Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2833/16.7T8VFX.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: RIBEIRO CARDOSO
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS A CARGO DO RECORRENTE
Data do Acordão: 05/16/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA DISTRIBUIÇÃO COMO REVISTA EXCECIONAL
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / DESPACHOS QUE NÃO ADMITEM RECURSO.
Doutrina:
-Aníbal de Castro, IMPUGNAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS, 2.ª Edição, p. 111;
-Rodrigues Bastos, NOTAS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, Volume III, p. 247.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 630.º, N.º 1, ALÍNEAS A) E C).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


-DE 05-04-1989, IN BMJ, 386. º, P. 446;
-DE 23-03-1990, IN AJ, 7.º/90, P. 20;
-DE 31-01-1991, IN BMJ 403.º P. 382;
-DE 12-12-1995, IN CJ, 1995, III, P.156;
-DE 18-06-1996, CJ, 1996, II, P. 143;
-DE 26-11-2005, PROCESSO N.º 291/12.4TTLRA.C1.S1;
-DE 01-03-2007, PROCESSO N.º 06S3405;
-DE 04-03-2015, PROCESSO N.º 2180/09.0TTLSB.L1.S2;
-DE 18-02-2016, PROCESSO N.º 558/12.1TTCBR.C1.S1;
-DE 12-05-2016, PROCESSO N.º 324/10.9TTALM.L1.S1;
-DE 07-07-2016, PROCESSO N.º 220/13.8TTBCL.G1.S1;
-DE 27-10-2016, PROCESSO N.º 110/08.6TTGDM.P2.S1;
-DE 18-05-2017, PROCESSO N.º 2537/15.8T8VNG.P1.S1.
Sumário :

I - Sendo as conclusões não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações stricto sensu, mas também e sobretudo as definidoras do objeto do recurso e balizadoras do âmbito do conhecimento do tribunal, no caso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente indicar nelas, por referência aos concretos pontos de facto que constam da sentença, aqueles cuja alteração pretende e o sentido e termos dessa alteração.

II - Por menor exigência formal que se adote relativamente ao cumprimento dos ónus do art. 640º do CPC e em especial dos estabelecidos nas suas alíneas a) e c) do nº 1, sempre se imporá que seja feito de forma a não obrigar o tribunal ad quem a substituir-se ao recorrente na concretização do objeto do recurso.

III - Tendo o recorrente nas conclusões se limitado a consignar a globalidade da matéria de facto que entende provada mas sem indicar, por referência aos concretos pontos de facto que constam da sentença e que impugna, os que pretende que sejam alterados, eliminados ou acrescentados à factualidade provada, não cumpriu o estabelecido no art. 640º, nº 1, als. a) e c) do CPC, devendo o recurso ser liminarmente rejeitado nessa parte.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça ([1]) ([2])

1 - RELATÓRIO

AA, através do formulário próprio, intentou a presente ação declarativa com processo especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, contra BB PORTUGAL, SA, pedindo que se declare a ilicitude ou a irregularidade do despedimento, com as legais consequências.

   A R. apresentou articulado a motivar o despedimento do A. sustentando a regularidade do procedimento disciplinar instruído, no decurso do qual foi proferida a decisão disciplinar de aplicar ao A. a sanção de despedimento com justa causa.

             

  Após a realização da audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:

  «Face ao exposto, julgo procedente, por provada nos termos sobreditos, a impugnação do despedimento efectuada pelo A., AA, declarando ilícito o despedimento efectuado pela R., BB Portugal, SA., em consequência:

a) Condeno a R. a pagar ao A., a quantia de € 30.649,71 (trinta mil, seiscentos e quarenta e nove euros e setenta e um cêntimos), a título de indemnização em substituição de reintegração, acrescido dos juros de mora, à taxa legal, desde a presente data e até á data do integral pagamento;

b) Condeno a R. a pagar ao A. o montante, a determinar, correspondente ao valor das retribuições mensais que deixou de auferir desde 13 de Junho de 2016 e até à data do trânsito da presente decisão, no valor mensal de € 1.189,00 (mil, cento e oitenta e nove euros), com dedução do valor auferido, em igual período temporal, a título de subsídio de desemprego, que a R. tem de entregar na Segurança Social, acrescido dos juros de mora, à taxa legal, desde a data da liquidação e a data do efectivo pagamento;

c) Condeno a R. a pagar ao A. a quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros), a título de compensação por danos de natureza não patrimonial, sofridos pelo A., acrescida dos juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação (17.07.2016) e a data do efectivo pagamento;

d) Absolvo a R. do mais peticionado.

Custas a cargo do A. e da R., na proporção do respectivo decaimento.

Valor da acção: € 41.594.71 (Quarenta e um mil, quinhentos e noventa e quatro euros e setenta e um cêntimos).»

 

  A Ré, inconformada, interpôs recurso de apelação impugnando, para além do mais, a decisão sobre a matéria de facto.

A Relação escusou-se de apreciar o recurso no que tange à reapreciação da matéria de facto com fundamento no incumprimento pela recorrente dos ónus impostos pelo art. 640º, nº 1, do CPC, mais concretamente «porque a Recorrente não indicou em que termos alguns factos provados devem ser alterados».

Quanto ao mais foi proferida a seguinte deliberação:

«Face ao exposto, julga-se improcedente o recurso interposto e confirma-se a sentença recorrida.

  Custas pela Recorrente.»

Do assim decidido, recorreu a R. de revista excecional para este Supremo Tribunal, embora arguindo que não existe dupla conforme face à recusa da Relação em conhecer do recurso relativamente à impugnação da decisão sobre a matéria de facto e requerendo “a admissão e conhecimento do presente recurso enquanto normal por inexistir dupla conforme” ou, subsidiariamente, a sua admissão como “revista excecional, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 672.° do CPC, por estarem verificadas as situações expressas nas alíneas c) do seu número 1”, impetrando a revogação do acórdão recorrido em tudo quanto foi desfavorável à recorrente com a consequente absolvição de todos os pedidos.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Distribuído o recurso como revista excecional à formação prevista no art. 672º, nº 3 do CPC, pelo relator foi proferido despacho determinando a baixa na distribuição como revista excecional e a respetiva distribuição como revista nos termos gerais, tendo considerado inexistir dupla conforme na medida em que a Relação se escusou de conhecer do recurso relativamente à impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

Recebido o recurso como revista nos termos gerais, foi cumprido o disposto no art. 87º, nº 3 do CPT, tendo o Exmº Procurador-Geral-Adjunto emitido douto parecer no sentido da negação da revista e da confirmação do acórdão recorrido.

Notificadas, as partes não responderam.

Formulou a recorrente as seguintes conclusões (relativamente à revista propriamente dita), as quais, como se sabe, delimitam o objeto do recurso ([3]) e, consequentemente, o âmbito do conhecimento deste tribunal:

“(…)

8ª O acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 640.º do Código de Processo Civil.

9ª A Recorrente cumpriu integralmente o ónus exigido no âmbito do artigo 640º do Código de Processo Civil, no que respeita à impugnação da matéria de facto, desde logo, e conforme refere o próprio Acórdão recorrido a “Ré/Recorrente impugnou a matéria de facto, alegando que não correspondem à realidade dos factos dados como provados os n.ºs 12, 19, 20, 23, 27, 29, 30, 31, 36, 37, 39, 45 a 48, 52 e 54, e ainda que devem ser dados por provados os constantes dos n.ºs 4 a 7 dos factos não provados”, com o que enunciou com total clareza toda a matéria factual incorretamente julgada e, concomitantemente, a que deveria ter sido julgada não provada e a que deveria ter sido julgada provada.

10ª Nas alegações de recurso apresentadas, a Recorrente, para cada um dos pontos de facto que entendeu estarem incorretamente julgados (já acima enunciados), indicou os concretos meios probatórios que reclamavam decisão distinta/oposta, identificando com rigor os depoimentos das testemunhas a que se referia, com indicação exata dos minutos e segundos onde constam tais declarações da gravação da audiência, e efetuando, em cada um deles, uma análise crítica e comparativa entre os factos dados como provados ou não provados e os respetivos depoimentos/declarações que versavam em sentido contrário/diverso, quer no todo ou em parte, daí retirando conclusões de facto sobre qual deveria, no seu ponto de vista, ter sido o entendimento do Tribunal a respeito de cada um dos factos.

11ª Seja no âmbito das suas alegações, seja em sede de conclusões, a Recorrente indicou sempre, portanto, qual a decisão relativamente à matéria de facto que, no seu entender, deveria ter sido proferida, elaborando um resumo cristalino acerca daquilo que, em substituição da decisão equivocada, deveria ter sido decidido.

12ª Resulta, assim, claro e evidente o cumprimento, por parte da Recorrente, do ónus que sobre a mesma impendia nos termos do artigo 640º do CPC, e em concreto, no que respeita à alínea c) do referido preceito legal.

13ª A não ser alterada a matéria de facto em conformidade com o propugnado pela Recorrente nas suas alegações de apelação, impõe-se o regresso dos autos ao Venerando Tribunal da Relação, para aí de conhecer do recurso de apelação acerca da matéria de facto.

14ª O Tribunal da Relação de Lisboa efetuou uma equivocada interpretação do artigo 640° do CPC, e ao adotar uma posição demasiado formalista e restritiva, violou de forma direta o disposto no referido preceito legal, bem como interpretou e aplicou a norma citada ao arrepio daquela que tem sido a linha desde sempre defendida pela nossa doutrina e jurisprudência, a qual tem procurado o primado da substância sobre a forma, linha, esta, que se deve manter e seguir.

15ª Devem, assim, as presentes Alegações de recurso, e bem assim, as já apresentadas pela Recorrente no âmbito do Recurso de Apelação interposto, e para as quais desde já se remetem para todos os devidos e efeitos legais, serem aceites e reapreciadas, sendo alterada a matéria de facto considerada provada e não provada, no sentido em que foi efetuada a respetiva prova, sendo esta devidamente valorada.

16ª Os factos que a Recorrente entende que foram praticados pelo A., e que ao mesmo imputou no âmbito do procedimento disciplinar e que considera ter demostrado e provado no âmbito dos presentes autos, consubstanciam a violação séria e culposa dos deveres laborais a que o A. se encontrava adstrito, resultando numa quebra absoluta da confiança outrora depositada no A. pela Recorrente, a qual não é passível de graduação e que torna imediata e praticamente impossível a manutenção da relação laboral existente. Assim deveria ter sido interpretado e aplicado o artigo 351.º do Código do Trabalho.

17ª Deve assim a decisão do tribunal a quo, constante do douto Acórdão recorrido, ser revogada e alterada, considerando-se que o despedimento do A. foi lícito por se verificar a ocorrência de factos passíveis de consubstanciar a sanção de despedimento com justa causa que lhe foi aplicada, absolvendo-se a Recorrente do pedido e de todas as quantias ao mesmo inerentes.

18ª Ainda que assim não se entenda, o que não se concede e apenas por mera hipótese de raciocínio se admite, sempre deverá ser revogada e alterada a decisão no que respeita ao montante da indemnização em substituição à reintegração no qual a Recorrente foi condenada, na medida em que, também quanto a este aspeto, a norma prevista no artigo 391º do Código do Trabalho foi equivocadamente interpretada, e em sentido que colide de forma direta com aquele que tem sido o entendimento da nossa doutrina e jurisprudência no que a esta matéria respeita.

19ª A condenação perto da moldura máxima (40 dias) estará sempre reservada a outros tipos de casos mais gravosos e escandalosos, como sejam, o despedimento fundado em questões discriminatórias, atuações de má-fé do empregador, nomeadamente a forja de provas ou factos para incriminar o trabalhador, entre outros; e por contraponto, nas situações em que os trabalhadores aufiram retribuições equivalentes ou próximas à RMMG - sendo que nenhuma dessas situações se verificou no caso dos presentes autos, antes pelo contrário!

20ª No caso em apreço, (i) foi levado a cabo um procedimento disciplinar de boa-fé, devidamente instruído e em cumprimento com todos os requisitos legais; (ii) em sede judicial foram demonstrados e comprovados vários dos comportamentos assumidos pelo A. no referido dia, que lhe haviam sido imputados, de onde resulta, necessariamente, a redução significativa (ou quase inexistência) da culpa ou grau de ilicitude por parte da Recorrente, e por contraponto as infrações disciplinares graves cometidas pelo A., (iii) o A. auferia uma retribuição mensal equivalente a praticamente o dobro da RMMG praticada em Portugal, o que corresponde a um salário muito acima da média atualmente praticada no país, detendo uma antiguidade reportada a 21 de janeiro de 1997.

21ª Atentos os critérios definidos no disposto do artigo 391º do Código do Trabalho, e as circunstâncias concretas do caso em apreço, aplicar-se uma indemnização perto do limite máximo previsto na lei colide de forma direta com os parâmetros definidos pela lei e com o sentido divergente da nossa doutrina e jurisprudência, devendo tal decisão ser alterada, condenando-se, ao invés, numa indemnização perto da moldura mínima legalmente definida (15 dias de retribuição por cada ano de antiguidade). Assim deve ser interpretado e aplicado o artigo 391.º do Código do Trabalho.

22ª A decisão recorrida violou, por equivocada interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 640.º do Código de Processo Civil e o disposto nos artigos 351.º e 391.º do Código do Trabalho.”

2 – ENQUADRAMENTO JURÍDICO ADJETIVO

Os presentes autos respeitam a processo especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento instaurada em 13 de julho de 2016.

- O acórdão recorrido foi proferido em 8.11.2017.

Assim sendo, são aplicáveis:

- O Código de Processo Civil (CPC) na versão emergente da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho;

- O Código de Processo do Trabalho (CPT), na versão emergente do DL n.º 295/2009, de 13 de outubro, entrada em vigor em 1 de janeiro de 2010.

3 - ÂMBITO DO RECURSO – DELIMITAÇÃO

Face às conclusões formuladas, as questões submetidas à nossa apreciação consistem em saber:

1 – Se no recurso de apelação e no que tange à impugnação da decisão sobre a matéria de facto foram cabalmente cumpridos pela recorrente os ónus impostos pelo art. 640º, nº 1, als. a) e c), do CPC;

2 – Se o despedimento do A. deve ser considerado lícito;

3 – Caso seja considerado ilícito, se a indemnização em substituição da reintegração deve ser fixada em 15 dias de retribuição por cada ano de antiguidade.

Considerando que os factos provados apenas relevam no caso de procedência da questão consignada no número 1, não procederemos à sua transcrição.

4 – FUNDAMENTAÇÃO

4.1 - O DIREITO

Debrucemo-nos então sobre as referidas questões que constituem o objeto do recurso, não sem que antes se esclareça que este tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas alegações e conclusões, mas apenas as questões suscitadas, bem como, nos termos dos arts. 608º, n.º 2, 663º n.º 2 e 679ºdo Código de Processo Civil, não tem que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras([4]).

4.1.1 – Se no recurso de apelação e no que tange à impugnação da decisão sobre a matéria de facto foram cabalmente cumpridos pela recorrente os ónus impostos pelo art. 640º, nº 1, als. a) e c), do CPC.

Referiu a Relação: «A Ré/recorrente, no texto das suas alegações, impugnou a matéria de facto, alegando que não correspondem à realidade os factos dados como provados nos n.ºs 12, 19, 20, 23, 27, 29, 30, 31, 36, 37, 39, 45 a 48, 52 e 54, e ainda que devem ser dados como provados os constantes nos nºs 4 a 7 dos factos não provados.

Vejamos. 

A Ré/recorrente, na impugnação deduzida descreve em termos genéricos a sua versão dos acontecimentos, mas sem concretizar suficientemente os factos que entendem ter sido apurados.

Nos termos do disposto no art.º 640 n.º 1 do CPC, cabe ao Recorrente o ónus [de] especificar, sob pena de rejeição - os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

No caso e relativamente a este ónus, a Recorrente invoca alguns depoimentos retirados fora de contexto, mas sem indicar, com o mínimo de precisão, os factos que entende terem resultado provados, o que torna imperceptível os termos em que a Recorrente pretende ver alterada a matéria de facto. Com efeito, não basta alegar que determinados factos não podem ser dados como provados, é necessário perceber em que medida é que, dos depoimentos invocados pela Recorrente, decorre a prova de outros factos, sendo para isso essencial, desde logo, saber quais são em concreto os factos que, no entender da Recorrente, devem ser dados como provados, pelo que é manifestamente insuficiente a alegação de uma outra versão dos acontecimentos, sem a indicação, em concreto, dos factos que devam ser considerados provados.

  Face ao exposto, porque a Recorrente não indicou em que termos alguns factos provados devem ser alterados, não cumpriu o ónus imposto pelo art.º640 n.º1, c) do CPC, ou seja, o de concretizar em que medida a prova produzida impunha uma decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto impugnados, pelo que se rejeita a apreciação da impugnação deduzida

Decidindo.

Estabelece o art. 640º do CPC:

“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”

Como resulta da transcrita fundamentação, a Relação escusou-se de conhecer do recurso no que tange à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, porque a recorrente não indicou nas alegações os factos que devem ser considerados provados, ou seja, não indicou “a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”, como estipulado na al. c) do nº 1 do art. 640º.

Vem sendo entendimento deste Supremo Tribunal e nomeadamente desta 4ª Secção que o cumprimento dos ónus do art. 640º do CPC não pode “redundar na adopção de entendimentos formais do processo por parte dos Tribunais da Relação, e que, na prática, se traduzem na recusa de reapreciação da matéria de facto, maxime da audição dos depoimentos prestados em audiência, coarctando à parte Recorrente o direito de ver apreciada e, quiçá, modificada a decisão da matéria de facto, com a eventual alteração da subsunção jurídica([5]).

E se é certo que este Supremo Tribunal vem sufragando um formalismo algo mitigado relativamente ao cumprimento dos ónus do art. 640º do CPC, vem todavia impondo como fronteira a possibilidade do tribunal de recurso conhecer, sem esforço acrescido, a pretensão do recorrente, ou seja, de apreender o objeto do recurso sem ter que se substituir ao recorrente nessa tarefa que sobre si impende.

E se não oferece dúvidas de que as alegações stricto sensu têm que conter aquelas indicações, também as conclusões as devem observar, na medida em que não só constituem a síntese das alegações como são elas, como referido, que definem o objeto do recurso e o âmbito do conhecimento do tribunal.

Vejam-se a título de mero exemplo os seguintes acórdãos desta 4ª secção, com os seguintes sumários (na parte que aqui releva):

De 7.07.2016, proc. n.º 220/13.8TTBCL.G1.S1 (Gonçalves Rocha):

“I. Para que a Relação conheça da impugnação da matéria de facto é imperioso que o recorrente, nas conclusões da sua alegação, indique os concretos pontos de facto incorrectamente julgados, bem como a decisão a proferir sobre aqueles concretos pontos de facto, conforme impõe o artigo 640.º, n.º 1, alíneas a) e c) do CPC. 

II. Não tendo o recorrente cumprido o ónus de indicar a decisão a proferir sobre os concretos pontos de facto impugnados, bem andou a Relação em não conhecer da impugnação da matéria de facto, não sendo de mandar completar as conclusões face à cominação estabelecido naquele n.º 1 para quem não os cumpre.

(…)”

De 12.05.2016, proc. 324/10.9TTALM.L1.S1, (Ana Luísa Geraldes):

“1 - No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao Recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe.

II – Servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso.”

De 27.10.2016, proc. 110/08.6TTGDM.P2.S1 (relatado pelo aqui relator e subscrito pelo, também aqui, primeiro adjunto):

“1 – Sendo as conclusões não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações stricto sensu, mas também e sobretudo as definidoras do objeto do recurso e balizadoras do âmbito do conhecimento do tribunal, no caso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente indicar nelas os concretos pontos de facto cuja alteração se pretende e o sentido e termos dessa alteração.

2 – Omitindo o recorrente a indicação referida no número anterior o recurso deve ser rejeitado nessa parte, não havendo lugar ao prévio convite ao aperfeiçoamento.”

De 26.11.2005, proc. 291/12.4TTLRA.C1.S1 (Leones Dantas):

1 – As exigências decorrentes dos n.ºs 1 e 2 do artigo 640.º do Código de Processo Civil têm por objeto as alegações no seu todo, não visando apenas as conclusões que, nos casos em que o recurso tenha por objeto matéria de facto, deverão respeitar também o n.º 1 do artigo 639.º do mesmo código.

2 − Não se exige, assim, ao recorrente, no recurso de apelação, quando impugna o julgamento da matéria de facto, que reproduza exaustivamente o alegado na fundamentação das alegações.

3 – Nas conclusões do recurso de apelação em que impugne matéria de facto deve o recorrente respeitar, relativamente a essa matéria, o disposto no n.º 1 do artigo 639.º do Código de Processo Civil, afirmando a sua pretensão no sentido da alteração da matéria de facto e concretizando os pontos que pretende ver alterados.”

De 4.03.2015, proc. 2180/09.0TTLSB.L1.S2 (Leones Dantas):

“1 – As exigências decorrentes dos n.ºs 1 e 2 do artigo 685.º-B do anterior Código de Processo Civil têm por objecto as alegações no seu todo, não visando apenas as conclusões que, nos casos em que o recurso tenha por objecto matéria de facto, deverão respeitar também o n.º 1 do artigo 685.º-A do mesmo código.

2 − Não se exige, assim, ao recorrente, no recurso de apelação, quando impugna o julgamento da matéria de facto, que reproduza exaustivamente o alegado na fundamentação das alegações.

3 – Nas conclusões do recurso de apelação em que impugne matéria de facto deve o recorrente respeitar, relativamente a essa matéria, o disposto no n.º 1 do artigo 685.º--A do Código de Processo Civil, afirmando a sua pretensão no sentido da alteração da matéria de facto e concretizando os pontos que pretende ver alterados.”

De 1.03.2007, proc. 06S3405 (Pinto Hespanhol):

“1. O artigo 690.º-A do Código de Processo Civil impõe um ónus especial de alegação quando se pretenda impugnar a decisão sobre a matéria de facto, que envolve a indicação dos concretos pontos de facto que se considera incorrectamente julgados e dos concretos meios probatórios em que se baseia a impugnação, e que se destina a garantir que a parte fundamente a sua discordância em relação ao decidido, identificando os erros de julgamento que ocorreram na apreciação da matéria de facto.

2. Se um dos fundamentos do recurso é o erro de julgamento da matéria de facto, compreende-se que os concretos pontos de facto sobre que recaiu o alegado erro de julgamento tenham de ser devidamente especificados nas conclusões da alegação do recurso, mas já não faz qualquer sentido que o recorrente tenha de indicar, nessas mesmas conclusões, os meios probatórios em que fundamenta a impugnação da matéria de facto.

(…)

De 18.02.2016, proc. 558/12.1TTCBR.C1.S1 (Leones Dantas):

“(…)

3 – Nas conclusões da alegação do recurso de apelação em que impugne matéria de facto deve o recorrente respeitar, relativamente a essa matéria, o disposto no n.º 1 do artigo 639.º do Código de Processo Civil, afirmando a sua pretensão no sentido da alteração da matéria de facto e concretizando os pontos que pretende ver alterados.”

No caso sub judice refere a recorrente no corpo das alegações, a fls. 293 e 294 dos autos: “[C]onforme demonstraremos mais adiante, não correspondem à realidade os factos dados como provados nos números 12, 19, 20, 23, 27, 29, 30, 31, 36, 37, 39, 45, 46, 47, 48, 52 e 54. Por outro lado, devem os factos constantes dos números 4, 5, 6 e 7 da lista dos factos não provados (II. B) da douta sentença) serem dados como provados”.

Perante este segmento e tão perentória afirmação, parece impor-se a conclusão de que a recorrente indicou os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, ou seja, que devem ser retirados da factualidade provada os consignados sob os números 12, 19, 20, 23, 27, 29, 30, 31, 36, 37, 39, 45, 46, 47, 48, 52 e 54 e, do mesmo passo, serem julgados provados os consignados sob os nºs 4, 5, 6 e 7 da lista dos factos não provados.

Porém, as conclusões são totalmente omissas quanto a esta pretensão, tendo a recorrente se limitado a consignar a factualidade que entende ter resultado provada, mas sem indicar, por referência aos concretos pontos de facto que constam da sentença e que impugna, os que pretende sejam alterados, eliminados ou acrescentados à factualidade provada.

Nas conclusões limita-se a recorrente a consignar como provada uma factualidade que, não só não condiz com o que consta nos nºs 4, 5, 6 e 7 da lista dos factos não provados, como também constitui uma versão diferente de alguns dos factos consignados sob os números 12, 19, 20, 23, 27, 29, 30, 31, 36, 37, 39, 45, 46, 47, 48, 52 e 54, que no corpo das alegações referiu como devendo ser eliminados. Ou seja, nas conclusões a recorrente insere factos que, no corpo das alegações entendera não estarem provados e factos diversos daqueles que pretendia que fossem julgados provados e fê-lo sempre sem concretizar esses pontos de facto por referência ao que consta da sentença.

A título de exemplo, o facto que indica sob o nº 1, que entende ter resultado provado, corresponde a uma nova versão do facto dado como provado sob o nº 12. Ou seja, consigna a versão do facto que entende dever ser dada como provada, mas sem se reportar ao facto 12 que alegara não ter sido provado.

Também a matéria que indica sob o número 2 consubstancia uma espécie de síntese dos factos consignados na sentença sob os números 13, 14 e 15 e que não impugnara no recurso. Apesar disso, pretende que a respetiva reformulação dando-se como provada a versão que indica. Mas fá-lo também sem se reportar aos concretos pontos de facto constantes da sentença.

E o facto que indica sob o nº 3 constitui, da mesma forma, a síntese do facto provado sob o nº 18 e de outros não impugnados, mas sem concretizar qualquer deles.

Ora, por menor exigência formal que se adote relativamente ao cumprimento dos ónus do art. 640º do CPC e em especial dos estabelecidos nas suas alíneas a) e c) do nº 1, sempre se imporá que seja feito de forma a não obrigar o tribunal de recurso a substituir-se ao recorrente na concretização do objeto do recurso. É o recorrente quem tem que proceder, nas conclusões, à indicação precisa do que pretende do tribunal “ad quem”, como corolário não só o princípio do dispositivo, como também da autorresponsabilização das partes.

No caso dos autos, é inquestionável que a recorrente não especificou nas conclusões os concretos pontos de facto que considerava incorretamente julgados, por referência ao consignado na sentença relativamente aos factos provados e não provados. Limitou-se a consignar uma versão da totalidade dos factos que considerava provados, diversa da constante na sentença, inclusive quanto a factualidade não impugnada.

Conclui-se, assim, que a recorrente não observou o formalismo mínimo legalmente exigido para a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, não tendo cumprido, nas conclusões, o estabelecido no art. 640º, nº 1, als. a) e c) do CPC.

Bem andou, por isso, a Relação ao rejeitar o recurso relativamente à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, negando-se, por conseguinte, a revista nesta parte.

4.2.2 – Se o despedimento do A. deve ser considerado lícito.

4.2.3 – Caso seja considerado ilícito, se a indemnização em substituição da reintegração deve ser fixada em 15 dias de retribuição por cada ano de antiguidade.

Tendo sido negada a revista no que tange à decisão da Relação de rejeição do recurso quanto à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, verifica-se que, relativamente às demais questões objeto do recurso, a Relação confirmou a sentença, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diversa.

Estamos, por conseguinte, perante uma situação de dupla conforme impeditiva do conhecimento, neste momento, das questões epigrafadas.

Tendo a recorrente interposto recurso de revista excecional, impõe-se a remessa dos autos à formação a que se refere o n.º 3 do art. 672.º do CPC, a fim de determinar se, perante a fundamentação apresentada pela recorrente, se verifica algum dos pressupostos de que depende a sua admissibilidade.

5 - DECISÃO

Pelo exposto delibera-se:

1 – Confirmar o acórdão recorrido na parte em que rejeitou a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

2 – Determinar a distribuição dos autos à formação a que se refere o n.º 3 do art. 672.º do CPC, para decisão sobre os pressupostos de admissibilidade da revista excecional quanto às demais questões objeto da revista.

3 – Condenar a recorrente nas custas da revista na parte em que já decaiu e que se fixa em 1/3.

Anexa-se o sumário do acórdão.


Lisboa, 16.05.2018

Ribeiro Cardoso (Relator)

Ferreira Pinto

Chambel Mourisco

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[1] Relatório elaborado tendo por matriz o constante no acórdão recorrido.
[2] Acórdão redigido segundo a nova ortografia com exceção das transcrições (em itálico) em que se manteve a original.
[3] Cfr. 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do Código de Processo Civil, os Acs. STJ de 5/4/89, in BMJ 386/446, de 23/3/90, in AJ, 7º/90, pág. 20, de 12/12/95, in CJ, 1995, III/156, de 18/6/96, CJ, 1996, II/143, de 31/1/91, in BMJ 403º/382, Rodrigues Bastos, in “NOTAS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL”, vol. III, pág. 247 e Aníbal de Castro, in “IMPUGNAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS”, 2ª ed., pág. 111.    
[4] Ac. STJ de 5/4/89, in BMJ, 386º/446 e Rodrigues Bastos, in NOTAS AO Código de Processo CivIL, Vol. III, pág. 247.
[5] Acórdão desta 4ª Secção de 18-05-2017, Proc. n.º 2537/15.8T8VNG.P1.S1 (Ana Luísa Geraldes) e subscrito pelos aqui relator e 1º adjunto.