Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2784/20.0T8STB-B.E1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: JOÃO CURA MARIANO
Descritores: LIVRANÇA
PREENCHIMENTO ABUSIVO
PACTO DE PREENCHIMENTO
ÓNUS DA PROVA
AVALISTA
INSOLVÊNCIA
LISTA DE CRÉDITOS RECONHECIDOS E NÃO RECONHECIDOS
EXECUÇÃO
Data do Acordão: 07/13/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
Recai sobre o avalista de uma livrança o ónus da prova de que o preenchimento da livrança foi abusivo face ao conteúdo do pacto firmado entre ele e o credor portador da livrança.
Decisão Texto Integral:

I - Relatório

A Exequente deduziu execução para pagamento de quantia certa contra o Executado e outros, reclamando o pagamento de € 1.139.000,56, correspondente ao valor de duas livranças (€ 928.357.56 + 93.637,56), juros de mora de 4.10.2018 a 11.05.2020 (€ 60.343,24 + € 6.086,42) Imposto de Selo (468,19 + € 4.641,79) e comissões da 2.ª livrança (€. 45.466,19).

Apresentou como títulos executivos duas livranças subscritas por R..., S.A., a favor da Caixa Geral de Depósitos e avalizadas, além de outros, pelo Executado, complementadas por contratos de cessão de créditos garantidos por aquelas livranças.

O Executado deduziu oposição à execução, alegando, além do mais, que os montantes a título de capital peticionados não podem exceder os montantes reclamados a título de capital na insolvência da R..., S.A..

A Exequente contestou os embargos, alegando, em síntese, o seguinte:

- O Executado não desconhece nem podia desconhecer que, enquanto garante e avalista das operações da Sociedade R..., S.A., de que era Administrador, em caso de incumprimento dos contratos celebrados por falta de pagamento se constituíra na obrigação de pagamento dos valores que se viessem a apurar em dívida;

- O próprio pacto de preenchimento constante dos referidos contratos por si assinado atesta expressamente a existência de livranças em branco subscritas pela sociedade mutuária, tendo sido concedida ao Banco Mutuante, a Caixa Geral de Depósitos a sua autorização expressa para preencher as mesmas no que se refere às datas de emissão e de vencimento, local de pagamento e valor, o qual corresponderá aos créditos que o Banco seja titular por força do contrato em causa; Tendo sido, nessas mesmas circunstâncias e ao abrigo desse pacto de preenchimento, as livranças avalizadas pelo Executado, ora Embargante;

- A circunstância da data aposta no vencimento das livranças ser posterior à declaração de insolvência da sociedade R..., SA., não exclui a responsabilidade do executado, avalista pelo pagamento dos valores em dívida, uma vez que o preenchimento das livranças resultou tão somente do incumprimento das obrigações por si garantidas;

- As livranças não tinham que ser preenchidas, nomeadamente no que respeita à data do seu vencimento, na data da declaração de insolvência da empresa R..., SA.

O Executado Embargante respondeu, pedindo a condenação da Exequente como litigante de má-fé.

Na fase de condensação do processo foi proferido despacho em 23.03.2021, em se decidiu que, não tendo sido alegada a interpelação do Executado Embargante pela Exequente, não eram devidos os juros de mora sobre os valores das livranças, peticionados no requerimento executivo, no montante de € 60.343,24, relativamente à livrança n.º ...85 e de € 6.086,42, relativamente à Livrança N.º ...91, fixando-se a quantia exequenda em € 1.072.570,90.

Decidiu-se ainda que o valor de € 45.466,19 pedido a título de comissões e os valores reclamados a título de imposto de selo não podiam ser peticionados, uma vez que os mesmos já se encontravam incluídos no valor aposto nas livranças, reduzindo-se a quantia exequenda para o montante de € 1.021.994,73, ou seja, a soma do valor aposto nas livranças.

Realizada a audiência de julgamento veio a ser proferida sentença que, tendo em consideração que no processo de insolvência da R..., S.A., para liquidação dos créditos garantidos pelas duas livranças aqui dadas à Execução, foram-lhe pagos € 921.519,08 (€ 835.661,23 + € 85.857,85) a quantia exequenda ficava reduzida a € 100.475,65, julgando-se improcedente o pedido de condenação da Exequente como litigante de má fé.

Desta decisão foi interposto recurso para o Tribunal ... que, por acórdão proferido em 24 de fevereiro de 2022, julgou parcialmente procedente a apelação, considerando extinta a execução, mas mantendo a decisão quanto à inexistência de má fé.

Deste acórdão recorre agora a Exequente para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo concluído as alegações do seguinte modo:

1. A Recorrente não se conforma com a douta decisão do Tribunal “a quo” que deu provimento ao recurso do Recorrido decidindo:” Pelo exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação, mantendo-se o decidido quanto à litigância de má-fé e, revogando-se quanto ao mais a decisão recorrida que substitui por outra que declara extinta a execução.”

2. O douto Acórdão recaiu sobre a decisão do Tribunal de primeira instância, que julgou parcialmente procedentes os embargos deduzidos pelos executados, reduzindo a quantia exequenda para o montante de € 100.475,65 (cem mil quatrocentos e setenta e cinco euros e sessenta e cinco cêntimos) e que julgou ainda improcedente o pedido de condenação da exequente como litigante de má-fé.

3. O acórdão recorrido fundamenta-se em erro de aplicação do direito na sentença proferida pelo tribunal de 1ª instância.

4. No entanto e salvo melhor opinião, a ora recorrente discorda deste entendimento.

5. Com efeito, a douta sentença proferida em primeira instância, julgou procedente a condenação dos executados no remanescente em dívida, que se fixou em 100.475,65€, depois de reduzido o pedido inicial, atentas as amortizações decorrentes do processo de insolvência.

6. Sendo que o executado alegou que esse montante não se mostrava devido uma vez que os montantes recebidos pela R..., SA do Proder deveriam ter sido alocados à amortização do contrato nº ...92, o que não veio a suceder.

7. Por outro lado, alegou ainda que na alteração a esse contrato ficou estabelecido que a sociedade não poderia utilizar a conta a débito, pelos que apenas se podem considerar os montantes creditados da conta e estes são suficientes para liquidação do remanescente do empréstimo.

8.    E por último, e no que respeita ao contrato com o nº ...91, a Caixa Geral de Depósitos, SA não poderia cobrar comissões.

9. Ora, tal fundamentação, por força da prova documental junta aos autos, designadamente do teor dos contratos celebrados entre as partes, não mereceu colhimento pelo Tribunal de primeira instância.

10. Uma vez que, no que respeita á primeira questão: “consta da alteração ao contrato nº ...92, que se o empréstimo consistir em antecipação das próprias ajudas, estas ficarão automaticamente indisponíveis na mencionada conta, logo que creditadas; nos restantes casos, a CGD fica com a faculdade de, mediante aviso à CLIENTE, proceder à indisponibilização quando o entender necessário ou conveniente (cláusula 20.3 c).No caso concreto desconhece-se se o empréstimo consistiu na antecipação de qualquer ajuda, pelo que resta a possibilidade de a caixa o fazer, não sendo uma obrigação do banco. “

11. No que concerne à segunda questão, a sentença recorrida consignou que “consta dessa mesma alteração ao contrato que era pretensão da CLIENTE proceder a alteração contratual, nomeadamente, impossibilitar novas utilizações a débito, bem como reforçar as garantias prestadas com constituição de hipoteca genérica (considerando II). No entanto, nada consta do contrato que impeça a c..., SA) de proceder a movimentos a débito, não sendo suficiente para o efeito o referindo considerando, pelo que o Embargante é responsável pelo pagamento das quantias em dívida.“

12. E ainda no que respeita ao último tema referente às comissões, igualmente bem andou o tribunal ao considerar que: “conforme se provou (facto12.), o que consta do contrato nº ...91 é que este fica isento do pagamento de comissões (cláusula 12.) mas que em caso de mora a Caixa poderia cobrar essas comissões (cláusula 16.) (no caso o contrato foi mesmo incumprido) e preencher a livrança com a totalidade das responsabilidades, incluindo comissões (cláusula 24.1 b)”.

13. Ou seja, por força das disposições contratuais, aplicáveis ao executado, na qualidade de avalista, o remanescente em dívida mostra-se exigível.

14. Sendo que, salvo melhor entendimento o douto acórdão proferido não coloca em crise as considerações acima referidas.

15. Todavia, suscita a questão de que “A sentença teve em consideração o ressarcimento da exequente no âmbito do processo de insolvência, mas desconsiderou os valores reclamados em sede de reclamação de créditos, naquele.”

16. Entendendo que, a declaração de insolvência determina a exigibilidade imediata da dívida do insolvente.

17. E que em consequência, “... tendo-se dado tão só o vencimento da dívida por força de tal declaração nos termos do art. 91º, 1 CIRE (vencimento ope legis), o credor tem legitimidade para preencher o título mas pelo valor que estiver em dívida em tal momento.”

18. Acontece que, e com o devido respeito, a ora Recorrente não pode aceitar a argumentação ora apresentada.

19. Com efeito, nos contratos em apreço nos autos, nomeadamente no contrato de abertura de crédito em conta corrente (Contrato n.º ...92), outorgado a 4 de novembro de 2011, no contrato de abertura de crédito com aval (Contrato n.º ...91), outorgado a 11 de janeiro de 2012, consta expressamente o pacto de preenchimento das livranças avalizadas pelo executado.

20. Designadamente nas cláusulas 23. e 24. respetivamente, as quais expressamente referem que: “LIVRANÇA EM BRANCO:

21. 1. Para titular e assegurar o pagamento às responsabilidades decorrentes do empréstimo, a cliente e os avalistas atrás identificados para o efeito entregam à Caixa, neste ato, uma livrança com o montante e vencimento em branco, devidamente datada, subscrita pela primeira e avalizada pelos segundos, e autorizam desde já a Caixa a preencher a sobredita livrança, quando tal se mostre necessário, a juízo da própria caixa, tendo em conta nomeadamente o seguinte:

a) a data de vencimento será fixada pela caixa quando, em caso de incumprimento pelo cliente das obrigações assumidas, a Caixa decida preencher a livrança;

b) a importância da livrança corresponderá ao total das responsabilidades decorrentes do presente empréstimo, nomeadamente em capital, juros remuneratórios e moratórios, comissões, despesas e encargos fiscais, incluindo os da própria livrança.”

22. Ou seja, os avalistas, e no caso em apreço o executado embargante, expressamente aceitaram os termos do pacto de preenchimento da livrança.

23. Assistindo assim à CGD, SA ou àquele a quem o crédito viesse a ser transmitido o direito de preencher as livranças quando o considerasse necessário e nelas inscrever o montante em conformidade com o acordado, nomeadamente inscrevendo o valor em dívida na data do preenchimento.

24. E consequentemente nos termos gerais do aval, responsabilizando o embargante pelo seu pagamento.

25. Sendo certo que, no que respeita ao montante de juros peticionados e outras despesas, o tribunal de primeira instância, por douto despacho de 23-03-21, efetivamente reduziu a quantia peticionada pela ora recorrente, para o montante total da dívida exequenda de € 1.021.994,73.

26. Nomeadamente, por entender que não são devidos os juros desde 04.10.2018 e até 01.05.2020.

27. Razão pela qual, não obstante a amortização decorrente do pagamento em sede de insolvência, manteve-se em dívida a quantia de € 100.475,65, a qual mostra-se exigível.

28. Acresce que, não se vislumbra como pode o douto acórdão recorrido considerar a cobrança do remanescente em dívida como uma duplicação de valor em favor do credor.

29. Sendo certo que, e uma vez que o montante apurado em sede de insolvência, não foi suficiente para liquidar a dívida exequenda, não se compreende o motivo pelo qual a execução - que tem por base um título preenchido em conformidade com o respetivo pacto - não poderá prosseguir até à integral cobrança do valor em dívida.

30. Penalizando-se o credor no seu ressarcimento e no seu direito de crédito, designadamente no que respeita a valores referentes a comissões, as quais o tribunal de primeira instância entendeu serem devidas.

31. Termos em que se deverá julgar procedente por provado o presente recurso de revista e por via dela anular-se o Acórdão recorrido, confirmando-se integralmente a decisão proferida pelo Tribunal de primeira instância.

Nestes termos e nos mais de direito, requer-se a V. Exas que admitam, por provado, o presente recurso de revista e determinem a revogação do acórdão recorrido e confirmem na íntegra a sentença do Tribunal de primeira instância.

O Executado respondeu, sustentando a manutenção do acórdão recorrido.

                                               *

II – Objeto do recurso

Tendo em consideração as alegações do recorrente e o conteúdo da decisão recorrida cumpre  apreciar se o Executado, na condição de avalista das livranças dadas à Execução, está obrigado a pagar o montante nelas inscrito deduzido do valor que lhe foi pago no processo de insolvência da subscritora dessas livranças.

                                               *

III – Os factos

Neste processo encontram-se provados os seguintes factos:

1. Por escritura pública, celebrada em 4 de Outubro de 2018, a “Caixa Geral de Depósitos, S.A.” (CGD), cedeu à “C...”, um conjunto do créditos vencidos de que era titular, conforme Escritura Pública e respetivo Documento Complementar, juntos ao processo executivo sob a designação de Doc. nº 1 e se dão por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.

2. Pela escritura pública supra mencionada foram cedidos à C... os créditos sobre os aqui Requeridos-Executados, conforme documento junto ao processo executivo sob a designação de Doc. n.º 2 e que se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.

3. A mencionada cessão de créditos incluiu a transmissão, relativamente a cada um dos créditos, de todos os direitos, garantias e direitos acessórios a eles inerentes.

4. Posteriormente, por escritura pública, celebrada em 29 de Abril de 2019, a “C...”, cedeu à ora Requerente-Exequente um conjunto do créditos vencidos de que era titular, conforme Escritura Pública e respetivo Documento Complementar juntos ao processo executivo sob a designação de Doc. n.º 3 e se dão por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.

5. Pela escritura pública supra mencionada foram cedidos à aqui Requerente-Exequente os créditos sobre os aqui Requeridos - Executados (supra referidos).

6. A mencionada cessão de créditos incluiu a transmissão, relativamente a cada um dos créditos, de todos os direitos, garantias e direitos acessórios a eles inerentes.

7. A exequente é a legítima dona e proprietária (leia-se “portadora”) de 2 livranças preenchidas, subscritas pela sociedade R..., S.A., a qual foi declarada insolvente em 07/06/2017, - no processo n.º 1477/16...., do Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo Local Cível ... - Juiz ... - e avalizadas pelos executados.

8 [1]. As referidas livranças, juntas aos autos, mostram-se preenchidas pelos seguintes valores:

A) livrança n.º ...85 - € 928.357,56;

B) Livrança N.º ...91 - € 93.637,17;

9. A sociedade R..., S.A., celebrou com a Caixa Geral de Depósitos, S.A. dois contratos, um de abertura de crédito em conta corrente, o Contrato n.º ...92, celebrado a 4-11-2011 e alterado a 26-12-2013, e um de abertura de crédito com aval, o Contrato n.º ...91, celebrado a 11.01.2012.

10. Consta do contrato de abertura de crédito em conta corrente, n.º ...92, celebrado a 4-11-2011 e alterado a 26-12-2013, o qual se mostra junto a este apenso a fls. 20 a 28 e se dá por integralmente reproduzido, nomeadamente o seguinte:

“19 A. INCUMPRIMENTO/EXIGIBILIDADE ANTECIPADA:

19 A.1 – A CAIXA poderá considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o seu imediato pagamento no caso de, designadamente:

(…) f) Insolvência da CLIENTE e/ou AVALISTAS, ainda que não judicialmente declarada, ou diminuição das garantias de crédito; (…)

23. LIVRANÇA EM BRANCO

23.1 - Para titular e assegurar o pagamento de todas as responsabilidades decorrentes do empréstimo, a CLIENTE e os AVALISTAS atrás identificados para o efeito entregam à CAIXA, neste ato, uma livrança com montante e vencimento em branco, devidamente datada, subscrita pela primeira e avalizada pelos segundos, e autorizam desde já a CAIXA a preencher a sobredita livrança, quando tal se mostre necessário, a juízo da própria CAIXA, tendo em conta, nomeadamente, o seguinte:

a) A data de vencimento será fixada pela CAIXA quando, em caso de incumprimento pela CLIENTE das obrigações assumidas, a CAIXA decida preencher a livrança;

b) A importância da livrança corresponderá ao total das responsabilidades decorrentes do presente empréstimo, nomeadamente em capital, juros remuneratórios e moratórios, comissões, despesas e encargos fiscais, incluindo os da própria livrança.”

11. Da alteração ao referido contrato, consta nomeadamente, o seguinte:

“II - Pretende agora a CLIENTE proceder a alteração contratual, nomeadamente, impossibilitar novas utilizações a débito, bem como reforçar as garantias prestadas com constituição de hipoteca genérica (…).

20. GARANTIAS

20.1- AVAL: Todas e quaisquer quantias que sejam ou venham a ser devidas à CAIXA pela CLIENTE no âmbito do presente contrato, quer a título de capital, quer de juros, remuneratórios ou moratórios, comissões, despesas ou quaisquer outros encargos ficam garantidas pelo aval prestado na livrança prevista no nº 23, caso a CAIXA decida proceder ao seu preenchimento, de acordo com o pacto de preenchimento ali convencionado.(…)

20.3 - CONSIGNAÇÃO DE SUBSÍDIOS OU OUTRAS AJUDAS NACIONAIS OU COMUNITÁRIA n.º ...91, celebrado a 11-01-2012.

(…) c) Se o empréstimo consistir em antecipação das próprias ajudas, estas ficarão automaticamente indisponíveis na mencionada conta, logo que creditadas; nos restantes casos, a CGD fica com a faculdade de, mediante aviso à CLIENTE, proceder à indisponibilização quando o entender necessário ou conveniente.”

12. Consta do contrato de abertura de crédito com aval, o Contrato n.º ...91, celebrado a 11 de Janeiro de 2012, o qual se mostra junto a este apenso a fls. 28 verso a 31 e se dá por integralmente reproduzido, nomeadamente o seguinte:

“12. COMISSÕES

O presente contrato fica isento do pagamento de qualquer comissão, sem prejuízo, no entanto, do direito da CGD à cobrança dos custos e encargos associados à contratação do financiamento, designadamente os relativos a avaliações, registos e escrituras, impostos ou taxas e outras despesas similares.(…)

16. MORA

Em caso de mora, a CAIXA poderá cobrar, sobre o capital exigível e juros correspondentes aos períodos mínimos legalmente previstos, comissões e outros encargos, juros calculados à taxa mais elevada de juros remuneratórios (…).

20. INCUMPRIMENTO/EXIGIBILIDADE ANTECIPADA:

20.1 – A CAIXA poderá considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o seu imediato pagamento no caso de, designadamente:

(…) f) Insolvência da CLIENTE e ou dos AVALISTAS, ainda que não judicialmente declarada, ou diminuição das garantias de crédito; (…)

24. LIVRANÇA EM BRANCO

24.1- Para titular e assegurar o pagamento de todas as responsabilidades decorrentes deste contrato, a CLIENTE e os AVALISTAS atrás identificados para o efeito entregam à CAIXA, neste ato, uma livrança com montante e vencimento em branco, devidamente datada, subscrita pela primeira e avalizada pelos segundos, e autorizam desde já a CAIXA a preencher a sobredita livrança, quando tal se mostre necessário, a juízo da própria CAIXA, tendo em conta, nomeadamente, o seguinte:

a) A data de vencimento será fixada pela CAIXA quando, em caso de incumprimento pela DEVEDORA das obrigações assumidas, a CAIXA decida preencher a livrança;

b) A importância da livrança corresponderá ao total das responsabilidades decorrentes do presente empréstimo, nomeadamente em capital, juros remuneratórios e moratórios, comissões, despesas e encargos fiscais, incluindo os da própria livrança.”

13. No âmbito do processo nº 1477/16...., em que foi declarada insolvência da sociedade R..., SA., a CGD reclamou, a 10 de Julho de 2017, entre outros, os seguintes créditos:

- relativo ao contrato de abertura de crédito em conta corrente n.º ...92, no montante de € 835.661,23.

- relativo ao contrato de abertura de crédito com aval n.º ...91, no montante de € 85.857,85.

14. Os quais lhe foram reconhecidos.

15. No dia 29-02-2016, a R..., SA. recebeu do PRODER1 € 412.083,93.

16. Por requerimento junto ao processo de insolvência da R..., SA. pela Caixa Geral de Depósitos, SA, em 10-07-2017, veio esta informar que os valores em dívida quanto aos contratos em causa nestes autos eram os seguintes:

- contrato de abertura de crédito em conta corrente celebrado em 4-11-2011, objeto de alteração em 26-12-2013, até ao montante de capital de € 1.200.000,00 - € 835.661,23;

-contrato de abertura de crédito em conta corrente celebrado em 11-01-2012, até ao montante de capital de € 250.000,00 - € 85.857,85.

17. Sendo o montante total em dívida pela referida sociedade, relativamente a todos os contratos, de € 8.388.785,17.

18. Por requerimento junto ao processo de insolvência da R..., SA., pela própria insolvente, em 14-10-2020, veio esta requer o seguinte:

“O Devedor, ora Insolvente, nos termos do artigo 783.º do Código Civil e em conformidade com a jurisprudência constante do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 24 de Janeiro de 2017, vem pela presente fazer a imputação do montante de € 2.240.042,65 (dois milhões duzentos e quarenta mil e quarenta e dois euros e sessenta e cinco cêntimos), da seguinte forma:

i) € 835.661,23 (oitocentos e trinta e cinco mil seiscentos e sessenta e um euros e vinte e três cêntimos) para liquidação integral do crédito reconhecido e identificado na Relação de Créditos Reconhecidos junta nos presente autos com o valor total de € 835.661,23, com o fundamento de Contrato de Abertura de Crédito em Conta Corrente (de utilização simples) n.º ...92 celebrado em 4/11/2011 e alterado em 26/12/2013, garantido por ambas as hipotecas referidas no artigo 11 do presente requerimento;

ii) € 85.857,85 (oitenta e cinco mil oitocentos e cinquenta e sete euros e oitenta e cinco cêntimos) para liquidação integral do crédito reconhecido e identificado na Relação de Créditos Reconhecidos junta nos presente autos com o valor total de € 85.857,85, com o fundamento de Contrato de Abertura de Crédito com Aval n.º ...91 celebrado em 11/01/2012 garantido pela hipoteca referida na alínea a) do artigo 11 do presente requerimento;

iii) O remanescente para liquidação parcial do crédito reconhecido e identificado na Relação de Créditos Reconhecidos junta nos presente autos com o valor total de € 1.731.890,58 (um milhão setecentos e trinta e um mil oitocentos e noventa euros e cinquenta e oito cêntimos), com o fundamento de Contrato de Mútuo celebrado em 26/12/20133 garantido pela hipoteca referida na alínea b) do artigo 11 do presente requerimento.”

19. Sobre este requerimento foi, em 20.10.2020, proferido o seguinte despacho:

“Uma vez transitada em julgado a sentença que julgou prestadas as contas do Sr(a). Administrador(a) de Insolvência, deverão os autos ir à conta e após proceder-se ao rateio final nos termos do artigo 182.º do CIRE, o que se ordena, devendo o Sr(a). Administrador(a) de Insolvência ter em consideração o teor do requerimento que antecede. Notifique.”

20. A Sra. AI apresentou proposta de rateio, tendo a aqui Exequente sido paga no montante de € 1.942.500,22 pela venda de imóveis e no montante de € 652.978,78 pela venda de bens móveis.

21. Informando ainda a Sra. AI, em 12.11.2020, que o rateio foi elaborado conforme requerimento de 14.10.2020 e conclusão de 20.10.2020.

22. A livrança dada à execução com o número ...85 serviu de garantia ao Empréstimo com o n.º PT ...92.

23. A livrança dada à execução com o número ...91 serviu de garantia ao Empréstimo com o nº. PT ...91.

                                               *

IV – O direito aplicável

A Exequente é portadora de duas livranças, subscritas por R..., S.A., emitidas a favor da Caixa Geral de Depósitos, S.A., avalizadas pelo Executado.

A livrança n.º ...85, apresenta o valor de € 928.357,56, enquanto a livrança n.º  ...91 apresenta o valor de € 93.637,17.

A primeira foi subscrita pela R..., S.A., e avalizada pelo Executado, em branco, para garantir o pagamento dos empréstimos que a Caixa Geral de Depósitos fizesse à subscritora, ao abrigo do contrato de abertura de crédito em conta corrente celebrado com esta sociedade em 04.11.2011, com o n.º PT ...92, até ao montante de capital de 1.200.000,00 €, enquanto a segunda, também subscrita e avalizada em branco, pelos mesmos, visou garantir o pagamento dos empréstimos efetuados ao abrigo do contrato  de abertura de crédito em conta corrente celebrado em 11-01-2012, com o nº. PT ...91, até ao montante de capital de € 250.000,00.

Em 07.06.2017 foi declarada a insolvência de R..., S.A., o que, nos termos do artigo 116.º do CIRE determinou o termo daqueles dois contratos de abertura de crédito e o encerramento das respetivas contas correntes, assim como o vencimento dos saldos destas (artigo 91.º, n.º 1, do CIRE).

No processo de insolvência foram reconhecidos os créditos de € 835.661,23, relativo ao contrato de abertura de crédito em conta corrente celebrado em 4.11.2011, com o n.º PT ...92, objeto de alteração em 26.12.2013, até ao montante de capital de € 1.200.000,00; e de € 85.857,85, relativo ao contrato de abertura de crédito em conta corrente celebrado em 11.01.2012, com o nº. PT ...91, até ao montante de capital de € 250.000,00, reclamados pela CGD [2].

O valor destes créditos foram integralmente pagos à Exequente no processo de insolvência.

Enquanto a sentença da 1.ª instância entendeu que o Executado, na qualidade de avalista das livranças subscritas pela R..., S.A., para garantia do pagamento dos saldos das referidas contas correntes estava obrigado a pagar a diferença entre o valor dessas livranças e o valor recebido no processo de insolvência, no montante de € 100.475,65,  o acórdão recorrido, tendo considerado que a Exequente só tinha direito a receber do Executado o valor dos créditos vencido à data da sua exigibilidade, ou seja à data da insolvência da subscritora das livranças, julgou extinta a execução, uma vez que esse valor já lhe havia sido liquidado no processo de insolvência.

No presente recurso, o Executado sustenta que se repristine o decidido pela primeira instância.

Estamos perante um caso em que o cessionário de dois direitos de crédito com origem em dois contratos de abertura de crédito em conta corrente, vem executar um avalista de duas livranças subscritas em branco pelo devedor, reclamando o pagamento do valor dessas livranças [3].

Previamente, convém referir que, apesar de estarmos perante o aval de livranças em branco que garantem o reembolso das quantias mutuadas ao subscritor destes títulos cambiários por contratos de abertura de crédito em conta corrente, não estamos perante a assunção de uma obrigação indeterminável, abrangida pela sanção da nulidade, nos termos previstos no artigo 280.º, n.º 1, do Código Civil, uma vez que a concessão de créditos tinha limites quantitativos estabelecidos.

Como é sabido, atenta a natureza autónoma do aval cambiário, o avalista não pode opor ao portador de uma livrança os meios pessoais de defesa do subscritor da livrança, nos termos do artigo 17.º, aplicável ex vi do artigo 77.º, ambos da LULL. Ao avalista apenas é lícito opor as exceções derivadas da relação que se tenha estabelecido entre si e o portador da livrança.

Contudo, esta inoponibilidade não é absoluta, pois tem-se entendido que a autonomia do aval cambiário não obsta a que o avalista possa opor ao portador a exceção de liberação, por extinção da obrigação do avalizado pelo pagamento [4].

Daí que ambas as instâncias neste processo tenham relevado e retirado consequências do pagamento dos créditos garantidos pela subscrição das livranças apresentadas à execução no processo de insolvência da subscritora das livranças

O que as dividiu, perante a constatação de que os montantes pagos à Exequente no processo de insolvência eram inferiores aos valores inseridos nas livranças subscritas e avalizadas em branco, foi o de saber se estes últimos valores pecavam por excesso face ao conteúdo dos pactos de preenchimento dessas livranças

Tendo esses pactos sido subscritos pelo primitivo credor (a CGD) e pelo Executado avalista, o seu desrespeito pode ser invocado por este último como meio de defesa, nos termos do artigo 10.º da LULL, uma vez que invoca o conteúdo da relação estabelecida entre ambos no momento da aposição do aval e não um meio pessoal de defesa do subscritor da livrança [5], sendo certo que o cessionário dos créditos – a Exequente - sucedeu na posição daquele primitivo credor.

Recai sobre o avalista o ónus da prova de que o preenchimento da livrança foi abusivo face ao conteúdo do pacto firmado entre ele e o primitivo credor.

 Em ambos os contratos de abertura de crédito em conta-corrente assinados pela CGD (a “Caixa”), o credor mutuante, R..., S.A., a mutuária e subscritora das livranças (a “Cliente”), e os avalistas destas (os “Avalistas”), entre os quais se conta o Executado, acordou-se no seguinte:

Para titular e assegurar o pagamento de todas as responsabilidades decorrentes deste contrato, a CLIENTE e os AVALISTAS atrás identificados para o efeito entregam à CAIXA, neste ato, uma livrança com montante e vencimento em branco, devidamente datada, subscrita pela primeira e avalizada pelos segundos, e autorizam desde já a CAIXA a preencher a sobredita livrança, quando tal se mostre necessário, a juízo da própria CAIXA, tendo em conta, nomeadamente, o seguinte:

a) A data de vencimento será fixada pela CAIXA quando, em caso de incumprimento pela DEVEDORA das obrigações assumidas, a CAIXA decida preencher a livrança;

b) A importância da livrança corresponderá ao total das responsabilidades decorrentes do presente empréstimo, nomeadamente em capital, juros remuneratórios e moratórios, comissões, despesas e encargos fiscais, incluindo os da própria livrança.

Encontra-se provado neste processo o seguinte:

16. No âmbito do processo nº 1477/16...., em que foi declarada insolvência da sociedade R..., SA., a CGD reclamou, a 10 de Julho de 2017, entre outros, os seguintes créditos:

- relativo ao contrato de abertura de crédito em conta corrente n.º ...92, no montante de € 835.661,23.

- relativo ao contrato de abertura de crédito com aval n.º ...91, no montante de € 85.857,85.

17. Por requerimento junto ao processo de insolvência da R..., SA. pela Caixa Geral de Depósitos, SA, em 10-07-2017, veio esta informar que os valores em dívida quanto aos contratos em causa nestes autos eram os seguintes:

- contrato de abertura de crédito em conta corrente celebrado em 4-11-2011, objeto de alteração em 26-12-2013, até ao montante de capital de € 1.200.000,00 - € 835.661,23;

- contrato de abertura de crédito em conta corrente celebrado em 11-01-2012, até ao montante de capital de € 250.000,00 - € 85.857,85.

18. Por requerimento junto ao processo de insolvência da R..., SA., pela própria insolvente, em 14-10-2020, veio esta requer o seguinte:

“O Devedor, ora Insolvente, nos termos do artigo 783.º do Código Civil e em conformidade com a jurisprudência constante do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 24 de Janeiro de 2017, vem pela presente fazer a imputação do montante de € 2.240.042,65 (dois milhões duzentos e quarenta mil e quarenta e dois euros e sessenta e cinco cêntimos), da seguinte forma:

i) € 835.661,23 (oitocentos e trinta e cinco mil seiscentos e sessenta e um euros e vinte e três cêntimos) para liquidação integral do crédito reconhecido e identificado na Relação de Créditos Reconhecidos junta nos presente autos com o valor total de € 835.661,23, com o fundamento de Contrato de Abertura de Crédito em Conta Corrente (de utilização simples) n.º ...92 celebrado em 4/11/2011 e alterado em 26/12/2013, garantido por ambas as hipotecas referidas no artigo 11 do presente requerimento;

ii) € 85.857,85 (oitenta e cinco mil oitocentos e cinquenta e sete euros e oitenta e cinco cêntimos) para liquidação integral do crédito reconhecido e identificado na Relação de Créditos Reconhecidos junta nos presente autos com o valor total de € 85.857,85, com o fundamento de Contrato de Abertura de Crédito com Aval n.º ...91 celebrado em 11/01/2012 garantido pela hipoteca referida na alínea a) do artigo 11 do presente requerimento;

iii) O remanescente para liquidação parcial do crédito reconhecido e identificado na Relação de Créditos Reconhecidos junta nos presente autos com o valor total de € 1.731.890,58 (um milhão setecentos e trinta e um mil oitocentos e noventa euros e cinquenta e oito cêntimos), com o fundamento de Contrato de Mútuo celebrado em 26/12/20133 garantido pela hipoteca referida na alínea b) do artigo 11 do presente requerimento.”

19. Sobre este requerimento foi, em 20.10.2020, proferido o seguinte despacho:

“Uma vez transitada em julgado a sentença que julgou prestadas as contas do Sr(a). Administrador(a) de Insolvência, deverão os autos ir à conta e após proceder-se ao rateio final nos termos do artigo 182.º do CIRE, o que se ordena, devendo o Sr(a). Administrador(a) de Insolvência ter em consideração o teor do requerimento que antecede. Notifique.”

20. A Sra. AI apresentou proposta de rateio, tendo a aqui Exequente sido paga no montante de € 1.942.500,22 pela venda de imóveis e no montante de € 652.978,78 pela venda de bens móveis.

Destes factos resulta que a Exequente, na qualidade de cessionária dos créditos da CGD, obteve o pagamento do valor dos mesmos, por esta última reclamado no processo de insolvência da devedora e subscritora das livranças.

No entanto, nos pactos de preenchimento consta que o valor que a CGD tinha a faculdade de inserir nas livranças subscritas e avalizadas em branco, corresponderia ao total das responsabilidades decorrentes do presente empréstimo, nomeadamente em capital, juros remuneratórios e moratórios, comissões, despesas e encargos fiscais, incluindo os da própria livrança, não resultando que o mutuante, ao preencher as livranças subscritas e avalizadas em branco,  estivesse limitado ao valor que estivesse em dívida no momento em que se verificasse a exigibilidade do crédito, designadamente na data da insolvência do mutuário, caso esta se verificasse, como sustentam o acórdão recorrido e o Recorrente.

Os pactos de preenchimento firmados pela credora primitiva, pela subscritora das livranças e pelos avalistas, permitia, como resulta dos seus termos, que a importância a inserir nessas livranças, além de contemplar todas as responsabilidades da mutuária, decorrentes dos contratos de abertura de crédito em conta corrente, também abrangesse as responsabilidades decorrentes da própria subscrição das livranças, como juros, comissões, despesas e encargos fiscais, sem qualquer limitação.

Ora, os valores reclamados pela primitiva credora no processo de insolvência e a posterior decisão que os reconheceu nesse processo, não incluíram, necessariamente, todas as responsabilidades da mutuária resultantes da execução dos mesmos contratos, vencidas no momento do preenchimento das livranças, assim como não abrangeram as responsabilidades decorrentes da própria subscrição das livranças. Atente-se, aliás, que a reclamação de créditos foi apresentada em data muito anterior à do preenchimento das livranças, pelo que, desde logo, nela não estavam incluídos os juros posteriormente vencidos, relativos à mora no pagamento do saldo das contas correntes, uma vez que a exigibilidade dos créditos com a insolvência não determina a cessação da contagem de juros, como resulta do disposto no artigo 48.º, n.º 1, b), do CIRE.

E o facto do Executado ter sido, na fase de condensação, absolvido do pagamento dos juros cujo pagamento era reclamado na execução, por falta de interpelação, em nada contraria o acima referido, uma vez que esses juros eram os relativos ao pagamento do valor inscrito nas livranças, não se tendo, na altura, efetuado qualquer juízo sobre os juros relativos ao saldo das contas correntes dos contratos de abertura de crédito.

Não sendo necessária a coincidência entre o valor dos créditos reclamados e reconhecidos no processo de insolvência, relativos à execução dos contratos, cujo cumprimento pela mutuária foi garantido com as livranças apresentadas a esta execução, e o montante de todas as responsabilidades decorrentes da execução desses mesmos contratos, nomeadamente em capital, juros remuneratórios e moratórios, comissões, despesas e encargos fiscais, incluindo os da própria livrança, dos factos provados não é possível, sem outros elementos, concluir que a importância inserida naquelas livranças seja excessiva face ao conteúdo dos pactos de preenchimento, sendo certo que era ao Executado que competia demonstrar o abuso do preenchimento.

Assim, tendo as livranças o valor de € 1.021.994,73, tendo a Exequente recebido no processo de insolvência o montante de € 921.519,08, e sendo o Executado, enquanto avalista dessas livranças, responsável pelo pagamento do valor das livranças (artigos 32.º e 77.º da LULL) , encontra-se ainda em dívida a quantia de € 100.475,65.

Deve, pois, ser julgada procedente a revista interposta pela Exequente, revogando-se o acórdão recorrido e repondo-se a sentença proferida na 1.ª instância.

                                               *

Decisão

Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a revista, revogando-se o acórdão recorrido e repondo-se integralmente a sentença proferida na 1.ª instância.

                                               *

As custas dos recursos são da responsabilidade do Executado Embargante.

                                               *

Notifique

                                               *

Lisboa, 13 de julho de 2022

                                              

João Cura Mariano (relator)

Fernando Baptista

Vieira e Cunha

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[1] Corrigiu-se o conteúdo deste ponto, uma vez que o mesmo, por lapso, não traduzia apenas o valor inscrito nas livranças dadas à execução, mas as demais quantias cujo pagamento era exigido na presente execução.
[2] Sobre a eventualidade de concorrer um processo de insolvência do avalizado, onde seja reclamado o crédito subjacente à subscrição de uma livrança e uma execução em que é reclamado do avalista dessa livrança o pagamento do seu valor, CAROLINA CUNHA, Aval e Insolvência, Almedina, 2018, pág. 86 e seguintes.
[3] Após o decidido no despacho saneador apenas já está em causa o valor dessas livranças.
[4] VAZ SERRA, na R.L.J., 113.º Ano, pág. 187, ANTÓNIO PEREIRA DE ALMEIDA, Títulos de crédito, 3.º vol., AAFDL, 1988, pág. 224, CAROLINA CUNHA, Letras e Livranças. Paradigmas Atuais e Recompreensão de um Regime, Almedina, 2012, pág. 314-319.
[5] Neste sentido, CAROLINA CUNHA, Letras e Livranças..., cit., pág. 591, e Manual de Letras e Livranças, Almedina, 2016, pág. 188-190, e, a título de exemplo, os Acórdãos do S.T.J. de 19.06.2019, Proc. 1025/18.5PRT.P1.S1 (Relator Bernardo Domingos) e de 11.05.2022, Proc. 703/20 (Rel. Jorge Arcanjo).