Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
34/16.3SFPRT.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: GABRIEL CATARINO
Descritores: RECURSO PENAL
CASO JULGADO PENAL
NOVO CÚMULO JURÍDICO
PENA SUSPENSA
Data do Acordão: 11/14/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Área Temática:
DIREITO PENAL – CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACO / ESCOLHA E MEDIDA D APENA / PUNIÇÃO DO CONCURSO DE CRIMES.
Doutrina:
- Damião Cunha, José Manuel, O caso Julgado Parcial. Questão da culpabilidade e questão da sanção num processo de estrutura acusatória. Publicações Universidade Católica, Porto, 2002, p. 59 e 802.
Legislação Nacional:
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 40.º, N.º 1, 71.º, N.º 1 E 77.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 18-03-2018, PROCESSO Nº 108/13.5GCVCT.G2,S1.
Sumário :
I. – A figura jurídico-processual em que se figura o caso julgado (material) não assume no direito processual penal a mesma compleição e alcance que lhe é conferida no direito processual civil;

II. – Na lição de Damião Cunha “o caso julgado penal (total) desenvolve primordialmente um efeito negativo – o ne bis in idem, a consumação da acção penal – e o efeito positivo de viabilizar a «execução penal»- o «Vollstreckungwirkung». O caso julgado penal em relação a futuros processos (penais) tria um efeito meramente negativo – a obrigação, para o juiz, de declinar a decisão sobre a questão já resolvida – e não a obrigação, para o juiz, de adequar a sua decisão à pronúncia anteriormente proferida (como sucede na solução jurisprudencial). Para obviar a qualquer equivoco (de ordem processual), admite-se, um pouco por analogia ao que sucede em outros processos, que o fenómeno descrito se deveria designar de «efeito de vinculação intraprocessual» ou »efeito de vinculação material».”  (Damião Cunha, José Manuel, “O caso Julgado Parcial. Questão da culpabilidade e questão da sanção num processo de estrutura acusatória. Publicações Universidade Católica, Porto, 2002, p. 59)

III. - Aceitando, embora, a possibilidade da existência de um «caso julgado parcial» quanto à culpabilidade, “quanto se verifique a limitação do recurso à questão da determinação da sanção”, entende que “o caso julgado está sujeito a «condição resolutiva», porque é essa a condição «natural» da sentença condenatória.” (Damião Cunha, ibidem, pág. 802);

IV. – “Não há qualquer violação de caso julgado, quando face a conhecimento superveniente de outro crime cometido pelo arguido, é renovada a instância, desfazendo-se o cúmulo anterior e elaborando-se outro de modo a actualizar a apreciação global da actividade integral do arguido”.” (Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 18 de Março de 2018, proferido no processo nº 108/13.5GCVCT.G2,S1, relatado pelo Conselheiro Raúl Borges);

V. – Mantendo-se viger a suspensão, no momento em que o tribunal recorrido procedeu à sua integração no cúmulo a constituir, de penas aplicadas por crimes em concurso, não foi violado qualquer preceito ou regra de procedimento.

VI. – No momento em que o cúmulo foi formado/constituído a pena de substituição estava em período de cumprimento pelo que a pena em vigor era a pena de prisão que, pela condenação, se constituía como pena ajustada ao crime praticado pelo agente, mas que o tribunal entendera suspender prognosticando uma reversão do comportamento durante um determinado período temporal.

Decisão Texto Integral:
I. – RELATÓRIO.


- O arguido AA, com a identificação conferida no processo, e actualmente em cumprimento de pena à ordem do processo supra epigrafado, foi condenado:

- A) No Processo comum colectivo nº 34/16.3S…), por acórdão proferido em 10/1/2018, transitado em julgado em 12/7/2018, na pena de 7 anos de prisão, pela prática, em 19/12/2016, de um crime de tráfico de estupefacientes, agravado, p. e p. pelos artigos 21º e 24º, alínea h), do DL nº 15/93, de 22/1, por referência às Tabelas I-A e I-B, anexas ao referido diploma legal

- B) No processo comum colectivo n° 15/15.4SF…, do Juízo Central Criminal e Tribunal Colectivo, por acórdão proferido em 20/10/2016 e transitado em julgado em 21/6/2017, foi o arguido AA condenado na pena de 1 ano e 9 meses de prisão, cuja execução ficou suspensa por igual período temporal e com regime de prova, pela prática, em 9/4/2015, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25º, alínea a), do DL nº 15/93, de 22/1.

- C) Por acórdão proferido em 2/12/2015, e transitado em julgado em 22/2/2016, no processo comum colectivo nº 5/14.4P…, do Juízo Central Criminal …, foi o arguido condenado na pena de 5 anos de prisão, cuja execução ficou suspensa pelo mesmo período e com regime de prova, pela prática, em 9/6/2015, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos artigos 21º e 24º, do DL nº 15/93, de 22/1.

- D) Por acórdão proferido em 15/1/2016 e transitado em julgado em 15/2/2016, no processo comum colectivo nº 19/15.7S…, do Juízo Central Criminal …, foi o arguido condenado na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, cuja execução ficou suspensa por igual período, com regime de prova, pela prática, em 11/2/2015, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p, e p. pelo art. 25º, alínea a), do DL nº 15/93, de 22/1;

- Após realização de audiência de julgamento, veio a ser proferida decisão em que se ditou (sic) “1) Considerar excluída do cúmulo jurídico a pena de 7 anos de prisão aplicada ao arguido nos presentes autos;

2) Proceder ao cúmulo jurídico das penas elencadas sob as alíneas B), C) e D), aplicando ao arguido AA a pena única de 6 anos e 3 meses anos de prisão.

Tal pena única e a pena de 7 anos de prisão aplicada nos presentes autos deverão ser cumpridas de forma sucessiva.”

Para modificação/alteração da decisão proferida impulsa o arguido recurso que remata com a síntese concludente que a seguir queda extractada.


I. a). – QUADRO CONCLUSIVO.

“I. O Recorrente, encontra-se integrado na sociedade;

II. Tem um filho menor com quem mantinha uma relação de proximidade e afinidade;

III. Atualmente encontra-se preso no E.P. ..., onde iniciou a frequência de um curso de …;

IV. Conta, ainda, com o apoio incondicional dos familiares e da sua companheira;

V. Este cumpriu a medida de coação de permanência na habitação fiscalizada por meios eletrónicos, sem nunca haver ocorrência de algum incumprimento da mesma;

VI. Tudo decorreu de acordo com as normas impostas e dentro da normalidade, denotando desta forma que o arguido/recorrente cumpre cabalmente com todas as obrigações que lhe são impostas;

VII. O presente Recurso tem como objeto toda a matéria de Direito da Sentença proferida nos presentes autos que condenou o Recorrente, em cúmulo jurídico, na pena de prisão efetiva de 6 anos e 3 meses;

VIII. O Recorrente é uma pessoa jovem, com apenas 29 anos de idade, ou seja, tem toda uma vida pela frente;

IX. Ser condenado a 6 anos e 3 meses de prisão efetiva, iria desmotiva-lo uma vez que este tem planos sérios para o seu futuro, no sentido de trabalhar dignamente e de refazer a sua vida junto da sua namorada;

X. Acontece que a pena em que o Recorrente vem condenado encontra-se desproporcionada no que diz respeito à exigência de prevenção, uma vez que, se o mesmo fosse condenado nos limites mínimos, esta exigência também se encontraria verificada.

XI. Deve ainda ser atendida a tese defendida no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça no processo nº 287/12.6TCLSB.L1.S1, que defende que não se deve integrar penas suspensas na sua execução, uma vez que a pena suspensa na sua execução é assim uma pena substitutiva, tendo assim autonomia e natureza própria;

XII. Quando incluída no cúmulo jurídico, sem que se verifique se houve uma decisão sobre essa pena, ou seja se foi revogada ou extinta, integra na figura da nulidade;

XIII. Para esta tese, sendo a pena de prisão efetiva e a pena de prisão suspensa na sua execução, penas de natureza diferente, só poderiam ser cumuladas se o tribunal previamente determinasse a sua revogação, nos termos do art. 56º do C.P.;

XIV. Pois, se fosse incluída, levaria ao agravamento da respectiva moldura penal abstrata do cúmulo jurídico;

XV. Além disso, com a condenação em pena suspensa na sua execução, forma-se caso julgado;

XVI. Consequentemente deve retirar-se o processo nº 15/15.4S…, reformulando-se assim o Cúmulo Jurídico e proceder à redução da pena.

(…) deve ser dado provimento ao presente Recurso e, por via dele, ser reformulada a Sentença recorrida e consequentemente ser a mesma reduzida.”

Em resposta, deserta de preocupações ilativas, o Ministério Público, junto do Tribunal da Relação do Porto, argumenta que (sic):

1- Sustenta o recorrente que a pena aplicada no proc. nº 15/15.4S…, não deveria ter sido incluída no cúmulo, por não se ter averiguado previamente se foi revogada ou extinta [[1]] , o que configura uma nulidade – (no sentido da nulidade, o Ac. da RG de 10-10-2011. Proc. nº  99/09.4G…; e o Ac. da RE de 08-03-2018 (proc. nº 1786/08.0G…)

Com efeito, seguindo, por todos, o Ac. STJ de 25-10-2012 (proc. nº 242/10.00GHCTB.S1, 5º S) “não devem ser englobadas as penas suspensas já anteriormente declaradas extintas nos termos do art.º 57.º, n.º 1, do CP, pois, não tendo sido cumpridas as penas de prisão substituídas e, portanto, não podendo as mesmas serem descontadas na pena única, tal englobamento só agravaria injustificadamente a pena única final” Sendo assim, há que refletir que não é possível considerar na pena única as penas suspensas cujo prazo de suspensão já findou, enquanto não houver no respetivo processo despacho a declarar extinta a pena nos termos daquela norma ou a mandá-la executar ou a ordenar a prorrogação do prazo de suspensão. Na verdade, no caso de extinção nos termos do art.º 57.º, n.º 1, a pena não é considerada no concurso, mas já o é nas restantes hipóteses”.

No caso de a pena de substituição ser declarada extinta, nos termos do art. 57º nº 1, do C. Penal, a paz jurídica do individuo resultante do trânsito em julgado do despacho que a declarou extinta não pode ser lesada pelo facto do conhecimento superveniente do concurso – Acs. do STJ de 12.06.2014 (proc. nº 300/08.1GBSLV.S2); de 26.03.2015, proc. nº 226/08.9PJLSB. S1; antes, o Ac. do STJ de 11/05/2011, proc. nº 1040/06.1PSLSB.S1).

Todavia, no caso vertido, como é referido na decisão recorrida, tal pena ainda não se mostrava cumprida nem, por qualquer outro modo, extinta.

E, como a decisão proferida naqueles autos só transitou em 21/06/2017, o prazo da suspensão só terminava em 21/03/2019, sendo que a decisão ora recorrida foi proferida 14/03/2019, logo, antes do termo do prazo da suspensão da execução daquela pena.

Como se disse no Ac. da RC de 21-05-2014 (proc. nº 87/12.3JACBR-A.C1) “Devem ser incluídas em cúmulo jurídico também as penas de prisão cuja execução haja sido suspensa, salvo situações em que o prazo de suspensão já tenha decorrido e a pena deva ser declarada extinta pelo cumprimento da pena de substituição”- Ac. da RG de 27-06-2016 (Relator JOÃO LEE FERREIRA): ”Em caso de conhecimento superveniente de concurso, a pena de execução suspensa não deve ser englobada em cúmulo jurídico se já tiver decorrido o período de suspensão, ainda que nesse momento não tenha ainda havido despacho a julgar extinta a pena”. 

Desta forma, não parece ser de colher a pretendida exclusão do cúmulo da pena parcelar de 1 ano e 9 meses de prisão, aplicada no processo nº 15/15.4S… e indeferida a reclamada nulidade da decisão, por omissão de pronúncia (que não existiu).

2 - Alega, ainda, o recorrente, que com a condenação em pena suspensa na sua execução, forma-se caso julgado, pelo que tal pena não pode ser englobada em cúmulo jurídico.

Sobre a questão, citamos o decidido pelo douto Ac. da RP de 04/02/2015 [[2]] (proc. nº 1596/10. 4PEGDM.P1) [[3]] “A jurisprudência tem entendido, de forma uniforme e reiterada, que o caso julgado só se forma quanto à medida da pena e não quanto à sua execução. Como tal, não é violado o princípio consagrado no artigo 29.º, n,º 5, da CRP, ao englobar-se, na pena conjunta do concurso, as penas parcelares de suspensão da execução da prisão e de, no final, aquela poder não ser suspensa na sua execução. Na verdade, a decisão que estabelece a pena conjunta do concurso não efetua um novo julgamento da matéria de facto, limitando-se a fazer uma apreciação integral dos factos e da personalidade do arguido com vista à aplicação de uma pena única [v.g., Ac. STJ de 05.05.2005, 06.10.2005, 20.10.2005, 30.11.2005, todos disponíveis em www.dgsi.pt].

Entendimento que está em linha com a lição do Prof. FIGUEIREDO DIAS, segunda a qual: "(…) para efeito de formação da pena conjunta revelará a medida da prisão concretamente determinada e que porventura tenha sido substituída. De todo o modo, determinada a pena conjunta, e sendo de prisão, então sim, o tribunal decidirá se ela pode legalmente e deve político-criminalmente ser substituída por pena não detentiva" [Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do crime… § 419].

Veja-se o Ac. STJ de 15.11.2012 [Cons. Maia Costa]: “XI – (…) a acumulação entre penas de prisão efetivas e suspensas não viola o caso julgado. Na verdade, a substituição não transita em julgado. É evidente que a sentença que decreta a substituição da pena transita: a opção pela substituição estabiliza. Mas a substituição não fica definitivamente garantida, antes está sujeita à condição resolutiva do decurso do prazo sem se registar a prática pelo condenado de novos crimes (e eventualmente pelo cumprimento de deveres e condições, por parte deste). O caso julgado abrange, afinal, somente a medida concreta da pena de prisão (principal), mas não a forma da sua execução. (…)”.

O Tribunal Constitucional também já se pronunciou sobre o tema, decidindo: “Não julgar inconstitucionais as normas dos artigos 77.º, 78.º e 56.º, n.º 1, do Código Penal, interpretados no sentido de que, ocorrendo conhecimento superveniente de uma situação de concurso de infrações, na pena única a fixar pode não ser mantida a suspensão da execução de penas parcelares de prisão, constante de anteriores condenações” [Ac. TC n.º 3/06, disponível no sítio da internet respetivo].

Se são essencialmente razões de política criminal (portanto interesses de ordem pública) que fundamentam o sistema da pena conjunta – com a definição da pena adequada em função da globalidade dos factos apurados e da personalidade revelada pelo condenado –, então deve ser recusada a possibilidade de atribuir ao condenado a faculdade de optar entre a pena única e o cumprimento das penas em separado [Ac. STJ de 15.11.2012].

Termos em que se nos afigura dever o recurso improceder nesta parte

3 - Sobre a alegada impossibilidade de realização do cúmulo jurídico de penas suspensas na sua execução, com pena de prisão efectiva.

Não parece que assista razão ao recorrente.

Primo: - Em caso de conhecimento superveniente do concurso, as penas de execução suspensa entram no cúmulo jurídico como penas de prisão, só no final se decidindo se a pena conjunta deve ou não ficar suspensa na sua execução – Acs do STJ de 14.01.2009 (proc. nº 08P3975), 5ª s); de 16.11.2011 (proc. nº 150/08.5JBLSB.L1.S1), 3ª S), de 21.03.2013 (proc. nº 143/10.0PBVCT.S1); de 25/09/2013 (proc. nº 1751/05.9JAPRT.S1) e de 12.06. 2014 (proc. nº 300/08.1GBSLV.S2).

Ainda a propósito, citamos, com a devida vénia, o enunciado do Ac. do STJ de 11-05-2011 (proc. nº 1040/06.1PSLSB.S1, 3ª S): “XII - Na jurisprudência do STJ, a orientação dominante é no sentido da integração da pena suspensa no cúmulo, como se pode ver dos acórdãos de 26-02-1986, BMJ n.º 354, pág. 345; de 02-07-1986, BMJ n.º 359, pág. 339; de 02-10-1986, BMJ n.º 360, pág. 340; de 19-11-1986, BMJ n.º 361, pág. 278; de 07-02-1990, CJ 1990, tomo 1, pág. 30 e BMJ n.º 394, pág. 237; de 13-02-1991, BMJ n.º 404, pág. 178; de 03-07-1991, CJ 1991, tomo 4, pág. 7; de 23-09-1992, BMJ n.º 419, pág. 439; de 07-01-1993, CJSTJ 1993, tomo 1, pág. 162; de 24-02-1993, BMJ n.º 424, pág. 410; de 17-01-1994, BMJ n.º 433, pág. 257; de 11-01-1995, CJSTJ 1995, tomo 1, pág. 176; de 24-01-1996, CJSTJ 1996, tomo 1, pág. 182 (unificando duas penas impostas em processos diferentes, suspensas na sua execução, fixando pena única suspensa na execução); de 14-11-1996, BMJ n.º 461, pág. 186; de 05-02-1997, CJSTJ1997, tomo 1, pág. 209; de 12-03-1997, CJSTJ 1997, tomo 1, pág. 245 e BMJ n.º 465, pág. 319; de 07-05-1997, BMJ n.º 467, pág. 256; de 04-06-1997, BMJ n.º 468, pág. 79; de 11-06-1997, Proc. n.º 65/97; de 04-06-1998, Proc. n.º 333/98 - 3.ª; de 17-03-1999, BMJ n.º 485, pág. 121; de 24-03-1999, CJSTJ 1999, tomo 1, pág. 255; de 07-12-1999, BMJ n.º 492, pág. 183; de 13-02-2003, Proc. n.º 4097/02 - 5.ª; de 03-07-2003, Proc. n.º 2153/03 - 5.ª, RPCC citada; 30-10-2003, CJSTJ 2003, tomo3, pág. 222; de 04-03-2004, Proc. n.º 3293/03 - 5.ª; de 22-04-2004, CJSTJ 2004, tomo 2, pág. 172; de 02-12-2004, Proc. n.º 4106/04 - 5.ª; de 21-04-2005, Proc. n.º 1303/05; de 27-04-2005, Proc. n.º 897/05; de 05-05-2005, Proc. n.º 661/05; de 20-10-2005, Proc. n.º 2033/05 - 5.ª; de 08-06-2006, Proc. n.º 1558/06 - 5.ª; de 21-06-2006, Proc. n.º 1914/06 - 3.ª; de 28-06-2006, Procs. n ºs 774/06 - 3.ª (com um voto de vencido) e 1610/06 - 3.ª (igualmente com um voto de vencido); de 21-09-2006, Proc. n.º 2927/06 - 5.ª; de 09-11-2006, Proc. n.º 3512/06 - 5.ª, CJSTJ 2006, tomo 3, pág. 226.

XIII - Nas Relações, podem ver-se na de Lisboa, os Acs. de 24-06-1987, CJ 1987, tomo 3, pág. 140; de 05-11-1997, BMJ 471, pág. 447; do Porto, de 15-03-1988, CJ 1988, tomo 2, pág. 237; de Coimbra, de 23-11-1994, in CJ 1994, tomo 5, pág. 62; de Évora, de 12-12-1985, CJ 1985, tomo 5, pág. 241”.

Igualmente, para o Ac. da RP de 28-03-2007 (proc. nº 0740299) “Num caso de concurso de crimes, a existência de penas suspensas não é obstáculo à realização do cúmulo jurídico”.

Idem, para o Ac. da RP 28-05-2008 (proc. nº 0842597) “As penas de prisão aplicadas por cada um dos crimes que integram um concurso de infracções devem ser todas englobadas no obrigatório cúmulo jurídico, ainda que algumas delas hajam sido suspensas na sua execução”.

Ibidem, o Ac. da RP de 07-12-2011 (proc. nº 547/07.8TAPRD.P3) decidiu que: “O cúmulo jurídico deve incluir todas as penas de prisão, tenham ou não sido declaradas suspensas, não constituindo violação do caso julgado a aplicação de uma pena única de prisão efetiva na qual se integrou alguma parcelar relativa a pena que havia sido suspensa”.

Ainda sobre a alegada impossibilidade de cumular penas suspensas na sua execução com penas de prisão efectiva, veja-se o Ac. da RC de 23/11/2010, processo n.º 246/07.GEACB.C1 (relatado por Pilar de Oliveira), com o seguinte enunciado “1. As penas cuja execução foi suspensa devem ser cumuladas quando o conhecimento do concurso é superveniente, inclusivamente com penas de prisão não suspensas. 2. Não podem ser objecto de cúmulo jurídico penas de prisão suspensas cujo prazo já se encontre decorrido”; o Ac. da RL de 23/09/2010, processo n.º 663/.6PKLSB-B.L1 (relatado por João Carrola) com o seguinte sumário: “Na determinação da pena única, em caso de concurso de infracções, deve igualmente integrar o cúmulo jurídico uma pena de prisão, mesmo que tenha ficado suspensa na sua execução; no mesmo sentido, Ac. Rel. Lisboa, de 2003-07-01 (in Col. Jur. XXVIII, IV, 122). Ac. Rel. Coimbra, de 2005-01-19 (Rec. nº 3672/04, rel:- Oliveira Mendes, in www.dgsi.pt). Ac. Rel. Lisboa, de 2005-06-23 (rel:- Maria da Luz Batista, in www.pgdlisboa.pt). Ac. STJ, de 2004-04-22 (Proc. nº 1390/04, rel:- Costa Mortágua, in Col. Jur. XII, II, 172). Ac. Rel. Coimbra, de 2006-05-31 (Rec. nº 457/06, rel:- João Trindade, in www.dgsi.pt). Ac. Rel. Guimarães, de 2009-06-22 (Rec. nº 737/05.8GVCCT.G1, rel. Nazaré Saraiva)

Também o Ac. da RE de 20/01/2011 (proc. nº 734/06.6PBFAR.E, 1relatado por Correia Pinto) decidiu que “A pena única a aplicar em sede de concurso de infracções pode eliminar a suspensão que tenha sido concedida a uma ou à generalidade das penas parcelares, pois, como já decidiu o STJ por acórdão de 6-10-2005, “não há violação de lei se na nova sentença e no novo cúmulo jurídico se não aplicar a medida de suspensão da pena decretada em sentença anterior, nem violação de caso julgado, por a suspensão o não formar de forma perfeita, já que a suspensão pode vir a ser alterada, quer no respectivo condicionalismo, quer na sua própria existência se ocorrerem os motivos legais referidos nos artigos 50.º e 51.º ou 78.º e 79.º do Código Penal”.”

Desta forma, cremos que a decisão recorrida, ao seguir a citada jurisprudência, e a dos Acs. da RG de 05-03-2018 171/11.0JABRG.G2:I) As penas de execução suspensa, logo que à data da prolação da decisão do cúmulo não tenha decorrido o respetivo período de suspensão, entram no cúmulo jurídico como penas de prisão efetiva. II) Sendo depois ao tribunal do cúmulo que compete decidir, verificando-se os respetivos pressupostos, se a pena única de prisão deve ou não ficar suspensa na sua execução; e da RG de 22-06-2009 (proc. nº 737/05.8GVCCT.G1) “I – Há lugar a cúmulo jurídico de duas penas suspensas na respectiva execução, desde que se verifiquem os requisitos dos arts. 78 nºs 1 e 2 do Cod. Penal; II – A decisão de suspensão ou não suspensão da execução da pena única resultante do cúmulo depende de nova apreciação sobre a verificação ou não dos pressupostos – formal e material – ínsitos no art. 50 nº 1 do Cod. Penal”, não violou qualquer disposição legal

Secundo:

Mesmo que assim não fosse, a tese que o recorrente pretende fazer passar, para esgrimir com o Ac. da RL de 11/09/2011, é que o tribunal cumulou penas suspensas na sua execução, com penas de prisão efetivas, quando tal não é correcto, já que todas as penas cumuladas estavam suspensas na sua execução.

De resto, bastava ter lido o acórdão verificar o seguinte segmento, citamos “Exorbitando dos limites do concurso de crimes, encontra-se o crime de tráfico de estupefacientes analisado nos presentes autos (pcc 34/16.3SFPRT), pelo qual o arguido veio a ser condenado na pena de 7 anos de prisão – já que tal crime consumou-se em 2/11/2016 e, portanto, em data posterior à do trânsito em julgado da decisão mencionada na alínea D).

Verificando-se uma situação de sucessão (e não de concurso) de crimes, a pena de 7 anos de prisão aplicada ao arguido AA neste processo não pode ser objecto do cúmulo jurídico, que integra todas as restantes penas e que será efectivado de seguida”.

Carece de sentido, em qualquer dos casos, a tese sustentada pelo recorrente , pelo que, também nesta parte, parece-nos que o recurso deve improceder.

No que concerne à pena única, disse o Ac. do STJ de 28-11-2018 (proc. nº 387/15.0GACDV.L2.S).

I - Estabelece o art. 77.º, n.º 1, do CP que o concurso é punido com uma pena única, em cuja medida são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente. E o n.º 2 acrescenta que a pena única aplicável tem como limite máximo a soma das penas parcelares (não podendo ultrapassar 25 anos de prisão) e como limite mínimo a mais elevada das penas parcelares. II - A determinação da medida concreta da pena única deve atender, como qualquer outra pena, aos critérios gerais da prevenção e da culpa (art. 71º do CP); e ainda a um critério A determinação da pena única, quer pela sua sujeição aos critérios gerais da prevenção e da culpa, quer pela necessidade de proceder à avaliação global dos factos na ligação com a personalidade, não é compatível com a utilização de critérios rígidos, com fórmulas matemáticas ou critérios abstratos de fixação da sua medida. Como em qualquer outra pena, é a justiça do caso que se procura, e ela só é atingível com a criteriosa ponderação de todas as circunstâncias que os factos revelam, sendo estes, no caso do concurso, avaliados globalmente e em relação com a personalidade do agente, como se referiu. III - Ao tribunal impõe-se uma apreciação global dos factos, tomados como conjunto, e não enquanto mero somatório de factos desligados, na sua relação com a personalidade do agente. Essa apreciação deverá indagar se a pluralidade de factos delituosos corresponde a uma tendência da personalidade do agente, ou antes a uma mera pluriocasionalidade, de caráter fortuito ou acidental, não imputável a essa personalidade, para tanto devendo considerar múltiplos fatores, entre os quais a amplitude temporal da atividade criminosa, a interligação ou diversidade dos tipos legais praticados, a gravidade dos ilícitos cometidos, a intensidade da atuação criminosa, a pluralidade de vítimas, o grau de adesão ao crime como modo de vida, as motivações do agente, as expetativas quanto ao futuro comportamento do mesmo. IV - Há que considerar que não é tanto à soma aritmética das penas que importa atender, mas sim ao tipo de criminalidade praticado pelo agente, não sendo a repetição, ainda que intensiva, do mesmo tipo que pode agravar qualitativamente a tipologia criminosa. Por outras palavras, a acumulação de penas características da pequena/média criminalidade, ainda que em número elevado, não pode, a não ser que ocorram circunstâncias excecionais, conduzir a uma pena única adequada à punição de um crime integrado na “grande criminalidade”.

Ora, como é sabido, a medida concreta da pena do concurso, construído dentro da moldura abstrata aplicável definida no nº 2 do art. 71º do CP e a partir das penas aplicadas aos diversos crimes, é determinada em função da culpa e da prevenção, mas agora levando em conta um critério específico, que é a consideração conjunta dos factos e a personalidade do agente (art. 77º nº 1, segundo segmento, do CP), substituindo-se a análise atomística própria da determinação das penas singulares, pela visão dos factos na sua totalidade, como se de um facto global se tratasse, de forma a encontrar a gravidade desse ilícito global enquadrada na personalidade unitária do agente, na esteira da lição do Prof. F. Dias “tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva a sua avaliação, a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique”.

Percorrida a decisão escrutinada, cremos que a mesma, ao aplicar a pena única de 6 anos e 3 meses de prisão, procedeu à avaliação da gravidade dos ilícitos, bem como respeitou os princípios de proporcionalidade da proibição de excesso e da legalidade na elaboração de pena da pena, (sobre os quais se pronunciaram os Acs. do STJ de 10-09-2014 (processo n.º 455/08-3.ª), de 24-09-2014, proferido no processo n.º 994/12.3PBAMD.L1.S1-3.ª; de 11-01-2012 (processo n.º 131/09.1JBLSB.L1.-A.S1-3.ª; de 18-01-2012, (processo n.º 34/05.9PAVNG.S1-3.ª); de 31-01-2012 (processo n.º 2381/07.6PAPTM.E1.S1-3.ª); de 05-07-2012 (processo n.º 246/11.6SAGRD.S1-3.ª e os supra referidos de 12-09-2012, processos n.º 223/07.1GCVIS.C1.S1-3.ª e n.º 2745/09.0TDLSB.L1.S1-3.ª; de 22-01-2013, processo n.º 651/04.4GAFLTG.S1-3.ª; de 27-02-2013, processo n.º 455/08.5GDPTM.S1-3.ª; de 22-05-2013, processo n.º 344/11.6PCBRG.G1.S1-3.ª; de 19-06-2013, processo n.º 515/06.7GBLL E.S1-3.ª; de 10-07-2013, processo n.º 413/06.4JAFAR.E2.S1-3.ª; de 12-09-2013, processo n.º 1445/09.6JAPRT.P1.S1-3.ª; de 26-09-2013, processo n.º 138/10.6GDPTM.S2-5.ª e de 3-10-2013, processo n.º 522/01.6TACBR.C3.S1-5.ª, onde pode ler-se: «O equilíbrio entre os efeitos “expansivo” e “repulsivo” prende-se necessariamente com uma preocupação de proporcionalidade, que surge como variante com alguma autonomia, em relação aos critérios da “imagem global do ilícito” e da “personalidade do arguido”»; de 24-09-2014, processo n.º 994/12.3PBAMD.L1.S1-3.ª; de 1-10-2014, processo n.º 344/11. 6PCBRG. G1.S2-3.ª.  

No mesmo sentido, realçando a ideia de proporcionalidade na perspetiva das finalidades da pena, pode ver-se o Ac. do STJ de 27 de Junho de 2012 (processo n.º 70/07.0JBLSB-D.S1-3.ª), onde se diz: “A medida da pena única, respondendo num segundo momento também a exigências de prevenção geral, não pode deixar de ser perspetivada nos efeitos que possa ter no comportamento futuro do agente: a razão de proporcionalidade entre finalidades deve estar presente para não eliminar, pela duração, as possibilidades de ressocialização (embora de difícil prognóstico pelos antecedentes)”.”

Neste Supremo Tribunal da Justiça, o Ministério Público, emite parecer, do seguinte teor (sic): “Por acórdão tirado em 14.03.2019, pelo Juízo Central Criminal do Porto [J8] - Tribunal Judicial da Comarca do Porto, mostra-se o arguido- AA- condenado na pena única de 6 anos e 3 meses de prisão. Na decisão procedeu-se ao cúmulo jurídico das penas parcelares que ao arguido haviam sido aplicadas nos processos:

• PCC 15 / 15.4S…, do Juízo Central Criminal …, em pena cuja execução lhe foi suspensa, não se encontrando a mesma à data da prolação do acórdão, nem cumprida, nem extinta por outro modo;

• PCC 5 /14.4P…, do Juízo Central Criminal …, em pena de prisão cuja execução lhe foi suspensa, vindo tal medida a ser revogada;

• PCC 19 /15.7S…, condenado em pena de prisão cuja execução lhe foi suspensa, vindo tal medida a ser revogada.

2. - O arguido veio interpor recurso do acórdão, circunscrito ao reexame de questões de direito, conforme melhor resulta das conclusões a págs. 3629 3629v.Contesta a inclusão da pena aplicada no proc. 15/15.4S…, no cúmulo jurídico efectuado (1 ano e 9 meses de prisão), cuja suspensão da execução não foi mantida na decisão sub judicio. Para tanto, defende que, o tribunal colectivo incorreu em nulidade, conquanto não apurou previamente se tal pena fora revogada ou declarada extinta. De igual modo, sustentou que conhecendo supervenientemente do concurso, o tribunal não deve integrar uma pena que se encontra suspensa, dado ser esta, uma pena de substituição, dotada, assim, de autonomia e natureza própria. De todo o modo, aduz que com o trânsito em julgado da sentença que decretou a suspensão da execução de uma pena de prisão se forma caso julgado. Entende assim, em síntese conclusiva, que deve tal pena ser excluída do cúmulo jurídico, com a consequente reformulação do mesmo, não deixando de consignar que o quantum aplicado representa «uma punição demasiado severa» sic, motivação.

3. - O MP na 1ª instância veio refutar todas as censuras que ao acórdão sub judicio se mostram feitas pelo recorrente, o que fez de modo assaz proficiente, dissecando-as ponto por ponto, citando abundante jurisprudência em concordância com as posições que enunciou. Concluiu, destarte, pela inverificação da nulidade invocada, e pela possibilidade do tribunal, no conhecimento superveniente do concurso, não manter a suspensão da execução da pena. Não deixou de sustentar a não formação de caso julgado, quanto ao modo de execução da pena, na hipótese de suspensão da pena de prisão, o que para o recorrente seria impeditivo da integração da mesma no cúmulo jurídico. Concluiu, como melhor se colhe da leitura da extensa peça, pela proporcionalidade, necessidade e adequação das penas aplicadas, propugnando a improcedência do recurso.

4. - Estamos em inteira concordância com o que bem se escreveu na resposta do MP na 1ª instância, supra sintetizada, pelo que nos seus fundamentos nos louvamos.

Neste conspecto, somos de parecer que o recurso deve ser julgado improcedente.


I. b). – QUESTÕES COM QUE SE OBTERÁ O CONHECIMENTO DO OBJECTO DO RECURSO.

Para solução da pretensão do recorrente elegem-se para conhecimento as sequentes questões:

a). – Formação/Integração no cúmulo jurídico de penas suspensas na sua execução. Caso Julgado;

b). – Individualização judicial da medida da pena única.


II. – FUNDAMENTAÇÃO.

II. A. – DE FACTO.

(Respeitantes ao Processo Comum Colectivo nº 34/16.3S...)

1) O arguido AA vem-se dedicando à venda de estupefacientes, nomeadamente heroína e cocaína, pelo menos desde Novembro de 2016, levando a cabo tal actividade nas ruas do Bairro … …, em particular na denominada Ala …, que se situa em frente da porta principal do Jardim de Infância do …, por baixo de umas galerias comerciais ali existentes, bem como a escassos metros da Escola do …, local onde se encontram e permanecem muitos menores frequentadores desta última instituição e, bem assim, onde habitualmente também se deslocam e permanecem muitos indivíduos ligados ao consumo de tais substâncias estupefacientes.

2) Assim, no dia 2 de Novembro de 2016, entre as 09h24 e as 10h05, o arguido AA, após percorrer toda a Ala … e se certificar da ausência de polícia no local, ordenou aos indivíduos que ali se encontravam que formassem uma fila e, de seguida, vendeu quantidade não apurada de estupefaciente a trinta e cinco indivíduos cuja identidade se desconhece, por preço não apurado.

3) Ainda nesse dia, no mesmo local, após se ter abastecido de mais estupefaciente em local não apurado da Rua …, entre as 10h28 e as 10h35, o arguido AA vendeu quantidade não apurada de estupefaciente a doze indivíduos cuja identidade se desconhece, por preço não apurado.

4) Pelas 10h44, após se ter abastecido, de novo, de mais estupefaciente, o arguido AA prosseguiu as vendas de tais produtos.

5) No dia 3 de Novembro de 2016, o arguido AA acordou com um indivíduo cuja identidade se desconhece proceder à venda de estupefaciente, competindo a este indivíduo a venda directa de tais produtos e ao arguido AA o controlo das vendas e a vigilância do local de uma eventual aproximação dos agentes da PSP.

6) Pelas 09h20 desse dia, o arguido AA, após percorrer toda a Ala … e se certificar da ausência de polícia no local, dirigiu-se para o cruzamento entre a Rua … com a Rua …, onde entregou ao referido indivíduo três embrulhos contendo estupefaciente, a fim de este proceder à sua venda directa.

7) De imediato, este indivíduo dissimulou dois dos embrulhos que lhe foram entregues pelo arguido AA no chão, junto de umas ervas ali existentes e seguiu para a Ala …, onde ordenou aos indivíduos que ali se encontravam que se dispusessem em fila, tendo vendido quantidade não apurada de estupefaciente a dezoito indivíduos cuja identidade se desconhece, por preço não apurado.

8) O arguido AA permaneceu no local, em atitude de vigilância.

9) Pelas 09h52, o referido indivíduo dirigiu-se junto do arguido AA e entregou-lhe várias notas, resultantes das vendas entretanto efectuadas, tendo este abandonado o local no táxi com a matrícula …-CA-.. .

10) De seguida, na execução do planeado, esse mesmo indivíduo regressou à Ala … e, entre as 09h56 e as 10h56, vendeu quantidade não apurada de estupefaciente a trinta e quatro indivíduos cuja identidade se desconhece, por preço não apurado.

11) Pelas 10h56, o referido indivíduo deslocou-se de novo ao local onde tinha escondido o estupefaciente (no meio das ervas) e trouxe outro embrulho.

12) Depois regressou à Ala … e, entre as 11h00 e as 11h55, vendeu quantidade não apurada de estupefaciente a trinta indivíduos cuja identidade se desconhece, por preço não apurado.

13) Pelas 11h55, o arguido AA regressou, mantendo-se no cruzamento das ruas de … e Central … e ordenou àquele indivíduo que se dirigisse junto dele, o que este fez, após ter efectuado mais quatro vendas de estupefaciente a quatro indivíduos cuja identidade se desconhece.

14) Nesta altura, o referido indivíduo apercebendo-se da presença dos agentes da PSP colocou-se em fuga, não se logrando interceptá-Io.

15) No chão, entre as ervas, no local onde inicialmente foram dissimulados pelo indivíduo que colaborava com o arguido AA, foram encontradas vinte e seis embalagens de heroína, com o peso líquido de 3,967g, e vários pedaços de cocaína (éster met.), com o peso líquido de 2,543g - cfr. autos de exame de fls. 304 e 306, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

16) O estupefaciente acima descrito pertencia ao arguido AA, que o destinava à venda a quem se lhe dirigisse para o efeito, com a colaboração do referido indivíduo.

17) O arguido AA foi nesta data presente a primeiro interrogatório judicial tendo-lhe sido aplicadas as medidas de apresentação tri-semanal e proibição de frequentar o Bairro … .

18) Não obstante a sujeição a tais medidas, o arguido manteve o propósito de continuar a vender estupefacientes, tendo, todavia, a partir desta data, adoptado um comportamento mais cauteloso, passando a evitar proceder à venda directa do estupefaciente.

19) Assim, na prossecução do seu propósito, em data não apurada, mas anterior ou coincidente com o dia 4 Dezembro de 2016, o arguido AA acordou com os arguidos BB e CC procederem à venda de produtos estupefacientes, nomeadamente heroína e cocaína, tendo acordado entre si, levar a cabo tal actividade no mesmo local onde já o arguido AA a desenvolvia, ou seja, nas ruas do Bairro … …, em particular na denominada Ala …, que se situa por baixo de umas galerias comerciais ali existentes, bem como a escassos metros da Escola … (que se encontrava em pleno funcionamento).

20) Os arguidos BB e CC eram companheiros e com o arguido AA eram os principais mentores deste grupo e, na execução do seu plano de procederem à venda de estupefacientes, decidiram ainda socorrer-se da colaboração de outros indivíduos, com o propósito de aumentarem o número de vendas e de melhor dissimularem quem eram os efectivos proprietários do estupefaciente, ou seja, os próprios arguidos AA, BB e CC.

21) Assim, na execução do planeado, os arguidos AA, BB e CC contaram ainda com a colaboração dos arguidos DD, filho desta arguida, EE, FF, GG, HH e ainda do II (que será julgado em processo autónomo) e do JJ (os factos relativos a este constituem objecto de processo autónomo), com quem acordaram proceder à actividade de venda de tais produtos.

22) Na execução do entre todos acordado, cada um dos arguidos tinha tarefas perfeitamente delimitadas na venda de estupefacientes que levavam a efeito.

23) Assim, aos arguidos AA, BB e CC competia a guarda do grosso do estupefaciente nas respectivas residências, situando-se a residência dos arguidos BB e CC em …, um local distante daquele onde desenvolviam a actividade de venda de estupefaciente, o que lhes permitia melhor dissimularem essa mesma actividade.

24) Competia ainda a estes dois arguidos - BB e CC - o transporte do estupefaciente para o local da venda (bairro …), utilizando para o efeito o veículo marca Peugeot, modelo 206, com a matrícula ...-...-UR.

25) Por outro lado, competiu aos arguidos EE, FF e GG, bem como também aos arguidos AA, BB e CC, a guarda e ocultação de maiores quantidades de estupefaciente no próprio local onde decorriam as vendas, ou seja, nas ruas do bairro … ou no interior dos veículos que ali estacionavam para o efeito, por forma a abastecerem os arguidos que procediam à venda, no decurso das mesmas. Enquanto as vendas decorriam também competia a estes arguidos abastecerem de estupefaciente os indivíduos com quem acordavam que procedessem à venda directa de tais produtos - o que ocorreu, nomeadamente, com os arguidos HH, DD e ainda com o II e com o acima referido JJ.

26) Competia ainda àqueles arguidos - AA, BB, CC, EE, FF e GG -, a recolha do dinheiro proveniente das vendas e ainda a vigilância do local, quer no que concerne à actuação do vendedor do estupefaciente, quer quanto a uma eventual aproximação das entidades policiais.

27) Aos arguidos HH e DD e, ainda, ao II e ao JJ, conforme acordado com os demais arguidos, competia a venda directa do estupefaciente aos indivíduos que os procuravam para o efeito.

28) Deste modo, na prossecução do planeado e atrás descrito:

29) No dia 4 Dezembro de 2016, pelas 11h00, o arguido HH encontrava-se na Ala … a vender cocaína.

30) Nessa altura, após ordenar aos indivíduos que ali se encontravam que formassem uma fila, o arguido HH vendeu a um indivíduo cuja identidade se desconhece quantidade não apurada de cocaína, por 10€.

31) Nas referidas circunstâncias de tempo e de lugar, um indivíduo apercebeu-se da presença dos agentes da PSP e gritou "água", alertando o arguido HH, tendo este, de imediato e com o propósito de evitar ser encontrado na sua posse, atirado para o chão um pequeno saco plástico que logo foi recuperado e que continha vários pedaços de cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 1,944g -cfr. auto de exame de fls. 51 do apenso A, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido -, estupefaciente que era destinado à venda pelo arguido HH.

32) Na mesma altura, o arguido HH tinha ainda na sua posse, no bolso do blusão que vestia, a quantia monetária de 57,80€, em notas e moedas do BCE, proveniente das vendas de estupefaciente já efectuadas.

33) No dia 6 de Dezembro de 2016, pelas 09h20, os arguidos AA, BB, CC e DD dirigiram-se no veículo de marca Peugeot, com a matrícula ...-...-UR, para a Rua …, onde estacionaram o veículo, e seguiram apeados para a Ala …, permanecendo os arguidos AA, BB e CC num café existente na Rua Central …, enquanto o arguido DD se dirigiu para a Ala … .

34) Ali chegado, pelas 09h26, o arguido DD, após ordenar aos vários indivíduos que ali se encontravam que formassem uma fila, vendeu quantidade não apurada de estupefaciente a quinze indivíduos cuja identidade se desconhece, por preço não apurado.

35) Pelas 09h33, o arguido DD foi entregar o dinheiro proveniente destas vendas ao arguido BB, que, de imediato o entregou à arguida CC, que, por sua vez, se dirigiu ao veículo com a matrícula ...-...-UR e ali o guardou.

36) No dia 7 de Dezembro de 2016, pelas 14h20, os arguidos CC e DD dirigiram-se no veículo com a matrícula ...-...-UR, para a Rua …, onde o estacionaram, dirigindo-se então para a Ala … .

37) Conforme acordado, a arguida CC permaneceu num café existente na Rua Central …, enquanto o arguido DD se dirigiu para a Ala …, onde, entre as 14h26 e as 14h40, após ter ordenado aos indivíduos que ali se encontravam que formassem uma fila, vendeu quantidade não apurada de estupefaciente a vinte e cinco indivíduos cuja identidade se desconhece, por preço não apurado.

38) Pelas 14h43, o arguido DD, após o ter contabilizado, foi entregar o dinheiro proveniente destas vendas à arguida CC, que, por sua vez, lhe entregou mais duas embalagens contendo estupefaciente, a fim de este prosseguir as vendas.

39) A arguida CC dirigiu-se então ao veículo com a matrícula ...-...-UR, onde, pelo menos, guardou o dinheiro, regressando ao café.

40) No dia 9 de Dezembro de 2016, pelas 13h30, os arguidos BB e CC dirigiram-se no veículo com a matrícula ...-...-UR, à residência do arguido AA, sita na Rua …, Ent.ª …, casa 2, r/c Frt., no Bairro da …, em … . Após estacionarem, a arguida CC entrou na residência do arguido AA, onde se abasteceu de estupefaciente para venderem na Ala …, tendo a arguida transportado tal produto dentro de um saco vermelho.

41) Pelas 13h43, na posse do estupefaciente, os arguidos BB e CC dirigiram-se para a Rua …, onde estacionaram o veículo.

42) Logo de seguida, chegou junto destes o arguido DD, tendo-lhe o arguido BB entregue o saco vermelho, de onde aquele retirou duas embalagens contendo estupefaciente, a fim de proceder à respectiva venda, tendo o arguido BB guardado o saco, de novo, no interior do veículo.

43) Assim, enquanto os arguidos BB e CC permaneceram no café existente na Rua Central …, o arguido DD, entre as 13h50 e as 13h57, após ordenar aos vários indivíduos que se encontravam na Ala … para formarem uma fila, vendeu quantidade não apurada de estupefaciente a dez indivíduos cuja identidade se desconhece, por preço não apurado.

44) No dia 13 de Dezembro de 2016, pelas 14h15, os arguidos BB e CC dirigiram-se no veículo com a matrícula ...-...-UR, à residência do arguido AA, sita na Rua …, no Bairro da …, em … . Após estacionarem, o arguido BB entrou na residência do arguido AA, onde se abasteceu de estupefaciente para venderem na Ala …, para onde regressaram acompanhados de indivíduo de identidade não apurada.

45) Ali chegados, pelas 14h25, os arguidos estacionaram o veículo e, logo depois, dirigiram-se para o café existente na Rua Central … .

46) Pelas 14h35, os arguidos BB e DD dirigiram-se para a Ala … .

47) Aí, o arguido BB entregou ao arguido DD duas embalagens contendo heroína e cocaína, tendo este vendido, entre as 14h42 e as 14h45, quantidade não apurada de estupefaciente a dezasseis indivíduos cuja identidade se desconhece, por preço não apurado.

48) Logo de seguida, o arguido DD entregou ao arguido BB o dinheiro proveniente das vendas de estupefaciente, regressando de novo ao local da venda.

49) Pelas 14h55, o arguido DD vendeu a KK 0,060g de cocaína, por 5€.

50) Conforme acordado, entre as 15h25 e as 15h55, o arguido DD vendeu quantidade não apurada de estupefaciente a vinte e quatro indivíduos cuja identidade se desconhece, por preço não apurado, e ainda a LL 0,230g de cocaína, também por preço não apurado.

51) Nesse mesmo dia, pelas 15h00, quando seguia pela Rua Dr. …, em …, KK tinha na sua posse vários pedaços de cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 0,060g e, pelas 16h00, quando seguia pela Pta. …, LL tinha na sua posse vários pedaços de cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 0,230g - cfr. autos de exame de fls. 728 e 730, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido -, produtos estupefacientes que ambos tinham adquirido momentos antes ao arguido DD.

52) No dia 14 de Dezembro de 2016, após terem estacionado o veículo com a matrícula ...-...-UR, na Rua …, pelas 09h30, os arguidos BB e DD dirigiram-se para a Ala … .

53) Entre as 09h40 e as 12h00, o arguido DD vendeu quantidade não apurada de estupefaciente a cinquenta e quatro indivíduos cuja identidade se desconhece, por preço não apurado, e ainda a MM duas embalagens de heroína, com o peso líquido de 0,285g, por 10€.

54) Nesse mesmo dia, pelas 11h40, quando seguia pela Rua dos …, no …, MM tinha na sua posse duas embalagens de heroína, com o peso líquido de 0,285g - cfr. auto de exame de fls. 726, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido -, que tinha adquirido momentos antes ao arguido DD.

55) No dia 16 de Dezembro de 2016, pelas 08h45, os arguidos BB, CC e DD abandonaram a residência dos dois primeiros, sita na Rua do …, n.º …, em …, …, e dirigiram-se para o Bairro do …, no veículo com a matrícula ...-...-UR, que estacionaram na Rua … .

56) Pelas 09h35, o arguido BB dirigiu-se para uma casa abandonada onde escondeu, numa persiana, parte dos estupefacientes destinados à venda.

57) Entretanto, pelas 09h50, os arguidos CC e DD abandonaram o local, permanecendo o arguido BB no café existente na Rua Central … .

58) Pelas 10h15, o arguido AA chegou ao Bairro do …, num táxi, e encontrou-se com o arguido BB no referido café.

59) De seguida, pelas 10h25, conforme acordado com os arguidos AA, BB e CC, o arguido HH e outro indivíduo cuja identidade não se logrou apurar, dirigiram-se para a janela da casa abandonada de onde retiraram o estupefaciente que os arguidos destinavam à venda e, de imediato, na posse do mesmo, o arguido HH dirigiu-se para a Ala …, onde, após ordenar aos indivíduos que ali o aguardavam que formassem uma fila, entre as 10h27 e as 11h35, vendeu quantidade não apurada de estupefaciente a quarenta e cinco indivíduos cuja identidade se desconhece, por preço não apurado.

60) Enquanto as vendas decorriam os arguidos AA e BB permaneceram no café.

61) Pelas 11h40, o arguido HH dirigiu-se ao café onde entregou ao arguido BB o dinheiro resultante das vendas efectuadas e o remanescente do estupefaciente.

62) De seguida, o arguido BB dirigiu-se à janela da casa abandonada onde ocultou o remanescente do estupefaciente.

63) Pelas 12h00 desse dia, o arguido BB entregou a JJ (conforme supra se referiu, os factos relativos a JJ constituem objecto de processo autónomo) quantidade não apurada de estupefaciente para este vender.

64) Entre as 12h05 e as 13h00, o JJ, conforme acordado com os arguidos AA, BB e CC, vendeu quantidade não apurada de estupefaciente a quarenta indivíduos cuja identidade se desconhece, por preço não apurado.

65) Pelas 13h05, quando se encontravam junto da janela da casa abandonada, os arguidos BB e AA conferiram o estupefaciente que ainda detinham para venda, tendo, nessa altura, o arguido BB entregue quantidade não apurada de estupefaciente à arguida EE para esta e a arguida FF, que a acompanhava, guardarem, conforme acordado com estas.

66) No dia 19 de Dezembro de 2016, os arguidos CC e DD dirigiram-se para o B.º do … no veículo com a matrícula ...-...-UR, que estacionaram na Rua … .

67) Pelas 09h00, a arguida CC foi buscar ao veículo com a matrícula ...-...-UR um saco plástico contendo estupefaciente que destinavam à venda e regressou junto do café onde entregou ao arguido GG uma bolsa de cor escura que retirou do referido saco plástico, que também continha estupefaciente.

68) De imediato, o arguido GG entregou a bolsa à arguida EE que, logo de seguida, a guardou na viatura com a matrícula ...-...-HE, pertencente à arguida FF, que também ali se encontrava estacionada.

69) Na execução do planeado, pelas 09h45, o arguido GG acordou com um indivíduo cuja identidade se desconhece que este procederia à venda do estupefaciente.

70) Logo depois, o arguido GG dirigiu-se à arguida EE, que após receber da arguida FF a chave do veículo, ali foi buscar um saco contendo estupefaciente que entregou ao arguido GG.

71) De seguida, o arguido GG entregou o estupefaciente ao referido indivíduo que se dirigiu para a Ala … e ali vendeu, entre as 09h55 e as 12h00, quantidade não apurada de estupefaciente a quarenta indivíduos cuja identidade se desconhece, por preço não apurado.

72) Pelas 11h30, o arguido AA também chegou ao local, num táxi, ali permanecendo com o arguido GG numa atitude de vigilância.

73) Pelas 12h10, o indivíduo que procedeu às vendas de estupefaciente, após o contabilizar, entregou o dinheiro proveniente das mesmas ao arguido GG.

74) Após conferir o dinheiro, o arguido GG entregou-o à arguida EE, a qual, por sua vez, após a arguida FF lhe entregar a chave do veículo com a matrícula ...-...-HE, ali o guardou. A arguida EE trouxe ainda do interior do veículo mais estupefaciente, a fim de prosseguirem as vendas, entregando-o logo de seguida ao arguido GG.

75) Por sua vez, o arguido GG entregou o estupefaciente ao referido indivíduo com quem tinham acordado que procederia às vendas.

76) Assim, entre as 12h19 e as 13h00, este indivíduo vendeu quantidade não apurada de estupefaciente a trinta indivíduos cuja identidade se desconhece, por preço não apurado.

77) Pelas 13h30, o referido indivíduo entregou o dinheiro proveniente das vendas ao arguido GG, o qual após o conferir, entregou-o à arguida EE. Esta, de novo, guardou-o no veículo com a matrícula ...-...-HE, tendo ainda trazido do interior do veículo mais estupefaciente, a fim de prosseguirem as vendas.

78) Prosseguindo o planeado e conforme acordado com o II, pelas 13h32, a arguida EE retirou do interior do soutien que vestia uma embalagem de estupefaciente que entregou ao arguido GG, o qual, por sua vez, a entregou ao II para este vender.

79) Entre as 13h34 e as 14h00, o II, na execução do entre todos planeado, vendeu quantidade não apurada de estupefaciente a vinte e cinco indivíduos cuja identidade se desconhece, por preço não apurado.

80) Pelas 13h50, as arguidas EE e FF abandonaram o local no veículo com a matrícula ...-...-HE, com o propósito de irem buscar mais estupefaciente para venda, regressando às 14h05. Nessa altura, a arguida FF, trazendo consigo uma embalagem contendo estupefaciente, dirigiu-se ao arguido AA a quem a entregou.

81) Pelas 14h11, o arguido AA entregou ao arguido GG a embalagem contendo estupefaciente que lhe fora momentos antes entregue pela arguida FF, a fim de prosseguirem as vendas.

82) Por sua vez, o II, pelas 14h15, após terminar as vendas, dirigiu-se junto dos arguidos AA e GG e entregou ao primeiro o dinheiro proveniente das vendas efectuadas, ao mesmo tempo que o arguido Sérgio lhe entregou outra embalagem contendo estupefaciente, a fim de que o mesmo prosseguisse as vendas.

83) O arguido AA, após conferir o dinheiro, entregou-o à arguida EE, a qual, por sua vez, após a arguida FF lhe entregar a chave do veículo com a matrícula ...-...-HE, ali o guardou. A arguida EE trouxe ainda do interior do veículo mais estupefaciente, entregando-o logo de seguida ao arguido GG, que o entregou ao II.

84) Entre as 14h25 e as 15h55, o II, na execução do entre todos planeado, vendeu quantidade não apurada de estupefaciente a trinta e cinco indivíduos cuja identidade se desconhece, por preço não apurado.

85) Pelas 15h58, o II dirigiu-se de novo para junto dos arguidos AA e GG e entregou a este o dinheiro proveniente das vendas que, por sua vez, lhe entregou mais estupefaciente para vender.

86) O arguido GG, após contabilizar o dinheiro, colocou uma parte dentro do seu veículo com a matrícula ...-...-GM, que se encontrava estacionado na Rua Central …, e entregou outra parte à arguida EE, que por sua vez a guardou no interior do veículo com a matrícula ...-...-HE.

87) Pelas 16h desse mesmo dia, quando se encontravam na Rua Central …, foi encontrado:

88) Na posse do arguido AA:

-um telemóvel de marca Samsung, modelo Yateley Gu466GG.UK, de cor branca, com o IMEI 3…5, com o cartão da operadora Vodafone com o n.º …. e cartão de memória Micro Hc SanDisK Ultra 8GB inseridos;

89) Na posse do arguido GG:

- um telemóvel de marca Optimus, com o IMEI 8…7;

- um cartão de memória micro SD, com 8 Gb de capacidade;

- a quantia monetária de 38,40€ (trinta e oito euros e quarenta cêntimos), em notas e moedas do BCE.

90) Na mesma altura, no interior do veículo com a matrícula ...-...-GM, pertencente ao arguido GG, foi encontrado:

- Junto ao banco dianteiro, uma embalagem de heroína, com o peso líquido de 0,132g - cfr. auto de exame de fls. 805, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

- No interior do porta-luvas, a quantia monetária de 100€ (cem euros).

91) Na posse da arguida EE, que se encontrava no interior da viatura ...-...-HE, no banco da frente, do lado passageiro:

- Dentro da sua carteira, vários pedaços de canábis (resina), com o peso líquido de 6,130g, e a quantia monetária de 104,80€ (cento e quatro euros e oitenta cêntimos), em notas e moedas do BCE;

- No interior do soutien que vestia, vários pedaços de cocaína (éster met.), com o peso líquido de 2,272g, e vinte e oito embalagens de heroína, com o peso líquido de 3,983g - cfr. autos de exame de fls. 734, 815 e 819, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

- Um telemóvel marca Samsung, modelo GT-19061/0S, com os IMEI's 3…1 e 3…3, com bateria, com dois cartões da operadora Vodafone, um com o n.º … e outro com o n.º …;

- Dentro de uma bolsa vermelha, a quantia monetária de 572,58€ (quinhentos e setenta e dois euros e cinquenta e oito cêntimos), em notas e moedas do BCE.

92) Na posse da arguida FF, que também se encontrava no interior da viatura ...-...-HE, no banco da frente, do lado do condutor:

- No interior de uma pequena bolsa em nylon, com a inscrição "Sport", que se encontrava debaixo do banco do condutor, onde a arguida FF se encontrava sentada, oito embalagens de cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 28,798g, e oitenta e oito embalagens de heroína, com o peso líquido de 12,945g;

- No interior do soutien que vestia, vários pedaços de cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 3,865g, e vinte e cinco embalagens de heroína, com o peso líquido de 3,579g - cfr. autos de exame de fls. 789, 811, 817 e 823, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

- Um telemóvel de marca Wiko, modelo Raimbow Jam, com o IMEI 3….4 e 3…9, com micro SD e cartão da operadora NOS n.º …;

93) Dentro da carteira da arguida FF, a quantia monetária de 29,40€ (vinte e nove euros e quarenta cêntimos), em notas e moedas do BCE.

94) Na posse do II:

- Treze embalagens de heroína, com o peso líquido de 1,880g - cfr. auto de exame de fls. 825, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

95) Todas as quantidades de heroína e cocaína acima descritas pertenciam aos arguidos AA, BB e CC que o destinavam à venda, com a colaboração dos arguidos DD, GG, FF, EE e, ainda, do II.

96) O dinheiro encontrado na posse dos arguidos GG, FF e EE era proveniente das vendas de estupefacientes (heroína e cocaína) realizadas até àquela altura.

97) No dia 19 de Dezembro de 2016, pelas 16h15, na residência do arguido AA, sita em Bairro da …, Rua …, n.º …, casa 2, r/c frente, em …, foi encontrado:

98) No quarto do arguido AA:

- Em cima da mesa-de-cabeceira, nas gavetas de um porta-retratos, duas embalagens de cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 0,323g, e uma embalagem de heroína, com o peso líquido de 0,193g - cfr. autos de exame de fls. 791 e 821, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

- Numa gaveta da mesma mesa-de-cabeceira, um bloco de notas com argolas de cor rosa e branco com pintas azuis e com a inscrição "Hello You!", com anotações manuscritas relativas à actividade de tráfico;

- Uma caixa em plástico contendo vários sacos plásticos transparentes, utilizados para acondicionar o estupefaciente e alguns elásticos.

99) O estupefaciente acima descrito pertencia aos arguidos AA, BB e CC que o destinavam à venda a quem se lhes dirigisse para o efeito.

100) No dia 19 de Dezembro de 2016, pelas 17h, na residência dos arguidos BB e CC, sita na Rua do …, n.º …, em …, foi encontrado:

101) Num anexo contíguo à cozinha, que possuía uma porta de alta segurança, toda constituída em ferro:

102) Dentro de um guarda-fatos:

- Uma mochila de cor preta, marca Sport Zone, que continha vários sacos em plástico de cor transparente, que por sua vez acondicionavam:

- uma embalagem de cocaína (éster met.), com o peso líquido de 1.514,850g;

- uma embalagem de paracetamol, cafeína e fenacetina, com o peso bruto de 765g, utilizada como substância de corte do estupefaciente;

- trezentas e quarenta e seis embalagens de heroína, com o peso líquido de 50,096g;

- uma balança de precisão, sem marca, de plástico de cor cinzenta e tampa transparente, com resíduos de heroína e cocaína.

103) Um saco em papelão, marca Zara, de cor preta, e uma caixa de papelão de cor azul de marca Adidas, que continham vários sacos plásticos com:

- várias embalagens de cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 239,359g;

- vários pedaços de cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 54,120g;

- vários pedaços de cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 23,086g;

- vários pedaços de cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 21,159g;

- uma embalagem de um produto de características não apuradas, com o peso bruto de 79,940g, utilizado no corte do estupefaciente;

- uma embalagem de fenacetina, com o peso bruto de 415, 160g, utilizada no corte do estupefaciente;

104) Uma caixa em papelão de cor vermelha, que continha no seu interior vários sacos transparentes que acondicionavam por sua vez:

- uma embalagem de cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 2,544g;

- uma embalagem de paracetamol e cafeína, com o peso bruto de 505,460g (4,943g+500,517g), utilizada no corte do estupefaciente;

- uma embalagem de cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 81,595g;

- três embalagens de heroína, com o peso líquido de 0,360g;

- dezoito embalagens de cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 53,360g;

- uma embalagem de cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 15,048g;

- vários pedaços de cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 39,435g (no interior de um saco de plástico, dentro da referida caixa);

- uma embalagem de paracetamol e fenacetina, com o peso bruto de 182,540g, utilizado no corte do estupefaciente;

- uma embalagem de fenacetina, com o peso bruto de 36,280g, utilizada no corte do estupefaciente;

- uma embalagem de paracetamol e cafeína, com o peso bruto de 18,640g, utilizado no corte do estupefaciente;

- uma balança electrónica, marca Yammi de cor cinzenta e preta, com resíduos de heroína e cocaína;

105) Uma caixa de cor vermelha, contendo:

- uma balança electrónica de precisão, marca Diamond, modelo 500, de cor cinzenta, com resíduos de cocaína;

- uma caixa de cor maioritariamente amarela, contendo:

- uma balança digital de precisão, modelo SF-400, com resíduos de cocaína;

106) Uma mochila de cor preta, marca RipCurl, que continha no seu interior vários sacos transparentes que acondicionavam por sua vez:

- uma embalagem de heroína, com o peso líquido de 43,982g;

- uma embalagem de paracetamol e cafeína, com o peso bruto de 52,020g, utilizado no corte do estupefaciente;

- uma embalagem de paracetamol e cafeína, com o peso bruto de 21,320g, utilizado no corte do estupefaciente;

- uma embalagem de fenacetina, com o peso bruto de 41,820g, utilizado no corte do estupefaciente;

107) Acondicionada no interior de uma bolsa preta "Long Champ", uma embalagem de um produto de características não apuradas, com o peso bruto de 765g, utilizado no corte do estupefaciente;

108) Uma balança de precisão sem marca, de plástico de cor cinzenta e tampa transparente, com resíduos de cocaína - cfr. autos de exame de fls. 732, 779,781,783,785,793,795,797,799,801,803, 807,809, 813, 861, 863, 865, 867, 869,871,874,877,879 e 881, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

109) O estupefaciente acima descrito pertencia aos arguidos BB, CC e AA que o destinavam à venda a quem se lhes dirigisse para o efeito.

110) Também o produto de corte era pertença dos arguidos BB, CC e AA e era por estes utilizado na preparação do estupefaciente para venda.

111) As balanças também pertenciam a estes arguidos e eram utilizadas na pesagem e doseamento do estupefaciente.

112) Ainda nesse dia, pelas 23h27, foi encontrado na posse do arguido BB:

- um telemóvel, marca "Samsung", modelo GT-193011, com o IMEI 3…8;

- um cartão SIM com o n.º …. da operadora "Vodafone";

- um cartão de memória marca Scandisk Ultra micro SD, com 16Gb de capacidade.

113) Os arguidos AA, BB, CC, DD, GG, EE, FF e HH actuaram de comum acordo e em conjugação de esforços, repartindo entre si as tarefas de guarda, transporte, preparação e venda de estupefacientes, tendo atuado sempre de forma livre e consciente, sabendo quais eram as características, natureza e efeitos dos produtos estupefacientes (heroína e cocaína) que detinham, transportavam, guardavam e vendiam, actuando os arguidos AA, BB, CC, GG, EE e FF com a intenção de obter contrapartida económica.

114) Sabiam ainda que a posse, detenção, cedência, guarda, transporte e venda de tais produtos é proibida por lei.

115) Os arguidos sabiam também que vendiam estupefaciente nas imediações de uma escola e que as suas condutas eram proibidas por lei.

116) Mais sabiam os arguidos que as suas condutas eram proibidas por lei.


(B) - (Respeitantes ao comum colectivo n° 15/15.4S…)

1) No dia 5 de Fevereiro de 2015, os arguidos NN e AA acordaram entre si o plano de conjuntamente procederem à venda de heroína e cocaína, cabendo ao arguido NN a venda directa de tais produtos e ao arguido AA o encaminhamento dos indivíduos que pretendiam adquirir os referidos produtos para junto do arguido NN, bem como a recolha do dinheiro efectuado com as vendas e o transporte do estupefaciente entre o local onde se encontrava guardado e o local da venda.

2) Assim, na execução do entre ambos planeado, nesse mesmo dia, pelas 10h03, quando se encontravam na Ala …, o arguido AA entregou ao arguido NN uma embalagem que continha a heroína e cocaína que destinavam à venda. Logo de seguida, o arguido NN dirigiu-se para junto da papelaria "OO", local onde pretendiam efectuar as vendas, e colocou a embalagem que continha o estupefaciente por baixo do rodapé em madeira que ladeia a montra da referida papelaria, com o propósito de a dissimular e evitar ser encontrado na sua posse.

3) Entre as 10h05 e as 10h27 desse dia, os arguidos NN e AA venderam a nove indivíduos cuja identidade se desconhece quantidade não apurada de estupefaciente, por preço não apurado, tendo o arguido NN, pelas 10h27, entregado ao arguido AA a quantia monetária resultante das vendas entretanto efectuadas.

4) Nas referidas circunstâncias de lugar, pelas 10h30, quando o arguido NN se encontrava a vender a PP uma embalagem de cocaína, foram interceptados pelos agentes da PSP, tendo sido encontrado na posse do PP uma embalagem de cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 0,054g, que lhe tinha sido entregue pelo arguido NN, e ainda a quantia monetária de 4,87€ que o André se preparava para entregar ao arguido NN.

5) O arguido NN, por sua vez, tinha na sua posse dezanove embalagens de heroína, com o peso líquido de 2,657g, e vários pedaços de cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 1,254g - cfr. autos de exame de fls. 185, 187 e 189, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido -, produtos estupefacientes que os arguidos destinavam à venda a quem se lhes dirigisse para o efeito.

6) Também nesta altura, o arguido AA tinha na sua posse a quantia monetária de 167€, proveniente das vendas de heroína e cocaína efectuadas.

7) No dia 9 de Abril de 2015, os arguidos NN, AA e QQ acordaram entre si o plano de conjuntamente procederem à venda de heroína e cocaína, cabendo ao arguido AA a venda directa de tais produtos, ao arguido NN o encaminhamento dos consumidores para junto do arguido AA e a vigilância do local e ao arguido QQ a recolha do dinheiro proveniente das vendas e o transporte do estupefaciente entre o local onde se encontra guardado e o local da venda.

8) Deste modo, na execução do entre todos planeado, pelas 16h45, os arguidos NN e AA iniciaram as vendas de heroína e cocaína, na Ala …, assumindo o primeiro a vigilância e encaminhamento dos consumidores e o arguido AA a venda do estupefaciente.

9) Assim, entre as 16h45 e as 17h05, os arguidos NN e AA venderam a vinte indivíduos cuja identidade se desconhece quantidade não apurada de estupefaciente, por preço não apurado.

10) Pelas 17h07, o arguido AA entregou ao arguido QQ quantia monetária de valor não apurado proveniente das vendas efectuadas até àquele momento, tendo o arguido QQ, de imediato, na posse do dinheiro, abandonado o local.

11) Pelas 17h20, o arguido QQ regressou à Ala … e entregou ao arguido AA uma embalagem contendo estupefaciente, a fim de prosseguirem as vendas de tais produtos.

12) Entre as 17h20 e as 17h22, o arguido AA vendeu a oito indivíduos cuja identidade se desconhece, e que já ali aguardavam o reinício das vendas, quantidade não apurada de estupefaciente, por preço não apurado, tendo logo depois entregado ao arguido QQ o dinheiro resultante das referidas vendas.

13) Pelas 17h28, o arguido NN apercebeu-se da presença dos agentes da PSP e de imediato gritou "água", com o propósito de alertar os demais arguidos.

14) Nas referidas circunstâncias de tempo e de lugar, o arguido AA tinha na sua posse onze embalagens de heroína, com o peso líquido de 1,731 g, e vários pedaços de cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 0,611 g - cfr. autos de exame de fls. 207 e 209, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido -, produtos estupefacientes que os arguidos destinavam à venda a quem se lhes dirigisse para o efeito.

15) Por sua vez, o arguido QQ tinha na sua posse a quantia monetária de 40€, proveniente das vendas efectuadas.

16) Os arguidos NN, AA e QQ actuaram sempre de forma livre e consciente, sabendo quais eram as características, natureza e efeitos dos produtos estupefacientes que detinham e que eram vendidas a consumidores de tais substâncias.

17) Sabiam ainda que a posse, detenção, cedência e venda de tais produtos é proibida por lei.

18) Os arguidos actuaram ainda de comum acordo e em conjugação de esforços, repartindo entre si as tarefas para a venda de heroína e cocaína.

19) Todos os arguidos sabiam que as suas condutas eram proibidas por lei.”


(Respeitantes ao processo comum colectivo nº 5/14.4P…)

1) Os arguidos RR, SS, TT e AA vêm-se dedicando à venda de heroína e cocaína, levando a cabo tal atividade no Bairro …, …, em particular na denominada Ala …, que se situa em frente da porta principal do Jardim de Infância …, por baixo de umas galerias comerciais ali existentes, bem como a cerca de vinte a trinta metros da Escola …, onde são leccionadas aulas até ao 6º ano de escolaridade, local onde se descolam e permanecem menores frequentadores daquela escola e, bem assim, onde habitualmente também se deslocam e permanecem indivíduos ligados ao consumo de tais substâncias estupefacientes.

2) Os arguidos RR e SS, são irmãos e são os principais mentores deste grupo de indivíduos, que contam com a colaboração dos arguidos TT e AA, nos termos que infra se irá descrever.

3) Na sequência das detenções sofridas pelos arguidos SS e RR, respetivamente, em 24 e em 30 de Janeiro de 2014, os mesmos foram presentes a primeiro interrogatório judicial e sujeitos a medidas de coação.

4) Não obstante a sujeição a tais medidas, o arguido RR manteve o propósito de continuar a vender estupefacientes, todavia adotou, a partir de então, uma conduta mais cautelosa, passando a evitar proceder à venda direta do estupefaciente, acordando assim com os arguidos TT, AA e SS que os mesmos procederiam à venda direta, cabendo-lhe a guarda e entrega do estupefaciente.

Na prossecução do entre todos acordado:

5) No dia 6 de Abril de 2015, o arguido AA vendeu, na Ala …, entre as 09h31 e as 09h38, a doze indivíduos cuja identidade se desconhece, quantidade não apurada de cocaína e heroína, por preço não apurado.

6) Logo depois e conforme combinado com os arguidos RR e SS, o arguido AA dirigiu-se para a Rua D. …, a fim de ali ir buscar mais estupefaciente para continuar a vender.

7) Quando se aproximava da referida residência, o arguido RR, que se encontrava na varanda da sua casa, atirou ao arguido AA as chaves da habitação sita no nº … da Rua D. …, para que este pudesse aceder ao seu interior.

8) No dia 2 de Junho de 2015, antes das 9h55, conforme acordado, o arguido AA dirigiu-se a casa dos arguidos RR e SS, onde estes lhe entregaram quantidade não apurada de heroína e cocaína, com o propósito do arguido AA a levar para o vendedor (cuja identidade não se logrou apurar) e que se encontrava na Ala … .

9) Pelas 09h55, o arguido AA, na posse do estupefaciente, dirigiu-se para a Ala … e ali entregou-o ao referido um individuo que, logo de seguida, conforme acordado com os arguidos RR e SS, entre as 10h01 e as 10h07, vende uma quantidade não apurada de estupefaciente a catorze indivíduos cuja identidade se desconhece, por preço não apurado.

10) Pejas 10h, o referido indivíduo - vendedor - entregou ao arguido AA, que ali permaneceu, numa atitude de vigilância, várias notas, provenientes das vendas de estupefaciente entretanto efetuadas.

11) Entre as 10h13 e as 10h30, o vendedor cuja identidade não se logrou apurar vendeu quantidade não apurada de estupefaciente a vinte e cinco indivíduos cuja identidade se desconhece, por preço não apurado.

12) Pelas 10h32, o arguido AA, após ter ido buscar mais estupefaciente junto dos arguidos RR e SS, entregou ao referido vendedor um novo embrulho contendo mais estupefaciente para este vender.

13) Logo de seguida, entre as 10h33 e as 10h34, o vendedor cuja identidade não se logrou apurar vendeu quantidade não apurada de estupefaciente a vários indivíduos cuja identidade se desconhece, por preço não apurado.

14) Pelas 10h35, o referido indivíduo - vendedor - entregou ao arguido AA, que ali permaneceu, numa atitude de vigilância, várias notas, provenientes das vendas de estupefaciente entretanto efetuadas. De imediato e na posse do dinheiro, o arguido AA dirigiu-se para a residência dos arguidos RR e SS.

15) No dia 8 de Junho de 2015, pelas 09h57, conforme acordado, o arguido AA dirigiu-se a casa dos arguidos RR e SS, onde estes lhe entregaram quantidade não apurada de heroína e de cocaína para vender.

16) Pelas 10h03, o arguido AA, na posse do estupefaciente, dirigiu-se para a Ala … .

17) Entre as 10h07 e as 10h12, o arguido AA vendeu quantidade não apurada de estupefaciente a trinta indivíduos cuja identidade se desconhece, por preço não apurado.

18) Pelas 10h15, o arguido AA regressou à residência dos arguidos RR e SS, a fim de ali ir buscar mais estupefaciente para vender e entregar o dinheiro entretanto efetuado com as vendas realizadas.

19) Pelas 10h23, na posse de mais estupefaciente, o arguido AA regressou à Ala …, onde, entre as 10h27 e as 10h37, auxiliado por um indivíduo, vendeu quantidade não apurada de estupefaciente a vinte e sete indivíduos cuja identidade se desconhece, por preço não apurado.

20) Pelas 10h38, o arguido AA regressou, de novo, à residência dos arguidos RR e SS, a fim de ali ir buscar mais estupefaciente para vender e entregar o dinheiro entretanto efetuado com as vendas realizadas.

21) Pelas 10h43, na posse de mais estupefaciente, o arguido AA regressou à Ala …, onde, entre as 10h47 e as 11 h02, auxiliado por um indivíduo, vendeu quantidade não apurada de estupefaciente a catorze indivíduos cuja identidade se desconhece, por preço não apurado.

22) Pelas 11 h20, o arguido AA regressou, de novo, à residência dos arguidos RR e SS.

23) No dia 9 de Junho de 2015, pelas 08h54, conforme acordado, o arguido AA dirigiu-se a casa dos arguidos RR e SS, onde estes lhe entregaram quantidade não apurada de heroína e de cocaína para vender.

24) Pelas 09h20, o arguido AA, na posse do estupefaciente, dirigiu-se para a Ala … .

25) Entre as 09h45 e as 09h50, o arguido AA vendeu quantidade não apurada de estupefaciente a vinte e um indivíduos cuja identidade se desconhece, por preço não apurado.

26) Pelas 09h50, o arguido AA regressou à residência dos arguidos RR e SS, a fim de ali ir buscar mais estupefaciente para vender e entregar o dinheiro entretanto efetuado com as vendas realizadas.

27) Pelas 09h58, na posse de mais estupefaciente, o arguido AA regressou à Ala …, onde, entre as 10h04 e as 1Oh1O, vendeu quantidade não apurada de estupefaciente a quinze indivíduos cuja identidade se desconhece, por preço não apurado.

28) O arguido AA regressou, de novo, à residência dos arguidos RR e SS, a fim de ali ir buscar mais estupefaciente para vender e entregar o dinheiro efetuado com as vendas realizadas.

29) Pelas 10h16, na posse de mais estupefaciente, o arguido AA regressou à Ala …, onde, entre as 10h20 e as 10h30, vendeu quantidade não apurada de estupefaciente a trinta indivíduos cuja identidade se desconhece, por preço não apurado.

30) Pelas 10h30, o arguido AA regressou, de novo, à residência dos arguidos RR e SS.

31) Pelas 10h38, quando o arguido AA saía da residência dos arguidos RR e SS, para prosseguir as vendas de estupefaciente, foi encontrado na posse de:

- 25 embalagens de heroína, com o peso liquido de 3,6279; - vários pedaços de cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 4,0859 - cfr. autos de exame de fls. 777 e 781, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

32) O estupefaciente pertencia aos arguidos RR e SS e era destinado à venda pelo arguido AA.

33) Os arguidos RR, SS, AA e TT agiram sempre de forma livre e consciente, sabendo quais eram as características, natureza e efeitos dos produtos estupefacientes (heroína e cocaína) que detinham, transportavam, guardavam e vendiam, sempre com a intenção de obter contrapartida económica.

34) Sabiam ainda que a posse, detenção, cedência, guarda e venda de tais produtos era proibida por lei.

35) Os arguidos RR, SS, AA e TT sabiam também que vendiam estupefaciente (heroína e cocaína) nas imediações de um infantário e de uma escola e que as suas condutas eram proibidas por lei.”


(Respeitantes ao Processo comum colectivo nº 19/15.7S…)

1) Em 11 de Fevereiro de 2015, os arguidos UU, VV e AA puseram em prática um plano que, entre eles, havia previamente delineado, com vista à venda a terceiros de produto estupefaciente, designadamente heroína e cocaína (cloridrato) e obtenção dos lucros daí decorrentes.

2) No dia 11 de Fevereiro de 2015, pelas lOh41m, entre a Rua de … e a Rua …, na denominada Ala …, sita no Bairro …, nesta cidade, entre os estabelecimentos comercias situados em frente ao infantário público aí existente, o arguido VV, foi abordado por dois indivíduos, dos quais recebeu quantia monetária, não concretamente apurada, tendo-lhes em troca entregue algumas porções de heroína e cocaína (cloridrato) que havia retirado de um pequeno saco plástico, de cor transparente guardado no bolso direito da frente do casaco que vestia.

3) Pelas 1Oh, repetiu-se a operação, desta feita com um outro indivíduo.

4) Pelas 11h, o arguido VV que continuava junto à Drogaria …, retirou todo o dinheiro que guardara no lado esquerdo do casaco que vestia, e que era o produto das vendas anteriormente realizadas e começou a contar. Nesse instante, o arguido VV, gesticulando, chamou o arguido AA tendo-lhe entregue todo o dinheiro que angariou até esse momento.

5) De seguida, o arguido AA deslocou-se em direcção ao local onde se encontrava o arguido UU, tendo-lhe este entregue também todo o dinheiro que havia arrecadado das vendas de produto estupefaciente anteriormente realizadas, retirando-se depois o arguido AA para parte incerta.

6) O arguido AA dirigiu-se novamente à denominada Ala … e aproximou-se do arguido VV. Acto contínuo o arguido AA retirou do bolso do casaco que vestia um pequeno saco de plástico, de cor transparente contendo no seu interior heroína e cocaína e entregou ao arguido VV, tendo-lhe este entregue em troca o dinheiro da venda anteriormente realizada.

7) Pelas 11h20 foram os arguidos interceptados pela P.S.P., tendo-lhe sido encontrado na posse:

8) Ao arguido AA foi encontrado, €18,90, produto de vendas que os arguidos já tinham realizado.

9) Os arguidos tinham consciência de que não podia adquirir, deter, ceder, proporcionar a outrem ou vender as mencionadas substâncias, cuja natureza e características conheciam, e mesmo assim muniram-se das mesmas, com o propósito de entregar, mediante contrapartida, a outras pessoas para consumo, pretendendo assim obter vantagens económica.

10) Os arguidos agiram livre e conscientemente, em comunhão de esforços e intenções, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

 (Relativos à personalidade e condições de vida do arguido)

1) O arguido AA continua a congregar suporte familiar, tanto do agregado paterno como do constituído com a sua companheira, com quem mantém relacionamento há cerca de dois anos. Este agregado é composto pela companheira e dois enteados do condenado, domiciliado na Rua …, …, Casa 6 … …, …, arrendada, na qual, por alteração do local de vigilância electrónica, cumpriu pouco mais de dois meses antes da presente reclusão a medida de coacção de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica.

2) XX aufere rendimentos profissionais e suporte familiar que lhe permitem uma organização quotidiana equilibrada e a satisfação das necessidades básicas dos três elementos do seu agregado.

3) AA cumpriu a medida de coacção de obrigação de permanência na habitação fiscalizada por meios electrónicos de controlo à distância (OPHVE) entre os dias 27-12-2016 e O8-O8-2018, data em que iniciou o cumprimento da pena de sete anos de prisão pela autoria de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, praticado em 02-11-2016, em conformidade com a decisão condenatória proferida nos presentes autos, transitada em julgado em 12-07-2018.

4) Por decisões revogatórias das suspensões de execução das penas de prisão, proferidas nos Processos 19/15.7SF… e 5/14.4P…, AA tem a cumprir as penas de, respectivamente, dois anos e seis meses de prisão e cinco anos de prisão.

5) Tem ainda a cumprir a suspensão da execução de pena de prisão de um ano e nove meses de prisão, à ordem do Processo 15/15.4S..  .

6) A conduta em meio prisional assumida por AA sofreu uma inversão da adequação ao disciplinado exigido por ter sido sancionado, em 24-01-2019, com 10 dias de permanência obrigatória no alojamento, por posse de telemóvel e cartão de activação.

7) Esta circunstância indica permeabilidade do condenado aos interesses transgressivos, reduzida conformidade às convenções sociais, falta de reflexão crítica sobre a carreira criminal empreendida, bem como das necessidades de mudança de realidade pessoal.

8) AA assume um estado abstémio de drogas sem ter recorrido a qualquer intervenção especializada por percebida como desnecessária. Todavia, poderia empenhar-se em efectuar melhor uso do tempo de reclusão pela sua ocupação em formação escolar, a fim de aumentar as habilitações académicas e melhorar as suas condições de empregabilidade, de executar tarefas laborais aumentando o pecúlio mensal para as despesas mais emergentes ao quotidiano carcerário.

9) Concordante com a perspectiva de cumprimento de pena de prisão resultante do cúmulo jurídico a ser operado nestes autos, AA entende como desajustado antecipar um projecto de vida quando o tempo total cumprido é ainda reduzido para o que tem ainda a cumprir.

10) O condenado tem beneficiado da proximidade relacional com os seus familiares e companheira através de um regime regular de visitas, prevalecendo um sentimento de suporte e de inclusão familiar.

11) AA apresenta baixa escolaridade e reduzidas condições de empregabilidade, falta de hábitos de trabalho e de regular ocupação do tempo, mantendo um quotidiano de apática expectação e acomodação ao ambiente carcerário.

12) O arguido AA iniciou a frequência de um curso de …, verbalizando, na audiência de cúmulo jurídico, vontade de ingressar no mercado de trabalho, quando restituído à liberdade.

A convicção do tribunal baseou-se no teor das certidões constantes dos autos e, ainda, no teor do certificado de registo criminal do arguido e do relatório social elaborado pela DGRS, elementos igualmente juntos ao presente processo.


II. B. – DE DIREITO.

II. B.(i). – Formação/Integração no cúmulo de penas das penas suspensas na sua execução. Formação de Caso Julgado aquando da condenação em pena suspensa na sua execução.

Na perspectiva do recorrente a inclusão na pena conjunta da pena (suspensa) que lhe foi imposta no processo nº 15/15.4S…, é susceptível de violar o caso julgado, devendo, por isso, ser retirada do cúmulo que foi efectivado, dado que (i) “sendo a pena de prisão efectiva e a pena de prisão suspensa na sua execução, penas de natureza diferente, só poderiam ser cumuladas se o tribunal previamente determinasse a sua revogação, nos termos do art. 56º do C.P.”; (ii) “se fosse incluída, levaria ao agravamento da respectiva moldura penal abstracta do cúmulo jurídico”; (iii)  “com a condenação em pena suspensa na sua execução, forma-se caso julgado”. Clama em seu auxilio da tese que propugna, o doutrinado no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, no processo nº 287/12.6TCLSB.L1.S1, que, acrescentamos nós, reza, no seu sumário “[“I - As regras da punição do concurso de crimes, estabelecidas nos arts. 77.º, n.º 1, e 78.º, n.º 1, do CP, não se destinam a modelar os termos de uma qualquer espécie de liquidação ou quitação de responsabilidade, reaberta em cada momento sequente em que haja que decidir da responsabilidade penal de um certo agente, mas têm como finalidade permitir apenas que em determinado momento se possa conhecer da responsabilidade quanto a factos do passado, no sentido em que, em termos processuais, todos os factos poderiam ter sido, se fossem conhecidos ou se tivesse existido contemporaneidade processual, apreciados e avaliados, em conjunto, num dado momento. II - O limite, determinante e intransponível, da consideração da pluralidade de crimes para efeito de aplicação de uma pena única, é o trânsito em julgado da condenação que primeiramente tiver ocorrido por qualquer dos crimes praticados anteriormente: no caso de conhecimento superveniente aplicam-se as mesmas regras, devendo a última decisão, que condene por um crime anterior, ser considerada como se fosse tomada ao tempo do trânsito da primeira, se o tribunal, a esse tempo, tivesse tido conhecimento da prática do facto. II - Na relação de concurso, tal como definida no art. 77.º e aplicável ao conhecimento superveniente, nos termos do n.º 1 do art. 78.º do CP, não se integram os crimes cometidos posteriormente ao trânsito de uma condenação por crime anteriormente cometido. IV - Como a aplicação de uma pena única supõe que estejam em causa penas da mesma natureza, discute-se se a pena suspensa, prevista no art. 50.º do CP, enquanto pena de substituição, constitui para efeitos de determinação da pena única do concurso, uma pena da mesma natureza do que a pena de prisão. V - Com efeito, a pena suspensa não é comparável, conceptual, político-criminalmente ou em termos de execução, à pena de prisão. VI -De todo o modo, como quer que se considere a natureza da pena suspensa para efeitos de fixação de uma pena única do concurso, há que decidir, previamente, se a pena de substituição, por ser de diferente natureza e ter regras distintas de execução, guarda essa diferente natureza, ou se, em sentido diverso, tem de ser executada como pena de prisão. VII - Como o acórdão recorrido fez incluir na pena única do concurso penas de substituição, sem ter averiguado se a suspensão foi revogada ou se as penas suspensas foram extintas, deixou de se pronunciar sobre questão que devia ter apreciado, o que integra a nulidade a que se refere o art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP.]”. [[4]]

A decisão sob impugnação justifica a inclusão da pena suspensa na sua execução pela forma seguinte (sic): “Finalmente, e como vem sendo reconhecido pela generalidade da doutrina e da jurisprudência, a circunstância de o agente ter sido condenado em penas de prisão cuja execução ficou suspensa não obsta à realização do cúmulo jurídico, no qual eventualmente se englobem penas de prisão efectivas. Será quanto à pena única que venha a determinar que o tribunal deverá ponderar se a mesma deverá ou não ficar suspensa na sua execução.

O mesmo sucede com as restantes penas de substituição, designadamente com a pena de multa de substituição. Nesta hipótese, deverá realizar-se o cúmulo jurídico das penas principais e, uma vez determinada a pena conjunta, o tribunal decide da admissibilidade e pertinência da sua substituição (cfr. Paulo Dá Mesquita, “O Concurso de Penas”, Coimbra Editora, 1997, pág. 104).

Nos termos do art. 78.º, nº 1, do CP, no concurso superveniente, a pena que já tiver sido cumprida é descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes. Tal significa que as penas extintas pelo cumprimento são englobadas na pena única.

Contudo, a extinção da pena suspensa prevista no art. 57º, nº 1, do CP não resulta do cumprimento da pena de prisão subjacente à suspensão, mas de não ter ocorrido durante o respectivo período alguma das circunstâncias referidas no art. 56º, pelo que tal pena, já extinta mas sem ser pelo cumprimento, nunca pode ser descontada na pena única, nos termos do art. 78º, nº 1.

Deste modo, e como é salientado no acórdão do STJ de 29/4/2010 (disponível em www.dgsi.pt/), no concurso de crimes superveniente não devem ser englobadas as penas suspensas já anteriormente declaradas extintas nos termos do art. 57º, nº 1, do CP, pois, não tendo sido cumpridas as penas de prisão substituídas e, portanto, não podendo as mesmas ser descontadas na pena única, tal englobamento só agravaria injustificadamente a pena única final.

Atendendo aos princípios atrás enunciados, importa observar que a primeira decisão a transitar em julgado foi a proferida no Proc. 19/15.7S… (elencada sob a alínea D)), pelo que será esta a delimitar as fronteiras do concurso de penas a efectivar.

Com o crime de tráfico de estupefacientes mencionado sob a alínea D) – decisão condenatória que delimita as fronteiras do cúmulo jurídico a efectivar, por ter sido a primeira a transitar em julgado – encontram-se em situação de concurso todos os crimes elencados sob as alíneas B) e C), uma vez que todos eles foram cometidos em datas anteriores ao do trânsito em julgado do acórdão descrito em D).

Exorbitando dos limites do concurso de crimes, encontra-se o crime de tráfico de estupefacientes analisado nos presentes autos (Proc. 34/16.3S…), pelo qual o arguido veio a ser condenado na pena de 7 anos de prisão – já que tal crime consumou-se em 2/11/2016 e, portanto, em data posterior à do trânsito em julgado da decisão mencionada na alínea D).

Verificando-se uma situação de sucessão (e não de concurso) de crimes, a pena de 7 anos de prisão aplicada ao arguido AA neste processo não pode ser objecto do cúmulo jurídico, que integra todas as restantes penas e que será efectivado de seguida.

II. B.(i).a). – Formação de Caso Julgado aquando da condenação em pena suspensa na sua execução.

O instituto do caso julgado, enquanto categoria jurídico-processual, é típico do direito processual civil.

Em breve recensão doutrinária, os autores soem definir o caso julgado material como “[a] vinculação que produzem determinados resoluções judiciais firmes, normalmente as sentenças sobre o fundo, que se concretiza no dever que incumbe ao órgão jurisdicional que conhece de um novo processo de se abster de ditar uma nova resolução sobre o fundo da questão litigiosa, quando esta seja idêntica á que já foi decidida na resolução em que se produzia o caso julgado (efeito negativo ou excludente); ou, no dever de ater-se ao que resulte desta e tomá-la como pressuposto da sua decisão, quando se apresente como condicionante ou prejudicial da questão que constitui o objecto do novo processo (efeito positivo ou prejudicial)”. [[5]] Para Rui Pinto, “o caso julgado tanto designa a qualidade de imutabilidade da decisão que transitou em julgado, como o conjunto de efeitos que têm o trânsito em julgado da decisão judicial por condição.”        

Com, ou através da constituição do caso julgado, pretende-se prover à certeza e à paz jurídica. “Estas exigências necessitam de um vínculo que impeça: 1) que uma controvérsia se prolongue até ao infinito; 2) que se torne a instaurar uma segunda causa sobre uma matéria já decidida em via definitiva num órgão judicial; 3) que se produzam decisões e sentenças contraditórias ou se verifique uma injusta e irracional reiteração de sentença de conteúdo idêntico no confronto das mesmas partes” (tradução nossa). [[6]] Nas palavras de Rui Pinto “o trânsito em constitui uma técnica de estabilização dos resultados do processo, ou seja, uma continuidade, na emissão doe respectivos efeitos. (…) No entanto, se o conteúdo da decisão é inalterável quanto ao órgão que  a produziu, apenas o será para as demais instâncias, quando sobrevier o trânsito em julgado nos termos do artigo 628º. Aí a decisão alcança um segundo nível de estabilidade alargada, vinculando o tribunal, dentro do processo (cf. artigo 620º), ou mesmo fora dele, perante outros tribunais (cf. artigo 619º)”. [[7]]

No direito processual civil, o caso julgado constitui-se, preeminentemente,  no dispositivo decisório. A reconstituição do iter decisório pode, no entanto, induzir a que tenha que se operar uma integração interpretativa do pensamento do julgador para o que se deverá reverter aos fundamentos ou à argumentação (decisiva) da decisão para daí dessumir ou completar o veredicto decisório. [[8]] Vale por dizer que, quando o intérprete tenha que recorrer à parte motivadora da decisão, é porque a decisão não se constitui como conclusão lídima e escorreita da parte fundamentadora e esta deverá servir como meio ancilar e integrador do pensamento do decisor. A motivação constitui-se, assim, como meio determinante e validante da formação decisória, podendo ancorar de forma decisiva a reconstituição do veredicto do tribunal e o alcance objectivo do caso julgado.

O Professor Castro Mendes escreveu em “Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil”, que: “[toda] a eficácia do caso julgado – não apenas a fundamentação da respectiva excepção – pode traduzir-se em duas ordens de efeitos: pode impedir a colocação no futuro da questão decidia ou pode impedir a adopção no futuro da solução que a decidiu. Os fenómenos são diferentes e não apenas nos fundamentos - são formas distintas de eficácia do caso julgado. Com efeito, tal eficácia pode consistir num impedimento, proibição de que volte a suscitar-se no futuro a questão decidida - e estamos perante aquilo a que nós chamamos função negativa do caso julgado; ou pode consistir na vinculação a certa solução - e estamos perante a função positiva.” Na distinção que faz da eficácia directa e eficácia reflexa do caso julgado, a que, correntemente, soe designar-se por excepção de caso julgado e autoridade, refere este preclaro professor que, no plano objectivo, “[se] não é preciso entre os dois processos identidade de objecto (pois justamente se pressupõe que a questão foi num thema decidendum seja no outro questão de outra índole, maxime fundamental) é preciso que a questão decidida se renove no segundo processo em termos idênticos”, para adiante manifestar a sua preferência por um outro tipo de  distinção: “efeitos de caso julgado quando a questão julgada é objecto de outro processo, seu thema decidendum; efeitos do caso julgado quando a questão julgada desempenha outro papel, designadamente, o de questão fundamental” [[9]/[10]]

Prosseguindo na análise a que procede da excepção de caso julgado, ou seja quando a quaestio judicata é objecto de novo processo, refere este Mestre que o que a lei procura é assegurar o respeito da res judicata, ou seja como meio preventivo de tutela do caso julgado, porquanto a questão por este abrangida foi tomada no novo processo como thema decidendum, já quando no processo civil posterior a mesma questão fundamental se suscita, não como thema decidendum mas como questão fundamental, mas como questão fundamental, secundária ou instrumental, defende o autor que “[havendo]caso julgado e levantando-se num processo civil seguinte inter casdem pessoas a questão sobre a qual este recaiu, mas levantando-se como questão fundamental ou instrumental e não como thema decidendum (não sendo, pois de usar como excepção de caso julgado), o juiz do processo está vinculado á decisão anterior”, escorando-se no que preceituava o n.º 1 do artigo 671.º, n.º 1do anterior Código Processo Civil. [[11]]    

Sem, certamente, desbordar, por totalmente assimilável para a conceptologia jurídica, do conceito de caso julgado, a doutrina processual-penal não considera que o instituto possa ser transferível, nos mesmos termos em que é acolhido e se projecta no conspecto processual-civil, para o direito processual-penal.

Ainda que a terminologia (caso julgado) não seja estranha e seja utilizada no direito processual penal, nesta área adverte-se que “o caso julgado penal (total) desenvolve primordialmente um efeito negativo – o ne bis in idem, a consumação da acção penal – e o efeito positivo de viabilizar a «execução penal»- o «Vollstreckungwirkung». O caso julgado penal em relação a futuros processos (penais) tria um efeito meramente negativo – a obrigação, para o juiz, de declinar a decisão sobre a questão já resolvida – e não a obrigação, para o juiz, de adequar a sua decisão à pronúncia anteriormente proferida (como sucede na solução jurisprudencial). Para obviar a qualquer equivoco (de ordem processual), admite-se, um pouco por analogia ao que sucede em outros processos, que o fenómeno descrito se deveria designar de «efeito de vinculação intraprocessual» ou »efeito de vinculação material».”  [[12]]        

Em solução da aporia que suscita sobre qual o “efectivo valor que assume uma decisão penal transitada em julgado que aplique um pena de prisão efectiva», responde que poderiam ser encontradas duas soluções “um primeira solução seria – como se poderia dizer que o foi historicamente – a de admitir que o ne bis in idem em matéria de sanção transformaria numa res iudicata dressed in rpision grey. Assim sendo, verificar-se-ia, tão só, a realização do título executivo – cujo conteúdo era a pena – de acordo com as regras de um processo (administrativo) de execução da sentença, em que eventuais obstáculos se deveriam remeter para a  categoria de incidentes de execução.

Todavia, uma outra solução seria possível (…): a de admitir que a «correcção» da medida (concreta) da pena se realiza, não por via de recurso de Revisão, mas na própria fase de execução da pena (agora entendida, não como execução da sentença. Isto significaria – ou poderia significar – que tal como se disso se teve consciência no Direito italiano, também no direito nacional existe o «mito do caso julgado».”

Caso paradigmático seria, como o próprio Autor assinala, o caso da pena de suspensão de execução das penas de prisão. “Com efeito, o CP prevê exactamente que a regras de conduta e injunções possam ser alteradas, sempre que ocorram circunstâncias relevantes ou de que o tribunal só posteriormente tenha tido conhecimento (independentemente d qualquer comportamento culposo do arguido. Ora, se é admissível uma clausula rebus sic stantibus numa pena não detentiva, seguramente que a mesma ponderação – se não mesmo a fortiori – deverá ser considerada na execução da pena privativa de liberdade.” [[13]]    

Aceitando, embora, a possibilidade da existência de um «caso julgado parcial» quanto à culpabilidade, “quanto se verifique a limitação do recurso à questão da determinação da sanção”, entende que “o caso julgado está sujeito a «condição resolutiva», porque é essa a condição «natural» da sentença condenatória.” [[14]]              

A propósito da figura do caso julgado transferível – ou não – para o direito penal escreveu-se, no recente acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 30 de Outubro de 2019, proferido no processo nº 39/16.4TRMGR.S2, relatado pelo Conselheiro Vinício Ribeiro (sic): “Escreve-se em recente aresto deste STJ que: «Tendo presente que a noção de caso julgado não nos é dada pelo actual Código de Processo Penal, não podendo a mesma ser decalcada da noção dada pelo Código Processo Civil no artigo 497º porquanto em processo penal não existe uma realidade que possa ser tomada como “as partes do processo” e o pedido é o de aplicação de uma sanção penal em virtude da comissão de um facto criminalmente punível, conjugado como o da declaração de uma inexistência no caso concreto, de obstáculos às respectivas ilicitudes e culpabilidade do agente e a causa de pedir é a circunstância de se configurar que o agente terá tido uma conduta susceptível de gerar uma sanção de natureza penal, há assim que recorrer aos princípios gerais do processo penal a fim de se delimitar a noção de “caso julgado”. Neste sentido decidiu já o STJ no Assento n.º 3/2000, no qual se concluiu: “entende-se, por tal motivo, e uma vez que a lei penal ainda não regulamentou os efeitos do caso julgado penal, que se têm de considerar ainda em vigor as disposições regulamentadoras do tema que constavam do anterior CPP, na medida em que traduzem os princípios gerais do direito penal vigente entre nós”. (Extracto do Ac. STJ de 6/6/2018, Proc. 1/15.4GAMTS.S1, Rel. Manuel Augusto Matos).

Além da questão do caso julgado e da eventual aplicação subsidiária do regime do CPCivil, também se discute a relação entre o caso julgado e o princípio ne bis in idem.

Escreve-se, a propósito, no Ac. STJ 15/2009, DR I S. de 23/11/2009, que: «O caso julgado material mostra-se constitucionalmente tutelado através da consagração do princípio non bis in idem, constituindo, como já se deixou consignado, a dimensão objectiva daquele princípio. Nesta dimensão são a segurança e a certeza da decisão judicial, a intangibilidade do definitivamente decidido pelo tribunal, que se visam proteger. Estão aqui subjacentes valores atinentes à imagem e credibilidade dos tribunais e ao interesse dos sujeitos processuais e da própria comunidade, designadamente o interesse na tutela estável dos bens jurídicos, mediante a imutabilidade da decisão, essencial às legítimas expectativas dos sujeitos processuais e à confiança do cidadão e da comunidade na justiça e nos tribunais.

Na sua dimensão subjectiva, porém, o princípio non bis in idem, enquanto garante da posição do arguido, integrado num processo penal justo e equitativo, tem prevalentemente em vista a protecção do condenado, defendendo -o contra a possibilidade de ser julgado por mais de uma vez pelo mesmo facto, ou seja, a possibilidade de repetição arbitrária do julgamento, com dupla punição pelo mesmo crime ou condenação após um julgamento absolutório.»

O princípio ne bis in idem encontra-se dogmaticamente bem escalpelizado no Ac. do TC 303/2005, que caracteriza, com rigor, as suas vertentes: processual e substantiva.

Extracta-se do mesmo, pela sua clareza, o seguinte passo: «11. Nos termos do artigo 29.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa “[n]inguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime”, dando-se, assim, dignidade constitucional expressa ao clássico princípio non bis in idem (  ou ne bis in idem, na expressão mais universalmente utilizada).

Numa primeira concretização, a doutrina penalística costuma assinalar que o princípio tem uma vertente substantiva e outra processual. Sempre de um modo geral, designadamente sem entrar na consideração da pluralidade de ramos do direito sancionatório, pode dizer-se que, do ponto de vista substantivo, o princípio proíbe a plural imposição de consequências jurídicas sancionatórias sobre a mesma infracção; do ponto de vista processual, o non bis in idem determina a impossibilidade de reiterar, contra o mesmo sujeito, um novo julgamento (ou processo) por uma infracção penal sobre a qual se tenha firmado decisão de absolvição ou condenação.

O “ne bis in idem” processual – a proibição de sujeição a julgamento pelo “mesmo crime” em processos sucessivos – encontra o seu fundamento próximo na tutela da segurança ou da paz jurídica, inerente ao princípio do Estado de Direito que não permite, mesmo com eventual sacrifício da justiça material, que o indivíduo, já condenado ou absolvido, possa viver permanentemente sob a espada de Dâmocles de uma nova perseguição penal e de uma eventual imposição de pena.

Outro há-de ser o fundamento para a vertente estritamente material do princípio, porque aí, sendo a dupla penalização simultânea, não é a afronta à paz jurídica que está em causa. O fundamento da proibição da plúrima punição pelo “mesmo crime” no âmbito do mesmo processo só pode encontrar-se em conjugação com os princípios da necessidade e da proporcionalidade das penas e das medidas de segurança, isto é, pela ideia de que, sendo as sanções penais aquelas que, em geral, maiores sacrifícios impõem aos direitos fundamentais devem ser evitadas, na existência e na medida, sempre que não se demonstre a sua necessidade, e que a “dupla penalização” materializa, só por si, a desnecessidade ou a desproporção (Sobre o acolhimento constitucional do princípio da necessidade das penas, pode ver-se a jurisprudência elencada no ponto 8.1 do já referido acórdão n.º 494/2003).

Ora, aos diferentes fins de protecção correspondem diferentes pressupostos e consequências jurídicas, designadamente quanto ao que deve entender-se por “mesmo crime” para cada uma das duas vertentes do princípio (Cf. Ramón Garcia Albero, “Non Bis in Idem Material” y Concurso de Leyes Penales, p. 24 e ss).

(…) Ac. STJ de 12/11/2008, Proc. 08P2868, Rel. Henriques Gaspar “VI - Em processo penal, pode dizer-se que existe caso julgado material quando a decisão se torna firme, impedindo a renovação da instância em qualquer processo que tenha por objecto a apreciação do mesmo ou dos mesmos factos ilícitos. VII - O caso julgado formal não assume semelhante função, nem contém, no essencial, dimensão substancial. Há caso julgado formal quando a decisão se torna insusceptível de alteração por meio de qualquer recurso como efeito da decisão no próprio processo em que é proferida, conduzindo ao esgotamento do poder jurisdicional do juiz e permitindo a sua imediata execução (actio judicati) – cf. Ac. do STJ de 23-01-2002, Proc. n.º 3924/01. VIII - O caso julgado formal respeita a decisões proferidas no processo, no sentido de determinação da estabilidade instrumental daquele em relação à finalidade a que está adstrito. No rigor das coisas, o caso julgado formal constitui apenas um efeito de vinculação intraprocessual, pressupondo a imutabilidade dos pressupostos em que assenta. IX - Na perspectiva instrumental e no espaço de garantias que é o processo, mudando os pressupostos de que depende a realização da finalidade a que está vinculado – a realização da justiça do caso, no respeito por regras materiais e de acordo com princípios estruturantes –, deixa de subsistir a razão do caso julgado formal, que não pode impedir a realização da finalidade que justifica a sua razão instrumental. X - Por isso, a prescrição do procedimento criminal não pode, na dimensão substancial, estar coberta por qualquer caso julgado formal quanto à estabilidade de determinado regime, dos vários que podem suceder-se no tempo, porque sempre pode interpor-se, posteriormente, algum elemento novo ou com susceptibilidade para produzir efeitos relevantes na conjugação dos pressupostos, que são essencialmente dinâmicos, da prescrição. (no mesmo sentido, e do mesmo relator, Ac. STJ de 24/5/2006, Proc. 06P1041).”

Entendido no sobreditos termos o instituto de «caso julgado», quando aplicado ao direito penal, haveremos de convir que a questão da sanção penal não poderá alçar-se, em definitividade, à posição de imodificabilidade ou de transitada em julgado. Ou, dito de outra forma, a questão da sanção penal assume uma definitividade dentro do processo, com efeito positivo de executoriedade da sanção depois de aplicada dentro de um processo, conforme a uma concreta avaliação/fixação da culpabilidade e determinação da pena, desde que seja insusceptível de recurso e se firme no âmbito do processo em que essa sanção foi determinada e imposta. No entanto, a «sanção transitada» num determinado caso concreto e dentro de um processo determinado, pode vir a ser modificada e transformada sempre que surjam circunstâncias ou factores supervenientes que colidam com a sua inteireza formal-material da decisão ditada pelo tribunal, como seja no caso em que a lei exige uma reavaliação da culpabilidade do agente para um determinado período temporal, pela perpetração nesse período temporal de várias condutas que a lei condiciona a uma unidade de infracções. Neste caso, a preeminência da unidade condutas culposas e da avaliação de conjunto da conduta criminosa exigem a derrogação da firmeza processual-formal da decisão anterior de modo a alcançar valores de justiça material e de valoração conjuntural e essencial da acção ilícita desenvolvida pelo agente num determinado conspecto material e espácio-temporal.   

Daí que a sanção penal imposta para um determinado caso possa vir a ser objecto de derrogação – ou de «rescisão horizontal» – se, no processo onde foi irrogada, advierem factores e elementos – no caso adveniência e conhecimento de outras infracções praticadas num determinado espaço temporal – que se constituam, necessária e legalmente, como postulantes modificativos e reversores da avaliação da culpabilidade e consequente sanção.

Como refere André Lamas Leite, in “A suspensão da execução da pena privativa de liberdade sob pretexto da revisão de 2007 do Código Penal”, STVDIA IVRIDICA 99, Ad Honorem - 5, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Separata de ARS IVDICANDI, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias, Volume II, Coimbra Editora, 2009, pág. 610, a propósito da integração na pena conjunta de pena suspensa, mas com aplicação aqui na presente situação “o caso julgado repousa em específicas condições concorrentes para a sua formação que, alterando-se, rectius, modificando-se o conhecimento que delas se tem e que não coincide com o vigente à data da sua formação, autorizam que os seus efeitos não mais se produzam.

No caso de conhecimento superveniente do concurso, tudo se deve passar como se passaria se o conhecimento tivesse sido contemporâneo.

Conclui-se assim que não há qualquer violação de caso julgado, quando face a conhecimento superveniente de outro crime cometido pelo arguido, é renovada a instância, desfazendo-se o cúmulo anterior e elaborando-se outro de modo a actualizar a apreciação global da actividade integral do arguido”.” – Cf. Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 18 de Março de 2018, proferido no processo nº 108/13.5GCVCT.G2,S1, relatado pelo Conselheiro Raúl Borges:

Em definitivo, não obsta o trânsito em julgado processual-formal, adquirida pela sanção imposta no processo nº 15/15.4SFPRT, por não haver sido objecto de recurso e, por isso, se ter fixado dentro daquele processo – ainda que no caso esse tipo de sanção pudesse vir a ser alterada se adviessem circunstâncias posteriores que o determinassem, dado a provisoriedade ou qualidade rebus sic stantibus que a condenação de suspensão de execução assume no ordenamento – a sua derrogação/rescisão, pelo mesmo tribunal, se, entretanto, se vier a verificar, pela prática de várias acções ilícitas pelo agente num determinado período temporal, um situação de acumulação de infracções que reúnam as condições para a reavaliação da acção conjunta conformadora de uma nova sanção (unitária) que de forma global e mais abrangente defina a culpabilidade do agente e imponha o surgimento de uma inovadora injunção sancionatória. (Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 9 de Novembro de 2006, proferido no processo n.º 3512/06 da 5.ª Secção, CJSTJ 2006, tomo 3, pág. 226, no concernente à inclusão de penas suspensas na execução: “A lei afasta, assim, expressamente, qualquer limite emergente de caso julgado de que tenham sido objecto as penas parcelares, com vista à efectivação do cúmulo e fixação autónoma «ex novo» da pena única conjunta”, e mais à frente: “o conhecimento superveniente a que se reporta o artigo 78.º suplanta o normal regime de intangibilidade do caso julgado, se é que de caso julgado puro se pode falar nestas singulares circunstâncias, em que os julgamentos parcelares foram avante sem o inteiro domínio do facto pelos respectivos tribunais, e, assim, com uma realidade fáctica truncada e insuficiente. E o caso julgado “tout court” pressupõe a estabilidade das circunstâncias do julgamento, nomeadamente do quadro de facto que lhe subjaz”.)          


II. B.(i).b). – Formação/Integração no cúmulo de penas das penas suspensas na sua execução.

A solução encontrada para a questão solvida no apartado antecedente, introduz o ponto enunciado – integração das penas de prisão suspensas na sua execução na pena conjunta, em superveniência.

O recorrente exprime a sua discordância da pena imposta no processo nº 15/15.4S... – 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão cuja execução foi suspensa por igual período – por não haver sido averiguado se a pena havia sido declarada extinta ou revogada. (“Quando incluída no cúmulo jurídico, sem que se verifique se houve uma decisão sobre essa pena, ou seja se foi revogada ou extinta, integra na figura da nulidade; XIII. Para esta tese, sendo a pena de prisão efetiva e a pena de prisão suspensa na sua execução, penas de natureza diferente, só poderiam ser cumuladas se o tribunal previamente determinasse a sua revogação, nos termos do art. 56º do C.P.; XIV. Pois, se fosse incluída, levaria ao agravamento da respectiva moldura penal abstrata do cúmulo jurídico”)

É avonde a jurisprudência que afere a probidade inclusiva das penas de prisão suspensas na execução, nas situações em que haja que, por superveniência de verificação, reconstituir a situação penológica do agente, ou seja quando ocorra a constatação de uma situação de concurso que não foi conhecido no momento em que o tribunal procedeu ao julgamento de um crime, sem ter vindo ao seu conhecimento que o arguido havia, nesse ínterim, praticado outros ilícitos que não obtiveram sancionamento.

No já citado acórdão de 18 de Março de 2018, proferido no processo nº 108/13.5GCVCT.G2,S1, relatado pelo Conselheiro Raúl Borges, procede-se a uma resenha extensiva e munificente da jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal Constitucional que enfileira pela inclusão/integração das penas suspensas na sua execução, desde que não exaurido o respectivo tempo de duração da suspensão, na pena conjunta que haja de constituir-se/formar-se, em razão da superveniência de conhecimento de crimes em relação de concurso.

Por a posição expressa no acórdão referido no parágrafo antecedente corresponder na íntegra à posição que perfilhamos – o acórdão em questão foi por nós subscrito enquanto adjunto - pedimos vénia para o transcrever na parte concernente e adrede. 

Como é sabido, não é líquida a questão da formação de uma pena única em caso de conhecimento superveniente do concurso de infracções, quando, entre outros, estão em concurso crimes pelos quais tenham sido aplicadas penas efectivas de prisão e penas de prisão suspensas na sua execução, colocando-se o problema de saber se a integração de tais penas no cúmulo jurídico pressupõe ou não a anterior revogação da suspensão. 

(…) Para uma corrente, defende-se que não é possível a anulação desta pena com o fim de a incluir no cúmulo a efectuar, face à nova redacção do n.º 1 do artigo 78.º do Código Penal, atendendo a que a pena suspensa é uma pena de substituição, autónoma face à pena de prisão substituída, uma verdadeira pena e não uma forma de execução de uma pena de prisão, antes tendo a sua execução regulamentação autónoma - cfr. sustentado parecer formulado pelo Ministério Público neste Supremo Tribunal, no processo decidido em 6 de Outubro de 2005 e no qual veio a ser elaborado o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 3/2006, infra referido, podendo ver-se, neste sentido, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 02-06-2004, processo n.º 1391/04-3.ª, in CJSTJ 2004, tomo 2, pág. 217 (no caso de concurso de crimes, a aplicação de uma pena única supõe que estejam em causa penas da mesma natureza; daí que como tal não pode ser considerada a pena suspensa, pois constitui uma pena de substituição, de diferente natureza e com regras distintas de execução da pena de prisão); (…)

A posição predominante é no sentido da inclusão da pena de prisão suspensa na execução, defendendo-se que a “substituição” deve entender-se, sempre, resolutivamente condicionada ao conhecimento superveniente do concurso e que o caso julgado forma-se quanto à medida da pena e não quanto à sua execução.  

De acordo com esta posição a suspensão da execução da pena de prisão não constitui óbice à integração dessa pena em cúmulo jurídico de penas aplicadas a crimes ligados entre si pelo elo da contemporaneidade, não seccionada por condenação transitada pela prática de qualquer deles.

Figueiredo Dias, Direito Penal Português – Parte Geral II – As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, §§ 409, 419 e 430, a págs. 285, 290 e 295, defende que quando uma pena parcelar de prisão tenha sido suspensa na sua execução, «torna-se evidente que para efeito de formação da pena conjunta relevará a medida da prisão concretamente determinada e que porventura tenha sido substituída» e que «de todo o modo, determinada a pena conjunta, e sendo de prisão, então sim, o tribunal decidirá se ela pode legalmente e deve político - criminalmente ser substituída por pena não detentiva» e que não pode recusar-se, em caso de conhecimento superveniente do concurso, «a valoração pelo tribunal da situação de concurso de crimes, a fim de determinar se a aplicação de uma pena de substituição ainda se justifica do ponto de  vista das exigências  de prevenção, nomeadamente da prevenção especial».

Paulo Dá Mesquita em O Concurso de Penas, Coimbra Editora, 1997, págs. 95/98, concorda com a orientação dominante na jurisprudência dos tribunais superiores em atenção à natureza das penas cuja execução foi suspensa, defendendo não existir obstáculo ao cúmulo de uma pena de prisão, cuja execução foi suspensa, com uma outra qualquer pena de prisão.

Neste sentido, igualmente se pronunciou Paulo Pinto de Albuquerque, em Comentário do Código Penal, 2.ª edição actualizada, 2010, Universidade Católica Editora, pág. 287, dizendo não se colocar qualquer questão de violação do “caso julgado” em relação à pena de prisão com execução suspensa que venha a ser incluída no cúmulo jurídico, mas cuja pena conjunta não seja, por sua vez, suspensa na sua execução.

E conclui “Ocorrendo conhecimento superveniente de uma situação de concurso de infracções, na pena conjunta a fixar pode não ser mantida a suspensão da execução de penas parcelares de prisão, constante de anteriores condenações”. [Do mesmo modo na 3.ª edição actualizada de Novembro de 2015, pág. 381].

No mesmo sentido se pronuncia André Lamas Leite, in “A suspensão da execução da pena privativa de liberdade sob pretexto da revisão de 2007 do Código Penal”, STVDIA IVRIDICA 99, Ad Honorem - 5, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Separata de ARS IVDICANDI, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias, Volume II, Coimbra Editora, 2009, págs. 608 a 610, referindo que o caso julgado em tais circunstâncias não se encontra recoberto por um carácter de absoluta intangibilidade, mas sim por uma cláusula rebus sic stantibus.” (…)   

Sendo simultâneo, não existem dúvidas de que o tribunal deve começar por determinar as penas parcelares, decidindo, a final, perante a pena conjunta fixada, pela suspensão, ou não, desta pena.

O problema coloca-se quando o conhecimento do concurso de penas (de prisão) é superveniente, sendo uma, ou mais, das penas parcelares suspensas, e a outra, ou outras, efectivas. Aqui existem divergências doutrinais e jurisprudenciais, embora seja largamente dominante a orientação no sentido da admissibilidade de cumulação de penas efectivas com penas suspensas de prisão.

Nesta perspectiva, podem, pois, no conhecimento superveniente de concurso, ser revogadas as penas suspensas que entram nesse concurso. Como pode igualmente, caso se verifique o condicionalismo legal, formal e material, ser suspensa a pena única de um concurso entre penas suspensas e penas efectivas de prisão.

Em qualquer caso, as penas suspensas só entrarão no cúmulo se ainda não tiverem decorrido os respectivos prazos, ou se tiver sido revogada a suspensão. Consequentemente, serão excluídas as penas extintas, bem como as penas suspensas cujo prazo findou, enquanto não houver decisão sobre a extinção da pena”. (…) Como se extrai do acórdão de 06-02-2014, processo n.º 339/09.0GDSTS-A.S1 - 3.ª “Essa argumentação (relativa a impossibilidade revogação) falece de razoabilidade prática, o que, desde logo, é evidente pela circunstância de o juiz que decreta a suspensão da pena parcelar, ignorando a existência de concurso, elaborar um juízo de prognose sobre a evolução da personalidade do arguido com base numa delinquência ocasional que não se verifica. O pressuposto da suspensão não existe, uma vez que existem outros crimes praticados, mas não conhecidos em concreto, e o julgador é induzido em erro pela convicção contrária.

Na verdade, sob pena de uma gritante ofensa do princípio da igualdade, o tratamento do concurso deve ser exactamente o mesmo, independentemente da forma do seu conhecimento, superveniente ou não, e assim, sabendo-se que a pena que vai ser efectivamente aplicada não é a pena parcelar, mas a pena conjunta, toma-se claro que só relativamente a esta tem sentido pôr a questão da sua substituição.

Se a lógica da apreciação global do percurso criminoso do arguido implica a valoração de toda, e cada uma, das suas actuações atomisticamente consideradas; se a atribuição de um efeito excludente à pena suspensa gera uma situação de injustificada desigualdade; se a suspensão prévia da pena no concurso superveniente traz consigo um errado conhecimento por parte do julgador em relação à existência do concurso, não se vislumbra porque é que se deve interpretar o art. 78.º do CP numa fórmula que suporta tais patologias”.

(…) Citando o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 341/2013, consta do sumário do acórdão de 15-10-2015, processo n.º 3442/08.0TAMTS.S1 – 5.ª Secção: “O entendimento maioritário da jurisprudência do STJ vai no sentido de se realizar o cúmulo jurídico de penas de prisão suspensas na sua execução se não decorreu ainda o período de suspensão da execução da pena. Pelo que, seguindo o referido entendimento, no caso concreto, as penas suspensas em que o recorrente foi condenado devem ser englobadas na operação de cúmulo jurídico de penas, uma vez que, quando o acórdão recorrido foi prolatado, em nenhum dos casos se mostra que o período de suspensão já tivesse decorrido, não se podendo concluir pela existência de uma qualquer nulidade derivada de tal englobamento.

A jurisprudência maioritária do STJ vai no sentido de que não há necessidade de fundamentar a revogação da suspensão da execução da pena para englobar as penas suspensas no cúmulo jurídico de penas, inexistindo qualquer nulidade do acórdão recorrido por falta de tal fundamentação”. [[15]]

Ainda do Supremo Tribunal de Justiça, o acórdão de 6 de Outubro de 2005, proferido no processo n.º 2107/05 da 5.ª Secção, sobre o qual incidiu a apreciação do Tribunal Constitucional, que no Acórdão n.º 3/2006, de 3 de Janeiro de 2006, proferido no processo n.º 904/05-2.ª Secção, publicado no Diário da República - II Série, de 07-02-2006 (e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 64.º volume, págs. 147 e ss.), decidiu não julgar inconstitucionais as normas dos artigos 77.º, 78.º e 56.º, n.º 1, do Código Penal, interpretados no sentido de que, ocorrendo conhecimento superveniente de uma situação de concurso de infracções, na pena única a fixar pode não ser mantida a suspensão da execução de penas parcelares de prisão, constantes de anteriores condenações.

Esclarece que se trata da “solução que, na perspectiva do legislador corresponde ao critério da culpa e às preocupações de prevenção em que se funda o sistema punitivo, cuja lógica obedece a dois vectores: 1. No caso de conhecimento superveniente do concurso, tudo se deve passar como se passaria se o conhecimento tivesse sido contemporâneo; 2. Mas a decisão sobre a suspensão da pena deve atender à situação do condenado no momento da última decisão e sempre reportada à pena única.

E a respeito do caso julgado, salienta-se que na lógica do sistema, tanto não viola o caso julgado a não manutenção, na pena única, de suspensão de penas parcelares, como a suspensão total da pena única, mesmo que nela confluam penas parcelares de prisão efectiva”.”

A pena (de suspensa na execução) imposta ao arguido/recorrente no processo nº 15/15.4S… foi decretada em acórdão datado de 14 de Março de 2017 (fls. 3594 a 3609), tendo a decisão transitado em julgado no dia 21/06/2017 (cfr. fls. 3531). A pena foi computada em 1 (um) ano e 9 (nove) meses, pelo que o prazo de suspensão – que foi decretado pelo mesmo período da pena – terminaria no dia 21 de Março de 2019. Tendo o acórdão que procedeu à integração da pena (suspensa) no cúmulo em apreço sido proferido a 14 de Março de 2019 a suspensão encontrava-se vigente.

Mantendo-se viger a suspensão, no momento em que o tribunal recorrido procedeu à sua integração no cúmulo a constituir de penas aplicadas por crimes em concurso, não foi violado qualquer preceito ou regra de procedimento. No momento em que o cúmulo foi formado/constituído a pena de substituição estava em período de cumprimento pelo que a pena em vigor era a pena de prisão que, pela condenação, se constituía como pena ajustada ao crime praticado pelo agente, mas que o tribunal entendera suspender prognosticando uma reversão do comportamento durante um determinado período temporal.

A pena (suspensa na execução) imposta ao arguido no processo nº 15/15.4S… foi correctamente integrada no cúmulo jurídico a que se procedeu neste processo.   


II. B. (ii). – Individualização judicial da medida da pena única.

A derradeira questão aventada na pretensão recursiva atina com a individualização judicial da pena conjunta imposta ao recorrente,

Para a pena (determinada), valeu-se o tribunal recorrido da sequente argumentação (sic): “Estabelece o nº 1, do art. 78º, do Código Penal, sob a epígrafe “Conhecimento superveniente do concurso”: “Se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes”.

E estipula o art. 77º do Código Penal: “1 – Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente. 2 - A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”.

Como vem sendo salientado nas decisões proferidas pelo STJ, o caso de concurso por conhecimento superveniente tem lugar quando, posteriormente à condenação, se vem a verificar que o agente anteriormente àquela condenação praticou outro ou outros crimes. Nestes casos são aplicáveis as regras do disposto nos arts. 77º, nº 2 e 78º, nº 1, do CP, não dispensando o legislador a interacção entre as duas normas.

A primeira decisão transitada é, assim, o elemento aglutinador de todos os crimes que estejam em relação de concurso, englobando-os em cúmulo, demarcando as fronteiras do círculo de condenações objecto de unificação.

Assim, se os crimes conhecidos forem vários, tendo uns ocorrido antes de proferida a condenação anterior e outros depois dela, o tribunal proferirá duas penas conjuntas, uma a corrigir a condenação anterior, outra relativa aos crimes praticados depois daquela condenação; a ideia de que o tribunal deveria ainda aqui proferir uma só pena conjunta contraria expressamente a lei e não se adequaria ao sistema legal de distinção entre punição do concurso de crimes e da reincidência (cfr., a título exemplificativo, o acórdão da Relação do Porto, de 25/9/2013, disponível em www.dgsi.pt).

Na verdade, o STJ tem vindo a entender que não são de admitir os cúmulos por arrastamento, citando-se, entre muitos outros, o Acórdão de 20-06-96, publicado no BMJ, 458, 119, onde se decidiu que as penas dos crimes cometidos depois de uma condenação transitada em julgado não podem cumular-se com as penas dos crimes cometidos anteriormente a essa condenação, sendo pressuposto da aplicação do regime de punição do concurso de crimes, ou da formação da pena do concurso, que os crimes tenham sido praticados antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles.

A superveniência do conhecimento não pode, no âmbito material, produzir uma decisão que não pudesse ter sido proferida no momento da primeira apreciação da responsabilidade penal do agente (cf. Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, págs. 293-294).

Há, assim, para a determinação da pena única, como que uma ficção de contemporaneidade. A decisão proferida na sequência do conhecimento superveniente do concurso deve sê-lo nos mesmos termos e com os mesmos pressupostos que existiriam se o conhecimento do concurso tivesse sido contemporâneo da decisão que teria necessariamente tomado em conta, para a formação da pena única, os crimes anteriormente praticados; a decisão posterior projecta-se no passado, como se fosse tomada a esse tempo, relativamente a um crime que poderia ser trazido à colação no primeiro processo para a determinação da pena única, se o tribunal tivesse tido, nesse momento, conhecimento da prática desse crime.

Além disso, importa salientar que a pena conjunta tenderá a ser uma pena voltada para ajustar a sanção – dentro da moldura formada a partir de concretas penas singulares – à unidade relacional de ilícito e de culpa, fundada na conexão auctoris causa própria do concurso de crimes.

O STJ tem vindo a considerar impor-se um dever especial de fundamentação na elaboração da pena conjunta, não se podendo ficar a decisão cumulatória pelo emprego de fórmulas genéricas, tabelares ou conclusivas, sem reporte a uma efectiva ponderação abrangente da situação global e relacionação das condutas apuradas com a personalidade do agente, seu autor, sob pena de inquinação da decisão com o vício de nulidade, nos termos dos arts. 374.°, n.º 2, e 379.°, nº 1, alíneas a) e c), do CPP.

Assim, e como é salientado no acórdão do STJ de 2/9/2009 (disponível em www.dgsi.pt), “perante concurso de crimes e de penas há que atender ao conjunto de todos os factos cometidos pelo arguido, de modo a surpreenderem-se, ou não, conexões entre os diversos comportamentos ajuizados, através duma visão ou imagem global do facto, encarado na sua dimensão e expressão global, tendo em conta o que ressalta do contexto factual narrado e atender ao fio condutor presente na repetição criminosa, procurando estabelecer uma relação desses factos com a personalidade do agente, tendo-se em conta a caracterização desta, com sua projecção nos crimes praticados, enfim, há que proceder a uma ponderação da personalidade do agente e correlação desta com os factos ajuizados, a uma análise da função e da interdependência entre os dois elementos do binómio, não sendo despicienda a consideração da natureza dos crimes, da verificação ou não da identidade dos bens jurídicos. O que interessa e releva considerar é a globalidade dos factos em interligação com a personalidade do agente, de forma a aquilatar-se, fundamentalmente, se o conjunto dos factos traduz uma personalidade propensa ao crime, ou é antes, a expressão de uma pluriocasionalidade que não encontra a sua razão de ser na personalidade do arguido”.

(…) A pena unitária do concurso deverá ser determinada no âmbito de uma moldura abstractas, que terá como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes e como limite máximo a soma das penas parcelares aplicadas, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa (cfr. o nº 2 do art. 77º do C. Penal).

Dentro dos limites assim encontrados para esta moldura abstracta, importa determinar a medida da pena conjunta do concurso, considerando as exigências de culpa e prevenção, nos termos gerais do art. 71º do C. Penal, com a única particularidade de que aquelas se referem, agora, à imagem global dos factos e da personalidade do arguido neles documentada (cfr. o nº 1 do art. 77º do C. Penal).

A moldura abstracta do concurso de penas de prisão atrás descrito oscila entre o limite mínimo de 5 anos de prisão e o limite máximo de 9 anos e 3 meses de prisão.

Assim, e ponderando, por um lado, a repetição pelo arguido do mesmo tipo de crimes (tráfico de estupefacientes, envolvendo heroína e cocaína – substâncias psicotrópicas de elevada toxicidade) – revelando já uma tendência do arguido para a prática deste tipo de ilícitos –, associada à desinserção social e profissional por ele denotada, mas, por outro lado, a circunstância de revelar, actualmente, alguma capacidade de autocrítica relativamente ao seu passado delitivo e de beneficiar de apoio familiar, para além de contar ainda com 28 anos de idade, considera-se adequada à sua culpa global e às exigências de prevenção geral de integração e especial de socialização globalmente verificadas, a pena única de 6 anos e 3 meses de prisão.”

A lei penal assume e realiza, pela sua configuração, uma função estabilizadora da comunidade em que rege, orientando cognitivamente e permitindo uma conformação/assimilação de dever estar do indivíduo de modo a assegurar a confiança nas instituições conformadoras da sociedade estabelecida. Para a consecução dos objectivos com que pretende manter a conformação institucional da comunidade existente e validade normativa viger, o sistema penal incute, através da responsabilização dos indivíduos e pela imposição de sanção penais – penas e medidas de segurança –, consequências jurídicas aos infractores das normas de comando em que se verte a essencialidade das valorações prevalentes num determinado momento histórico-social. A lei penal portuguesa consagra no artigo 40º, nº 1 do Código Penal as consequências jurídicas do facto, colimando a finalidades das penas e medidas de segurança em dois vectores axiais: (a) a protecção de bens jurídicos [[16]]; e (b) a reintegração do agente na sociedade. (“A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade,”) (“A pena é sempre uma reacção ante a infracção da norma. Mediante a reacção evidencia-se a necessidade de se observar a norma. E a reacção demonstrativa tem sempre lugar á custa do responsável por haver infringido a norma. (por à «custa de» se entende neste contexto a perda de qualquer bem)” – (Günther Jakobs, Derecho Penal, Parte General, Fundamentos y Teoria de la Imputación, p.8)  

De passo o nº 2 do mesmo preceito rege para a fixação do parâmetro fundante e limitador da medida da pena a impor ao responsável pela infracção da norma, radicado, numa perspectiva ôntico-objectiva de reprovação e censurabilidade da atitude contrária ao comando normativo e que o aplicador deve ressumar e captar dos factos praticados no momento da escolha e determinação da sanção penal que deva impor num caso concreto. (“Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”). [[17]]

Mais detalhadamente estabelece o art. 71 nº 1 do C.P. que "a determinação da pena dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção". Resulta de uma chã leitura deste preceito que a culpa (indiciador de um radical pessoal) e a prevenção (que insinua a vertente societária e comunitária para a reprovação do comportamento do agente e a correlata necessidade no asseguramento da confiança (da sociedade) na norma, traduzido na punibilidade de condutas contrárias ao sentido conformador-normativo) constituem os princípios regulativos em que o juiz se deve ancorar no momento em que se lhe exige que fixe um quantum concreto da pena. Mediante o estabelecimento e indicação de critérios, o legislador fornece ao juiz orientações para a formação cognitiva de juízos avaliativos e condensadores dos pressupostos e da fixação de premissas que possibilitam a conformação e determinação das escolhas a realizar perante um concreto responsável em face da realidade factual ressumada pela facticidade adquirida pelo julgamento. Assim na individualização da pena o juiz, assumindo as intencionalidades e as vinculações do sistema jurídico-penal, desempenha uma insubstituível tarefa mediadora, construtiva e constitutiva da reacções penais ajustadas ao caso e convincentes da sua justeza perante a sociedade que se destinam a influenciar.

Na determinação concreta da pena caberão todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime deponham a favor ou contra o agente, designadamente: – O grau de ilicitude do facto, ou seja, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente; – A intensidade do dolo ou negligência; – Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; – As condições pessoais do agente e a sua situação económica; – A conduta anterior ao facto e posterior a este; – A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena. [[18]]

Ponderando nos critérios a observar na individualização judicial da pena refere a propósito Winfried Hassemer [[19]] que “na decisão de determinar a pena são relevantes, entre outros, os seguintes elementos da realidade: a culpabilidade do sujeito; os efeitos da pena que são esperáveis que se produzam na sua vida futura em sociedade; seus motivos e fins, a consciência que o facto revela da vida anterior; as suas relações sociais e económicas e o se comportamento posterior ao delito”, do mesmo passo que para Jakobs o conteúdo tradicional da culpabilidade, constitui-se numa culpabilidade fundada em si mesma, sendo preenchido pela prevenção geral, Para este autor, “a transgressão da norma constitui em maior ou menor medida uma perturbação da confiança da generalidade na validade da norma. Por isso a segurança existencial necessária no tráfico social deve restabelecer-se mediante a estabilização da norma à custa do autor. A culpabilidade esvazia-se aqui de conteúdo, o qual dependerá de factores externos”. [[20]] “A um autor que actua de determinado modo e que conhece, ou pelo menos devia conhecer, os elementos do seu comportamento, exige-se-lhe (se le imputa) que considere ao seu comportamento como a conformação normativa. Esta imputação tem lugar através da responsabilidade pela própria motivação: se o autor se tivesse motivado predominantemente pelos elementos relevantes para evitar um comportamento, ter-se-ia comportado de outro modo; assim, pois, o comportamento executado patenteia (pone de manifesto) que o autor nesse momento não lhe importava de forma prevalente evitar o comportamento mantido.” [[21]]

Num seminário sobre os fins das penas, [[22]] Claus Roxin advoga, acompanhando Hans Scultz, que na determinação da pena se trata de retribuir a culpabilidade [[23]], devendo na operação de determinação aplicar a «teoria da margem de liberdade», que a jurisprudência alemã formulou da forma seguinte: “Não se pode determinar com precisão que pena corresponde à culpabilidade. Existe aqui uma margem de liberdade (Spielraum) limitada no seu grau máximo pela pena adequada (à culpabilidade). O juiz não pode ultrapassar o limite máximo. Não pode, portanto, impor uma pena que na sua magnitude ou natureza seja tão grave que já não se sinta por ela como adequada à culpabilidade, No entanto, o juiz … poderá decidir até donde pode chegar dentro dessa margem de liberdade.” [[24]

Porém, na teorização a que procede sobre os fins das penas, ensina o Professor de Munique, que numa perspectiva integradora – teoria unificadora preventiva – “o fim da pena só pode ser de tipo preventivo. Posto que as normas penais só estão justificadas quando tendem à prossecução da liberdade individual e a uma ordem social que está ao seu serviço, também a pena concreta só pode perseguir isso, quer dizer, um fim preventivo do delito. Daí resulta que a prevenção especial e a prevenção geral devem figurar conjuntamente como fins da pena. Posto que os factos delitivos podem ser evitados tanto através da influência sobre o particular como sobre a colectividade, ambos os meios se subordinam ao fim último a que se estendem e são igualmente legítimos.” [[25]]  

Depois de apontar os inconvenientes e as vantagens que uma perspectivação baseada nas duas vertentes – preventiva geral e preventiva especial – o Professor advoga que uma «ressocializa-ção forçada» não pode ser imposta ao autor do facto ilícito, posto que, se depois de «despertado» para os efeitos do cumprimento de uma pena, mantiver a sua disposição de recusa, então esta deverá ser executada: “para a sua justificação é suficiente, sem embargo, a necessidade de prevenção geral.” 

O conflito que se pode plantear entre prevenção geral e prevenção especial “só se produz quando ambos os fins perseguidos exigem diferentes quantias de pena.” (Fornece como exemplo, o caso em que um jovem causou uma lesão com resultado de morte numa rixa. Num caso deste tipo, “pode parecer adequado um castigo de três anos de privação de liberdade sobre a base da prevenção geral e em aplicação do § 226 II, enquanto que as exigências de prevenção especial só permitem um ano com remissão condicional porque uma pena mais grave dessocializaria o autor e caberia esperar um tropeço em futura criminalidade. Qualquer e ambas as possíveis soluções obtém, pois, um benefício preventivo, por uma parte, a troco de um prejuízo preventivo por outra. Num caso como este é necessário sopesar os fins de prevenção especial e geral e pô-los em ordem de prelação. Nisso tem preferência a prevenção especial até a um grau em que de seguida haverá que determinar, de forma a que no nosso exemplo, a pena que se imporia seria de um ano de prisão, com remissão condicional. Pois, em primeiro lugar, a ressocialização é um imperativo constitucional que não pode ser desobedecido desde que possa ser cumprido. E em, segundo lugar, há que ter em conta que, em caso de conflito, uma primazia da prevenção geral ameaça frustrar o fim preventivo-especial, enquanto que, pelo contrário, a preferência da prevenção especial não exclui os efeitos preventivo-gerais da pena, mas sim que, acima de tudo, os debilita de forma dificilmente mensuráveis, pois também uma pena atenuada actua de forma preventivo-geral. Por outro lado, corresponde a preferência ás necessidades preventivo-especiais só até onde a necessidade mínima de preventivo-geral todavia o permita. Quer dizer, por motivos dos efeitos preventivo-especiais, a pena não pode ser reduzida até ao ponto em que a sanção já não se tome a sério na comunidade; pois isso quebrantaria a confiança no ordenamento jurídico e através disso se estimularia a imitação.” [[26]]                     

Remata para dizer que a teoria penal defendida se poderá resumir do seguinte modo: “a pena serve os fins da prevenção especial e geral. Se Limita na sua magnitude pela medida da culpabilidade, mas pode quedar-se por baixo deste limite se para tanto forem necessárias as exigências preventivo-especiais e a isso não se oponham as exigências mínimas preventivo-gerais. [[27]]  

Esquissada, em termos muito breves a finalidade das penas, dar-se-á passo à questão que vem enunciado como tema a resolver, a saber a existência de um concurso de penas, por conhecimento superveniente, e a necessidade de formação/composição da pena conjunta. 

A prática de uma pluralidade de infracções pelo mesmo agente, antes que de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, importa a cumulação das penas que venham a ser impostas (parcelarmente) ao agente – cfr. artigo 77º do Código Penal.   

São dois os pressupostos que alei exige para a aplicação de uma pena única: - prática de  uma pluralidade de crimes pelo mesmo arguido, formando um concurso efectivo de infracções, seja ele concurso real, seja concurso ideal (homogéneo ou heterogéneo); - que esses crimes tenham sido praticados antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, ou seja: a decisão que primeiro transitar em julgado fica a ser um marco intransponível para se considerar a anterioridade necessária à existência de um concurso de crimes.” [[28]]

A adveniência de conhecimento de uma situação de concurso, induz a exigência de realização de uma operação conducente à formação/composição de uma pena conjunta – cfr. artigo 78º, nº 1 do Código Penal. (“Se depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes.”) 

Claus Roxin, in Derecho Penal, Parte General, Tomo II, Especiales Formas de Aparición del Delito”, Civitas e Thomson Reuters, 2014, na Seccion11ª, sob a epigrafe “Concursos”, define o concurso real quando “uma pluralidade de factos puníveis é julgado no mesmo procedimento ou se submete a posterior formação de uma pena global ou conjunta (§ 53 I)” [[29]] (…) “o conceito de pluralidade de factos se interpreta por si mesmo: todas as acções submetidas a uma condenação independente, que não estejam em concurso ideal e que são susceptíveis de formação de uma pena conjunta ou global, estão em concurso real. Portanto, a delimitação de unidade de acção e pluralidade de acções aclara já aclara o que significa haver cometido vários factos puníveis.” [[30]

Depois de descrever as várias situações em que pode ocorrer a formação de uma pena conjunta e as penas particulares que a podem integrar – somente uma pluralidade de penas privativas de liberdade, somente uma pluralidade de penas de multa, uma pluralidade de penas privativas de liberdade e uma pluralidade de penas multas (em caso de distintos factos e no caso de a oena de privativa e pena corresponder ao mesmo facto punível – o Autor fixa-se na formação da pena conjunta ou global.

Na formação da pena conjunta ou global, regulada no § 54 do StGB [[31]], ensina o Emérito Mestre que ela se desenvolve em três passos: (a) a fixação ou atribuição (“asignación”) das penas particulares; (b) a determinação da pena de arranque ou base de partida; (c) a agravação conforme ao princípio da “asperación” ou agravamento (“asperación” do latim “asperare” [agravar]”. [[32]]     

No primeiro dos indicados passos – fixação ou “asignación” das penas particulares -, refere o Autor que vimos seguindo, que há que fixar uma pena independente para cada facto particular daqueles que estão em concurso real. “Para isso na medição da pena basicamente haverá que proceder com se o facto tivesse sido enjuizado (“enjuiciado”) ; pois a valoração global de todos os facto puníveis não se produz até à fixação da pena conjunta ou global.”

No segundo passo “haverá que determinar ou calcular a pena mais grave das penas particulares (a denominada pena de arranque, base ou de partida). No caso de várias penas privativas de liberdade a mais grave é aquela que condena à maior ou mais larga privação de liberdade”.

O último passo “incrementa-se com arrimo (“arreglo”) ao princípio de “asperación” [agravamento].” “Decorrente deste facto forma-se um novo marco penal cujo limite inferior consiste num momento da pena de arranque ou base de partida e cujo limite superior não pode alcançar a soma das penas particulares”. [[33]]  

Dentro do marco penal assim formado a fixação concreta da pena conjunta precisa de um acto independente de medição da pena, no qual se valorem conjuntamente a pessoa do réu e os concretos factos puníveis (§ 54 I 3). “Não basta, portanto, fundamentar as penas particulares e em consequência (“a continuación”) relativamente à pena conjunta ou global constatar na sentença unicamente: “a pena conjunta que há-de ser formada (“que hay que formar“) parece adequada em quantum de cinco anos. Pelo contrário, é necessária uma fundamentação adicional especifica, que se baseia na concepção do legislador de “que os factos particulares são emanação da personalidade única do sujeito e por isso hão-de ser “enjuiciados” não como uma mera soma, mas antes como um conjunto. Há-de efectuar-se uma “visão global de todos os factos”. “A este respeito dá que considerar diversos factores, a saber, a relação dos factos particulares entre si, em espacial a sua conexão, a sua maior ou menor autonomia, e além disso a frequência da comissão, igualdade ou diversidade dos bens jurídicos lesionados e dos modos comissivos assim como o peso total do suposto que haja que julgar.”          

Com a valoração global dos factos opera a personalidade do autor. “A este respeito haverá que tomar em conta juntamente com a sua sensibilidade à pena sobretudo a sua maior ou menor culpabilidade em relação à totalidade do sucesso. Também é importante determinar “se os vários factos puníveis procedem de uma tendência criminal ou nos factos imprudentes de uma disposição de ânimo geral de indiferença ou se pelo contrário se trata de delitos ocasionais sem vinculação interna.” [[34]]

Na teorética que coenvolve a dogmática jurídica da formação da pena conjunta ou global, refere o mesmo Autor, que se coloca uma primeira questão, qual seja “de se os factores ou critérios de medição da pena que já hajam sido considerados em cada pena particular, também podem voltar a desempenhar um papel na determinação da pena conjunta”. “Contra esta possibilidade aduz-se a “proibição da dupla utilização ou valoração. A favor desta posição, a jurisprudência e um sector da doutrina, partem da base de que não é praticável uma total separação dos pontos de vista decisivos para a pena particular e a pena conjunta. Circunstâncias como as relações pessoais e económicas do réu, a sua vida interior e a atitude interna expressada no facto, que já … devem ser tidas em conta na fixação das penas particulares, têm também uma importância essencial na formação da pena global ou conjunta. As ditas circunstâncias podem ser por uma parte consideradas isoladamente para o facto particular e por outra “sinteticamente como conjunto” na sua repercussão sobre a totalidade dos factos.”          

Por outro lado também se coloca a questão de “se os factos puníveis em serie têm importância na formação da pena conjunta com carácter agravante ou atenuante.” 

O correcto parece ser julgar estes supostos diferenciando. Assim, se diversos furtos representam só a realização sucessiva de um dolo global unitário, em que antes se admitiu um delito continuado, ou se vários factos similares se devem a que o sujeito haja caído na mesma tentação, a comissão “formaliter” pode ser julgado de modo mais benigno.”  

A pena conjunta surge no ordenamento jurídico-penal como necessidade de obter uma configuração final, genérica e de visão global de uma personalidade (tendencialmente propensa a delinquir ou pelo menos a praticar actos que se revelam contrárias à preservação e manutenção de um quadro valorativo penalmente prevalente e saliente) e de uma pluralidade de condutas e acções típicas perpetradas pelo mesmo arguido num lapso de tempo confinado por uma avaliação jurisdicional. [[35]]

No quadro das valorações consequenciais advertidas pelas condutas antijurídicas e tipicamente eleitas importa obter um quadro referencial do individuo actuante como forma de propiciar uma imposição punitiva que tenha como pressuposto a culpabilidade colocada na prática das acções típicas, mas igualmente aquilatar e aferir das necessidades de prevenção (geral e especial), bem assim de representar e sugerir para a comunidade a reposição da normalidade contrafáctica resultante da infracção de uma norma penal.   

A jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, tem doutrinado de forma proficiente o modo de obter, ponderadamente e pragmaticamente, a composição ajustada da pena conjunta. [[36]/[37]].

Para o caso haverá que considerar: (i) o arguido manteve desde Janeiro de 2014, data a que se referem os factos por que foi condenado no processo nº 5/14, uma actividade concernente com a venda de produtos estupefacientes – cocaína e heroína – numa zona da cidade … (Bairro …, mais concretamente na Ala …); (ii) no local (Ala …) estão sediados um Jardim de Infância …, galerias comerciais e “a escassos metros da Escola …”; (iii) o local onde procedia à venda de produtos estupefacientes é frequentado por “muitos menores frequentadores desta última instituição”.

Se assim no plano (geral-objectivo), no plano pessoal, o relatório social fornece indicadores díspares quanto ao comportamento adoptado pelo agente. Assim, (sic): “A conduta em meio prisional assumida por AA sofreu uma inversão da adequação ao disciplinado exigido por ter sido sancionado, em 24-01-2019, com 10 dias de permanência obrigatória no alojamento, por posse de telemóvel e cartão de activação; - Esta circunstância indica permeabilidade do condenado aos interesses transgressivos, reduzida conformidade às convenções sociais, falta de reflexão crítica sobre a carreira criminal empreendida, bem como das necessidades de mudança de realidade pessoal; - (…) assume um estado abstémio de drogas sem ter recorrido a qualquer intervenção especializada por percebida como desnecessária. Todavia, poderia empenhar-se em efectuar melhor uso do tempo de reclusão pela sua ocupação em formação escolar, a fim de aumentar as habilitações académicas e melhorar as suas condições de empregabilidade, de executar tarefas laborais aumentando o pecúlio mensal para as despesas mais emergentes ao quotidiano carcerário: - Concordante com a perspectiva de cumprimento de pena de prisão resultante do cúmulo jurídico a ser operado nestes autos, AA entende como desajustado antecipar um projecto de vida quando o tempo total cumprido é ainda reduzido para o que tem ainda a cumprir; - O condenado tem beneficiado da proximidade relacional com os seus familiares e companheira através de um regime regular de visitas, prevalecendo um sentimento de suporte e de inclusão familiar; - apresenta baixa escolaridade e reduzidas condições de empregabilidade, falta de hábitos de trabalho e de regular ocupação do tempo, mantendo um quotidiano de apática expectação e acomodação ao ambiente carcerário; - iniciou a frequência de um curso de canalizador, verbalizando, na audiência de cúmulo jurídico, vontade de ingressar no mercado de trabalho, quando restituído à liberdade.”

O crime de tráfico de estupefacientes prefigura-se, a um passo, erodente de uma etiologia físico-psíquico do individuo e da degradação que essa deterioração/desfiguração caracterológica do indivíduo repercute, através de um comportamento socialmente desconformado, no tecido social em que se movimenta e inere. 

Daí que ocorra uma expectativa da sociedade na punição ajustada de quem através de condutas fácticas contrárias ao estatuído na normação conforme aos valores rectores e dirigentes do comportamento social, espere uma reacção punitiva ajustada.

Na pena, como se deixou entrevisto, intervêm factores de índole pessoal e societário, ou seja a culpabilidade – de feição e inflexão pessoal – e a prevenção geral – de premência e conspecto social. Pensamos que a dialogia estabelecida terá de se afrontar na prevalência que devamos discorrer entre o que (i) deve considerar-se preeminente, o indivíduo ou a tessitura societária; (ii) a protecção da individualidade do sujeito a sancionar.     

Com a figura da pena conjunta não se pretende avaliar a conduta singular do agente transmitida e inflectida num acto insular e confinado, mas sim a configuração factual-objectiva continente de distintas e consequentes condutas que, por se revelarem indicadoras de uma condução vivencial desviante, devem representar e projectar uma avaliação abrangente e diversificada do autor. Na representação normativo-legal que se depreende no instituto de punição de concurso de crimes o que se pretende é alcançar uma avaliação objectivo-funcional do agir do sujeito (activo) reprodutora de um sentido volitivo-intencional susceptível de revelar opções de vida – momentâneas ou duradouras – e projectam e repercutem formas e modos de assumir e desfiar a sua presença e estada no meio social em que se inere.

O agente evidencia uma postura social-pessoal de desvalor de um standard societário – pelo menos como a sociedade actual a configura – que parametriza o indivíduo como alguém a quem está vedado a alteração de estados de espirito por outros meios que não aqueles que ele próprio é capaz de gerar e segregar, independentemente de factores exteriores de influência e capacitação alucinogénia. A que se deverá acrescer um gravame, qual seja a de esse desprezo e desconsideração social se despenca e desenvolve, pelo menos indiciariamente e atento ao local onde prosperava a sua actividade, em estratos etários de baixos e inconsistentes índices de avaliação do maleficio que constitui o consumo de determinadas substâncias psicotrópicas. O arguido, desde pelo menos Janeiro de 2014 – data a que se reportam os factos por que foi condenado no processo nº 5/14.4P… – até 2016 que tem desenvolvido uma actividade (reiterada) numa zona habitacional-educacional, propinando produtos estupefacientes a pessoas que por ali estanciassem. A continuação criminosa esmaltada nas diversas condenações – sempre em pena de prisão que lhe foi substituída por pena suspensa na execução – revela uma desconsideração atípica e anómica pelas admonições e advertências formais-institucionais que lhe forma endereçadas pelos órgãos formais de controlo.

As penas em concurso advêm de penas cuja execução havia sido suspensa, ainda que, como se alcança do histórico atestado no certificado de registo criminal, não hajam sido suficientemente admonitórias para ilaquear o arguido da senda que tem vindo prosseguir. Ao arguido foram irrogadas sanções de substituição e tal situação não poderá deixar de ser atendida quando se prospectiva o conspecto global sancionatório e penológico a atender na formação da pena conjunta.

Daí que ponderado tudo o que glosámos, se nos afigure que o grau de culpabilidade [[38]] e as exigências de prevenção, devam parecer justificar a imposição de uma pena conjunta um pouco abaixo do limite que lhe foi imposto na decisão sob recurso.

Nesta ponderação acerta-se a pena a impor ao arguido em 5 (cinco) anos e 8 (oito) meses.

 


III. – DECISÃO.

Na defluência do exposto, acordam os Juízes que constituem este colectivo, na 3ª secção criminal, do Supremo Tribunal de Justiça, em:

- Julgar o recurso interposto pelo arguido, AA, parcialmente procedente, e, em consequência, aplicar ao arguido uma pena única de 5 (cinco) anos e 8 (oito) meses;

- Sem custas – artigo 513º, nº 1 do Código de Processo Penal.


LISBOA, 14 de Novembro de 2019


Gabriel Martim Catarino (Relator)

Manuel Augusto de Matos

________

[1] Ac. da RP de 29-03-2017 (proc. nº 18/05.7GBVLG.P1) “I - As penas de execução suspensa entram no cúmulo jurídico como penas de prisão, só no final se decidindo se a pena conjunta deve ou não ficar suspensa na sua execução. II - Na pena única não devem ser englobadas, no entanto, as penas suspensas já declaradas extintas, pois que não tendo sido cumprida a pena de prisão substituída, não pode, por isso, ser descontada na pena única e aquele englobamento só agravaria injustificadamente a pena única.
Ac. da RC de 03-06-2015 (proc. nº 125/04.3GBCNT.C1)”I - As penas extintas, aplicadas por crimes integrantes de um concurso, não devem integrar a formação da correspondente pena única”.
[2] No mesmo sentido, os acórdãos do STJ de 09-11-2006, proc. n.º 3512/06; de 04-12-2008, proc. n.º 08P3628; de 14-01-2009, proc. n.º 08P3975; de 16/11/2011, proc. n.º 150/08.5JBLSB.L1.S1, , todos disponíveis em www.dgsi.pt, e Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, Lisboa 2010, 2.ª edição atualizada, pág. 287; o Ac. da RL de 05-04-2011 (proc. nº  663/07.6PKLSB-C.L1-5): “  Iº Existindo relação de concurso, deve proceder-se a cúmulo jurídico entre as penas de prisão em que o arguido foi condenado em dois processos, ainda que uma delas tenha sido suspensa na sua execução; IIº A condenação numa pena única de prisão, ainda que efectiva, englobando uma anterior pena de prisão suspensa na sua execução, não envolve violação de caso julgado, nem equivale à revogação da suspensão da execução”- carregado nosso.
[3] No mesmo sentido, o Ac. da RP de 07-12-2011 (proc. nº 547/07.8TAPRD.P3) “O cúmulo jurídico deve incluir todas as penas de prisão, tenham ou não sido declaradas suspensas, não constituindo violação do caso julgado a aplicação de uma pena única de prisão efetiva na qual se integrou alguma parcelar relativa a pena que havia sido suspensa”- carregado nosso
[4] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14 de Março de 2013, relatado pelo Conselheiro Henriques Gaspar.
[5] Cfr. Grande Seara, Pablo, in “La Extensión Subjetiva de la cosa juzgada en Processo Civil”, Tirant lo Blach, Valência, 2008, pág. 47.  
[6] Cfr. De la Oliva dos Santos, Andrés, in “Oggetto del Processo Civile e Cosa Giudicata”, Giuffrè Editore, Milão, 2009, 116-118. Cfr. ainda do mesmo autor para a distinção entre coisa julgada formal e material, in “Objeto del Proceso y Cosa Juzgada en el Proceso Civil”, Thomson -Civitas, Editorial Aranzadi, 2005, págs. 96 a 124.  
[7] Rui Pinto “Exceção e autoridade de caso julgado –algumas notas provisórias”, Revista Julgar online, Novembro de 2018, págs, 2-3. 
[8] Cfr. Manuel de Andrade, in “Noções Elementares de Processo Civil”, com a colaboração de Antunes Varela, nova edição, revista e actualizada por Herculano Esteves, Coimbra Editora, 1976, 317 e Remédio Marques, in “Acção de Declarativa à Luz do Código Revisto”, Coimbra Editora, 2007, 452
[9] Cfr. Castro Mendes, João, in “Limites Objectivos do Caso Julgado”, Edições Ática, pág. 38 a 44. 

[10] cfr. na jurisprudência o recente acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 07-05-2015, proferido no processo n.º 15698/04.2YYLSB-C.L1.S1, relatado pelo Conselheiro Granja da Fonseca, em cuo sumário se consignou: “A excepção dilatória do caso julgado visa evitar que o tribunal, duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie ou reafirme o anteriormente decidido ao passo que a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão à segunda decisão de mérito. II - Deve-se entender que os limites objectivos do caso julgado integram as questões preliminares que constituem antecedente lógico indispensável à parte dispositiva da sentença (desde que se verifiquem os requisitos do caso julgado material), abrangendo, pois, todas as excepções aí suscitadas por imperativo legal e conexas com o direito a que se refere a pretensão do autor, solução que permite evitar a incoerência dos julgamentos, respeita os princípios da justiça e da estabilidade das relações jurídicas, propicia a economia processual e corresponde ao alcance do caso julgado contido no art. 621.º do NCPC (2013).”  
[11] Cfr. Op. loc. Cit. págs. 50 a 52.
[12] Damião Cunha, José Manuel, “O caso Julgado Parcial. Questão da culpabilidade e questão da sanção num processo de estrutura acusatória. Publicações Universidade Católica, Porto, 2002, p. 59.
[13] Damião Cunha, ibdem págs. 113-114. Ver ainda o que a propósito da definitividade da sanção penal imposta em decisão penal se escreve a págs. 121, no sentido de que será d admitir “a provisoriedade de alguns aspectos da decisão judicial sobre a medida da pena, “aceitando que a própria fase de execução da pena seja, ela própria seja complementarmente funcional em relação à anterior fase de determinação judicial da pena.”   
[14] Damião Cunha, ibdem pág. 802
[15]No que toca à questão da integração da pena de prisão suspensa na execução em cúmulo por conhecimento superveniente, podem ver-se, por mais recentes, os acórdãos de 16-06-2016, processo n.º 670/09.4JACBR-B.S1-3.ª; de 14-07-2016, processo n.º 24696/15.0T8PRT.S1-5.ª; de 7-09-2016, processo n.º 298/10.6PDBRR.S1-3.ª; de 28-09-2016, processo n.º 1511/02.9PBAVR.S1-3.ª; de 26-10-2016, processo n.º 625/16.5T8LRS.L1.S1-5.ª; de 4-01-2017, processo n.º 519/10.5JDLSB.S1-3.ª; de 25-01-2017, processo n.º 148/13.1PAOVR.P1.S1-3.ª; de 20-04-2017, processo n.º 176/10.9IDRG.S1-5.ª; de 17-05-2017, processo n.º 407/07.2JACBR-C.S1, da 3.ª Secção; de 17-05-2017, processo n.º 1262/11.3GAVNG-G.P1.S1, da 3.ª Secção; de 18-05-2017, processo n.º 17.699/16.9T8PRT.S1-5.ª Secção.” (extractados do acórdão que vimos transcrevendo)
[16]O bem jurídico-penal é um pedaço da realidade olhado sempre como relação comunicacional, com densidade axiológica a que a ordem jurídico-penal atribui dignidade penal.” – José Faria Costa, Noções Fundamentais de Direito Penal (Fragmenta iuris Poenalis), Coimbra Editora, 4ª edição, 2015, pág. 164.
A questão de quais dos seus «bens» aparecem como dignos da protecção e que rango lhes corresponde na hierarquia dos seus interesses (ao do individuo) está sujeita tanto às mudanças históricas, como à possibilidade e medida do perigo a que possa expô-los a conduta humana. 
Pense-se desde logo na problemática das ingerências da tecnologia genética no genoma humano. Nessa medida em última medida se vê remetido para convicções valorativas em geral divididas e também controvertidas acerca de quais teria de confrontar-se num discurso público, e que, sem embargo, não podem ser fundamentadas de uma maneira vinculante.” – Cfr. Günther Stratenwerth, in Depreco Penal Parte General I, El Hecho Punible, Thomsn-Civitas, Editorial Aranzadi, Cizur Menor (Navarra), 2005, pág. 58.
Para uma crítica da legitimação material do Direito Penal como meio de protecção de bens jurídicos e pela adopção de uma concepção de bem jurídico como unidade funcional, veja-se Günther Jakobs, Derecho Penal, Parte General, Fundamentos y Teoria de la Imputación, 2ª edição, corrigida, Marcial Pons, 1997, págs. 47-61. “O importante é que a punibilidade se oriente não para o desvalioso per se, mas sim sempre para a danosidade social. Inclusivamente o acordo acerca da fórmula de que o Direito penal só deve proteger as condições de existência da sociedade rende escasso fruto, pois não há fronteira obrigatória alguma do social e consequentemente tão pouco há numerus cluasus das condições de existência” – op. loc. cit. pág. 58. “A contribuição que o Direito penal presta à manutenção da configuração social e estatal reside em garantir as normas. A garantia consiste em que as expectativas imprescindíveis para o funcionamento da vida social, na forma dada e na legalmente exigida, não se dêem por perdidas no caso de resultarem defraudadas. Por isso – ainda contradizendo a linguagem usual – deve-se definir como bem a proteger a firmeza das expectativas normativas essenciais frente á decepção, firmeza que tem o mesmo âmbito que a vigência da norma posta em prática: este bem se denominará a partir de agora bem jurídico-penal” – Op. loc. cit. 45.       
[17]A culpabilidade do autor será o fundamento da medida da pena. Dever-se-ão considerar os efeitos derivados da pena para a vida futura do autor na sociedade” - § 46, I do StGB (Código Penal Alemán), Marcial Pons, Madrid, 2000.
[18] Paragonado com o estabelecido no artigo 71º do nosso ordenamento jurídico-penal, pontua-se no apartado II do § 46 do StGB, que o tribunal deverá na “medición” da pena ponderar as circunstâncias favoráveis e contrárias ao autor. “com este fim se contemplarão particularmente: - os fundamentos da motivação e os fins do autor; - a intencionalidade que se deduz do facto e a vontade com a qual se realizou o facto; - a medida do incumprimento do dever; - o modo de execução e os efeitos inculpatórios do facto; - os antecedentes do autor, a sua situação pessoal e económica,
assim como
a sua conduta depois do facto, especialmente os seus esforços para reparar os danos, e os seus esforços para acordar uma compensação com o prejudicado.”    
[19] Winfried Hassemer, “Fundamentos del Derecho Penal”, Editorial Bosch, Barcelona, 1984, pág. 127.
[20] cfr. Eduardo Crespo, op. loc.cit., pag. 121.
[21] Cfr. Gunther Jakobs, in loc.cit. supra, pag. 13.
[22] Cfr. Claus Roxin, “Fundamentos Politico-criminales del Derecho Penal” (“La determinación de la pena a la luz y de la teoria de los fines de la pena), Hammarabi, Buenos Aires, págs. 143 a 166.
[23]O princípio – fundamentado segundo opinião generalizada na Constituição – nulla poena sine culpa (princípio da culpabilidade) não significa nesta situação senão que «o suposto de facto e a consequência jurídica devem estar em proporção adequada», quer dizer, a imputação ao autor deve ser necessária, por estar descartada a possibilidade de resolver o conflito sem castigar o autor. Também a medida da culpabilidade se vê limitada pelo necessário. Sobretudo, o conteúdo da culpabilidade não é algo prévio ao Direito, sem consideração às situações sociais.” – Günther Jakobs, op. loc. cit. pág. 588-589.     
[24] À teoria da margem da liberdade opõe-se a teoria da «pena exacta», segundo a qual «a la culpabilidad» só pode corresponder una pena exactamente determinada (punktuell).  – Clus Roxin, op. loc. cit. P. 146.
[25] Claus Roxin, Derecho Penal, Parte General, Tomo I. Fundamentos. La Estructura de la Teoria del Delito. Civitas. 1997, pág. 95.
[26] Claus Roxin, op. loc. cit. págs. 96-97.
[27] Claus Roxin, op. loc. cit. págs. 103.
[28] Artur Rodrigues da Costa, “O Cúmulo Jurídico na Doutrina e na Jurisprudência do STJ”.
[29] Estipula o § 53 I do Código Penal Alemão (StGB) sob a epigrafe “Concurso real de delitos”: “Quando alguém haja perpetrado vários delitos que sejam julgados simultaneamente, e por isso se lhe devam aplicar várias penas privativas de liberdade ou várias multas, condenar-se-á numa pena conjunta”. (Tradução nossa do Código Penal Alemão, traduzido por Emilio Eiranova Encinas (Coord.), Marcial Pons, 2000, Madrid, pág. 37.     
[30] Claus Roxin, op. loc. cit. pág. 981.
[31] Tem o sequente texto o § 54, sob a epígrafe “Formação da pena conjunta”: “Quando uma das penas particulares seja uma pena para a vida (“de por vida”), condenar-se-á á pena privativa de liberdade para a vida (“de por vida”) como pena conjunta. Em todos os demais casos se formará apena conjunta pelo aumento da pena mais alta em que esteja incurso, em caso de penas de distintas classes, pelo aumento da sua classe segundo a pena mais grave” – tradução nossa. (StGB citado).
[32] Claus Roxin, op. loc. cit. págs. 987 a 992.
[33] Claus Roxin, op. loc. cit. págs. 987 a 989.
[34] Claus Roxin, op. loc. cit. pág. 991.
[35] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27 de Abril de 2011, in www.dgsi.pt

[36] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 1.07.2015, relatado pelo Conselheiro Santos Cabral (sic): “Como já referimos em Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 4/05/2011 é uniforme o entendimento de que, após o estabelecimento da respectiva moldura legal a aplicar, em função das penas parcelares, a pena conjunta deverá ser encontrada em consonância com as exigências gerais de culpa e prevenção. Porém, como afirma Figueiredo Dias, nem por isso dirá que estamos em face de uma hipótese normal de determinação da medida da pena uma vez que a lei fornece ao tribunal para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no artigo 72 do Código Penal um critério especial que se consubstancia na consideração conjunta dos factos e da personalidade.

Igualmente se refere no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 13/9/2006 que o sistema de punição do concurso de crimes consagrado no artº 77º do CPenal, aplicável ao caso, como o vertente, de “conhecimento superveniente do concurso”, adoptando o sistema da pena conjunta, «rejeita uma visão atomística da pluralidade de crimes e obriga a olhar para o conjunto – para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente». Por isso que, determinadas definitivamente as penas parcelares correspondentes a cada um dos singulares factos, cabe ao tribunal, depois de estabelecida a moldura do concurso, encontrar e justificar a pena conjunta cujos critérios legais de determinação são diferentes dos propostos para a primeira etapa. Nesta segunda fase, «quem julga há-de descer da ficção, da visão compartimentada que [esteve] na base da construção da moldura e atentar na unicidade do sujeito em julgamento. A perspectiva nova, conjunta, não apaga a pluralidade de ilícitos, antes a converte numa nova conexão de sentido.

Ainda na esteira de Figueiredo Dias dir-se-á que tal concepção da pena conjunta obriga a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação, em função de um tal critério, da medida da pena do concurso… “só assim se evitando que a medida da pena do concurso surja como fruto de um acto intuitivo – da «arte» do juiz… – ou puramente mecânico e portanto arbitrário», embora se aceite que o dever de fundamentação não assume aqui nem o rigor, nem a extensão pressupostos pelo artº 71º. O substrato da culpa não reside apenas nas qualidades do carácter do agente, ético-juridicamente relevantes, que se exprimem no facto, na sua totalidade todavia cindível (...). Reside sim na totalidade da personalidade do agente, ético-juridicamente relevante, que fundamenta o facto, e portanto também na liberdade pessoal e no uso que dela se fez, exteriorizadas naquilo a que chamamos a "atitude" da pessoa perante as exigências do dever ser. Daí que o juiz, ao emitir o juízo de culpa ou ao medir a pena, não possa furtar-se a uma compreensão da personalidade do delinquente, a fim de determinar o seu desvalor ético-jurídico e a sua desconformação em face da personalidade suposta pela ordem jurídico-penal. A medida desta desconformação constituirá a medida da censura pessoal que ao delinquente deve ser feita, e, assim, o critério essencial da medida da pena.

Fundamental na formação da pena conjunta é, assim, a visão de conjunto, a eventual conexão dos factos entre si e a relação “desse bocado de vida criminosa com a personalidade. A pena conjunta deve formar-se mediante uma valoração completa da pessoa do autor e das diversas penas parcelares”.

Para a determinação da dimensão da pena conjunta o decisivo é que, antes do mais, se obtenha uma visão conjunta dos factos, acentuando-se a relação dos mesmos factos entre si e no seu contexto; a maior ou menor autonomia a frequência da comissão dos delitos; a diversidade ou igualdade dos bens jurídicos protegidos violados e a forma de comissão bem como o peso conjunto das circunstâncias de facto sujeitas a julgamento mas também o receptividade á pena pelo agente deve ser objecto de nova discussão perante o concurso ou seja a sua culpa com referência ao acontecer conjunto da mesma forma que circunstâncias pessoais, como por exemplo uma eventual possível tendência criminosa.

Também Jeschek se situa no mesmo registo referindo que a pena global se determina como acto autónomo de determinação penal com referência a princípios valorativos próprios. Deverão equacionar-se em conjunto a pessoa do autor e os delitos individuais o que requer uma especial fundamentação da pena global. Por esta forma pretende significar-se que a formação da pena global não é uma elevação esquemática ou arbitrária da pena disponível mas deve reflectir a personalidade do autor e os factos individuais num plano de conexão e frequência. Por isso na valoração da personalidade do autor deve atender-se antes de tudo a saber se os factos são expressão de uma inclinação criminosa ou só constituem delito ocasionais sem relação entre si. A autoria em série deve considerar-se como agravatória da pena. Igualmente subsiste a necessidade de examinar o efeito da pena na vida futura do autor na perspectiva de existência de uma pluralidade de acções puníveis. A apreciação dos factos individuais terá que apreciar especialmente o alcance total do conteúdo do injusto e a questão da conexão interior dos factos individuais.

Afastada a possibilidade de aplicação de um critério abstracto, que se reconduz a um mero enunciar matemático de premissas, impende sobre o juiz um especial ónus de determinar e justificar quais os factores relevantes de cada operação de formação de pena conjunta quer no que respeita á culpa em relação ao conjunto dos factos, quer no que respeita á prevenção, bem como, em sede de personalidade e factos considerados no seu significado conjunto. Só por essa forma a determinação da medida da pena conjunta se reconduz á sua natureza de acto de julgamento, obnubilando as críticas que derivam da aplicação de um critério matemático quer a imposição constitucional que resulta da proibição de penas de duração indefinida -artigo 30 da Constituição.

O Supremo Tribunal de Justiça, sublinhando o exposto, tem vindo a considerar impor-se um especial dever de fundamentação na elaboração da pena conjunta, o qual não se pode reconduzir á vacuidade de formas tabelares e desprovidas das razões do facto concreto. A ponderação abrangente da situação global das circunstâncias específicas é imposta, além do mais, pela consideração da dignidade do cidadão que é sujeito a um dos actos potencialmente mais gravosos para a sua liberdade, elencados no processo penal, o que exige uma análise global e profunda do Tribunal sobre a respectiva pena conjunta.

Aliás, tal necessidade é imposta a maior parte das vezes por uma situação de debilidade em termos de exercício de defesa resultante da anomia social e económica em que se encontram os condenados plúrimas vezes.

A explanação dos fundamentos, que á luz da culpa e prevenção conduzem o tribunal à formação da pena conjunta, deve ser exaustiva, sem qualquer ruptura, por forma a permitir uma visão global do percurso de vida subjacente ao itinerário criminoso do arguido. É uma questão de cidadania e dignidade que o arguido seja visto como portador do direito a uma ponderação da pena á luz de princípio fundamentais que norteiam a determinação da pena conjunta e não como mera operação técnica, quase de natureza matemática.

Como é evidente, na indicação dos factos relevantes para a determinação da pena conjunta não relevam os que concretamente fundamentaram as penas parcelares, mas sim os que resultam de uma visão panóptica sobre aquele “pedaço” de vida do arguido, sinalizando as circunstâncias que consubstanciam os denominadores comuns da sua actividade criminosa o que, ao fim e ao cabo, não é mais do que traçar um quadro de interconexão entre os diversos ilícitos e esboçar a sua compreensão á face da respectiva personalidade.

Estes factos devem constar da decisão de aplicação da pena conjunta a qual deve conter a fundamentação necessária e suficiente para se justificar a si própria sem carecer de qualquer recurso a um elemento externo só alcançável através de remissões.

Da aplicação do excurso produzido ao caso vertente ressalta desde logo a ideia de que no mesmo algo não converge com os princípios que devem presidir à elaboração do cúmulo jurídico.

Na verdade, falamos dum apuramento global da responsabilidade criminal do arguido o qual tem como pressuposto o conhecimento da pluralidade de penas a que a sua actuação parcelar deu motivo e tal conhecimento, que será equacionado com a aferição duma culpa e ilicitude conjunta em função de razões de prevenção geral e especial, não se compadece com visões sectoriais que apenas se focam num segmento de tal responsabilidade.

Se é aquele pedaço de vida que revela na sua força narrativa um percurso de vida e de vida no domínio do ilícito pergunta-se de qual é o interesse, ou relevância, de efectuar um cúmulo jurídico sabendo antecipadamente que o mesmo está incompleto porquanto não estão presentes as penas parcelares correspondentes a infracções que deveriam ser consideradas.

Aliás, a elaboração do cúmulo jurídico nestes termos, não tendo qualquer consequência benéfica em termos do estatuto jurídico do arguido, apenas o poderá prejudicar na medida em que cria uma referência que servirá de patamar em futuros cúmulos. Na verdade, é por demais conhecido o fenómeno que se verifica em relação a cúmulos jurídicos sucessivos em que cada uma de tais operações tende a caracterizar-se por uma progressão matemática na medida da pena aplicada.

Entendemos, assim, que, estando adquirido que as penas a considerar para efeito de cúmulo eram também outras, que não somente as tomadas em conta na decisão recorrida, esta incorre em colisão com o disposto nos artigos 77 e 78 do Código Penal.

Reforçando o exposto e, nomeadamente, à forma linear como se condena o arguido numa pena conjunta de dezassete anos de prisão, o repristinar da ideia da necessidade de explanação dos fundamentos que, á luz da culpa e prevenção, conduzem o tribunal á formação da pena conjunta deve ser exaustiva, sem qualquer ruptura, por forma a permitir uma visão global do percurso de vida subjacente ao itinerário criminoso do arguido. Como já se referiu é uma questão de cidadania e dignidade que o arguido seja visto como portador do direito a uma ponderação da pena á luz de princípio fundamentais que norteiam a determinação da pena conjunta e não como mera operação técnica, quase de natureza matemática.”
[37] Vide ainda, por interessantes, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 27.02.2013, relatado pelo Conselheiro Henriques Gaspar; de 23 de Março de 2014, relatado pelo Conselheiro Oliveira Mendes; de 17 de Março de 2016, relatado pelo Conselheiro Armindo Monteiro, todos em www.dgsi.pt
[38]O dolo, tanto o do Direito comum anterior como o do actual, deve definir-se como a vontade de um sujeito capaz de acção, dirigida para a produção de um concreto tipo de delito, conhecendo todos os elementos delitivos, e especificamente sendo consciente da antijuridicidade dessa acção concreta.” – Karl Binding, La Culpabilidad en Derecho Penal, editorial Bdef, Buenos Aires, 2009, pág. 42