido; e

- No dia 04/06/2015 a citada carta foi recebida (devolvida) nas instalações da Ré.

4. A Nota de culpa consubstancia uma declaração recepíticia que apenas produz efeitos a partir do momento em que entra no poder do destinatário ou dele é conhecida, nos termos gerais do artigo 224°, n.º 1 do Código Civil.

5. Incumbe ao emitente dessa declaração receptícia, in casu, à Ré, o ónus da prova de que a carta que continha a aludida declaração - A NOTA DE CULPA - não foi recebida por culpa do destinatário, conforme artigos 224°, n.º 2 e 342°, n.º 1 do Código Civil.

6. A Nota de culpa uma declaração recipienda, como tal, ou seja, como declaração receptícia, a eficácia da comunicação do seu conteúdo dependerá, sempre, do conhecimento pelo destinatário.

7. Não tendo havido efetiva receção da declaração, pelo trabalhador, esta só pode ser considerada eficaz quando só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida, conforme 242°, n.º 2 do Código Civil, o que significa que, havendo culpa do declarante, de terceiro, caso fortuito ou de força maior, estará, então, afastada a aplicabilidade da norma.

Pelo que,

8. haveria necessidade de demonstrar, em cada caso, que, sem ação ou omissão culposa do destinatário, a declaração teria sido recebida, não dispensando a concretização do regime um juízo cuidadoso sobre a culpa, por parte do declaratário, no atraso ou na não receção da declaração, demonstração essa que impende sobre a parte que tiver o ónus da interpelação. Assim,

9. não preenche tal ónus a mera indicação de devolução da carta, constando do envelope que «retirou sem deixar novo endereço», o que, para além do mais, como está demonstrado e adquirido nos presentes autos é falso.

10. A manifesta falta de notificação/conhecimento por parte do trabalhador da Nota de Culpa, pretensamente enviada pela R., na sua carta de 02 de junho de 2015, configura uma invalidade do procedimento disciplinar - Cf. artigos 381° - c) e 382° n.º 2 - a) do CT (equivalente à nulidade insuprível prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 12° da LCCT/89);

Pelo que,

11. a posterior decisão proferida no procedimento disciplinar, encontra-se inquinada da referida invalidade do procedimento, o que só por si, deve levar a que, sem mais, seja confirmada a ilicitude do despedimento, por invalidade do procedimento disciplinar, com todas as legais consequências.

 

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d. Parecer do Ministério Público:

Neste Supremo Tribunal de Justiça, a Ex.ma Senhora Procuradora-Geral Adjunta, ao abrigo do disposto no artigo 87º, n.º 3, do CPT, emitiu parecer no sentido de se conceder a revista, se revogar o acórdão recorrido e, consequentemente, se repristinar a sentença da 1ª instância, por o Autor ter sido devidamente notificado da nota de culpa e por a exceção, deduzida pela Ré, da caducidade do Autor impugnar o seu despedimento, ter sido julgada procedente na 1ª instância e de cujo segmento decisório não ter sido interposto recurso pelo Autor pelo que se formou caso julgado parcial.

IV


            e. Da Revista propriamente dita:
A ação foi instaurada em 09 de janeiro de 2016.
O acórdão recorrido foi proferido em 27 de março de 2017

            Nessa medida, é aqui aplicável:

§ O Código de Processo Civil (CPC), anexo e aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho;

§ O Código de Processo do Trabalho (CPT) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de novembro, e alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 323/2001, de 17 de dezembro, 38/2003, de 8 de março (retificado pela Declaração de Retificação n.º 5-C/2003, de 30 de abril) e 295/2009, de 13 de outubro (retificado pela Declaração de Retificação n.º 86/2009, de 23 de novembro).

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f. O objeto do recurso:

As questões objeto deste recurso de revista consistem em saber:

I. Se se formou caso julgado na parte em que a sentença da 1.ª instância fez consignar que há muito que estava ultrapassado o prazo de 60 dias previsto no art.º 387.º, n.º 2, do Código do Trabalho – conclusões 5ª e 6ª;

II. Se o despedimento do autor/trabalhador deve ser declarado ilícito com fundamento na não notificação da nota de culpa – conclusões 1ª a 4ª;

III. Se a manter-se a declaração de ilicitude do despedimento, os salários intercalares devem contar-se desde os 30 dias anteriores à entrada da ação e não do despedimento - conclusão 7ª;

IV. Se as custas do acórdão recorrido devem ser na proporção do decaimento e não na totalidade a cargo da Ré – conclusão 8ª.

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            g. Da matéria de facto:

            A matéria de facto foi fixada por acordo das partes.

 “São os seguintes os factos que resultaram provados, atento o acordo das partes”:

A. O Autor trabalha, desde 1 de fevereiro de 1982, por conta e sob as ordens da Ré, tendo sido contratado pela sociedade comercial “CC, Lda.”, tendo-lhe sucedido a atual sociedade sob a designação BB - …, S.A.

B. O Autor tem a categoria profissional de caixeiro de 1ª classe e, no âmbito desta categoria, tem como funções, entre outras, as de rececionar mercadorias provenientes dos fornecedores, introduzindo as respetivas referências e quantidades no sistema informático, com vista à gestão dos stocks.

C. O Autor exerce as suas funções nas instalações industriais e comercias da Ré, sitas à Rua …, … - … ..., na freguesia de ..., no Município de ..., no Departamento de RM - ...[…].

D. Recebe atualmente a retribuição mensal ilíquida de € 754,64 e € 75,46 esta a título de prémio de assiduidade.

E. No dia 05 de maio de 2015 foi comunicado ao Autor que se encontrava suspenso do exercício de funções, dado a Ré ter decidido instaurar-lhe um processo disciplinar.

F. Face à recusa do Autor em receber essa ordem de suspensão, a Ré enviou ainda nesse mesmo dia uma carta com registo ao Autor endereçada para a Rua ..., n.º …, R/C, ... ... na qual para além da cópia da comunicação de suspensão preventiva que se encontra junta a fls. 26, enviou também uma carta na qual autoriza o Trabalhador a entrar na empresa na pendência de tal suspensão com o único objetivo de levantar os seus pertences, caso tenham sido efetivamente deixados alguns nas suas instalações.

G. A referida carta foi recebida pelo Autor no dia 06 de maio de 2015.

H. O Autor enviou à Ré a carta registada com Aviso de receção cuja cópia se encontra junta a fls. 28, datada de 07 de maio de 2015, que foi recebida por esta na qual relatava que não foi possível levantar os seus pertences dado os dirigentes de serviço "não estarem legalmente habilitados para proceder à assinatura do auto de entrega", solicitando a marcação de uma nova data para realização dessa diligência.

I. Por carta datada de 12 de maio de 2015, enviada pela Ré para o Autor para a mesma morada, Rua ..., n.º …, R/C, ... ..., a Ré convidou o Autor para querendo levantar os seus pertences nas instalações da empresa, enviando cópia de um termo de recolha de objetos.

J. Com data de 02 de junho de 2015, a Ré enviou ao Autor uma carta registada com Aviso de Receção na qual declarava estar a organizar o processo disciplinar tendente ao seu despedimento juntando em anexo a Nota de Culpa elaborada, concedendo ao Autor o prazo de 10 dias úteis para responder por escrito e reiterando que continuava suspenso sem perda de remuneração, tendo essa carta sido enviada para o Autor para a morada Rua ..., …, R/C, ..., ... ....

K. Essa carta foi devolvida à Ré com a menção de "retirou sem deixar novo endereço 03-06-2015" tendo sido recebida pela Ré no dia 04 de junho de 2015.

L. Por carta registada com Aviso de Receção datada de 19 de junho de 2015, a Ré enviou ao Autor para a morada Rua ..., …, R/C, ..., ... ... a decisão proferida no culminar desse procedimento disciplinar na qual aplicou a sanção de despedimento com invocação de justa causa.

M. A referida carta foi devolvida à Ré com a menção de "Objeito não reclamado" tendo a Ré recebido de volta a referida carta no dia 10 de julho de 2015.

N. No dia 04 de julho de 2015, o Autor enviou à Ré uma carta registada com Aviso de receção na qual informa que no dia 06 de julho de 2015 iria retomar as suas habituais funções na empresa, ultrapassado que estava o prazo de 60 dias contados da data em que havia sido suspenso preventivamente.

O. Por carta registada com Aviso de receção de 17 de julho de 2015, enviada pela Ré para o Autor para a mesma morada Rua ..., n.º …, R/C, … ... remeteu os recibos referentes aos vencimentos dos meses de abril, maio e junho de 2015 e subsídio de férias, conforme documentos juntos de fls. 70 a 73, cujo teor se dá por reproduzido.

P. Com data de 29 de julho de 2015 o Autor enviou à Ré através de carta registada com Aviso de Receção a carta cuja cópia se encontra junta a fls. 74, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, na qual nomeadamente lamentava o facto de tais cópias de recibos não virem capeados por uma carta da empresa como é habitual.

Q. A Ré enviou ao Autor no dia 10 de setembro de 2015 a carta registada para a mesma morada Rua ..., … - R/C ..., ... ... na qual nomeadamente referia o envio dos recibos relativos ao pagamento dos créditos finais, cuja cópia se encontra a fls. 187 verso e fls. 188, emergentes da cessação do seu contrato de trabalho e que relativamente à carta enviada em 29 de Julho de 2015 que os valores processados estavam corretos e nada havia a corrigir e acrescentando ainda que dada a sua recusa sistemática em recolher os seus pertences pessoais iriam enviar os mesmos para o seu domicílio mediante encomenda registada.

R. No mesmo dia a Ré enviou ao Autor para a morada Rua ..., 83 - … ..., ... ... através dos C.T.T. Expresso os pertences do Autor.

S. Nem a carta referida em Q) nem a encomenda postal referida em R) foram entregues ao Autor por terem sido devolvidas com a menção de "Objeto não reclamado".

T. No dia 26 de agosto de 2015, a Ré transferiu para a conta Depósitos à ordem do Autor a quantia de € 776,90.

U. Por carta registada com Aviso de Receção datada de 03 de outubro de 2015 o Autor enviou à Ré a carta cuja cópia se encontra a fls. 36 na qual nomeadamente reclamava o facto de não ter recebido ainda o salário referente ao mês de setembro de 2015 e em que nomeava como seu procurador o Sr. DD para o efeito de recebimento do seu salário dado que a mulher do Autor teria sido submetida recentemente a uma delicada intervenção cirúrgica.

V. Por carta datada de 12 de outubro de 2015, a Ré enviou ao Autor para a morada Rua ..., … - R/C ..., ... ... a carta registada com Aviso de receção cuja cópia se encontra junta a fls. 197 verso na qual nomeadamente referia que acusando a receção da carta enviada por aquele no dia 03 de outubro de 2015 a pedir o pagamento da remuneração do mês de setembro de 2015, lhe referia que o mesmo já tinha sido expedido por carta em 25 de junho de 2015 como saberia se tivesse levantado o correio que lhe enviaram, concluindo que por isso não terá direito a mais qualquer valor seja a que título for. 

W. Essa carta foi devolvida à Ré com menção de "Não reclamado".

X. Dá-se aqui por reproduzido o teor da carta enviada pelo Sr. DD à Ré datada de 15 de outubro de 2015 na qual comunicava a urgência do pagamento ao Autor do vencimento relativo ao mês de setembro de 2015 referindo ter tentado telefonar para o Dr. EE no dia 05 de outubro de 2015 e tendo-se deslocado no dia 12 do mesmo mês de outubro pessoalmente à sede de empresa para falar com o referido Dr. EE não logrando porém resolver o referido assunto.

Y. Por carta datada de 05 de novembro de 2015, o Sr. DD enviou a carta cuja cópia se encontra junta a fls. 43 e 44 ao Presidente do Conselho de Administração da Ré, Dr. FF a solicitar o pagamento do vencimento do mês de setembro relativo ao Autor AA.

Z. Por carta datada de 12 de novembro de 2015, a Ré enviou ao DD a carta cuja cópia se encontra a fls. 202 na qual comunicava que o Sr. AA foi despedido daquela empresa em julho de 2015 e que em conformidade o valor que reclama não lhe é devido.

AA. Dá-se por integralmente reproduzido o teor dos documentos emitidos pela Autoridade para as Condições de Trabalho juntos aos autos a fls. 48 e 49.

BB.  Dá-se por integralmente reproduzido o teor do documento denominado "Avaliação de desempenho do colaborador" relativo ao Autor AA emitido pela Ré no dia 26 de janeiro de 2015 e cuja cópia se encontra junta aos autos a fls. 131 e 132.”

               

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            h. Do direito:

1) - Se se formou caso julgado na parte em que a sentença da 1.ª instância fez consignar que há muito que estava ultrapassado o prazo de 60 dias previsto no art.º 387.º, n.º 2, do Código do Trabalho:

           a). A Recorrente alega que “não tendo o Autor recorrido da sentença da 1ª instância na parte em que decidiu que mesmo que o despedimento fosse declarado ilícito, há muito estava ultrapassado o prazo de 60 dias do n.º 2, do artigo 387º, do CT para intentar a respetiva ação de impugnação, e em que decaiu, formou-se caso julgado (artigo 619º, n.º 1, do CPC), que o acórdão ofende, pelo que a ação teria de improceder, de qualquer forma” [conclusão 5ª], e

Que “o autor não impugnou o despedimento, ato final do procedimento disciplinar e que aglutina todos os eventuais vícios desse processo, na forma processual própria do artigo 98°-C do CPT e no prazo do artigo 387° n.º 2, do CT, deixando caducar o direito de impugnação” [conclusão 6ª].

Analisada a sentença, verifica-se que:

Nela consta. a esse respeito, o seguinte:

- “Considero ainda que o procedimento disciplinar não enferma da alegada ilicitude por falta de remessa da “Nota de Culpa” e ainda que assim se não entenda, então também há muito que estava ultrapassado o prazo de caducidade de 60 dias, previsto no art.º 387.º, n.º 2, do Código do Trabalho, para o autor intentar a ação com processo especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, tal como alega a Ré.”

- Tem o seguinte dispositivo[2]:

“Pelo exposto, julgo a presente ação totalmente improcedente por não provada, absolvendo a Ré da totalidade do pedido.

Absolvo o Autor do pedido de indemnização como litigante de má-fé requerido pela Ré.

Custas pelo Autor, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário de que goza.”

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b). Ora, a decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação – artigo 628º, do CPC.

          Nos termos do artigo 621º, 1ª parte, do CPC, a sentença constitui caso julgado nos precisos termos em que julga.

           Por sua vez, a sentença transitada em julgado, ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos termos nos limites fixados pelos artigos 580º e 581º [exceções do caso julgado e da litispendência], sem prejuízo do disposto nos artigos 696º a 702º [recurso extraordinário de revisão] - artigo 619º, n.º 1, do CPC.

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            c). Quanto ao valor do caso julgado pode-se “[a]firmar que enquanto a sentença é condição de existência dos efeitos declarativos e constitutivos, o efeito preclusivo tem como condição de existência o trânsito em julgado, ou, em sentido mais amplo, a irrecorribilidade da decisão e o caso julgado. Da imodificabilidade da sentença decorre a imodificabilidade dos seus efeitos”[3].


           O caso julgado, ao fazer precludir toda a indagação sobre a relação controvertida, não tem apenas como destinatários os órgãos jurisdicionais, vinculando-os à decisão anterior, impedindo que venham a proferir uma nova decisão, ou proibindo uma decisão contrária.
Com efeito, os sujeitos da relação controvertida são os seus principais destinatários.

           Acresce que esta preclusão e a proibição de não repetição de nova decisão, ou contradição entre decisões, não constituem um fim em si mesmo, mas tão só e apenas um meio para alcançar um fima estabilidade, a certeza e a segurança jurídicas, indispensáveis à realização de interesses subjetivos e, ainda, necessárias para a vida em sociedade.

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           d). Por sua vez, o artigo 387º, n.º 2, do CT, dispõe que o trabalhador pode opor-se ao despedimento mediante apresentação de requerimento próprio, junto do tribunal competente, no prazo de 60 dias, contados a partir da receção da comunicação de despedimento ou da data da cessação do contrato, se posterior, exceto no caso previsto no artigo seguinte.

           O meio próprio para esta impugnação é a ação, com processo especial, de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, prevista e regulada nos artigos 98º-B a 98º-P, do CPT.

           Ora, este prazo, de 60 dias é um prazo de caducidade para propositura da ação de impugnação judicial do despedimento.

           A caducidade é, por sua vez, uma exceção perentória que leva à absolvição total ou parcial do pedido – artigo 576º, n.º 1, do CPC.

 As exceções perentórias consistem na invocação de factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor – artigo 576º, n.º 3, do CPC.

           A caducidade é, pois, extintiva do direito invocado pelo Autor pelo que dá lugar à absolvição do Réu do pedido.

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            e). Voltando ao caso concreto:

 

Na sentença proferida na 1ª instância, existem dois fundamentos diferentes e ambos dão lugar à absolvição da Ré do pedido,

            Os sobreditos fundamentos são os seguintes:

1º. “[O] procedimento disciplinar não enferma da alegada ilicitude por falta de remessa da “Nota de Culpa”;

2º. “[H]á muito que estava ultrapassado o prazo de caducidade de 60 dias, previsto no art.º 387.º, n.º 2, do Código do Trabalho, para o autor intentar a ação com processo especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, tal como alega a Ré”.           

           

Ora, não tendo o Autor recorrido do segmento decisório em que se afirma que “[h]á muito que estava ultrapassado o prazo de caducidade de 60 dias, previsto no art.º 387.º, n.º 2, do Código do Trabalho, para o autor intentar a ação com processo especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, tal como alega a Ré”, transitou o mesmo em julgado.

Formou-se, assim, caso julgado material quanto ao referido segmento.



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e). Por outro lado, “[é] comummente aceite que na interpretação das decisões judiciais deve ter-se em consideração a disciplina legal atinente à interpretação das declarações negociais (cf., neste sentido, o acórdão deste Supremo Tribunal de 23 de novembro de 2005, proferido no Processo n.º 4624/04, da 4.ª Secção).
Em conformidade, as decisões judiciais hão-de ser interpretadas com o sentido que um declaratório normal, colocado na posição do real declaratório, possa deduzir do seu conteúdo (artigo 236.º, n.º 1, do Código Civil); todavia, não se pode considerar um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no respetivo texto, ainda que imperfeitamente expresso (artigo 238.º, n.º 1, do Código Civil), doutrina idêntica à prevista para a interpretação da lei (artigo 9.º, n.º 2, do Código Civil) e para a interpretação dos testamentos (artigo 2187.º, n.º 2, do Código Civil).[4]

Ora, todas as questões e exceções suscitadas e solucionadas, ainda que implicitamente, na sentença, e que funcionam como pressupostos necessários e fundamentadores da decisão final[5], incluem-se nos limites objetivos do caso julgado material.
                Sendo toda a decisão a conclusão de certos pressupostos (de facto ou de direito) o respetivo caso julgado encontra-se sempre referenciado a certos fundamentos.
Assim, reconhecer que a decisão está abrangida pelo caso julgado não significa que ela valha, com esse valor, por si mesma e independentemente dos respetivos fundamentos, pois não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo.
Com efeito, o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão.
Adita-se, ainda, que a eficácia do caso julgado exclui toda a situação contraditória ou incompatível com aquela que ficou definida na decisão transitada.
Donde, em derradeira análise, se pode concluir que todas as questões e exceções suscitadas e solucionadas na sentença, por imperativo legal e conexas com o direito a que se refere a pretensão do autor, estão compreendidas na expressão “precisos termos em que julga”, contida no artigo 621º, 1ª parte, do CPC.

            Assim sendo, estando todas aquelas questões e exceções compreendidas naquela expressão, estão todas elas igualmente incluídas no caso julgado, assim formado.

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f). No caso concreto, a exceção da caducidade do direito do Autor poder impugnar judicialmente o seu despedimento, suscitada pela Ré na  contestação, foi solucionada na sentença proferida na 1ª instância, ao ser declarada a sua procedência, e tem conexão, na sua essência e de forma inerente, com o direito pretendido pelo Autor na presente ação [impugnação do seu despedimento por invalidade, o que o torna ilícito].

Por tal motivo, e uma vez que tal exceção é abrangida pela expressão “precisos limites e termos em que se julga”, transitou em julgado a solução que lhe foi dada pela sentença da 1ª instância, ou seja, a sua procedência e, consequentemente, a absolvição da Ré do pedido.


Está, pois, formado caso julgado na parte da sentença da 1.ª instância em que se fez consignar que há muito que estava ultrapassado o prazo de 60 dias previsto no artigo 387.º, n.º 2, do Código do Trabalho.

Concluindo:

· A Ré já se encontra definitivamente absolvida do pedido efetuado pelo Autor nesta ação.

                 Procede, assim, esta questão.

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2). Se o despedimento do autor/trabalhador deve ser declarado ilícito com fundamento na não notificação da nota de culpa:


A sentença em crise, julgou a ação totalmente improcedente ao abrigo de dois fundamentos – a validade da comunicação ao Autor pela Ré da nota de culpa e a procedência da exceção da caducidade do Autor intentar ação de impugnação do seu despedimento - e absolveu a Ré de todos os pedidos formulados contra ela pelo Autor.    

Desta sentença o Autor interpôs recurso de apelação.

Contudo, no requerimento dessa interposição, limitou-a e restringiu-a, expressamente, à ilicitude do seu despedimento com o fundamento de não lhe ter sido notificada a nota de culpa.

Quanto ao outro fundamento, consubstanciado na exceção perentória da caducidade, nada refere quer no requerimento da sua interposição, quer na sua alegação e quer nas suas conclusões.


O Autor concluiu a alegação da sua apelação afirmando:

Ø A manifesta falta de notificação/conhecimento por parte do trabalhador da Nota de Culpa, pretensamente enviada pela R., na sua carta de 02 de junho de 2015, configura uma invalidade do procedimento disciplinar;

Ø Pelo que a posterior decisão proferida no procedimento disciplinar, encontra-se inquinada da referida invalidade do procedimento, o que só por si, deve levar a que, sem mais, seja declarada a ilicitude do despedimento, por invalidade do procedimento disciplinar.


Tendo transitado em julgado a sentença que absolveu a Ré do pedido, com força de caso julgado material, nos termos dos artigos 619º, n.º 1, 621º, 1ª parte, e 628º, todos do CPC, tornou-se obrigatória para todos os órgãos jurisdicionais, inclusive para este Supremo Tribunal de Justiça.

Em consequência, estando o Supremo Tribunal de Justiça obrigado a respeitar o referido caso julgado, não pode apreciar e conhecer do objeto deste recurso na parte atinente à ilicitude do despedimento, por invalidade do procedimento disciplinar consubstanciada na não entrega da nota  de culpa.

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3). Se a manter-se a declaração de ilicitude do despedimento, os salários intercalares devem contar-se desde os 30 dias anteriores à entrada da ação e não do despedimento:

O conhecimento desta questão ficou prejudicado pela solução dada à anterior – artigos 608º, n.º 2, 665º, n.º 2, e 679º, todos do CPC.

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4). Se as custas do acórdão recorrido devem ser na proporção do decaimento e não na totalidade a cargo da Ré:

             Esta questão também ficou prejudicada com a decisão dada às questões anteriores.


V

 

            5. Deliberação:

            - Pelo exposto delibera-se:
a. Não se conhecer da questão referente à ilicitude do despedimento, por invalidade do procedimento disciplinar fundada na não entrega da nota de culpa;
b. Conceder a revista, revogar o acórdão recorrido e repristinar-se o decidido na sentença da 1ª instância que julgou “a presente ação totalmente improcedente por não provada, absolvendo a Ré da totalidade do pedido”.

           - Custas pelo Autor, nas Instâncias e neste Supremo Tribunal de Justiça, sem prejuízo do benefício do Apoio Judiciário na modalidade que lhe foi concedida.

            Anexa-se o sumário do Acórdão.

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           Lisboa, 26 de outubro de 2017

Ferreira Pinto – (Relator)

Chambel Mourisco

Pinto Espanhol

                                                                                           

_________________
[1] - N.º 015/2017 – (FP) – CM/PH
[2] - O dispositivo da sentença ou acórdão é a conclusão, a decisão ou parte final; enfim, o desfecho da demanda, onde, aplicando a lei ao caso concreto, o julgador acolhe ou rejeita o pedido formulado pela parte.
[3] - António Júlio Cunha, “Limites Subjetivos do caso Julgado”, Quid Juris, 2010, página 90.
[4] . Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.09.2010, processo n.º 415/06.0TLSB.L1.S1, em www.dgsi.pt.
[5] - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05.05.2005, processo n.º 05B602, em www.dgsi.pt que se seguirá de muito perto.