Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
322/05.4TAEVR.E1.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: RAUL BORGES
Descritores: ABUSO DE CONFIANÇA CONTRA A SEGURANÇA SOCIAL
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
CADUCIDADE
LIQUIDAÇÃO
PRESCRIÇÃO
OBRIGAÇÃO
PAGAMENTO
CONTRIBUIÇÕES PARA A SEGURANÇA SOCIAL
RESPONSABILIDADE CRIMINAL
PESSOA COLECTIVA
SOCIEDADE
EXECUÇÃO FISCAL
TÍTULO EXECUTIVO
CHAMENTO À EXECUÇÃO
LEGITIMIDADE PASSIVA
SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA
REVERSÃO
JURISDIÇÃO DE TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS
COMPETÊNCIA MATERIAL
QUESTÃO NOVA
Data do Acordão: 09/15/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Sumário :

I - Como é jurisprudência pacífica, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – detecção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, referidos no art. 410.º, n.º 2, do CPP – Ac. do Plenário da Secção Criminal, de 19-10-95, no Proc. n.º 46580, Ac. n.º 7/95, publicado no DR, I Série - A, n.º 298, de 28-12-95 (e BMJ n.º 450, pág. 72), que fixou jurisprudência, então obrigatória (É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no art. 410.º, n.º 2, do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito) e verificação de nulidades que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos arts. 379.º, n.º 2, e 410.º, n.º 3, do CPP – é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (art. 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior.
II - O presente recurso restringe-se a matéria de direito, não sendo possível fundamentar o recurso para o Supremo Tribunal com base em vícios da decisão sobre a matéria de facto, para mais quando a decisão da 1.ª instância passou o crivo da Relação; apenas oficiosamente o STJ poderá conhecer de tais vícios, se necessário para resolver insuficiência, incongruência ou contradição na decisão sobre a matéria de facto, o que não é manifestamente o caso.
III -Suscitando o recorrente pela primeira vez, aqui e agora, o trio de questões assinaladas, sem dúvida que estamos face a questões absolutamente novas, que correspondem à enunciação de problemas novos, colocados em primeira mão, que o arguido não expôs – e bem o poderia ter feito – não só em sede de contestação na 1.ª instância, como no primeiro recurso, estando-se perante argumentos, problemas e considerações, que o recorrente não propôs à consideração do Tribunal da Relação, nem tão pouco à consideração do Juiz de Comarca, em última análise, o tempo e o modo apropriados à exposição da situação tendente a uma primeira análise.
IV -Os recursos ordinários visam o reexame da decisão proferida dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que a proferiu.
V - Sendo os recursos meios de impugnação e de correcção de decisões judiciais e não meio de obter decisões novas, não pode o tribunal de recurso ser chamado a pronunciar-se sobre questões não suscitadas ao tribunal recorrido.
VI -Constitui jurisprudência uniforme a de que os recursos se destinam a reexaminar decisões proferidas por jurisdição inferior, visando apenas apurar a adequação e legalidade das decisões sob recurso, e não a obter decisões sobre questões novas, não colocadas perante aquelas jurisdições.
VII - O Tribunal Superior, visando apenas a reapreciação de questões colocadas anteriormente e não a apreciação de outras novas, não pode conhecer de argumentos ou fundamentos que não foram presentes ao tribunal de que se recorre – neste sentido, vejam-se os Acs. do STJ, de 27-07-65, BMJ n.º 149, pág. 297; de 26-03-85, BMJ n.º 345, pág. 362; de 02-12-98, BMJ n.º 482, pág. 150; de 12-07-89, BMJ n.º 389, pág. 510; de 09-03-94, Proc. n.º 43402; de 01-03-2000, Proc. n.º 43/00, SASTJ, n.º 39, pág. 55; de 05-04-2000, Proc. n.º 160/00; de 06-06-2001, Proc. n.º 1874/02 - 5.ª (não pode o STJ conhecer em recurso trazido da Relação de questões não colocadas perante o Tribunal Superior, mesmo que resolvidas na decisão da 1.ª instância); de 28-06-2001, Proc. n.º 1293/01 - 5.ª; de 26-09-2001, Proc. n.º 1287/01 - 3.ª; de 16-01-2002, Proc. n.º 3649/01 - 3.ª; de 22-10-2003, Proc. n.º 2446/03 - 3.ª, SASTJ, n.º 74, pág. 147; de 30-10-2003, Proc. n.º 3281/03 - 5.ª (os recursos, como remédios jurídicos que são, não se destinam a obter decisões ex novo sobre questões não colocadas ao tribunal a quo, mas sim a obter o reexame das decisões tomadas sobre pontos questionados, procurando obter o cumprimento da lei); de 06-05-2004, Proc. n.º 1589/04 - 5.ª; de 27-05-2004, Proc. n.º 766/04 - 5.ª, in CJSTJ 2004, tomo 2, pág. 209; de 20-07-2006, Proc. n.º 2316/06 - 3.ª; de 02-05-2007, Proc. n.º 1238/07 - 3.ª; de 10-10-2007, Proc. n.º 3634/07 - 3.ª; de 17-10-2007, Proc. n.º 3878/07 - 3.ª; de 30-04-2008, Proc. n.º 4723/07 - 3.ª; de 12-06-2008, Proc. n.º 4375/08 - 3.ª; de 22-10-2008, Proc. n.º 215/08 - 3.ª; de 11-02-2009, Proc. n.º 4132/08 - 3.ª; de 25-02-2009, Proc. n.º 101/09 - 3.ª; de 25-03-2009, Proc. n.º 308/09 - 3.ª; de 29-04-2009, Proc. n.º 607/09 - 3.ª; de 07-05-2009, Proc. n.º 352/02.8TAETR - 3.ª; de 07-07-2009, Proc. n.º 1145/05.6TAMAI.C1.S1 - 3.ª; de 23-09-2009, Proc. n.º 259/06.0JAIAR.S1 - 3.ª (a apreciação de questão nova suscitada na resposta ao abrigo do art. 417.º, n.º 2, do CPP, não cabe em sede de revista); de 23-09-2009, Proc. n.º 5953/03.4TDLSB.S1 - 3.ª; de 25-11-2009, Proc. n.º 397/03.0GEBNV.S1 - 3.ª; de 10-03-2010, Proc. n.º 343/09.8PBMTS.P1-A.S1 - 3.ª (constituindo o recurso o mecanismo processual que permite a reapreciação (revisão), em outra instância (duplo grau de jurisdição), de decisões expressas sobre matérias e questões já decididas no Tribunal de que se recorre, nele não podem ser suscitadas questões novas que não tenham sido objecto de decisão pelo Tribunal a quo); e de 25-03-2010, Proc. n.º 76/10.2YRLSB.S1 - 3.ª.
VIII - A impugnação da parte cível do acórdão ora recorrido, que manteve na íntegra a decisão de 1.ª instância, constitui uma questão nova, pois, quer na 1.ª instância, quer no anterior recurso para a Relação, o recorrente nada referiu a propósito.
IX - A obrigação de pagamento das cotizações e das contribuições prescreve no prazo de 5 anos a contar da data em que aquela obrigação deveria ter sido cumprida. “A prescrição interrompe-se por qualquer diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou não à cobrança da dívida”.
X - O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de 4 anos, quando a lei não fixar outro.
XI - O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no IVA, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que verificou a exigibilidade do imposto (o aditamento da excepção foi introduzido com a Lei 32- B/2002, 2.º Suplemento, de 30-12).
XII - Pelo art. 57.º, n.º 1, da Lei 60-A/2005, publicada no DR, Suplemento I - A, n.º 250, de 30-12, que aprovou o Orçamento do Estado para 2006, e que, conforme art. 108.º entrou em vigor em 01-01-2006, foi alterado o art. 45.º da LGT, mantendo os n.ºs 1, 2, 3 e 4, mas introduzindo o n.º 5 com o seguinte teor: “Sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.º 1 é alargado até ao arquivamento, ou até ao trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano”.
XIII - As pessoas colectivas e as sociedades são criminalmente responsáveis pelas infracções previstas no RGIT, quando cometidas pelos seus órgãos ou representantes, em seu nome e no interesse colectivo, responsabilidade que não exclui a responsabilidade individual dos respectivos agentes (art. 7.º, n.°s 1 e 3, do RGIT).
XIV - De acordo com o art. 129.º do CP, a indemnização de perdas e danos emergentes de um crime é regulada pela lei civil.
XV - Desde cedo a jurisprudência entendeu que tal norma só determina que a indemnização seja regulada “quantitativamente e nos seus pressupostos” pela lei civil, remetendo para os critérios da lei civil relativos à determinação concreta da indemnização, não tratando de questões processuais, que são reguladas pela lei adjectiva penal, nomeadamente nos seus arts. 71.º a 84.º – Acs. do STJ, de 12-12-84, BMJ n.º 342, pág. 227; de 06-03-85, BMJ n.º 345, pág. 213; de 13-02-86, Proc. n.º 38028; de 06-01-88, BMJ n.º 373, pág. 264; de 12-01-95, CJSTJ 95, tomo 1, pág. 181; de 09-06-96, Proc. n.º 6/95; de 10-12-96, CJSTJ 96, tomo 3, pág. 202 e BMJ, n.º 462, pág. 294; de 09-07-97, CJSTJ 97, tomo 2, pág. 260; de 14-11-2002, Proc. n.º 3316/02 - 5.ª; de 24-11-2005, Proc. n.º 2831/05 - 5.ª; de 07-03-2007, Proc. n.º 4596/06 - 3.ª; de 25-06-2008, Proc. n.º 449/08 - 3.ª; de 03-09-2008, Proc. n.º 3982/07 - 3.ª; de 15-10-2008, Proc. n.º 1964/08 - 3.ª; de 29-10-2008, Proc. n.º 3373/08 - 3.ª; de 05-11-2008, Proc. n.º 3266/08 - 3.ª; de 10-12-2008, Proc. n.º 3638/08 - 3.ª [a interdependência das acções significa independência substantiva e dependência (a «adesão») processual da acção cível relativamente ao processo penal]; de 18-02-2009, Proc. n.º 2505/08 - 3.ª; de 25-02-2009, Proc. n.º 3459/08 - 3.ª; de 15-04-2009, Proc. n.º 3704/08 - 3.ª; e de 18-06-2009, Proc. n.º 81/04.8PBBGC.S1 - 3.ª.
XVI - Como resulta do art. 3.º, al. c), do RGIT, quanto à responsabilidade civil, são aplicáveis subsidiariamente, as disposições do CC e legislação complementar.
XVII - Nestes casos de responsabilidade civil conexa com a criminal, a mesma tem a sua génese no crime, sendo um crime o seu facto constitutivo, a causa de pedir da pretensão ressarcitória.
XVIII - A competência do tribunal criminal para conhecer do pedido cível conexo com a acção penal decorre da responsabilidade civil extracontratual do agente que cometa o facto ilícito e culposo.
XIX - A substituição tributária verifica-se quando, por imposição da lei, a prestação tributária for exigida a pessoa diferente do contribuinte.
XX - A substituição tributária é efectivada através do mecanismo da retenção na fonte do imposto devido.
XXI - A responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão do processo de execução fiscal.
XXII - A reversão contra o responsável subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão.
XXIII - A reversão, mesmo nos casos de presunção legal de culpa, é precedida de audição do responsável subsidiário nos termos da presente lei e da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação.
XXIV - Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício de seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.
XXV - Sobre a extensão da legitimidade passiva na execução fiscal, mais concretamente sobre o chamamento à execução dos responsáveis subsidiários, rege o n.º 2 do art. 153.º do CPPT, aprovado pelo DL 433/99, de 26-10, republicado em anexo ao DL 15/2001.
XXVI - Tal chamamento depende da verificação de qualquer das seguintes circunstâncias: inexistência de bens penhoráveis do devedor e seus sucessores, ou fundada insuficiência, de acordo com os elementos constantes do auto de penhora e outros de que o órgão da execução fiscal disponha, do património do devedor para a satisfação da dívida exequenda e acrescido.
XXVII - E de acordo com o art. 159.º do mesmo CPPT, no caso de substituição tributária e na falta ou insuficiência de bens do devedor, a execução reverterá contra os responsáveis subsidiários.
XXVIII - Com a reversão o que ocorre é uma modificação subjectiva da instância, uma ampliação do âmbito subjectivo da instância executiva, através da intervenção de um terceiro (à luz do título executivo extrajudicial donde promana a execução fiscal – certidão extraída do título de cobrança – art. 162.º, al. a), do CPPT), mas que também é sujeito passivo da relação tributária, como “responsável” (art. 18.º, n.º 3, in fine, da LGT), vinculado ao cumprimento da prestação tributária, nos termos do n.º 2 do art. 23.º da LGT e art. 153.º, n.º 2, do CPPT, ou seja, no caso de não haver bens penhoráveis do devedor e seus sucessores ou insuficiência de bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários.
XXIX - A execução reverte assim contra pessoa distinta da que figura no título executivo como devedor, ocorrendo quanto a ela, não os pressupostos do facto tributário, mas da responsabilidade, operando-se a extensão da obrigação de cumprimento da prestação tributária a pessoa diversa do contribuinte directo.
XXX - O Ac. do TC n.º 160/2007 (Plenário), de 06-03, no Proc. n.º 390/06, não considerou inconstitucional o conjunto normativo que considere que por despacho do Chefe do Serviço de Finanças se efective a reversão no processo de execução fiscal contra responsáveis subsidiários por dívidas fiscais, entendendo-se não constituir a reversão um acto com natureza jurisdicional, consentida pelo art. 103.º, n.º 1, da LGT.
XXXI - Ao tempo do vencimento das primeiras cotizações estava em vigor o ETAF, aprovado pelo DL 129/84, de 27-04 (complementado pelo DL 374/84, de 29-11), dispondo no art. 1.º que “A jurisdição administrativa e fiscal é exercida por tribunais administrativos e fiscais, órgãos de soberania com competência para administrar justiça em nome do povo”, e estabelecendo o art. 3.º que “Incumbe aos tribunais administrativos e fiscais na administração da justiça, assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, reprimir a violação da legalidade e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativas e fiscais”.
XXXII - Estão excluídos da jurisdição administrativa e fiscal os recursos e as acções que tenham por objecto actos relativos ao inquérito e instrução criminais e ao exercício da acção penal.
XXXIII - No caso em apreciação não tem lugar a figura de reversão, própria do processo executivo e que tem por objectivo chamar à acção executiva quem à luz do título executivo não é parte (cfr. arts. 55.º, n.º 1, do CPC, e 153.º, n.ºs 1 e 2, do CPPT), situação completamente diversa da presente em que o recorrente é demandado ab initio, numa acção com estrutura declarativa, sendo contra si invocada uma concreta causa de pedir e formulado um pedido concreto, que pode impugnar nos termos gerais consentidos em processo penal.
XXXIV - Na execução fiscal o devedor substituto não figura no título de cobrança do tributo.
XXXV - Ao optar pelo exercício da acção conjunta o demandante pretende obter decisão condenatória que, transitada em julgado, assume o papel de título executivo, com a configuração própria do art. 467.º do CPP.
XXXVI - Aqui o devedor é demandado a título principal, tendo por base a autoria de um crime de que emerge uma conexa responsabilidade civil delitual – art. 6.º do RGIT – sendo o pedido baseado na obrigação de indemnizar pelos danos causados pela prática de facto ilícito e culposo – art. 483.º do CC.
XXXVII - Mais do que uma presunção legal de culpa (art. 23.º, n.º 4, da LGT), invocável em sede de responsabilidade tributária, aqui o pedido de indemnização baseou-se na prática de um facto que à data constituía crime doloso, pois o crime em questão é apenas previsto na forma dolosa (não estando expressamente prevista a punição por negligência, os factos integradores de crime só podem ser punidos se praticados com dolo – art. 13.º do CP), sendo o pedido substanciado numa causa de pedir de matriz diversa – não em responsabilidade tributária, mas responsabilidade criminal e responsabilidade civil decorrente da prática de um crime, uma responsabilidade extra contratual, delitual ou aquiliana.
XXXVIII - Sendo certo que o ISS, IP – Centro Distrital de Évora, podia interpor execução contra a sociedade arguida, antes de declarada insolvente, possuindo quanto a ela título executivo, podendo ainda nessa sede requerer a reversão contra os respectivos representantes legais, reunidos que fossem os necessários requisitos, nada impede que faça uso da faculdade conferida em processo penal do princípio da adesão.
XXXIX - Os crimes tributários são julgados nos tribunais criminais, e não nos tribunais administrativos e fiscais.
XL - Sendo diversos os sujeitos numa e noutra demanda – pelo menos, os originários – e a causa de pedir (a pretensão deduzida nas execuções fiscais e a pretensão formulada no presente processo não procedem do mesmo facto jurídico – cf. art. 498.º, n.º 4, do CPC), bem como o pedido, pois a indemnização aqui impetrada não se destina a liquidar uma obrigação tributária para com a segurança social, nem se poderia colocar a questão de configuração da excepção dilatória da litispendência.
XLI - E mesmo que o demandante use dessa opção, não haverá lugar a condenação em custas, nos termos do art. 449.º, n.º 2, al. c), do CPC, pois que o título de cobrança não tem manifesta força executiva contra o responsável subsidiário, de tal modo que há que fazê-lo intervir no processo, e por outro lado, a acção enxertada tem uma configuração e alcance muito mais amplo do que a exercitada no executivo, pois não está em causa uma presunção legal de culpa, mas uma imputada, em sede criminal, intenção criminosa.
XLII - A competência do tribunal criminal para conhecer da acção penal e da conexa acção cível enxertada não se confunde com a competência dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal em processo de execução.
XLIII - Nestes casos não está em causa apurar da responsabilidade do recorrente perante os credores sociais, quando pela inobservância culposa das disposições legais ou contratuais destinadas à protecção desses credores, o património social se torne insuficiente para a satisfação dos respectivos créditos – n.º 1 do art. 78.º do CSC –, mas de apurar a sua responsabilidade civil pela prática de ilícito de natureza criminal que não foi objecto de condenação, que não exige o preenchimento dos pressupostos referidos.
XLIV - O tribunal criminal tem competência em razão da matéria para julgar a acção cível interposta pelo ISS, não havendo lugar neste tipo de processos à figura da reversão.


Decisão Texto Integral:


No âmbito do processo comum singular n.º 322/05.4TAEVR, do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Évora, foi submetido a julgamento o arguido AA, com os sinais dos autos.
No decurso do processo foi declarado extinto o procedimento criminal contra a sociedade arguida S...-Arquitectura, Engenharia e Construções, Lda., de que o arguido era sócio gerente.
Realizado o julgamento na ausência do arguido, por sentença constante de fls. 421 a 433, datada de 20 de Novembro de 2008, pela prática, em autoria material, de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, na forma continuada, p. e p. pelo artigo 79.º do Código Penal e artigos 107.º, n.º 1 e 105.º, n.º 1, do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, foi o arguido condenado na pena de 200 dias de multa, à taxa diária de 4,00 euros, o que perfaz o montante global de 800,00 euros, a que correspondem 133 dias de prisão subsidiária.
Tendo sido deduzido pedido de indemnização civil pelo Instituto da Segurança Social, IP - Centro Distrital de Évora, contra o arguido, na parcial procedência do mesmo, foi o ora recorrente condenado a pagar àquele ISS, a quantia de 42.531,79 €, acrescida de juros legais até efectivo e integral pagamento.
A fls. 437, em requerimento com data de entrada de 3-12-2008, o arguido interpôs recurso do despacho constante de acta de fls. 407, que determinou a realização do julgamento na sua ausência, apresentando a motivação de fls. 438 a 446.

Inconformado com a decisão condenatória, o arguido e demandado, a fls. 464, interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Évora, a que foi dada entrada apenas em 21-01-2009, mas sendo o e-mail enviado datado de 10-12-2008, apresentando a motivação de fls. 465 a 472.

O Ministério Público junto do Tribunal recorrido, em peça de fls. 485 a 488, respondeu aos dois recursos.

Por despacho de fls. 490, o citado recurso interposto a fls. 437, sob ponderação do disposto no artigo 80.º, n.º 3, do Código das Custas Judiciais, foi considerado sem efeito.
Sendo admitido, a fls. 491, o recurso da sentença condenatória.

Por acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 20 de Outubro de 2009, constante de fls. 521 a 536, foi negado provimento ao recurso e mantida a sentença recorrida.

Desse acórdão o arguido interpôs recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, apresentando a motivação de fls. 557 a 565, que remata com as seguintes conclusões (em transcrição integral):
A - Tendo-se verificado os vícios do art. 410. n.º 2 do CPP, há que determinar a anulação do julgamento para operar o suprimento dos mesmos e a sua ultrapassagem.
B - No dia 1 de Janeiro de 2007, entrou em vigor a Lei nº 53 A/2006, de 29 de Dezembro, a qual alterou o art.105, do RGIT, correspondente à previsão legal do crime fiscal de Abuso de Confiança, de que o arguido vinha acusado e pelo qual foi condenado;
C - Consequentemente, o crime fiscal de Abuso de Confiança, p.p., pelo art.105 do RGIT, passou a exigir, para que o mesmo fosse punível, a necessidade de notificação, por parte da Administração Fiscal, para no prazo de 90 dias, e findo este nova notificação no prazo de 30 dias para proceder ao pagamento da declaração em falta, acrescida dos respectivos juros e do valor da coima aplicável;
D - Da matéria dada como provada nos presentes autos não consta que tenha havido por parte da Administração Fiscal qualquer notificação a fim de ser deduzida a reversão fiscal - art. 159 CPTT.
E - Nem efectuada qualquer notificação correspondente àquela a que a nova redacção da al) b do n.º 4 do art.105 do RGIT exige;
F - Deve concluir-se que se encontra caducado o direito da assistente a exigir ao arguido as dívidas exequendas relativas às contribuições e cotizações para a segurança social devidas até Setembro de 2003, por se ter esgotado o respectivo prazo de prescrição de 5 anos, previsto no art. 63.º n.º 2 da Lei n.º 17/2000 de 8/8, contado desde a entrada em vigor desta Lei, em 4/2/2001, nos termos do art. 297 n.º 1 do CC, dado que a citação do executado ocorreu depois de já esgotado tal prazo, pelo que, o pedido cível daquela não pode ter procedência contra o arguido, devendo este, ser absolvido do pedido cível.
G - Resulta claro nos presentes autos, que não foi notificada a reversão ao arguido, nem seguidos os trâmites legais desta, para que, este pagasse as dividas ou deduzisse oposição à reversão, o que poderia, eventualmente, determinar a não dedução de queixa crime por parte da assistente - segurança social.
H - Face à entrada em vigor do novo regime manifestamente mais favorável ao arguido, devia ter-se ordenado a notificação do arguido para no prazo de 30 dias (após os 90 dias) efectuar o pagamento das prestações em divida, juros e coima pela sua não entrega no prazo legal (art° 114° e 27° do RGIT), o que não se verificou em momento algum, pelo que, foram preteridas garantias de defesa ao arguido, consignadas, nas leis tributárias e garantidas constitucionalmente.
I - Face ao exposto, existiu violação do disposto n.º 4, do art.º 2, do Código Penal, o n.º 4, do art.º 29, da Constituição da República Portuguesa e o art.105, n.º 4, al. b, do RGIT, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 53 A/06, de 29Dez.
J - Assim, e desde logo se verifica um erro de determinação da norma aplicável (vide 412.º CPP) - devendo ser operada a caducidade prevista no art. 45.º da LGT; devendo ser revogada o Acórdão recorrido e absolvido o arguido.
No provimento do recurso, o arguido pede a revogação do acórdão recorrido.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto Distrital junto do Tribunal da Relação de Évora apresentou resposta ao recurso do arguido, conforme fls. 570 a 575, concluindo:
1º - Tendo o acórdão recorrido confirmado no todo e na parte crime a decisão da 1ª instância, que aplicou ao recorrente pena não privativa de liberdade, tal decisão não admite recurso, pelo que o mesmo, quanto à matéria penal deve ser rejeitado nos termos dos art. 420° n° 1 al. b), 414° n° 2 e 400 n° 1 al. e), todos do CPP.
2º - Porém, uma vez que no caso concreto se verifica o condicionalismo a que alude o n° 2 do art. 400° do CPP, pode o recurso ser admitido na parte do acórdão relativa à indemnização cível, nos termos do n° 3 da mesma disposição legal.
3º - Os vícios invocados pelo recorrente respeitam a questões de facto, integrantes do objecto penal do processo, cuja factualidade juridicamente relevante foi definitivamente fixada pelo acórdão recorrido, o qual não sendo recorrível nessa parte, e, encontrando-se os factos fixados de harmonia com essa decisão, dela não pode o STJ conhecer, pois que, sem prejuízo do disposto nos n° 2 e 3 do art. 410° do CPP, o recurso para o STJ visa exclusivamente o reexame da matéria de direito - art. 434° do CPP.
4º - O STJ também não conhece dos vícios do art. 410° n° 2 do CPP como fundamento do recurso, mas apenas oficiosamente, quando os detecte, sendo que, examinando o texto do acórdão recorrido, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, não descortinamos no mesmo qualquer desses vícios.
5º- A responsabilidade civil emergente da prática do crime de abuso de confiança contra a Segurança Social é regulada pela lei civil.
6° - É solidária e não meramente subsidiária a responsabilidade civil do recorrente, pelo que não há lugar à aplicação do instituto da reversão.
7° - Não se esgotou ainda o prazo de prescrição das dívidas referentes às contribuições para a Segurança Social devidas até Setembro de 2003, pois o mesmo interrompeu-se nos termos do art. 323° n° 4 do C.Civil com a constituição do recorrente no processo penal como arguido e o seu interrogatório nessa qualidade, ocorridos em 18/07/2006, correndo a partir daí novo prazo.
8° - Não foi violada qualquer disposição legal.
9° - Deve, pois, ser negado provimento ao recurso interposto pelo arguido e confirmado inteiramente o douto acórdão recorrido.

Por despacho do Exmo. Desembargador Relator, de fls. 577, não foi admitido o recurso interposto pelo arguido no que respeita à matéria penal, por a decisão, nessa parte ser irrecorrível – artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal -, sendo, porém, admitido o recurso interposto pelo arguido, enquanto demandado civil, no que respeita à matéria cível.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal de Justiça, no visto a que alude o artigo 416.º do Código de Processo Penal, a fls. 583, consignou: “Nada a requerer atenta a natureza civil do recurso interposto”.

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Não tendo sido requerida audiência de julgamento, o processo prossegue com julgamento em conferência, nos termos dos artigos 411.º, n.º 5 e 419.º, n.º 3, alínea c), do Código de Processo Penal.

Colhidos os vistos, realizou-se a conferência, cumprindo apreciar e decidir.

Como é jurisprudência pacífica, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – detecção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, referidos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal - acórdão do Plenário da Secção Criminal, de 19-10-1995, no processo n.º 46580, Acórdão n.º 7/95, publicado no DR, I Série - A, n.º 298, de 28-12-1995 (e BMJ n.º 450, pág. 72), que fixou jurisprudência, então obrigatória (É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito) e verificação de nulidades que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379.º, n.º 2 e 410.º, n.º 3, do Código de Processo Penal - é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior.

Questões a decidir

Como se referiu supra, pelo despacho de fls. 577, não foi admitido o recurso do acórdão recorrido na parte penal, sendo-o no que respeita à parte cível.
O âmbito do presente recurso restringe-se assim à parte cível, e ao que se extrai das conclusões apresentadas pelo demandado/recorrente no presente recurso, são as seguintes as questões suscitadas:

Questão I - Vícios do artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal – conclusão A;
Questão II - Prescrição da obrigação de pagamento das cotizações e contribuições devidas à segurança social – conclusão F;
Questão III - Caducidade do direito de liquidação – conclusão J;
Questão IV - Reversão – conclusões D e G.


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Havendo que prosseguir, vejamos o acervo fáctico tido por assente na sentença do Tribunal de Comarca de Évora e confirmado pela Relação do respectivo Distrito Judicial, e que pelas razões infra apresentadas, é de ter por definitivo e consolidado.

FACTOS PROVADOS

01. A sociedade S... - Arquitectura, Engenharia e Construções, Lda., sociedade por quotas, teve a sua sede na ..., em Évora, e foi constituída no ano de 1999.
02. Desde tal data exerceu, de forma ininterrupta, a actividade de arquitectura, engenharia, construção de edifícios e urbanizações, fazendo-o, concretamente, nos anos de 2001 a 2003.
03. Em tal período o arguido era sócio gerente da referida sociedade, sendo o único responsável por toda a gestão da mesma, decidindo a afectação dos meios financeiros ao cumprimento das obrigações correntes e do desconto das contribuições devidas à segurança social nos salários pagos aos trabalhadores, agindo no interesse e por conta da mesma.
04. No período compreendido entre os meses de Agosto de 2001 e Setembro de 2003 o arguido deduziu ao valor das remunerações devidas aos trabalhadores que então a sociedade tinha ao seu serviço as contribuições devidas à segurança social, as quais devia entregar até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que respeitassem.
05. Todavia, embora apresentando as folhas de remuneração, decidiu não proceder à remessa dos correspondentes meios de pagamento.
06. Assim, o arguido, no exercício das suas funções, descontou e reteve, dos salários que pagou aos trabalhadores, as seguintes quantias respeitantes a contribuições devidas à segurança social:

Ano de 2001
Agosto: 38,50 €;
Dezembro: 2.367,56 €

Ano de 2002
Janeiro: 2.718,35 €;
Fevereiro: 2.606,63 €;
Março: 3.147,25 €,
Abril: 2.971,78 6;
Maio: 2.626,73 €;
Junho: 2.889,44 €;
Julho: 2.833,47 €.
Agosto: 2.449,38 €;
Setembro: 2.338,54 €;
Outubro: 2.452,80 €;
Novembro: 2.595,18 €;
Dezembro: 1.790,80 €.

Ano de 2003
Janeiro: 1.949,04 €;
Fevereiro: 1.246,58 €;
Março: 1.518,40 €;
Abril: 1.311,03 €;
Maio: 1.003,53 €;
Junho: 685,01 €;
Julho: 355,05 €;
Agosto: 140,24 €;
Setembro: 496,50 €.

07. Não obstante tal retenção, não procedeu o arguido à entrega de tais quantias à segurança social, nem nos quinze dias seguintes àqueles a que as retribuições respeitavam, nem nos 90 dias seguintes.
08. Notificado o arguido para, no prazo de 30 dias, proceder ao pagamento das quantias em dívida e de todos os legais acréscimos, e assim pôr fim ao procedimento criminal, não o fez em tal prazo nem posteriormente.
9. Ao invés, o arguido utilizou os referidos montantes em proveito da sociedade que geria.
10. Foi sempre o arguido quem assumiu a gerência da sociedade e, agindo no seu nome e interesse, procedeu às referidas retenções, não entregando à segurança social os montantes retidos.
11. Agiu sempre com o mesmo procedimento, apresentando as declarações de remuneração sem as fazer acompanhar do respectivo meio de pagamento, aproveitando a fiscalização tardia da mencionada entidade.
12. Agiu deliberada, livre e conscientemente, sabendo que os montantes em causa não lhe pertenciam, por serem da segurança social, fazendo-o devido às dificuldades financeiras que a sociedade atravessava.
13. Sabia que agia contra a vontade desta entidade e que a sua conduta era proibida e punida por lei.
14. A insolvência da sociedade S... - Arquitectura, Engenharia e Construções, Ld.ª foi decretada por sentença datada de 22.09.2003, transitada em julgado em 3.11.2003, no âmbito do Processo n.º 1692/03.4TBEVR, do 2.° Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Évora.
15. O arguido foi anteriormente condenado:
a) Por sentença datada de 8.07.1996, proferida no âmbito do Processo n.º 170/96.OGTSTB, do 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, o arguido foi condenado, pela prática, em 7.07.1996, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 75 dias de multa, à razão diária de 1.000,00 €, e na proibição de conduzir pelo período de 2 meses;
b) Por sentença datada de 24.02.2007, proferida no âmbito do Processo n.º 69/97.3GTSTB, do 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, o arguido foi condenado, pela prática, em 24.02.1997, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 90 dias de multa, à razão diária de 600,00 €;
c) Por sentença datada de 17.01.2000, proferida no âmbito do Processo n.º 126/96.5STSTB, do 3.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, o arguido foi condenado, pela prática, em 22.03.1996, de um crime de ofensa à integridade física, na pena de 60 dias de multa, à razão diária de 800,00 €;
d) Por acórdão datado de 10.01.2007, proferido no âmbito do Processo n.º 1422/06.9TASTB, da Vara Mista do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, o arguido foi condenado, pela prática, em Maio de 2006, de um crime de maus tratos a cônjuge, na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 4 anos, sob a condição de entregar uma quantia monetária à APAV e regime de prova que contemple tratamento ao alcoolismo;
e) Por sentença datada de 16.07.2007, proferida no âmbito do Processo n.º 173/07.1PTSTB, do 3.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, o arguido foi condenado, pela prática, em 4.06.2007, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de cinco meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de cinco meses.

E não se provou, de acordo com a sentença recorrida:
a) que o arguido tenha utilizado os montantes em causa em seu benefício pessoal;
b) a situação social e económica do arguido;
c) que o arguido tenha reclamado das quantias referentes às quotizações devidas à segurança social;
d) que o arguido tenha pago algumas das quantias indicadas.
Apreciando.

Em causa está a impugnação da condenação do arguido/demandado, ora recorrente, no pagamento do pedido de indemnização civil deduzido pelo Instituto da Segurança Social, IP - Centro Distrital de Évora, da quantia de 42.531,79 €, acrescida de juros legais até efectivo e integral pagamento. No presente recurso o arguido/demandado alude ao pedido cível apenas nas conclusões D, F, G e J, já que impugnara também para este Supremo Tribunal a condenação no que respeita à vertente criminal - não admitida - , “entrelaçando-se” na motivação e nas conclusões os argumentos impugnatórios em uma e outra sede.

Concretizando as razões de dissídio.

Questão I – Vícios do artigo 410.º, n.º 2, do CPP

O recorrente sintetiza esta sua pretensão na conclusão A), do seguinte teor: “Tendo-se verificado os vícios do art. 410, n.º 2 do CPP, há que determinar a anulação do julgamento para operar o suprimento dos mesmos e a sua ultrapassagem”.
Esta formulação é demasiado abrangente e nada concretiza ou especifica, contra o que é suposto fazer-se quando, como é o caso, pretende impugnar-se matéria de facto.
A conclusão tem de ser conectada com a motivação do recurso, maxime, com o constante do ponto 5, único onde o recorrente aborda esta matéria.
No anterior recurso o arguido invocou o vício de erro notório na apreciação da prova.
No presente recurso a invocação dos vícios decisórios é mais abrangente e só surge no plano da impugnação da matéria criminal, como claramente decorre do exposto no referido ponto 5 da motivação, onde o recorrente refere: “Simplesmente, e reafirmando o já exposto, nas suas motivações endereçadas à Relação, é manifesto verificarem-se os vícios do n.º 2 do art. 410.º do C.P.P., designadamente insuficiência de matéria de facto para concluir, como conclui pela incriminação pelo art.º 105, 107, n.º1 e 7.º, n.º 1, todos do RGIT”. (sublinhados nossos).
É manifesto que, pela forma de expressão utilizada, o arguido visava, apenas, uma reapreciação da matéria de facto enformadora da componente criminal da decisão condenatória e sua confirmação, que, por inadmissível, não terá lugar.
Note-se que no ponto 32 da motivação entendia o arguido ter sido “aplicada uma pena manifestamente gravosa e penosa”, (!), mas, como se referiu, o recurso na parte penal não foi admitido.
O presente recurso restringe-se a matéria de direito, não sendo possível fundamentar o recurso para o Supremo Tribunal com base em vícios da decisão sobre a matéria de facto, para mais quando a decisão da primeira instância passou o crivo da Relação; apenas oficiosamente o Supremo Tribunal de Justiça poderá conhecer de tais vícios, se necessário para resolver insuficiência, incongruência ou contradição na decisão sobre a matéria de facto, o que não é manifestamente o caso.
Assim sendo, improcede esta alegação do recorrente.

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Caberia agora conhecer das apontadas questões II, III e IV, mas antes há que colocar uma questão prévia.


Questão Prévia - Questão Nova

Suscitando o recorrente pela primeira vez, aqui e agora, o trio de questões assinaladas, sem dúvida que estamos face a questões absolutamente novas, que correspondem à enunciação de problemas novos, colocados em primeira mão, que o arguido não expôs - e bem o poderia ter feito – não só em sede de contestação na primeira instância, como no primeiro recurso, estando-se perante argumentos, problemas e considerações, que o recorrente não propôs à consideração do Tribunal da Relação, nem tão pouco à consideração do Juiz de Comarca, em última análise, o tempo e o modo apropriados à exposição da situação tendente a uma primeira análise.
Elegeu agora o recorrente novos alvos para expressar a sua discordância com a condenação em indemnização, suscitando questões não apresentadas e, por isso, não debatidas anteriormente, desenvolvendo uma linha argumentativa completamente diferente - inovadora - das anteriores, ao impugnar a matéria da acusação e do pedido cível e a decisão do juiz singular de Évora!

Ora, os recursos ordinários visam o reexame da decisão proferida dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que a proferiu.
Sendo os recursos meios de impugnação e de correcção de decisões judiciais e não meio de obter decisões novas, não pode o tribunal de recurso ser chamado a pronunciar-se sobre questões não suscitadas ao tribunal recorrido.
Constitui jurisprudência uniforme a de que os recursos se destinam a reexaminar decisões proferidas por jurisdição inferior, visando apenas apurar a adequação e legalidade das decisões sob recurso, e não a obter decisões sobre questões novas, não colocadas perante aquelas jurisdições.
O Tribunal Superior, visando apenas a reapreciação de questões colocadas anteriormente e não a apreciação de outras novas, não pode conhecer de argumentos ou fundamentos que não foram presentes ao tribunal de que se recorre – neste sentido, vejam-se os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 27-07-1965, BMJ n.º 149, pág. 297; de 26-03-1985, BMJ n.º 345, pág. 362; de 02-12-1998, BMJ n.º 482, pág. 150; de 12-07-1989, BMJ n.º 389, pág. 510; de 09-03-1994, processo n.º 43402; de 01-03-2000, processo n.º 43/00, SASTJ, n.º 39, pág. 55; de 05-04-2000, processo n.º 160/00; de 06-06-2001, processo n.º 1874/02-5.ª (não pode o STJ conhecer em recurso trazido da Relação de questões não colocadas perante este Tribunal Superior, mesmo que resolvidas na decisão da 1.ª instância); de 28-06-2001, processo n.º 1293/01-5.ª; de 26-09-2001, processo n.º 1287/01-3.ª; de 16-01-2002, processo n.º 3649/01-3.ª; de 22-10-2003, processo n.º 2446/03-3.ª, SASTJ, n.º 74, pág. 147; de 30-10-2003, processo n.º 3281/03-5.ª (os recursos, como remédios jurídicos que são, não se destinam a obter decisões ex novo sobre questões não colocadas ao tribunal a quo, mas sim a obter o reexame das decisões tomadas sobre pontos questionados, procurando obter o cumprimento da lei); de 06-05-2004, processo n.º 1589/04-5.ª; de 27-05-2004, processo n.º 766/04-5.ª, in CJSTJ 2004, tomo 2, pág. 209; de 20-07-2006, processo n.º 2316/06-3.ª; de 02-05-2007, processo n.º 1238/07-3.ª; de 10-10-2007, processo n.º 3634/07-3.ª; de 17-10-2007, processo n.º 3878/07-3.ª; de 30-04-2008, processo n.º 4723/07-3.ª; de 12-06-2008, processo n.º 4375/08-3.ª; de 22-10-2008, processo n.º 215/08-3.ª; de 11-02-2009, processo n.º 4132/08-3.ª; de 25-02-2009, processo n.º 101/09-3.ª; de 25-03-2009, processo n.º 308/09-3.ª; de 29-04-2009, processo n.º 607/09-3.ª; de 07-05-2009, processo n.º 352/02.8TAETR-3.ª; de 07-07-2009, processo n.º 1145/05.6TAMAI.C1.S1-3.ª; de 23-09-2009, processo n.º 259/06.0JAIAR.S1-3.ª (a apreciação de questão nova suscitada na resposta ao abrigo do art. 417.º, n.º 2 do CPP, não cabe em sede de revista); de 23-09-2009, processo n.º 5953/03.4TDLSB.S1-3.ª; de 25-11-2009, processo n.º 397/03.0GEBNV.S1-3.ª; de 10-03-2010, processo n.º 343/09.8PBMTS.P1-A.S1-3.ª (Constituindo o recurso o mecanismo processual que permite a reapreciação (revisão), em outra instância (duplo grau de jurisdição), de decisões expressas sobre matérias e questões já decididas no Tribunal de que se recorre, nele não podem ser suscitadas questões novas que não tenham sido objecto de decisão pelo Tribunal a quo); de 25-03-2010, processo n.º 76/10.2YRLSB.S1-3.ª.

Os problemas ora suscitados, os pontos agora questionados, configuram, em absoluto, questões novas, tratando-se de invocação de situações, que correspondem à colocação de questões em primeira mão, de apresentação de problemas e argumentos completamente novos, que o recorrente não expôs no primeiro recurso, que não propôs à consideração do Tribunal da Relação, nem tão pouco na 1.ª instância, tratando-se da colocação de questões absolutamente virgens.
As questões agora colocadas não foram decididas, nem tratadas especificamente, nem tão pouco afloradas na decisão recorrida para a Relação e na por esta confirmada.
A impugnação da parte cível do acórdão ora recorrido, que manteve na íntegra a decisão de primeira instância, constitui uma questão nova, pois, quer na primeira instância, quer no anterior recurso para a Relação, o recorrente nada referiu a propósito.

Na primeira instância o arguido não suscitou qualquer destas questões - e elas, a relevarem - já existiriam, como é óbvio, pois não surgiram como desenvolvimento de situação anterior.
E por não ter sido confrontado com as mesmas, o juiz singular, obviamente, ao assunto, disse nada!
Na verdade, o arguido na contestação à acusação e ao pedido de indemnização cível, de fls. 316 a 320, apenas suscitou, no artigo 14.º da peça, a prescrição do procedimento criminal, invocando os artigos 21.º, n.º 1, do RGIT e 120.º e 121.º, do Código Penal, sendo tal questão abordada na sentença, de fls. 422 a 424, que ponderando as causas de interrupção e de suspensão da prescrição, julgou a excepção improcedente.
Por outro lado, no recurso da sentença condenatória interposto para o Tribunal da Relação de Évora, o recorrente, como se vê da motivação então apresentada, de fls. 465 a 472, embora referindo que o recurso também se referia à dimensão civil, cingiu/centrou a sua atenção e argumentação apenas à parte criminal, como claramente se deduz da leitura de todo o texto da motivação, bem como das conclusões 1.ª a 11.ª desse recurso, e ainda da delimitação das questões a apreciar efectuada pelo acórdão da Tribunal da Relação de Évora, onde as 11 conclusões do recurso a si dirigido são apresentadas - sem necessidade e só contribuindo para possível confusão, com as letras a) a k) - e que foram então sintetizadas da seguinte forma:
1ª - Se verifica a condição de punibilidade prevista no art.° 105 n.° 4 al. b) do RGIT, com a redacção que lhe foi introduzida pela Lei 53-A/2006, de 29.12;
2ª - Se o tribunal julgou erradamente a matéria de facto dada como provada sob os n.°s 9 e 10 e a dada como não provada sob a alínea a);
3ª - Se, não se provando o dolo específico, não pode o arguido ser condenado, por falta do elemento subjectivo do tipo.
Nesse recurso o arguido deixou intocada a sentença na parte em que indeferiu a excepção de prescrição do procedimento criminal, única invocada pelo arguido na contestação.
O acórdão recorrido abordou e decidiu da falência da sociedade arguida, tratada então como questão prévia.
No recurso para a Relação, nada, mas mesmo rigorosamente nada, aduz o recorrente sobre caducidade do direito de liquidação e prescrição do crédito da assistente/demandante ISS, nem sobre a figura da reversão.
O recorrente olvida que a decisão recorrida é a da Relação e que sobre estas questões não se pronunciou, porque o arguido não as submeteu a apreciação.
Nada havendo a reapreciar, porque nada foi submetido a anterior apreciação, o recurso é de ter como manifestamente improcedente, no que toca às indicadas três questões, e assim de rejeitar.

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De qualquer modo, para que fique claro que não assiste qualquer mínima razão ao recorrente, passar-se-ão em revista as questões colocadas.
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Questão II - Da prescrição da obrigação de pagamento das contribuições devidas à Segurança Social

Nos pontos 7 [cujo conteúdo foi vertido na conclusão F)], 8 e 23 da motivação, o recorrente alude a prescrição da obrigação de pagamento das contribuições e respectivos juros de mora.
Relembrando o teor da referida conclusão F:
F - Deve concluir-se que se encontra caducado o direito da assistente a exigir ao arguido as dívidas exequendas relativas às contribuições e cotizações para a segurança social devidas até Setembro de 2003, por se ter esgotado o respectivo prazo de prescrição de 5 anos, previsto no art. 63.º n.º 2 da Lei n.º 17/2000 de 8/8, contado desde a entrada em vigor desta Lei, em 4/2/2001, nos termos do art. 297 n.º 1 do CC, dado que a citação do executado ocorreu depois de já esgotado tal prazo, pelo que, o pedido cível daquela não pode ter procedência contra o arguido, devendo este, ser absolvido do pedido cível.

O recorrente invoca o prazo de prescrição previsto no artigo 63.º, n.º 2, da Lei n.º 17/2000, de 8 de Agosto, que aprova as bases gerais do sistema de solidariedade e segurança social, e que, de acordo com o artigo 119.º, entrou em vigor 180 dias após a data da publicação do diploma, ou seja, em 4 de Fevereiro de 2001.
Estabelece o artigo 63.º, n.º 2: “A obrigação de pagamento das cotizações e das contribuições prescreve no prazo de cinco anos a contar da data em que aquela obrigação deveria ter sido cumprida”.
Mas acrescenta o n.º 3 do mesmo preceito: “A prescrição interrompe-se por qualquer diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou não à cobrança da dívida”.
Aquela Lei n.º 17/2000 veio a ser revogada pela Lei n.º 32/2002, de 20-12-2002, entrada em vigor 30 dias após a publicação (artigos 132.º e 133.º), em 19-01-2003.
Passou a estabelecer o artigo 49.º, n.º 1, que “A obrigação de pagamento das cotizações e das contribuições prescreve no prazo de cinco anos a contar da data em que aquela obrigação deveria ter sido cumprida”.
Ou seja, transcreve o n.º 2 do artigo 63.º da Lei de 2000, e por seu turno, o n.º 2 do artigo 49.º transcreve na íntegra a norma do n.º 3 do citado artigo 63.º.
Noutra perspectiva, estabelece o artigo 498.º, n.º 3, do Código Civil, que se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável.
E como bem assinala o Ministério Público não se esgotou ainda o prazo de prescrição das dívidas referentes às contribuições para a Segurança Social devidas até Setembro de 2003, pois o mesmo interrompeu-se nos termos do artigo 323° n° 4, do Código Civil, com a constituição do recorrente no processo penal como arguido e o seu interrogatório nessa qualidade, ocorridos em 18/07/2006, correndo a partir daí novo prazo.
O assistente/demandante deduziu pedido cível de indemnização, tendo o arguido sido notificado, nos termos do artigo 78.º do Código de Processo Penal, em 20-09-2007 – fls. 315.
Conforme acta de fls. 269 e 270, e como se assinala a fls. 283, em 06-02-2007 (e não em 26-04-2007, como diz o recorrente no ponto 12 da motivação, a fls. 546 dos autos), determinando inclusive a suspensão do debate instrutório, foi o arguido notificado, nos termos e para os efeitos do artigo 105.º, n.º 4, alínea b) e 107.º, n.º 2 do RGIT, na redacção que lhe foi introduzida pela Lei n.º 53-A/2006, de 29-12, para efectuar o pagamento das prestações declaradas, acrescidas de juros de mora e do valor da coima no prazo de 30 dias.
Mal se entende repisar este argumento sem razão alguma.
Por outro lado, há reconhecimento da dívida, chegando o arguido a dizer que fez pagamentos parciais, que não foram dados por provados.
Não tem, pois, razão o recorrente.

Questão III - Caducidade do direito de liquidação

O recorrente aborda este tema nos pontos 14, in fine, 17, 18, 19, 22 e 23 da motivação, sintetizando a pretensão na conclusão J do seguinte teor:
J - Assim, e desde logo se verifica um erro de determinação da norma aplicável (vide 412.º CPP) - devendo ser operada a caducidade prevista no art. 45.º da LGT; devendo ser revogada o Acórdão recorrido e absolvido o arguido.

A Lei Geral Tributária foi aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17-12, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 7-B/99, in DR, I-A, 2.º Suplemento, de 27-02-1999, alterada pela Lei n.º 30-G/2000, in DR, I-A, 3.º Suplemento, de 29-12 (artigos 24.º, 38.º, 63.º, 75.º, 77.º, 87.º, 88.º, 90.º e 91.º), e posteriormente alterado e republicado pela Lei n.º 15/2001, de 15 de Junho (RGIT), e pela Lei n.º 32-B/2002, de 30-12 (artigos 45.º, 46.º, 53.º e 91.º), Decreto-Lei n.º 160/2003, de 19-07 (artigo 46.º, n.º 3), Lei n.º 50/2005, de 30-08 (artigo 74.º), Lei n.º 60-A/2005, de 30-12-2005.
Inserto no Capítulo IV “Extinção da relação jurídica tributária”, na Secção II, sob a epígrafe “Caducidade do direito de liquidação”, dizia o artigo 45.º da LGT na versão originária:
1 – O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.
2 - ...……………………………………………………………………………………….
3 - …………………………………………………………………………………………
4 – O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que verificou a exigibilidade do imposto. (O aditamento da excepção foi introduzido com a Lei n.º 32- B/ 2002, 2.º Suplemento, de 30-12-2002).

Pelo artigo 57.º, n.º 1, da Lei n.º 60-A/2005, publicada no Diário da República, Suplemento I - A, n.º 250, de 30-12-2005, que aprovou o Orçamento do Estado para 2006, e que, conforme artigo 108.º entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2006, foi alterado o artigo 45.º da Lei Geral Tributária, mantendo os n.º s 1, 2, 3 e 4, mas introduzindo o n.º 5 com o seguinte teor:
“Sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.º 1 é alargado até ao arquivamento, ou até ao trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano”.
Mas, há aqui a ter consideração o igualmente válido n.º 2 do mesmo preceito do artigo 57.º, da já mencionada Lei n.º 60-A/2005, que relativamente aos processos pendentes, estatui que o disposto no n.º 5 do artigo 45.º da LGT é aplicável aos prazos de caducidade em curso à data da entrada em vigor da presente lei.
Sendo este o sentido das normas invocadas, questão diversa será saber se será de efectuar liquidação, e não o é.
As contribuições à Segurança Social são deduzidas, e no caso terão sido deduzidas pelo arguido do valor das remunerações dos trabalhadores, através do mecanismo de substituição, sendo a liquidação feita por intermédio de retenção na fonte, não fazendo sentido invocar caducidade de liquidação.
De igual modo a pretensão do recorrente não colhe.

Questão IV – Reversão

Defende o recorrente na conclusão G) que deve ser absolvido do pedido de indemnização cível, por não existir qualquer acto de reversão contra si respeitante à dívida da Só-aldeias (o recorrente refere igualmente a figura na conclusão D).
O recorrente na motivação aborda esta questão nos pontos 9, 10, 11, 12, 13, 14, e 15, sintetizando na conclusão G - Resulta claro nos presentes autos, que não foi notificada a reversão ao arguido, nem seguidos os trâmites legais desta, para que, este pagasse as dividas ou deduzisse oposição à reversão, o que poderia, eventualmente, determinar a não dedução de queixa crime por parte da assistente - segurança social.
A questão da reversão é colocada pelo recorrente sem o ser no âmbito da incompetência material do tribunal criminal para conhecer do pedido de indemnização, sede que seria a própria, pretendendo pura e simplesmente a absolvição!
O pedido cível deduzido pelo assistente/demandante civil Instituto da Segurança Social, I.P., Centro Distrital de Évora, teve por base as condutas praticadas pelo arguido que integravam o crime de abuso de confiança contra a segurança social, assentando na responsabilidade criminal emergente do incumprimento desta específica obrigação legal tributária, que recaía sobre a sociedade Só-aldeias e o seu sócio-gerente, co-arguido, ora recorrente - artigos 6.º e 7.º do RGIT.
Como referiu o acórdão recorrido «As pessoas colectivas e as sociedades são criminalmente responsáveis pelas infracções previstas no RGIT, “quando cometidas pelos seus órgãos ou representantes, em seu nome e no interesse colectivo”, responsabilidade que não exclui a responsabilidade individual dos respectivos agentes (art.° 7 n.°s 1 e 3 do RGIT).
O pedido de indemnização cível formulado nos autos teve lugar em obediência ao princípio da adesão, fundamentado na responsabilidade criminal do arguido.
De acordo com o artigo 129.º do Código Penal, a indemnização de perdas e danos emergentes de um crime é regulada pela lei civil.
Desde cedo a jurisprudência entendeu que tal norma só determina que a indemnização seja regulada “quantitativamente e nos seus pressupostos” pela lei civil, remetendo para os critérios da lei civil relativos à determinação concreta da indemnização, não tratando de questões processuais, que são reguladas pela lei adjectiva penal, nomeadamente nos seus artigos 71.º a 84.º - acórdãos do STJ, de 12-12-1984, BMJ n.º 342, pág. 227; de 06-03-1985, BMJ n.º 345, pág. 213; de 13-02-1986, processo nº 38028; de 06-01-1988, BMJ n.º 373, pág. 264; de 12-01-1995, CJSTJ 1995, tomo 1, pág. 181; de 09-06-1996, processo nº 6/95; de 10-12-1996, CJSTJ 1996, tomo 3, pág. 202 e BMJ, n.º 462, pág. 294; de 09-07-1997, CJSTJ 1997, tomo 2, pág. 260; de 14-11-2002, processo n.º 3316/02-5ª; de 24-11-2005, processo n.º 2831/05-5ª; de 07-03-2007, processo n.º 4596/06-3ª; de 25-06-2008, processo n.º 449/08-3ª; de 03-09-2008, processo n.º 3982/07-3ª; de 15-10-2008, processo n.º 1964/08 - 3ª; de 29-10-2008, processo n.º 3373/08-3ª; de 05-11-2008, processo n.º 3266/08 - 3ª; de 10-12-2008, processo n.º 3638/08 - 3ª [a interdependência das acções significa independência substantiva e dependência (a «adesão») processual da acção cível relativamente ao processo penal]; de 18-02-2009, processo n.º 2505/08 - 3ª; de 25-02-2009, processo n.º 3459/08 - 3ª; de 15-04-2009, processo n.º 3704/08 - 3ª; de 18-06-2009, processo n.º 81/04.8PBBGC.S1-3ª.

Como resulta do artigo 3.º, alínea c), do RGIT, quanto à responsabilidade civil, são aplicáveis subsidiariamente, as disposições do Código Civil e legislação complementar.
De acordo com o princípio geral plasmado no artigo 483.º, n.º 1, do Código Civil «Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação».
Nestes casos de responsabilidade civil conexa com a criminal, a mesma tem a sua génese no crime, sendo um crime o seu facto constitutivo, a causa de pedir da pretensão ressarcitória.
Conforme dispõe o artigo 71.º do Código de Processo Penal o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei.
A dedução em separado, perante o tribunal civil, é possível nos casos previstos no artigo 72.º, não se integrando o pedido em nenhum deles.
A competência do tribunal criminal para conhecer do pedido cível conexo com a acção penal decorre da responsabilidade civil extracontratual do agente que cometa o facto ilícito e culposo.
Neste quadro legal, que é o aplicável, não há lugar a qualquer reversão.
Para melhor percepção do âmbito da responsabilidade subsidiária e do instituto da reversão, vejamos as disposições atinentes constantes da Lei Geral Tributária, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17-12, republicado em anexo à Lei n.º 15/2001 (sendo o artigo 24.º, n.º 1, alínea a), na redacção dada pela Lei n.º 30-G/2000, de 29-12).
Artigo 18.º - Sujeitos
3 – O sujeito passivo é a pessoa singular ou colectiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte directo, substituto ou responsável.
Artigo 20.º - Substituição tributária
1 – A substituição tributária verifica-se quando, por imposição da lei, a prestação tributária for exigida a pessoa diferente do contribuinte.
2 - A substituição tributária é efectivada através do mecanismo da retenção na fonte do imposto devido.
Artigo 22.º - Responsabilidade tributária
2 – Para além dos sujeitos passivos originários, a responsabilidade tributária pode abranger solidária ou subsidiariamente outras pessoas.
3 – A responsabilidade tributária por dívidas de outrem é, salvo determinação em contrário, apenas subsidiária.
Artigo 23.º - Responsabilidade tributária subsidiária
1 - A responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão do processo de execução fiscal.
2 – A reversão contra o responsável subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão.
4 – A reversão, mesmo nos casos de presunção legal de culpa, é precedida de audição do responsável subsidiário nos termos da presente lei e da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação.
Artigo 24.º - Responsabilidade dos membros dos corpos sociais e responsáveis técnicos
1 – Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício de seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.
2. …………………………………………………………………………………
3. ………………………………………………………………………………….

A natureza judicial do processo de execução fiscal é afirmada pelo artigo 103.º, n.º 1, da LGT.
Sobre a extensão da legitimidade passiva na execução fiscal, mais concretamente sobre o chamamento à execução dos responsáveis subsidiários, rege o n.º 2 do artigo 153.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/99, de 26-10, republicado em anexo ao Decreto-Lei n.º 15/2001.
Tal chamamento depende da verificação de qualquer das seguintes circunstâncias: inexistência de bens penhoráveis do devedor e seus sucessores, ou fundada insuficiência, de acordo com os elementos constantes do auto de penhora e outros de que o órgão da execução fiscal disponha, do património do devedor para a satisfação da dívida exequenda e acrescido.
E de acordo com o artigo 159.º do mesmo CPPT, reproduzindo textualmente o que constava do artigo 245.º do anterior CPT, no caso de substituição tributária e na falta ou insuficiência de bens do devedor, a execução reverterá contra os responsáveis subsidiários.
Com a reversão o que ocorre é uma modificação subjectiva da instância, uma ampliação do âmbito subjectivo da instância executiva, através da intervenção de um terceiro (à luz do título executivo extrajudicial donde promana a execução fiscal – certidão extraída do título de cobrança – artigo 162.º, alínea a), do CPPT), mas que também é sujeito passivo da relação tributária, como “responsável” (artigo 18.º, n.º 3, in fine, da LGT), vinculado ao cumprimento da prestação tributária, nos termos do n.º 2 do artigo 23.º da LGT e artigo 153.º, n.º 2, do CPPT, ou seja, no caso de não haver bens penhoráveis do devedor e seus sucessores ou insuficiência de bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários.
A execução reverte assim contra pessoa distinta da que figura no título executivo como devedor, ocorrendo quanto a ela, não os pressupostos do facto tributário, mas da responsabilidade, operando-se a extensão da obrigação de cumprimento da prestação tributária a pessoa diversa do contribuinte directo
O acórdão do Tribunal Constitucional n.º 160/2007 (Plenário), de 6 de Março de 2007, no processo n.º 390/06, não considerou inconstitucional o conjunto normativo que considere que por despacho do Chefe do Serviço de Finanças se efective a reversão no processo de execução fiscal contra responsáveis subsidiários por dívidas fiscais, entendendo-se não constituir a reversão um acto com natureza jurisdicional, consentida pelo artigo 103.º, n.º 1, da LGT.
Ao tempo do vencimento das primeiras cotizações estava em vigor o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 129/84, de 27-04 (complementado pelo Decreto-Lei n.º 374/84, de 29-11), dispondo no artigo 1.º que “A jurisdição administrativa e fiscal é exercida por tribunais administrativos e fiscais, órgãos de soberania com competência para administrar justiça em nome do povo”, e estabelecendo o artigo 3.º que “Incumbe aos tribunais administrativos e fiscais na administração da justiça, assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, reprimir a violação da legalidade e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativas e fiscais”.
E o artigo 4.º, n.º 1, alínea d), exclui da jurisdição administrativa e fiscal os recursos e as acções que tenham por objecto actos relativos ao inquérito e instrução criminais e ao exercício da acção penal.
Este diploma veio a ser revogado pela Lei n.º 13/2002, de 19-02, republicada em anexo à Lei n.º 107-D/2003, de 31-12 e que entrou em vigor em 01-01-2004, cujo artigo 1.º, n.º 1, dispõe que “Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”.
Segundo o artigo 212.º, n.º 3, da CRP, introduzido pela revisão de 1989, compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.
E segundo o artigo 211.º, n.º 1, os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais.
No caso em apreciação não tem lugar a figura de reversão, própria do processo executivo e que tem por objectivo chamar à acção executiva quem à luz do título executivo não é parte (cfr. artigos 55.º, n.º 1, do CPC e 153.º, n.º s 1 e 2 do CPPT), situação completamente diversa da presente em que o recorrente é demandado ab initio, numa acção com estrutura declarativa, sendo contra si invocada uma concreta causa de pedir e formulado um pedido concreto, que pode impugnar nos termos gerais consentidos em processo penal.
Na execução fiscal o devedor substituto não figura no título de cobrança do tributo.
Ao optar pelo exercício da acção conjunta o demandante pretende obter decisão condenatória que, transitada em julgado, assume o papel de título executivo, com a configuração própria do artigo 467.º do Código de Processo Penal.
Aqui o devedor é demandado a título principal, tendo por base a autoria de um crime de que emerge uma conexa responsabilidade civil delitual - artigo 6.º do RGIT- sendo o pedido baseado na obrigação de indemnizar pelos danos causados pela prática de facto ilícito e culposo - artigo 483.º do Código Civil.
Mais do que uma presunção legal de culpa (artigo 23.º, n.º 4, da LGT), invocável em sede de responsabilidade tributária, aqui o pedido de indemnização baseou-se na prática de um facto que à data constituía crime doloso, pois o crime em questão é apenas previsto na forma dolosa (não estando expressamente prevista a punição por negligência, os factos integradores de crime só podem ser punidos se praticados com dolo - artigo 13.º do Código Penal), sendo o pedido substanciado numa causa de pedir de matriz diversa – não em responsabilidade tributária, mas responsabilidade criminal e responsabilidade civil decorrente da prática de um crime, uma responsabilidade extra-contratual, delitual ou aquiliana.
Sendo certo que o Instituto da Segurança Social, IP - Centro Distrital de Évora, podia interpor execução contra a sociedade arguida, antes de declarada insolvente, possuindo quanto a ela título executivo, podendo ainda nessa sede requerer a reversão contra os respectivos representantes legais, reunidos que fossem os necessários requisitos, nada impede que faça uso da faculdade conferida em processo penal do princípio da adesão.
Os crimes tributários, e é disso que se trata, são julgados nos tribunais criminais, e não nos tribunais administrativos e fiscais.
Sendo diversos os sujeitos numa e noutra demanda – pelo menos, os originários – e a causa de pedir (a pretensão deduzida nas execuções fiscais e a pretensão formulada no presente processo não procedem do mesmo facto jurídico – cfr. artigo 498.º, n.º 4, do CPC), bem como o pedido, pois a indemnização aqui impetrada não se destina a liquidar uma obrigação tributária para com a segurança social, nem se poderia colocar a questão de configuração da excepção dilatória da litispendência.
E mesmo que o demandante use dessa opção, não haverá lugar a condenação em custas, nos termos do artigo 449.º, n.º 2, alínea c), do CPC, pois que o título de cobrança não tem manifesta força executiva contra o responsável subsidiário, de tal modo que há que fazê-lo intervir no processo, e por outro lado, a acção enxertada tem uma configuração e alcance muito mais amplo do que a exercitada no executivo, pois não está em causa uma presunção legal de culpa, mas uma imputada, em sede criminal, intenção criminosa.
A competência do tribunal criminal para conhecer da acção penal e da conexa acção cível enxertada não se confunde com a competência dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal em processo de execução.
Nestes casos não está em causa apurar da responsabilidade do recorrente perante os credores sociais, quando pela inobservância culposa das disposições legais ou contratuais destinadas à protecção desses credores, o património social se torne insuficiente para a satisfação dos respectivos créditos - n.º 1 do artigo 78.º do Código das Sociedades Comerciais -, mas de apurar a sua responsabilidade civil pela prática de ilícito de natureza criminal que não foi objecto de condenação, que não exige o preenchimento dos pressupostos referidos.
Conclui-se assim que o tribunal criminal tem competência em razão da matéria para julgar a acção cível interposta pelo ISS, não havendo lugar neste tipo de processos à figura da reversão.
Improcedem, assim, as conclusões D e G.

Decisão

Pelo exposto, acordam nesta 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, em julgar improcedente o recurso interposto pelo recorrente arguido/demandado AA, no que concerne à alegação de vícios decisórios, sendo rejeitado quanto às três aludidas questões, mantendo-se a decisão recorrida na parte cível.
Custas pelo demandado, ora recorrente, de acordo com as normas do processo civil, aplicáveis ex vi do artigo 523.º do Código de Processo Penal.
Consigna-se que foi observado o disposto no artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
Lisboa, 15 de Setembro de 2010

Raul Borges (relator) *
Fernando Fróis