Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2909/15.8T8FAR-A.E1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ROSA RIBEIRO COELHO
Descritores: REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
ALIMENTOS PROVISÓRIOS
CONDIÇÕES PESSOAIS
PROGENITOR
ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
DECISÃO PROVISÓRIA
CRITÉRIOS DE CONVENIÊNCIA E OPORTUNIDADE
Data do Acordão: 10/04/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDAS AS REVISTAS
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DA FAMÍLIA / FILIAÇÃO / EFEITOS DE FILIAÇÃO / RESPONSABILIDADES PARENTAIS / CONTEÚDO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS.
Legislação Nacional:
REGIME GERAL DO PROCESSO TUTELAR CÍVEL (RGPTC), APROVADO PELA LEI N.º 141/2015, DE 08-09: - ARTIGO 38.º, N.º 1.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 1878.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 08-05-2013, PROCESSO N.º 1015/11.9TMPRT.P1.S1.
Sumário :
I – Em processo para regulação do exercício das responsabilidades parentais, quando, estando presentes ou representados ambos os pais na conferência, estes não cheguem a acordo que seja homologado, a lei impõe ao juiz a prolação de decisão provisória e cautelar.

II – Nesta decisão deverá ser fixada a pensão de alimentos a pagar pelo progenitor não guardião, ainda que se desconheça a sua concreta situação económica.

Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

2ª SECÇÃO CÍVEL




I - Na presente ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais, movida pelo M. P., em representação dos menores AA e BB, contra CC e DD, em sede de conferência de pais, foi proferida decisão com o seguinte teor, nas partes que ora importa realçar:

I. Face às declarações prestadas, à prova documental constante dos autos e à situação de violência doméstica que conduziu à deslocação das crianças para o …, ao abrigo do disposto no art. 38º do RGPTC, decide-se regular provisoriamente o exercício das responsabilidades parentais, pela seguinte forma:

(…)

Pensão de alimentos

6. Caso o pai aufira um rendimento igual ou superior ao SMN contribuirá a título de alimentos com a quantia mensal de 75 € devida aos filhos, a qual será entregue via transferência bancária.”


Contra o assim decidido quanto à pensão de alimentos, recorreu a requerida DD, vindo a Relação de … a proferir acórdão que, julgando a apelação improcedente, manteve a decisão recorrida, com a fundamentação que no seu essencial, passamos a transcrever:

“É inequívoco que aos pais é cometido o dever de assegurar a satisfação das necessidades materiais dos filhos menores (artigos 36° nº 5 da CRP e 1874° e 1878° nº 1 do Cód. Civ.) e que os alimentos compreendem tudo o que é indispensável ao sustento, habitação vestuário, instrução e educação do alimentando (artigo 2003° do Cód. Civ.), presidindo à sua fixação o interesse/necessidade dos menores [artigos 1905° nº 1 e 1912° nº 1 do Cód. Civ. (a filiação dos menores está estabelecida quanto a ambos os progenitores e estes, não casados entre si, encontram-se separados desde Maio de 2015) e 40° nº 1 do RGPTC);

Sabido é, também, que a medida dos alimentos a prestar depende das necessidades do alimentando, por um lado, e das possibilidades dos obrigados, por outro (artigo 2004° nº 1 do Cód. Civil), sendo estes os únicos critérios legalmente previstos para a determinação do montante da pensão de alimentos.

Significa isto que o momento da fixação dos alimentos é lógica e conceptualmente distinto dos momentos posteriores, isto é, para a determinação da prestação alimentícia é indiferente o que possa passar-se a jusante. Particularizando: à tarefa de determinar o valor proporcional e adequado da pensão de alimentos são alheias as possibilidades de a tornar efectiva, seja por via do incidente de incumprimento, seja por via executiva, seja por intervenção do FGADM.

O cumprimento do dever de assegurar a satisfação das necessidades materiais dos filhos pressupõe a percepção de rendimentos por banda dos pais, em regra por força do seu trabalho, pelo que lhes são exigíveis as diligências e esforços necessários à sua obtenção. Não lhes assiste, pois, o direito de "desaparecerem", de se manterem ociosos ou de esgotarem com despesas não essenciais os rendimentos que percebem.

Assim, se o fizerem voluntariamente - o que se presume, nada havendo em contrário - não pode defender-se estarem impossibilitados de prestar alimentos e/ou não terem meios para os prestar (artigo 2004° n° 1 do Cód. Civ.). E, na ausência de elementos concretos sobre os rendimentos e despesas do progenitor não guardião, deve presumir-se repita-se, nada havendo em contrário a sua capacidade laboral e a possibilidade de auferir, ao menos, o salário mínimo nacional (artigo 349° do Cód. Civ.)

O entendimento que vimos expondo encontra pleno cabimento em sede de jurisdição voluntária (artigo 12° do RGPTC), em que o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita (artigo 987° do Cód. Proc. Civ.). [para maiores desenvolvimentos, cfr. Ac. STJ de 22.5.13 e de 8.5.13 (este com diversas referências jurisprudenciais), in http://www.dgsi.pt. respectivamente, Proc. n° 2485/10.8TBGMR.Gl.Sl e l015/11.9TMPRT.Pl.Sl)

Sucede que, no caso em apreço, não se trata de decidir, a final, a regulação do exercício das responsabilidades parentais, ao cabo de processo em que as partes tiveram a possibilidade de intervir, nomeadamente alegando factos e oferecendo provas. Trata-se de uma decisão provisória e cautelar (artigo 28° nº 1 do RGPTC), que o juiz profere se o entender conveniente e com base em eventual averiguação sumária (n° 3 do citado preceito).

Na situação dos autos, a decisão foi proferida no âmbito da primeira diligência processual e baseou-se, tão-só, nas declarações prestadas pelos progenitores e na informação obtida da segurança social.

Desta consta que o pai recebeu a última remuneração sujeita a descontos (no valor de 485€) em Junho de 2012, ou seja, cerca de cinco anos antes da data da conferência de pais. Na altura, o pai, com 58 anos de idade, disse que não trabalhava, estando desempregado, nem recebia subsídio de desemprego. Vivia de ajudas de amigos e pernoitava em casa de sua mãe (que está acamada) ou em casa de outras pessoas. Mais nada de útil foi dito sobre a situação económica do pai, sendo certo que desconhecemos qual a sua profissão, quais as suas habilitações e por que razão não trabalha. Significa isto que o estado incipiente dos autos - em que, repetimos, o pai interveio pela primeira vez, sem mandatário judicial, na conferência - não permitia ter como assentes quaisquer factos de que pudesse, com o mínimo de segurança, ser extraída a presunção de que o mesmo não tinha rendimentos podendo, porém, obtê-los.

Razão pela qual, neste momento, não se revelava adequado e/ou proporcional a fixação de uma pensão de alimentos a pagar de imediato.”    


A Exma. Magistrada do Ministério Público junto daquela Relação interpôs recurso de revista contra este acórdão, tendo apresentado alegações onde pede a sua substituição por outro “que determine o pagamento da pensão fixada na decisão provisória, sem sujeição a qualquer condição de futura obtenção de meios económicos do progenitor”, formulando, para tanto, as conclusões que de seguida se transcrevem:

I - Mostram-se reunidos os pressupostos da revista excepcional previstos no artº 672º nº 1 al. c) do CPC, dado que o acórdão recorrido está em contradição com o douto acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 8/5/2013, no Proc. nº 1015/11.9TMPRT.P1.S1, tendo ambos sido proferidos no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, não havendo acórdão de uniformização de jurisprudência sobre a matéria em causa.

II – A questão fundamental em debate - se deve o tribunal proceder à fixação de alimentos a favor do menor, ainda que se desconheça no processo a concreta situação de vida de um dos progenitores obrigado a alimentos – deve ser conhecida e apreciada pelo tribunal não apenas no momento da decisão final do processo, mas desde logo na decisão provisória, se houver lugar a esta, nos termos do artº 28º nº1 do RGPTC.

III – Não se justifica que, considerando-se haver fundamento para proferir uma decisão provisória, afinal esta acabe por ficar sem qualquer realização prática, por não haver uma efectiva obrigação de pagamento da pensão fixada, dada a sujeição da mesma a uma condição de futura obtenção de meios económicos do progenitor.

IV - Valem inteiramente, tanto para a decisão provisória como para a decisão final, as razões de protecção dos menores que justificam o dever de fixação efectiva de uma pensão de alimentos, apesar do desconhecimento dos rendimentos do progenitor.

V – Não tendo assim decidido violou o douto acórdão recorrido o disposto no artº 28º nº1 do RGPTC e no artº 1878º do CC, devendo ter interpretado tais normas no sentido constante das conclusões que antecedem.


Não foram apresentadas contra-alegações.


Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo questão única sujeita à nossa apreciação a de saber se a fixação de alimentos a favor do menor, ainda que nos autos seja desconhecida a concreta situação de vida de um dos progenitores obrigado a prestar alimentos, deve ser feita, não apenas em sede de decisão final, mas logo em sede de decisão provisória que seja proferida nos termos do art. 38º, nº 1 do RGPTC.


II – Os elementos processuais a considerar para a decisão do recurso são os supra enunciados em sede de relatório.


III – Está em causa a confirmação, pelo acórdão impugnado, de uma decisão de natureza provisória emitida, com base nos elementos disponíveis, sobre o pedido de regulação do exercício das responsabilidades parentais – concretamente no tocante à fixação de pensão de alimentos devida pelo progenitor - e cuja prolação é determinada pelo art. 38º da Lei nº 141/2015[1], de 8 de setembro (RGPTC), quando, estando presentes ou representados ambos os pais na conferência, estes não cheguem a acordo que seja homologado.

Visando-se através dela a antecipada proteção e efetivação dos direitos do menor, é, sem dúvida, uma decisão provisória e cautelar, mas a sua emissão não está, de modo algum, dependente da formulação de um juízo prévio de oportunidade e conveniência por parte do juiz.

É imposta pelo citado art. 38º[2], cabendo ao juiz nas circunstâncias aí enunciadas e socorrendo-se dos elementos que disponha, independentemente da sua exuberância ou exiguidade, proferir decisão provisória sobre o pedido de regulação do exercício das responsabilidades parentais, o qual integrará, em princípio, a fixação de pensão de alimentos a pagar pelo progenitor não guardião.

Não se enquadra, pois, na previsão normativa do art. 28º que, sob o proémio “decisões provisórias e cautelares”, estabelece no seu nº 1: “Em qualquer estado da causa e sempre que o entenda conveniente, a requerimento ou oficiosamente, o tribunal pode decidir provisoriamente questões que devam ser apreciadas a final, bem como ordenar as diligências que se tornem indispensáveis para assegurar a execução efetiva da decisão.

Daí que, salvo o devido respeito por opinião diversa, se não acolham como boas as razões invocadas no acórdão recorrido para concluir, como concluiu, que no momento da conferência se não “revelava adequado e/ou proporcional a fixação de uma pensão de alimentos a pagar de imediato.”

Com efeito, aceitando-se, como se aceita no acórdão sob impugnação, que a pensão de alimentos devida a menor é de fixar em montante determinado, ainda que se desconheça a concreta situação económica do progenitor obrigado ao seu pagamento, esse entendimento terá de valer, por igualdade de razões, para a decisão provisória imposta pelo citado art. 38º, quando o processo está no seu início e os elementos probatórios são, a maioria das vezes, ainda incipientes.

E isto porque, como bem sintetiza o recorrente na sua conclusão IV “Valem inteiramente, tanto para a decisão provisória como para a decisão final, as razões de protecção dos menores que justificam o dever de fixação efectiva de uma pensão de alimentos, apesar do desconhecimento dos rendimentos do progenitor”.

   Decidindo como decidiu, o acórdão impugnado, que invocou como entendimento a adotar sobre a matéria (na decisão final) o consagrado, além de outros, no acórdão deste STJ de 8.05.2013[3], acabou por decidir em contradição com ele, quanto à sobredita questão jurídica.

Neste aresto, onde se enunciam e transcrevem parcialmente, vários acórdãos deste STJ no mesmo sentido decisório, escreveu-se:

“Porém – e no que se refere à jurisprudência do STJ – verifica-se, bem pelo contrário, que, de modo uniforme e reiterado, se vem decidindo, em jurisprudência muito recente e nas várias Secções Cíveis deste Supremo, no sentido de que a ausência em parte incerta do progenitor vinculado à prestação de alimentos ou a falta de condições económicas para a prestação de um montante adequado à subsistência do filho não devem precludir a fixação de alimentos, já que tal omissão iria pôr em causa interesses e direitos fundamentais do menor.

(…)

É a esta firme e reiterada corrente jurisprudencial que se adere, por se entender que a tutela do interesse fundamental do menor tem efectivamente de prevalecer sobre quaisquer constrangimentos ou dificuldades procedimentais ou práticas que hajam obstado à aquisição processual de factos relevantes para aferir da capacidade económica do progenitor, vinculado pelo dever fundamental de custear prestação que garanta o direito a uma sobrevivência condigna do seu filho menor: não existindo, no caso, outros possíveis responsáveis subsidiários pela prestação alimentar e não parecendo viável, de jure constituto, realizar uma interpretação correctiva dos pressupostos da sub-rogação do Fundo de Garantia de Alimentos, que, pura e simplesmente, prescinda da prévia fixação judicial da prestação alimentar, expressamente prevista na lei, o abandonar a fixação de alimentos a cargo do progenitor com base numa indefinição factual sobre as capacidades contributivas do progenitor acabaria por conduzir a uma insuportável lesão do referido direito fundamental, ao privar totalmente o menor da prestação alimentar de que carecia num caso em que a sua situação de fragilidade e dependência (acentuada pela ausência do progenitor) seria provavelmente mais intensa.

Não é, por outro lado, esta seguramente a única situação em que os tribunais, através de juízos de prognose, porventura delicados, de presunções naturais (por exemplo, a de que o progenitor ausente deterá seguramente um patamar mínimo de rendimento, de valor equiparável ao salário mínimo ou, ao menos, ao rendimento social de inserção), do apelo a critérios e juízos de equidade acabam por ter de tomar decisões sobre matérias que se revelam de impossível apuramento consistente através dos factos e provas efectivamente produzidas nos autos (basta pensar na fixação de indemnização por danos patrimoniais futuros sofridos por lesado menor, em que não é identicamente viável formular juízos minimamente seguros e consistentes sobre o curso hipotético dos factos, sem que por isso o julgador não acabe por ter de dirimir efectiva e actualmente o litígio, através dos elementos disponíveis).”


Sendo este também o nosso entendimento e considerando que a necessidade de assegurar os interesses e direitos fundamentais do menor que lhe está subjacente está igualmente presente na decisão provisória a que vimos aludindo, não existe fundamento para que nela se não fixe, sem qualquer condição, pensão de alimentos ao menor.

Deste modo, a revista tem de proceder.


IV- Pelo exposto, julga-se a revista procedente e revogando-se o acórdão recorrido, determina-se que o pai contribuirá a título de alimentos devidos aos filhos com a quantia mensal de 75 €, a qual será entregue via transferência bancária.

Custas conforme o que vier a ser fixado a final.


Lisboa, 4.10.2018


Rosa Maria M. C. Ribeiro Coelho (Relatora)

Bernardo Domingos

João Bernardo

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[1] Diploma a que respeitam as normas doravante referidas sem menção de diferente proveniência
[2] Do seguinte teor:
“Se ambos os pais estiverem presentes ou representados na conferência, mas não chegarem a acordo que seja homologado, o juiz decide provisoriamente sobre o pedido em função dos elementos já obtidos, suspende a conferência e remete as partes para:
a) Mediação, nos termos e com os pressupostos previstos no artigo 24.º, por um período máximo de três meses; ou

b) Audição técnica especializada, nos termos previstos no artigo 23.º, por um período máximo de dois meses.
[3] Proc. nº 1015/11.9TMPRT.P1.S1, relator Conselheiro Lopes do Rego