Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
13/11.7TBPSR.E1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: GARCIA CALEJO
Descritores: IMPUGNAÇÃO PAULIANA
DÍVIDA DE CÔNJUGES
MEAÇÃO
BENS COMUNS
MORATÓRIA
Data do Acordão: 03/12/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / GARANTIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES / CONSERVAÇÃO DA GARANTIA PATRIMONIAL / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / REALIZAÇÃO COACTIVA DA PRESTAÇÃO ( REALIZAÇÃO COATIVA DA PRESTAÇÃO ) - DIREITO DA FAMÍLIA / CASAMENTO / EFEITOS DO CASAMENTO QUANTO AOS BENS DOS CÔNJUGES.
Doutrina:
- Almeida Costa, Obrigações, 3ª edição, 610.
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 7ª edição, Vol. II, 457, 458.
- Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil” Anotado, Vol. I, 4ª edição, 633.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 616.º, N.º1, 818.º, 1696.º, N.º1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC): - ARTIGO 740.º, N.º1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:
-DE 19-03-2009, EM HTTP://WWW.DGSI.PT/JTRP.NSF .
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ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 19-4-2000, DE 9-1-2003, DE 13-12-2005 (COL. JUR. STJ, TOMO III, 2005, PÁG. 164), DE 9-12-2004 (INDICADO NESSE ARESTO) E DE 6-11-2008 DE 14-12-2006, TODOS ACESSÍVEIS EM HTTP://WWW.DGSI.PT/JSTJ.NSF/ .
Sumário :

I - “Actuando” a impugnação pauliana sobre bens de terceiros (a restituir ao património do cônjuge devedor na medida necessária à satisfação do crédito do impugnante), nunca a acção poderia proceder apenas em parte, restrita à meação do cônjuge devedor. Após o acto de alineação, passando a ser de terceiros, os bens deixaram de fazer parte do património comum do casal e, consequentemente, deixa de ter cabimento qualquer consideração sobre se a dívida será somente da responsabilidade do cônjuge devedor.

II - O n.º 1 do art. 1696.º do CC que estabelece que pelas dívidas da exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges respondem bens próprios do cônjuge devedor e, subsidiariamente, a sua meação nos bens comuns, não tem aplicação directa à situação vertente porque com a transmissão dos bens para o património de terceiros deixa de poder considerar-se a qualidade que os bens tinham antes da transmissão.

III - De qualquer forma o art. 1696.º, n.º 1, do CC, foi alterado pelo DL n.º 329-A/95, de 12-12, diploma que acabou com a moratória na execução dos bens comuns do casal, pelo que, agora, ao contrário de anteriormente, a meação nos bens comuns não responde somente depois de dissolvido, declarado nulo ou anulado o casamento, ou depois de decretada a separação judicial de pessoas e bens ou a simples separação judicial de bens. Respondendo de imediato, subsidiariamente, sem moratória, podem ser logo penhorados bens comuns do casal, pelo credor, razão por que não se vê qualquer razão para, em termos de impugnação pauliana, se poder somente considerar impugnada a alienação da quota/meação do devedor, nesses bens comuns.

Decisão Texto Integral:


             Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

                       

                       

                       

                        I- Relatório:

                        1-1- O Banco AA SA, com sede na Av. …., nº …, em Lisboa, instaurou a presente acção com forma de processo ordinário contra BB, CC, DD e EE, residentes na Av. …, nº … em …, bem como contra a FF, Lda, com sede na mesma morada, pedindo que lhe seja reconhecido o direito à restituição dos bens, na medida do seu interesse, na execução pendente contra o R. BB, podendo, consequentemente, executá-lo no património dos RR. DD e EE quanto à fracção autónoma designada pela letra “A”, destinada a armazéns e actividade industrial, composta por stand, arrecadação, escritório, garagem e oficina, situada no rés-do-chão, integrada no prédio urbano sito na Avenida …, nº …, freguesia e concelho de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o número … e inscrito a matriz sob o artigo …º e, no património da R. FF, Lda quanto ao urbano, destinado a habitação, sito na Rua …, nº .., freguesia e concelho de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº …, inscrita na matriz sob artigo …º e ainda praticar sobre eles todos os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei.             Fundamenta este pedido, em síntese, dizendo que no exercício da sua actividade, celebrou com a GG – …, SA um contrato de abertura de crédito até ao montante máximo de € 150.000,00, que, por sua vez, lhe entregou uma livrança pela mesma subscrita e avalizada pelo R. BB. Em 17.05.2010, por via do incumprimento, a A. informou a GG – …, SA e o R. BB da denúncia do contrato e consequente preenchimento da livrança com o montante de € 160.769,47, sendo este informado de que o pagamento deveria ser efectuado até 27.05.2010, o que não foi feito. Em consequência, instaurou uma acção executiva para pagamento coercivo da quantia de € 183.410,47, que corre termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Ponte de Sôr com o nº 585/10.3TBPSR, em que são executados a GG – …, SA e o ora R. BB, tendo como títulos executivos as duas livranças. No âmbito dessa execução, o A. localizou diversos imóveis da GG – …, SA, todos eles onerados, termos em que são diminutas as possibilidades de vir a ver-se ressarcido à custa dos mesmos por via da venda. Apurou ainda que os RR. BB e CC foram proprietários de dois prédios urbanos, que foram objecto de transmissão, por doação, aos RR. DD e EE, um em 27.12.2007 e outro em 23.02.2010, sendo que o primeiro foi ulteriormente vendido à R. FF. A GG não tem bens susceptíveis de penhora e os RR. DD e EE são únicos sócios e gerentes da R. sociedade, tendo perfeito conhecimento da situação devedora e de incumprimento da GG – …, SA e do R. BB, e tendo as negociações existentes, nas quais aqueles intervieram, o único escopo extinguirem/diminuírem significativamente as garantias patrimoniais do seu crédito. Conclui afirmando estarem reunidos os pressupostos da impugnação pauliana e termina pelo pedido acima referenciado.

                       

                        Os RR. contestaram pugnando pela improcedência da acção.

                        Na réplica o A. manteve a tese da petição inicial.

                       

                        O processo seguiu os seus regulares termos posteriores, tendo-se proferido o despacho saneador, após o que se fixaram os factos assentes e se organizou a base instrutória, se realizou a audiência de discussão e julgamento, se respondeu à base instrutória e se proferiu a sentença.

                       

                       Nesta julgou-se a acção procedente por provada e, em consequência, reconheceu-se ao A. Banco AA, SA o direito à restituição dos bens, na medida do seu interesse na execução pendente contra o R. BB, podendo, consequentemente, executá-lo no património dos RR. DD, EE quanto à fracção autónoma designada pela letra “A”, integrada no prédio urbano sito na Avenida …, nº …, freguesia e concelho de …, descrito na Conservatória do Registo Predial … sob o número … e inscrito a matriz sob o artigo … e no património da R. FF, Lda quanto ao urbano sito na Rua …, nº …, freguesia e concelho de …, descrito na Conservatória do Registo Predial … sob o nº …, inscrita na matriz sob artigo … e ainda de praticar sobre eles todos os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei.

                         

                       1-2- Não se conformando com esta decisão, dela recorreram os RR. de apelação para o Tribunal da Relação de Évora, tendo-se aí, por acórdão de 22-5-2014, julgado improcedente o recurso, confirmando-se a sentença recorrida.

                       

                        1-3- Irresignados com este acórdão, dele recorreram os RR. para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido pela Formação de Juízes a que alude o art. 672º nº 3 do Novo C.P.Civil, como revista excepcional (somente) quanto à questão de a procedência da impugnação pauliana se dever restringir a metade dos imóveis doados e já não a totalidade desses imóveis (como decidiu o acórdão recorrido), por ocorrer contradição de acórdãos, recurso com efeito devolutivo.

                       

                       Os recorrentes alegaram, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões (quanto ao tema em apreciação):

                      …11- Não procedendo as razões expostas, daí não decorre que os bens doados possam ficar por inteiro expostas à execução do recorrido credor. Se os bens continuassem na esfera patrimonial do recorrente BB e CC, esta poderia, na execução, requerer a separação da sua meação. Seria iníquo que, só porque os bens foram doados, se entendesse que os terceiros adquirentes perderam a possibilidade de acautelar o que àquela pertencia (metade) e poderia ter acautelado se continuasse dona deles.

                       12- Como se sabe não é pela procedência da pauliana, por si, que o credor pode atingir os bens alienados. Só através da execução eles podem ser atingidos. E tem-se por adquirido (como principio de direito e sentimento de justiça) que, limitado como está pelo âmbito subjectivo do título, não pode o credor perseguir mais bens do que aqueles que poderia perseguir se o devedor nada tivesse alienado.

                       13- Ora, a execução instaurada pelo Banco, referida na al. G), só corre contra o Réu BB, não contra sua mulher, a Ré CC.

                       14- A circunstância de os bens terem, pelas doações, deixado o património dos cônjuges e passado ao património de terceiros (os filhos quanto ao bens da al. M) e a FF quanto ao bem da al. J) não é impeditiva do respeito da meação do cônjuge não devedor.

                        15- Ao proceder à doação, tudo se passa como se cada cônjuge doasse metade de cada bem. Não diz isso a lei expressamente, mas resulta isso das regras da comunhão, com expressão, entre outros, no art. 2117° do C. Civil (que, em sede de colação, dispõe que "sendo a doação de bens comuns feita por ambos os cônjuges, conferir-se-á metade por morte de cada um" e do art. 956° nº 1 do mesmo código de que decorre que seriam nulas as doações se pudessem valer como feitas só pelo Réu BB.

                       16- Portanto, para evitar a iniquidade a que, com o devido respeito, leva a solução da douta sentença, haverá que declarar-se que só metade de cada bem pode ser atingida no património dos beneficiários das alienações ou deixar claro que, na execução, terá de ser dada a esses terceiros a faculdade de poderem requerer a separação da metade tida como recebida de D. CC.

                       17- Foi com essa solução que o acórdão do Supremo de 24-10-2002 acima referido iluminou a questão, ao apontar caminho que, respeitando o direito do credor quanto a metade dos bens, conceda aos terceiros adquirentes deles (sucessores no direito do cônjuge não devedor) a possibilidade de promover, na execução, a separação das meações, por forma a verem tutelada a quota parte nos bens doados recebida de quem nada devia. Também essa a solução decorrente do acórdão da Relação do Porto de 6-5-2004.

                       18- Não decidindo assim, o douto acórdão recorrido violou o disposto no art. 1696°, nº 1 do C. Civil, que afasta da responsabilidade por dívidas do outro cônjuge o património do cônjuge não devedor.

                       Nestes termos e nos mais de direito que V. Exas, Senhores Conselheiros, doutamente suprirão:

                        I- …

                        II- …

                       III- Deve, em qualquer caso, com relação aos bens a respeito dos quais a acção proceder, declarar-se que só metade de cada um dos bens doados pode ser atingida a favor do credor ou dar-se aos terceiros, actuais proprietários deles, a faculdade de pedirem eles próprios a separação da meação, nos termos em que a poderia pedir o cônjuge doador não devedor.

                         

                       O recorrido contra-alegou, pronunciando-se pela confirmação do acórdão recorrido.

                       

                        Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:

                       

                        II- Fundamentação:

                       2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, apreciaremos (nesta revista excepcional) apenas a questão que ali foi enunciada (art. 639º nºs 1 e 2 do Novo C.P.Civil).

                       Nesta conformidade, será o seguinte o assunto a conhecer e decidir:

                        - Se a impugnação só deveria actuar sobre a metade dos bens doados pelo cônjuge devedor.

                       

                       2-2- Vem fixada das instâncias a seguinte matéria de facto:

                        A. No exercício da sua actividade, o ora Autor celebrou com a “GG – …, SA” e o ora Réu BB, por documento datado de 5 de Janeiro de 2007, um acordo intitulado “Financiamento nº …”, junto a fls. 13 e 14, nos termos do qual foram estipuladas como condições particulares, nomeadamente as seguintes:

1. Crédito: Montante Máximo Global de 150.000,00 EUR (cento e cinquenta mil euros).

2. Finalidade: Apoio de Tesouraria.

3. Data Efectiva: A data efectiva corresponderá à data da assinatura do contrato por todos os intervenientes.

4. Prazo: 90 dias.

5. Disponibilização: Imediata.

(…)

8. Utilização

Regime de utilização: Utilização livre.

- Reutilização: Crédito reutilizável

(…)

Reembolso do crédito: O montante do saldo em dívida será reembolsado ao AA pelo Cliente no fim do prazo estabelecido na Cláusula com a epígrafe “Prazo”

(…)

3. Garantias de Crédito:

- Livrança subscrita pelo Cliente e avalizada;”

                       B. Mais acordaram que o referido contrato seria regido pelas condições gerais constantes de fls. 15 a 17, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, de entre as quais constam as seguintes:

“5. Reutilização do Crédito

§ 1 Caso o crédito seja reutilizável, o prazo de vigência do Contrato será sucessivamente renovado por iguais períodos se não for denunciado pelo AA, ou pelo Cliente

§ 2 A denúncia do Contrato dar-se-á por carta registada com aviso de recepção enviada com a antecedência mínima de quinze dias em relação ao fim do período em curso

§ 3 Caso o crédito não seja reutilizável, o Cliente não pode reutilizar quaisquer montantes que, por qualquer motivo, tenham sido objecto de reembolso, ainda que antecipado

(…)

11. Juros de mora e anatocismo

No caso de mora no pagamento de qualquer importância devida em virtude do Contrato, o Cliente fica obrigado a pagar, sem necessidade de ser interpelado, uma quantia determinada pela taxa de juro igual à que esteja em vigor no momento da constituição em mora, acrescida da sobretaxa máxima que a lei a cada momento permitir, a título de cláusula penal, incidindo sobre o montante em atraso.

Os juros serão capitalizados na máxima amplitude legalmente admitida

(…)

17. Garantias/Disposições comuns

§ 1 Para efeitos do Contrato, considera-se abrangida pelas estipulações referentes às garantias a livrança entregue ao AA com data de preenchimento e valor em branco, esteja ou não avalizada

(…)

§ 4 O Prestador da Garantia compromete-se a comunicar de imediato ao AA qualquer facto que diminua ou possa levar à diminuição do objecto da garantia ou do respectivo valor

(…)

19. Livrança

§ 1 O AA poderá accionar ou descontar a livrança que lhe é entregue pelo Cliente no caso de incumprimento das obrigações (…) no contrato.

§ 2 O AA fica autorizado pelo Cliente e pelo(s) avalista(s), caso existam, a preencher a livrança com uma data de vencimento posterior ao vencimento de qualquer obrigação garantida e por uma quantia que o Cliente lhe deva ao abrigo do Contrato.

(…)

32. Vencimento antecipado

As seguintes situações são passíveis de ser consideradas como fundamento de um vencimento antecipado das obrigações do Cliente

a) Mora ou não cumprimento por parte do Cliente e/ou do Prestador de Garantia de qualquer obrigação resultante do Contrato

(…)

33. Direitos do AA em caso de vencimento antecipado

§ 1 A qualquer momento, após a ocorrência de uma situação de vencimento antecipado, o AA poderá exercer todos ou qualquer um dos direitos e/ou acções seguintes, disso notificando o Cliente e/ou o Prestador de Garantia:

a) Cancelar o Crédito não utilizado

b) Declarar imediatamente vencidas todas as obrigações assumidas pelo Cliente no Contrato, exigindo o pagamento imediato da totalidade de todos os montantes devidos ao seu abrigo

c) Proceder à imediata execução de todas ou parte das garantias (…)”;

                        C. O ora Autor endereçou à “GG, SA” carta datada de 17 de Maio de 2010 e junta a fls. 19, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

                        D. O ora Réu BB não procedeu ao pagamento, ao ora Autor, da quantia de € 160.769,47;

                       E. Em 9/07/2008, o ora Autor, a pedido da “GG, SA” entregou a esta a quantia de € 37.500,00, tendo por contrapartida a entrega ao ora Autor de uma livrança subscrita pela própria “GG, SA” e avalizada pelo ora réu BB e vencimento em 7/10/2008 (cfr. fls. 20);

                        F. Em 9/10/2008 o referido título foi objecto de reforma, tendo originado uma nova livrança no valor facial de € 28.125,00 que na respectiva data de vencimento igualmente, reformada pela livrança de valor facial de € 18.750,00;

                        G. Em 19 de Outubro de 2010, o ora Autor deu entrada da acção executiva, para pagamento da quantia de € 183.410,47 (cento e oitenta e três mil quatrocentos e dez Euros e quarenta e sete cêntimos), que corre termos na Secção Única do Tribunal Judicial da Comarca de Ponte de Sôr, com o nº 585/10.3TBPSR e em que são Executados “GG – …, SA” e o ora Réu BB, cujos títulos executivos são duas livranças avalizadas pelo aqui Réu BB (cfr. fls. 26 e 27, cujo teor damos aqui por reproduzido);

                       H. Para garantia do pagamento da quantia exequenda supra citada, o ora Autor localizou os seguintes imóveis:

- fracção autónoma designada pela letra “A” do prédio urbano sito na Avenida da …, nº …, freguesia e concelho de …, inscrita a aquisição a favor da “GG, SA”, descrita na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº …, sobre o qual se encontra registada uma penhora para garantia do pagamento da quantia de € 34.720,86 e uma hipoteca legal para garantia do pagamento da quantia de € 75.864,21 (cfr. fls. 33-34);

- prédio urbano sito na Rua …, nº …., freguesia e concelho de …, inscrita a aquisição a favor da “GG, SA”, descrito na Conservatória do Registo Predial … sob o nº …, sobre a qual se encontram registadas duas penhoras: uma para garantia do pagamento da quantia de € 34.720,86 e outra para garantia do pagamento da quantia de € 22.162,23 (cfr. fls. 35 e 36);

- casa de rés-do-chão, destinada a habitação do prédio urbano sito na Avenida da …, nº …, freguesia e concelho de …, inscrita a aquisição a favor da “GG, SA”, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº …, sobre o qual se encontra registada uma hipoteca a favor do Banco HH, para garantia do pagamento do capital máximo assegurado € 407.787,58 (cfr. fls. 37 e 38);

                       I. Os ora Réu BB e CC foram proprietários dos seguintes imóveis:

a) prédio urbano, destinado a habitação, sito na Rua …, número …, freguesia e concelho de …, descrito na Conservatória do Registo Predial … sob o número …, inscrito na matriz sob o artigo …;

b) fracção autónoma designada pela letra “…”, destinada a armazéns e actividade industrial, composta por stand, arrecadação, escritório, garagem e oficina, situada no rés-do-chão, integrada no prédio urbano sito na Avenida …, nº …, freguesia e concelho de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o número … e inscrito na matriz sob o artigo …;

                      J. Os ora Réus BB e CC, por escritura outorgada em 27/12/2007, declaram doar aos ora Réus DD e EE, entre outros, o prédio urbano, destinado a habitação, sito na Rua …, número …, freguesia e concelho de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o número …, inscrito na matriz sob o artigo … (cfr. documento de fls. 45 a 49, cujo teor se dá aqui por reproduzido);

                       L. Em 05/01/2010, por meio de escritura de compra e venda, os ora Réus DD e EE declaram vender à ora Ré “FF, Lda” o imóvel descrito em J) dos factos assentes (cfr. documento de fls. 50 a 57, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);

                        M. A ora Ré FF, Lda tem inscritos na Conservatória do Registo Comercial como únicos sócios e únicos gerentes os ora Réus DD e EE (cfr. fls. 58 e 59);

                       N. Os ora Réus BB e CC, por escritura outorgada em 23/02/2010, declaram doar aos ora Réus DD e EE, entre outros, a fracção autónoma designada pela letra “…”, destinada a armazéns e actividade industrial, composta por stand, arrecadação, escritório, garagem e oficina, situada no rés-do-chão, integrada no prédio urbano sito na Avenida …, nº …, freguesia e concelho de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o número … e inscrito na matriz sob o artigo … (cfr. documento de fls. 60 a 63, cujo teor damos aqui por integralmente reproduzido);

                        O. A sociedade “GG, SA” tem inscrito na Conservatória do Registo Comercial como o administrador único o ora Réu BB;

P. O ora Autor endereçou ao ora Réu BB a carta datada de 17/05/2010, junta fls. 19 comunicando-lhe: “Vimos por este meio confirmar que o contrato acima referido, do qual V. Ex.a é avalista, encontra-se já em fase de contencioso. Deste modo foi denunciado pelo que, e de acordo com as cláusulas contratuais, é agora exigido o pagamento da totalidade do valor do contrato (…). Informamos ainda que, igualmente ao abrigo do clausulado contratual foi efectuado o Preenchimento da Livrança de Caução, entregue para o efeito por V. Ex.a, com o montante de 160.769,47 EUROS. (…) O valor da dívida refere-se às seguintes parcelas vencidas:

Capital 150.000,00 EUR

JUROS, devidos desde 03/02/2009 à taxa de 6,314 3.105,76 EUR

JUROS AMORTIZADOS (-) 2.336,29 EUR

TOTAL DA LIVRANÇA A PAGAR 160.769,47 EUR

(…)”;

                       Q. Mais informando o ora Réu BB que o pagamento deveria ser efectuado até 27/05/2010;

                        R. O Incumprimento do contrato de financiamento supra descrito remonta a 03/02/2009;

                       S. A dívida emergente da livrança do valor facial de € 18.750,00 remonta a 09/07/2008;

                       T. Quando os Réus DD e EE venderam à ré “FF” o imóvel supra descrito sabiam que o autor pretendia lançar mão dos meios judiciais para ressarcimento do seu crédito;

                        U. Os ora Réus DD e EE sabiam, em 05/01/2010 que a GG e o ora Réu BB eram devedores das quantias que servem de base à execução supra referida;

                       V. Quando a “GG, SA” começou a ter dificuldades em liquidar as prestações relativas ao financiamento, foi tentada a renegociação as responsabilidades vencidas com o réu BB, com o conhecimento do réu EE.

                       X. Foi com o propósito deliberado de impedir ou agravar a viabilidade do pagamento ao ora Autor dos créditos avalizados pelo Réu BB que, nos dias 27/12/2007 e 23/02/2010, respectivamente os ora Réus procederam às indicadas doações;

                       Z. Estavam os ora Réus BB e CC, nessas datas conscientes prejuízo que as doações outorgadas iriam causar ao credor, ora Autor;

                       AA. Os ora Réus DD e EE tinham consciência do prejuízo que iam causar ao ora Autor quando em 05/01/2010 venderam à ora Ré FF o prédio urbano supra identificado;

                       AB. A penhora inscrita sobre a fracção descrita na Conservatória do Registo Predial de … sob a ficha …  da freguesia de …, para garantia da quantia exequenda de € 34.720,86 encontra-se inscrita sob a Ap. 1640 de 2009/10/20;

                        AC. A hipoteca legal inscrita sobre a fracção descrita na Conservatória do Registo Predial … sob a ficha … da freguesia de …, para garantia do capital de € 75.864,21 encontra-se inscrita sob a Ap. 3024 de 2010/02/23 – cfr. doc. de fls. 33 e 34, e de fls. 271 a 274, que se dá por integralmente reproduzidos;

                       AD. A penhora inscrita sobre o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob a ficha … da freguesia de …, para garantia da quantia exequenda de € 34.720,86 encontra-se inscrita sob a Ap. 1640 de 2009/10/20;

                       AE. A penhora inscrita sobre o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob a ficha 5550/20020218 da freguesia de …, para garantia da quantia exequenda de € 22.162,23 encontra-se inscrita sob a Ap. 5568 de 2010/02/26 – cfr. doc. de fls. 35 e 36, que se dá por integralmente reproduzido;

                        AF. A hipoteca voluntária inscrita sobre o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob a ficha 1027/19871010 da freguesia de …, para garantia do montante máximo de € 407.787,58 encontra-se inscrita sob a Ap. 5 de 2008/12/19 – cfr. doc. de fls. 37 e 38, que se dá por integralmente reproduzido;

                      AG. BB e CC casaram um com o outro no dia 24 de Abril de 1965, sem escritura antenupcial – cfr. doc. de fls. 255, que se dá por integralmente reproduzido. --------------

                       

                       2-3- No douto acórdão recorrido, confirmando-se a sentença de 1ª instância, reconheceu-se ao A., Banco AA, SA, o direito à restituição (da totalidade) dos bens, na medida do seu interesse na execução pendente contra o R. BB, podendo, consequentemente, executá-los no património dos indicados RR.

                       É sobre esta parte da decisão que os recorrentes mostram o seu inconformismo. É que no seu prisma deveria ter-se declarado que só sobre metade dos bens doados pelo cônjuge devedor a impugnação pauliana deveria actuar. Isto porque tratando-se de bens comuns do casal (constituído pelo R. BB e CC) e sendo somente devedor do Banco A. esse R., apenas a meação deste poderia ser atingida pela impugnação. Se os bens continuassem na esfera patrimonial do recorrente BB e CC, esta poderia, na execução, requerer a separação da sua meação. Seria iníquo que, só porque os bens foram doados, se entendesse que os terceiros adquirentes perderam a possibilidade de acautelar o que àquela pertencia (metade) e poderia ter acautelado se continuasse dona deles. Tem-se por adquirido (como principio de direito e sentimento de justiça) que, limitado como está pelo âmbito subjectivo do título, não pode o credor perseguir mais bens do que aqueles que poderia perseguir se o devedor nada tivesse alienado, sendo que a execução instaurada pelo Banco só corre contra o R. BB, não contra sua mulher, a R. CC. A circunstância de os bens terem, pelas doações, deixado o património dos cônjuges e passado ao património de terceiros, não é impeditiva do respeito da meação do cônjuge não devedor. Ao proceder à doação, tudo se passa como se cada cônjuge doasse metade de cada bem. Não diz isso a lei expressamente, mas resulta isso das regras da comunhão, com expressão, entre outros, no art. 2117° do C. Civil. Portanto, para evitar a iniquidade a que leva a solução da douta sentença, haverá que declarar-se que só metade de cada bem pode ser atingida no património dos beneficiários das alienações ou deixar claro que, na execução, terá de ser dada a esses terceiros a faculdade de poderem requerer a separação da metade tida como recebida da R. CC. Não decidindo assim, o douto acórdão recorrido violou o disposto no art. 1696°, nº 1 do C. Civil, que afasta da responsabilidade por dívidas do outro cônjuge o património do cônjuge não devedor.

                       Esta questão já havia sido colocada no recurso de apelação, tendo-lhe o acórdão recorrido respondido dizendo que “a impugnação pauliana tem como objeto executar um bem que passou a ser de terceiro. Por isso não tem cabimento colocar-se a questão de este bem, no momento em que é alvo da impugnação pauliana, ter sido próprio ou comum do casal. Na procedência da impugnação pauliana é o bem de terceiro que restitui a quantia exequenda – art. 616 nº1 do Código Civil – mas o direito de propriedade do bem não regressa aos réus BB e CC, seus anteriores proprietários - o bem mantém-se na titularidade dos réus adquirentes sem perder a natureza de bem de terceiro”. Por isso, se considerou improcedente a posição dos recorrentes.

                       Também a sentença de 1ª instância havia tomado posição sobre o assunto dizendo, designadamente, que “em sede executiva, o legislador permite que seja penhorado um bem comum, provocando a intervenção do cônjuge a fim de venha requerer a partilha do património comum do casal (vide art. 740° do Código de Processo Civil). Caso o bem seja deferido ao cônjuge devedor, a penhora manter-se-á; na hipótese oposta, e com as restrições decorrentes do efeito imputado à inacção do cônjuge citado, a penhora deverá ser levantada, sendo realizada sobre os bens que couberam ao cônjuge devedor. Já na impugnação pauliana, na medida em que o bem comum haja sido transmitido a terceiro, deixa de haver uma meação de um não devedor a respeitar (tanto mais que o bem foi transmitido no seu todo) e património a partilhar. Neste contexto, a solução mais adequada é a de permitir que a impugnação pauliana atinja o bem na totalidade, ainda que na prática implique uma ampliação da garantia patrimonial do credor, sob pena de os interesses do cônjuge não devedor prevalecerem injustificadamente sobre os daquele primeiro. Isto, tanto mais que se a transmissão foi onerosa, nomeadamente por venda, à partida terá ingressado o respectivo preço no património comum do casal e, se gratuita, então presidiu-lhe um espírito de liberalidade, não se vislumbrando iniquidade da solução para o cônjuge não devedor. … Assim, no caso de impugnação de acto de alienação de bem comum por ambos os cônjuges (. . .), aquele bem que, antes da transmissão, fora um bem comum do casal, com a transmissão, que se considera válida, valendo o título contra o credor, deixou de ter esta qualidade por referência ao património em que anteriormente estava integrado. Compreende-se, pois, que, depois da transmissão, não poderá falar-se de partilha do património comum do casal transmitente a fim de se verificar a qual dos dois cônjuges é deferido o bem transmitido. O bem já não integra o património destes cônjuges, mas o património de terceiro. …E em face de uma eventual responsabilidade perante o terceiro adquirente, por ter estado em causa a transmissão de um bem comum e por ambos os cônjuges, na medida em que responda um bem comum, então sempre poderá ser lançada mão da medida prevista no nº 2 do art. 1697° do Código Civil caso venha a ser responsabilizado pelo terceiro nos termos do nº 1 do art. 617° do Código Civil”.

                        Somos em crer que a posição assumida pelas instâncias é absolutamente certa, pelo que se irá confirmar.

                        Vejamos:

                        Estabelece o art. 616º nº 1 do C.Civil (diploma de que serão as disposições a referir sem menção de origem) que “julgada procedente a impugnação, o credor tem direito à restituição dos bens na medida do seu interesse, podendo executá-los no património do obrigado à restituição e praticar os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei”.

                       Daqui resulta, claramente, que, em resultado da impugnação “os bens não têm de sair do património do obrigado à restituição, onde o credor poderá executá-los e praticar sobre eles os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei” (Almeida Costa, Obrigações, 3ª edição, 610).

                        O efeito essencial da impugnação reside na circunstância de o credor impugnante poder executar (mesmo no património do obrigado à restituição) como se os bens não tivessem saído do património do devedor. Executando os bens alienados, como se tivessem retornado ao património do devedor e não se mantivessem na titularidade do adquirente, o credor impugnado poderá executá-los na medida necessária para satisfação do seu crédito (vide a este propósito Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 7ª edição, Vol. II, pág. 457).

                       O art. 818º permite a execução em bens de terceiros “quando estejam vinculados à garantia do crédito ou quando sejam objecto de acto praticado em prejuízo do credor, que este haja procedentemente impugnado”. Ou seja, este dispositivo possibilita, para o que aqui interessa, a execução de bens de terceiros desde que sobre eles tenha procedido a impugnação pauliana.

                       A impugnação pauliana quando incide sobre bens de terceiros pode, como se viu, o credor executá-los na medida necessária à satisfação do seu crédito (e praticar sobre eles os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei).

                       A alienação dos bens do devedor a favor de terceiros não torna esse acto de disposição como acto inválido, em razão do funcionamento da impugnação pauliana. Neste sentido afirma Antunes Varela (obra citada, pág. 458) que “a procedência da pauliana não envolve a destruição do acto impugnado, porque visa apenas eliminar o prejuízo causado à garantia patrimonial do credor impugnante”, o que “significa que, uma vez reparado esse prejuízo, nenhuma razão subsiste para não mater a validade da parte restante do acto, não atingida pela impugnação pauliana”. A mesma posição é assumida por Pires de Lima e Antunes Varela (C.Civil Anotado, Vol. I, 4ª edição, pág. 633) ao afirmarem que “…sacrificando o acto apenas na medida do interesse do credor impugnante, mostra-se claramente que ele não está afectado por qualquer vício intrínseco capaz de gerar a sua nulidade, pois se mantém de pé, como acto válido, em tudo quanto excede a medida daquele interesse …”.

                       Desta não invalidade do acto resulta que, tendo transitado os bens para o património de terceiros (saindo, assim, de forma definitiva da titularidade do R. e mulher, ou seja, da titularidade do património comum) e não tendo a impugnação pauliana o efeito de fazer retornar os bens à esfera jurídica dos alienantes, parece-nos descabido falar em “respeito da meação do cônjuge não devedor[1] ou “em bens comuns do casal”, como afirmam os recorrentes. A este propósito, refere-se adequadamente no Acórdão deste STJ de 13-12-2005 (Col. Jur. STJ, Tomo III, 2005, pág. 164) que “na impugnação pauliana, o contrato de alienação é válido, pelo que o bem é de terceiro; é um bem deste cuja restituição se pede e se irá executar, pelo que não há que colocar a questão de este bem, no momento em que é alvo da impugnação pauliana, ser próprio ou comum do casal réu. Nessa medida, procedendo a impugnação pauliana em casos em que apenas um dos cônjuges é devedor, é um bem de terceiro a restituir ao património desse cônjuge réu, sendo certo que o bem não perde a sua natureza de bem de terceiro. Daqui decorre que a acção nunca poderá proceder apenas parcialmente (no tocante à meação que se consideraria que o cônjuge devedor haveria tido nos bens que foram objecto de alienação … ”.

                       Em síntese, “actuando” a impugnação pauliana sobre bens de terceiros (a restituir ao património do cônjuge devedor na medida necessária à satisfação do crédito do impugnante), nunca a acção poderia proceder apenas em parte, restrita à meação que o cônjuge devedor. Após o acto de alienação, os bens deixaram de fazer parte do património comum do casal e, consequentemente, deixa de ter cabimento qualquer consideração sobre o carácter de comum do bem transmitido a terceiro, não havendo a respeitar qualquer meação de um cônjuge não devedor. É esta a jurisprudência persistente deste STJ, como se verifica compulsando o acórdão já referido (e de 9-12-2004 indicado nesse aresto) e os acórdãos de 6-11-2008 (que refere, em sumário, que “na constância do casamento, vigorando um regime de comunhão de bens, os cônjuges não são titulares de nenhuma “meação” sobre os bens determinados que integram essa comunhão. Não pode assim proceder a pretensão de que a impugnação apenas afecte a “meação” do cônjuge que interveio na compra”), de 14-12-2006 (que expressamente afirma, ainda em sumário, que “sendo transmitido para terceiro o direito de propriedade de um bem comum do casal, e sendo a dívida da exclusiva responsabilidade de um só dos cônjuges, poderá o credor socorrer-se da acção de impugnação pauliana para, a verificarem-se os respectivos requisitos, ter direito à restituição do bem alienado na medida do seu interesse, podendo executá-lo no património do obrigado à restituição e praticar os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei, nos termos do n.º 1 do art. 616.º do CC”), de 9-1-2003 (acórdão que refere, também em sumário, que “não obsta à impugnação pauliana de doação de bem comum dos doadores a circunstância de a dívida ser da responsabilidade de um deles apenas”) e de 19-4-2000 (aresto que afirma, de igual modo, em sumário, que “é admissível a impugnação pauliana de um bem comum do casal, apesar de apenas um dos cônjuges alienantes ser o único responsável pela dívida garantida”), todos acessíveis em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/.

                              Não se desconhece que o nº 1 do art. 1696º estabelece que pelas dívidas da exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges respondem os bens próprios do cônjuge devedor e, subsidiariamente, a sua meação nos bens comuns. Mas esta disposição não tem (directamente) aplicação à situação vertente porque com a transmissão dos bens para o património de terceiros deixa de poder considerar-se a qualidade que os bens tinham antes da transmissão. Depois da transmissão não se poderá já falar em património comum do casal transmitente, mas sim de bens de terceiros. Por isso, segundo cremos, deixa de ter relevância a partilha de bens com vista a saber-se se o bem viria a caber ao cônjuge devedor do credor impugnante ou ao cônjuge não devedor. Sendo os bens em causa da titularidade de terceiros, e não sendo bens comuns do casal (em que só deles é devedor), deixa de se poder colocar a hipótese de citação de cônjuge para requerer a separação de bens, a que alude o art. 740º nº 1 do Novo C.P.Civil.

                       Não desconhecemos que esta posição possibilitará a ampliação da garantia patrimonial do credor, já que irá permitir que impugnação pauliana atinja os bens na sua totalidade, sabendo-se que anteriormente à transmissão, o património comum do casal, somente responderia pela dívida do cônjuge devedor, subsidiariamente (art. 1696º nº 1). Mas se assim não fosse, a realização coactiva da prestação através da impugnação pauliana, meio de conservação da garantia patrimonial, impugnação que pressupõe uma impossibilidade ou grave dificuldade para o credor na satisfação do crédito invocado, ficaria claramente comprometida e, consequentemente, a protecção do interesse do credor que justifica a respectiva previsão legal, seria postergada. A este propósito refere-se no acórdão deste STJ de 13-12-2005 já acima referenciado que “…sabendo-se que a impugnação supõe uma impossibilidade ou grave dificuldade para o credor na satisfação do crédito invocado, o credor (de um só cônjuge), a não poder lançar mão deste meio conservatório de garantia patrimonial, não teria a possibilidade de impor a realização coactiva da prestação. Assim, perante o interesse do credor em perseguir o bem que responderia pela dívida caso não houvesse sido transmitido, o interesse do transmissário na não execução do bem adquirido e o interesse do cônjuge não devedor na não impugnação, deverá ser dada prevalência ao primeiro”. No mesmo sentido referiu-se no acórdão deste STJ de 6-11-2008 já também acima referido que “…da consideração conjunta da finalidade com que a lei confere ao credor a possibilidade de impugnar determinados actos praticados pelo devedor em prejuízo da sua garantia patrimonial, por um lado, e do regime definido para as consequências patrimoniais do casamento, por outro, resulta que a solução contrária tornaria facilmente inconsistente a garantia dos interesses do credor. É incontestável que a impugnação pauliana é um meio de conservação da garantia patrimonial; e que é portanto a protecção do interesse do credor que justifica a respectiva previsão legal”.

                      De sublinhar ainda, e no que respeita ao património que responde pelas dívidas exclusivas de um dos cônjuges, o art. 1696º nº 1 foi alterado pelo Dec-Lei 329 A/95 de 12/12, diploma que acabou com a moratória na execução dos bens comuns de casal. Quer isto dizer que, tal como antes, pelas dívidas da exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges, respondem os bens próprios do devedor e, subsidiariamente, a sua meação nos bens comuns. Porém, agora, ao contrário de anteriormente, a meação nos bens comuns não responde somente depois de dissolvido, declarado nulo ou anulado o casamento, ou depois de decretada a separação judicial de pessoas e bens ou a simples separação judicial de bens. Responde de imediato, subsidiariamente, sem moratória[2]. Respondendo a meação de imediato, isto é, podendo ser logo penhorados bens comuns do casal pelo credor (art. 740º nº 1 do Novo C.P.Civil)[3], não se vê qualquer razão para, em termos de impugnação pauliana, se poder somente considerar impugnada a alienação da quota/meação do devedor, nesses bens comuns. Por outras palavras, a nova redacção do aludido art. 1696º passou a permitir que, na execução movida contra um dos cônjuges (por divida própria dele) se possam penhorar os bens comuns do casal, o que leva à conclusão de que os bens comuns passaram a responder pelas dívidas da exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges. Nesta conformidade e como se refere no acórdão da Relação do Porto de 19-03-2009 (http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf) “tal possibilidade pode resultar numa eventual ampliação da garantia patrimonial do credor, pelo que se permite que a impugnação pauliana possa ter (também) por objecto um acto relativo a esses bens na sua totalidade, na defesa dessa garantia”. Ou seja, a penhora imediata de bens comuns do casal, indiciadora de uma ampliação da garantia patrimonial do credor, inculca (também) o sentido de que a impugnação pauliana deve ter por objecto actos relativos a bens considerados na sua totalidade.

                       Assim, pelo facto de a R. mulher não ser devedora do Banco A., nem por isso a impugnação pauliana terá de improceder quanto a ela. Não existindo a moratória que antes existia, nada impede que os bens comuns respondam perante o credor.

                       

                       O regime do art. 2117º (doação de bens comuns para efeitos de colação) não tem qualquer atinência com a situação vertente, dado que os respectivos pressupostos, claramente, se não verificam. Irrelevante, igualmente, para o caso dos autos é a invocação pelos recorrentes do disposto no art. 956º nº 1 (que estabelece a nulidade da doação de bens alheios) porque não se prova nem foi invocada qualquer irregularidade da doação.

                        O recurso, por conseguinte, improcede.

                        Elabora-se o seguinte sumário (arts. 679º e 663º nº 7 do Novo C.P.Civil):

                       - “Actuando” a impugnação pauliana sobre bens de terceiros (a restituir ao património do cônjuge devedor na medida necessária à satisfação do crédito do impugnante), nunca a acção poderia proceder apenas em parte, restrita à meação que o cônjuge devedor. Após o acto de alienação, passando a ser de terceiros os bens deixaram de fazer parte do património comum do casal e, consequentemente, deixa de ter cabimento qualquer consideração sobre se a dívida será somente da responsabilidade do cônjuge devedor.

                        - O nº 1 do art. 1696º que estabelece que pelas dívidas da exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges respondem os bens próprios do cônjuge devedor e, subsidiariamente, a sua meação nos bens comuns, não tem aplicação directa à situação vertente porque com a transmissão dos bens para o património de terceiros deixa de poder considerar-se a qualidade que os bens tinham antes da transmissão.

                       - De qualquer forma o art. 1696º nº 1 foi alterado pelo Dec-Lei 329 A/95 de 12/12, diploma que acabou com a moratória na execução dos bens comuns de casal, pelo que, agora, ao contrário de anteriormente, a meação nos bens comuns não responde somente depois de dissolvido, declarado nulo ou anulado o casamento, ou depois de decretada a separação judicial de pessoas e bens ou a simples separação judicial de bens. Responde de imediato, subsidiariamente, sem moratória, podem ser logo penhorados bens comuns do casal pelo credor, razão por que não se vê qualquer razão para, em termos de impugnação pauliana, se poder somente considerar impugnada a alienação da quota/meação do devedor, nesses bens comuns.

                       

                        III- Decisão:

                        Por tudo o exposto, nega-se a revista.

                        Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 12 de Março de 2015

Garcia Calejo (Relator)

Helder Roque

Gregório Silva Jesus

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[1] De resto, como se refere no acórdão deste STJ de 6-11-2008 que iremos referir adiante “na constância do casamento, vigorando um regime de comunhão de bens, os cônjuges não são titulares de nenhuma “meação”sobre os bens determinados que integram essa comunhão”, pelo que não poderia (nunca) proceder a pretensão dos recorrente de que a impugnação apenas afecte a “meação” do cônjuge que interveio na compra.
[2] Isto sem prejuízo da compensação a que alude disposto no art. 1697º.
[3] Por não se conhecerem bens suficientes próprios do executado.