Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
205/12.1TTGRD.C3.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: FERREIRA PINTO
Descritores: RECURSO DE REVISTA
NULIDADE DE ACÓRDÃO
AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
FÉRIAS
VIOLAÇÃO DO DIREITO A FÉRIAS
Data do Acordão: 04/18/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: INDEFERIDAS AS ARGUIDAS NULIDADES DO ACÓRDÃO. NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / VÍCIOS E REFORMA DA SENTENÇA / RECURSOS / APELAÇÃO / JULGAMENTO DO RECURSO / RECURSO DE REVISTA / INTERPOSIÇÃO E EXPEDIÇÃO DO RECURSO.
DIREITO DO TRABALHO – CONTRATO DE TRABALHO / PRESTAÇÃO DE TRABALHO / DURAÇÃO E ORGANIZAÇÃO DO TEMPO DE TRABALHO / FÉRIAS.
Doutrina:
-Albino Mendes Baptista, Código de Processo do Trabalho, anotado, 2ª edição (reimpressão), Quid Juris escreve J. Castro Mendes, a “disposição, 2002, p. 180 e 181;
-J. CASTRO MENDES, Curso de Direito Processual do Trabalho, Suplemento da Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 1994, p. 132 e 133;
-José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil, Volume II, 3ª edição, Almedina, julho/2017, p. 736 e 737;
-Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, 2ª edição, p. 219 e 220.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 615.º, N.ºS 1, ALÍNEAS B) A E) E 4, 666.º, N.º 1 E 674.º, N.º 1, ALÍNEA C).
CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGO 246.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 19-10-2005, PROCESSO N.º 05S1761, IN WWW.DGSI.PT:
- DE 16-12-2010, PROCESSO N.º 314/08.1TTVFX.L1.S1;
- DE 03-06-2015, PROCESSO N.º 297/12.3TTCTB.C4.S1, IN WWW.DGSI.PT.


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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:


- DE 24-03-2010, PROCESSO N.º 4438/04.6TTLSB.L2-4;
- DE 13-04-2011, PROCESSO N.º 71/09.4TTVFX.L1.4.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:


- DE 16-01-2017, PROCESSO N.º 2311/14.9T8MAI.P1.
Sumário :

I. A arguição de nulidades da decisão final ao abrigo do disposto nos artigos 615.º, n.º 1, alíneas b) a e), e 666.º, n.º 1, ambos do CPC só é dedutível através de recurso quando aquela decisão o admitir, nos termos conjugados dos artigos 615º, n.º 4, 2.ª parte, e 674º, n.º 1, alínea c), do mesmo Código.

II. O Tribunal da Relação não pode ordenar à 1ª instância a ampliação da matéria de facto com factos que não tenham sido alegados pelas partes nos articulados.

III. O trabalhador que prova que durante toda a vigência do seu contrato de trabalho nunca gozou férias não tem de “per se” direito à compensação prevista no artigo 246º, n.º 1, do CT, ou seja, a uma compensação no valor do triplo da retribuição correspondente ao período em falta, pois para o ter, precisa também que provar que foi a sua empregadora quem, culposamente, obstou ao seu gozo

Decisão Texto Integral:

Processo n.º 205/12.1TTGRD.C3.S1 - (Revista) – 4ª Secção[1]

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I

        - Relatório[2]

               O autor AA intentou, em 25 de maio de 2012, a presente ação comum emergente de contrato de trabalho contra a Ré “BB Lda.”, no Tribunal do Trabalho da Guarda, agora, Comarca da Guarda, Guarda - Instância Central – Secção do Trabalho – J1, pedindo que a ré seja condenada a reconhecer que o vínculo que existiu entre as partes foi o de um contrato de trabalho sem termo, desde o seu início ou que, pelo menos, assim se converteu com a ultrapassagem dos limites das renovações e que o resolveu com justa causa.

                Mais peticionou a condenação da ré a pagar-lhe os seguintes quantitativos:

a. € 1.069,00, pelo trabalho prestado durante os meses de julho e agosto de 2011;

b. € 385,00, correspondentes ao subsídio de alimentação desde julho de 2010;

c. € 3.196,25, por via de 83.3 dias de férias de que não beneficiou;

d. € 9.588,75, como compensação pela culpa do empregador no não gozo de férias;

e. € 422,00, como proporcional do subsídio de férias do ano de 2009;

f. € 2.014,97, a título de ajudas de custo de junho a agosto de 2011;

g. € 1.728,00, a título de parte em dívida das ajudas de custo dos meses anteriores;

h. € 149,50, por uma multa na Alemanha;

i. € 2.532,45, como indemnização pelo despedimento;

j. € 1.500,00, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais;

k. Juros, à taxa legal, desde o vencimento e até integral pagamento.

                Alegou, em síntese, que foi trabalhador da ré, tendo exercido as funções de motorista de pesados de serviço nacional e internacional, desde 1 de julho de 2009 até 4 de outubro de 2011, momento em que o gerente da ré recebeu a missiva com que se despediu, invocando justa causa, consubstanciada em retribuições, subsídio de alimentação, subsídio de férias e proporcionais em falta, além de nunca ter gozado férias.

                Também alegou que, não obstante ter celebrado um contrato a termo, o mesmo deve ser considerado sem termo, seja pela invalidade da respetiva cláusula, seja pelas sucessivas renovações.

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                Realizada a audiência de partes, não foi possível obter a sua conciliação.

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            Contestou a ré, alegando, que:
- É devida a remuneração correspondente aos meses de julho e agosto de 2011, se bem que por diferente valor do calculado pelo autor;
- Os motoristas de serviço internacional auferem ajudas de custo, verba que, a partir de julho de 2010, passou a incluir o subsídio de alimentação;
- O autor pedia à ré para trabalhar no período de férias, por dificuldades financeiras por que passava;
- Deve ao autor ajudas de custo de junho a agosto de 2011, nos valores, respetivamente, de 900, 600 e 250 euros;
- O autor recebia a retribuição constante do n.º 7 da cláusula 74ª do contrato coletivo de trabalho, pelo que não pode reclamar trabalho noturno ou suplementar;
- As ajudas de custo remuneravam o trabalho prestado em dias de descanso;
- Descontou, nas ajudas de custo de fevereiro de 2011, o que havia pago a mais no mês anterior;
- Os descontos efetuados nos meses subsequentes correspondem a adiantamentos realizados a pedido do autor, relativamente a cujos montantes deu quitação, e que desconhece qualquer multa.

            Acrescentou que não procedeu aos pagamentos de ajudas de custo a partir de junho e das remunerações a partir de julho, porque o autor provocou estragos no veículo, assumindo a responsabilidade pelos mesmos, mas que quando confrontado com o respetivo custo, de € 2.689,00, acrescido de IVA, entrou de baixa, não mais tendo comparecido ao trabalho, até que enviou a carta de rescisão.

            Finalizou, alegando ser titular de um crédito de € 5.317,43 sobre o autor, por via do acidente em apreço, do período de paralisação do veículo e da inobservância do prazo de aviso prévio por parte do autor, valor que pede seja compensado no que o autor venha a auferir.

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            O autor respondeu, pedindo a condenação da ré no pagamento de € 250,00 de indemnização por má-fé, que fundou na falta de junção de documentos com o propósito de prejudicar o autor, invocando que nunca foi informado do sistema de contabilização das ajudas de custo. Salientou que um crédito que só se poderia ter formado a partir de agosto, não poderia ter justificado a ausência de pagamentos a partir de junho, e impugnou tudo o mais avançado na contestação.

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             Já no decurso da audiência de julgamento, o autor ampliou o pedido, argumentando, resumidamente, que atendendo às diferenças que os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho vigentes em 1997 estipulavam para um eletricista e para um motorista, a esta categoria profissional deveria, presentemente, corresponder a retribuição base de € 1.347,03, pelo que, em conformidade, todas as parcelas do seu pedido deveriam sofrer tal atualização, cifrando-se o cômputo total em € 44.370,22.

           Contestou a ré, reafirmando que sempre respeitou a negociação coletiva aplicável.

            Foi admitida a ampliação do pedido.

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          Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, em 12 de junho de 2014, que julgou a ação parcialmente procedente e que declarou que entre autor e ré existiu um contrato de trabalho sem termo, e, consequentemente, condenou a réBB Lda.”, a pagar-lhe as seguintes quantias:

a. € 844,15, a título de retribuição correspondente ao mês de julho de 2011;

b. € 196,97, a título de retribuição correspondente ao mês de agosto de 2011;

c. € 900,00, a título de “ajudas de custo” referentes ao mês de junho de 2011;

d. € 600,00, a título de “ajudas de custo” referentes ao mês de julho de 2011;

e. € 250,00, a título de “ajudas de custo” referentes ao mês de agosto de 2011;

f. € 422,00, a título de (proporcional do) subsídio de férias referente ao ano de 2009;

g. Juros, à taxa legal, desde o vencimento de cada uma das referidas prestações e até integral pagamento.

            Por fim, absolveu a ré dos demais pedidos que o Autor deduziu contra ela, e condenou ambas as partes no pagamento das custas da ação, na razão direta dos respetivos decaimentos, tendo-se em atenção o valor da ação que foi fixado em € 44.370,22.

III

                Interposto recurso pelo autor, por acórdão de 20 de março de 2015, foi anulada a decisão sobre a matéria de facto, assim como a sentença na qual a mesma se mostra integrada, para que fossem supridos os vícios apontados no acórdão, com a consequente repetição do julgamento relativamente aos atos que se mostrassem necessários para tal desiderato.

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               Descendo os autos à 1ª instância, repetiu-se o julgamento nos termos determinados no acórdão e, de seguida, em 24 de junho de 2015, foi proferida nova sentença julgando a ação parcialmente procedente e, em consequência, declarou que entre autor e ré existiu um contrato de trabalho sem termo, e condenou a ré, “BB Lda.”, a pagar-lhe as mesmas quantias fixadas na 1ª sentença.

IV

           Inconformado com o seu teor, o autor interpôs novamente recurso de apelação.

             Por acórdão de 02 de julho de 2016 foi outra vez anulada a sentença, agora “para ampliação, clarificação e fundamentação da decisão dos concretos pontos factuais assinalados [no acórdão] ”.

           Ordenou-se, também, o aditamento à matéria de facto provada, de um novo ponto, ficando com o n.º 43 e com o seguinte teor:
- “O autor nunca gozou férias”.

V

            Regressando, de novo, os autos à 1ª instância, realizou-se nova audiência de julgamento, em obediência ao determinado no segundo acórdão do Tribunal da Relação.

               Por sentença de 29 de setembro de 2016, julgou-se a ação parcialmente procedente e, consequentemente, declarou-se que entre autor e ré existiu um contrato de trabalho sem termo e condenou-se a ré a pagar ao autor as mesmas quantias que haviam sido fixadas nas duas anteriores sentenças, ou seja, condenou a ré a pagar-lhe:

a. € 844,15, a título de retribuição correspondente ao mês de julho de 2011;

b. € 196,97, a título de retribuição correspondente ao mês de agosto de 2011;

c. € 900,00, a título de “ajudas de custo” referentes ao mês de junho de 2011;

d. € 600,00, a título de “ajudas de custo” referentes ao mês de junho de 2011;

e. € 250,00, a título de “ajudas de custo” referentes ao mês de agosto de 2011;

f. € 422,00, a título de (proporcional do) subsídio de férias referente ao ano de 2009;

g. Juros, à taxa legal, desde o vencimento de cada uma das referidas prestações e até integral pagamento.

           Terminou, absolvendo a ré do demais peticionado contra ela e condenou-a, assim como ao autor, nas custas na razão direta dos respetivos decaimentos, tendo-se em atenção o valor da ação – o de € 44.370,22.

VI

Novamente inconformado, o autor interpôs novo recurso de apelação.

               Por acórdão de 07 de abril de 2017, foi o recurso julgado parcialmente procedente e, em consequência, condenou-se a ré a pagar-lhe a quantia de € 1.628,00, relativa a “ajudas de custo” em dívida, no período decorrido entre outubro de 2009 e maio de 2011, acrescida dos peticionados juros moratórios, e revogou-se a sentença na parte em que absolveu a ré destes pedidos.

                No mais, manteve-se a sentença recorrida.

VII

           Ainda irresignado interpôs recurso de revista, alegando no requerimento da sua interposição, que não será de aplicar o regime da "dupla conforme", impeditivo do conhecimento do recurso que interpomos, porquanto os argumentos apresentados pela 1ª e 2ª instância não são minimamente semelhantes”.

            Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões:

1) O douto acórdão de que se recorre é nulo, por ocorrer oposição entre fundamentação e decisão; revelar ambiguidade ou obscuridade e por o Tribunal “a quo” não apreciar questões que deveria apreciar.

2) O Tribunal “a quo” segue toda uma argumentação que permite adivinhar que o pedido quanto ao direito a férias do recorrente deverá proceder, decidindo, porém, no final em sentido contrário;

3) Entende a decisão da 1ª instância nula, por não atender nos factos dados como provados; vem referir que o recorrente logrou provar o não gozo das férias; e vem referir o direito constitucionalmente previsto de período de férias pagas; abstendo-se, porém, de decidir em conformidade;

4) Verificada a nulidade, nos termos do art.º 615º, n.º 1, alínea c), do CPC, deverá reconhecer-se o direito de crédito peticionado pelo recorrente, pelos valores peticionados;

5) O Tribunal “a quo” decide não apreciar devidamente a questão relacionada com a violação culposa do direito a férias por entender que:

a) Os factos que o recorrente pretende sejam dados como provados não foram alegados na petição inicial, e

b) Não se recorreu, em 1ª instância, ao regime contido no artigo 72º, do CPT, em relação aos factos conhecidos aquando da discussão da causa.

6) Tal decisão revela-se, porém, incorreta pois por acórdão da mesma Relação de Coimbra de 23.3.2015, neste mesmo processo, se determinou a ampliação da matéria de facto de forma a conhecer os factos em causa, ou seja, os factos que determinaram o não gozo das férias pelo recorrente;

7) Com essa ampliação o processo desceu à 1ª instância onde, em nova sessão de julgamento, se produziu prova nesse sentido, e o recorrente identificou de forma a dar tais factos como provados;

8) Tal decisão revela-se, assim, nula por deixar de apreciar questões que deveria apreciar, nos termos do art.º 615º, n.º 1, alínea d) do CPC;

9) Assim não se entendendo, com a decisão proferida encontram-se violadas as normas contidas nos artigos 72º, do CPT (em especial artigos 72º - 74º), artigo 5º e 662º, n.º 2, alínea c), do CPC, artigo 246º, do Código do Trabalho, e artigo 608º, n.º 2, do CPC;

10) A decisão que deveria ter sido tomada, ao invés, seria, conhecendo da questão, ter dado como provados os factos que o recorrente pediu o fossem, com base nos elementos probatórios que o recorrente identificou, e, consequentemente, determinado a procedência do pedido, vendo-se reconhecida a violação culposa do direito a férias a compensar nos termos legais;

11) A decisão quanto à resolução com justa causa do contrato padece também de nulidade porquanto, ao decidir não apreciar os factos que o recorrente pretende sejam dados como provados (por irrelevantes) entra em oposição com a argumentação seguinte em que vem usar o contrário desses factos para fundamentar a improcedência do pedido do recorrente – artigo 615º, n.º 1, alínea c), do CPC;

12) Por outro lado, ao decidir como decide acerca dos factos que o recorrente entende (e pede) não sejam dados como provados fá-lo de forma que não permite o recorrente entender devidamente a decisão tomada - artigo 615º, n.º, alínea c), do CPC;

13) Tal questão é mais premente pois são esses factos, que não têm qualquer suporte probatório produzido nos autos e inexistindo qualquer apreciação crítica da prova pela 1.ª instância, servem, afinal, para fundamentar a decisão de improcedência.

14) A procedência dos anteriores pedidos prejudica a decisão que se tomou quanto à resolução com justa causa, pondo em causa os argumentos utilizados, pelo que a procedência dos anteriores pedidos importa a reapreciação da presente questão.

15) Não se entendendo verificadas as nulidades arguidas, e para além das normas já atrás referidas, também relevantes para a presente questão, encontram-se violadas as normas contidas nos artigos. 394º, n.ºs 1 e 2 do CT e 608°, n.º 2 do CPC, pelo que se apreciando a questão se deve determinar a alteração da decisão do Tribunal “a quo” por outra que reconheça a justa causa de despedimento e a indemnização correspondente, conforme peticionado.

            A Ré/Recorrida não apresentou contra-alegações.

            Por acórdão proferido em 30 de junho de 2017, decidiu-se indeferir as nulidades invocadas.

                Por despacho do Exmo. Desembargador Relator de 22 de setembro de 2017, foi admitido o recurso como de revista.

VIII

            Da revista:

           O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto, junto deste Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 87º, n.º 3, do CPT, emitiu parecer no sentido de inexistirem as invocadas nulidades do acórdão e de não ter havido violação do caso julgado.

           Tendo a ação sido proposta em 25 de maio de 2012 e o acórdão recorrido sido proferido em 07 de abril de 2017, é aqui aplicável o Código de Processo Civil (CPC), anexo e aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, e o Código de Processo do Trabalho (CPT) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de novembro, e alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 323/2001, de 17 de dezembro, 38/2003, de 8 de março (retificado pela Declaração de Retificação n.º 5-C/2003, de 30 de abril) e 295/2009, de 13 de outubro (retificado pela Declaração de Retificação n.º 86/2009, de 23 de novembro).

            O objeto do recurso:

            As questões colocadas no recurso são as seguintes:


1) Nulidade do acórdão, no que respeita ao direito a férias, nos termos do artigo 615º, n.º 1, alínea c), do CPC – [os fundamentos estão em oposição com a decisão – conclusões 1ª a 4ª];
2) Nulidade do acórdão, no que respeita à violação culposa do direito a férias, nos termos do artigo 615º, n.º 1, alínea d), do CPC – [o juiz deixou de pronunciar‑se sobre questões que devesse apreciar – conclusões 5ª e 8ª a 10ª];
3) Nulidade do acórdão, no que respeita à resolução do seu contrato de trabalho com justa causa, nos termos do artigo 615º, n.º 1, alíneas c), do CPC – [os fundamentos estão em oposição com a decisão e por ocorrer ambiguidade e obscuridade que tornam a decisão ininteligível – conclusões 11ª a 14ª];
4)  Violação do caso julgado – [o acórdão recorrido decidiu não ampliar a matéria de facto provada com outros factos não alegados e a 1ª instância não ter recorrido ao disposto no artigo 72º, do CPT, violando-se, assim, o decidido no acórdão de 23.03.2015, que ordenou a ampliação da matéria de facto, com vista ao esclarecimento dos factos que determinaram o seu não gozo de férias – conclusões 6ª e 7ª].
Subsidiariamente
5) Caso não sejam deferidas as nulidades invocadas, então, o acórdão recorrido violou as normas dos artigos 72º e 74º, do CPT, 5º, 662º, n.º 2, alínea c), e 608º, n.ºs 1 e 2, todos do CPC e 394º e 246º, estes do CT [conclusões 9ª e 15ª].

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            Da matéria de facto:

            - A matéria de facto dada por provada pelas instâncias é a seguinte:

1) A R. é uma sociedade por quotas cujo objeto é a realização de transportes públicos rodoviários de mercadorias, nacionais e internacionais, incluindo serviço expresso.

2) Em 1 de julho de 2009 foi o Autor contratado pela Ré para exercer a atividade profissional de motorista de pesados.

3) Nessa data celebraram por escrito um contrato de trabalho com a epígrafe “contrato de trabalho a termo certo" - Doc. 2, que se dá aqui, para todos os efeitos legais, como reproduzido.

4) As funções exercidas pelo A., sob a autoridade e direção da R., consistiam em "conduzir viaturas pesadas de mercadorias a nível nacional e internacional ''.

5) Funções que desempenhava em viaturas da R.

6) O transporte de mercadorias fazia-o de e para os locais que a R. lhe indicava.

7) O seu horário de trabalho era definido pela R.

8) O A. dependia economicamente da R., devendo ser-lhe pago mensalmente a respetiva retribuição e ajudas de custos.

9) O A. não é (nem foi) sindicalizado, nem aderiu a qualquer I.R.C.T.

10) Em 3 de outubro de 2011, o A. remeteu carta registada com aviso de receção à R. onde lhe comunica que resolve com justa causa o contrato de trabalho celebrado entre ambos, com efeitos a partir da receção da mesma.

11) A receção dessa carta deu-se em 4 de outubro de 2011.

12) Nessa comunicação fez a indicação sucinta dos factos que, a seu ver, justificaram a justa causa para a resolução: os salários de julho e proporcional do mês de agosto de 2011 não foram pagos, embora vencidos. O subsídio de alimentação não foi pago desde, pelo menos, setembro de 2010. As ajudas de custo referentes aos meses de junho, julho e agosto de 2011 não foram pagas. O trabalhador nunca gozou férias. O proporcional do subsídio de férias de 2009 não foi pago.

13) Pretendeu a R. celebrar um contrato de trabalho a termo certo, ou seja, contrato de trabalho com início em 1 de julho de 2009 que caducaria a 31 de dezembro de 2009, porém com a possibilidade de renovações automáticas por novos períodos.

14) Para tanto, fez constar que a cláusula do termo se justificava "nos termos da alínea f) do n.º 2 do artigo 140° do Código do Trabalho (...), em virtude de um acréscimo excecional da atividade da empresa, ditado por crescimento anormal do número de serviços de transporte e que se prevê retorne à normalidade no prazo de aproximadamente seis meses".

15) O contrato de trabalho em causa converteu-se em contrato de trabalho sem termo em virtude da ultrapassagem dos limites máximos de renovações admitidos pelo art.º 148, n.º 1, do CT.

16) Nos termos do contrato de trabalho celebrado, a retribuição base devida ao A. era € 490,00 (quatrocentos e noventa euros).

17) Compulsados os vários recibos de vencimento de 2011 verificamos que os mesmos dão conta de uma retribuição de € 844,15 (oitocentos e quarenta e quatro euros e quinze cêntimos).

18) Se multiplicarmos o montante recebido mensalmente a título de subsídio de Natal (72,65 X 12), o resultado alcançado é perto do montante atrás referido (€ 844,15).

19) A par desses € 844,15, recebidos mensalmente a título de retribuição, é entregue, também mensalmente, outro recibo a título de "ajudas de custo".

20) Estas ajudas de custo são referentes, além do mais, a despesas de deslocação e estadia quando deslocado no estrangeiro, sábados, domingos e feriados passados no estrangeiro e respetivos descansos compensatórios.

21) O autor trabalhou nos meses de junho, julho e parte de agosto, após o que entrou de baixa. Nem o mês de julho, nem agosto, foram até hoje retribuídos.

22) Desde o início do contrato de trabalho foram pagos ao autor montantes a título de subsídio de alimentação, que rondavam o montante de € 35/mês.

23) Montantes esses que deixaram de ser pagos a partir julho de 2010.

24)  O A. trabalhou sob a autoridade, direção e inserido na organização da R. desde 1 de julho de 2009 até 4 de outubro de 2011.

25) A R. não pagou o proporcional referente ao subsídio de férias de 2009.

26) Estão ainda por liquidar os montantes devidos a título de ajudas de custo que deveriam ter sido pagos nos meses de junho, julho e agosto de 2011.

27) Aa ajudas de custo são calculadas em função dos quilómetros percorridos nos vários transportes de mercadorias efetuados, à razão de € 0,05 em veículo pesado e € 0,04 em carrinhas.

28) O A. trabalhou variadas vezes em período noturno.

29) O autor sentia-se triste, sentimento que com passar do tempo se agravava.

30) O autor submeteu-se a uma consulta com um psiquiatra.

31) A partir de julho de 2010, as ajudas de custo passaram a incluir o subsídio de alimentação pago até então.

33) [3]Em 19.07.2011, por volta das 10H00, em ..., na ..., o autor danificou o teto do reboque do camião que lhe estava confiado.

34) Tal sucedeu por a autor, ao passar por baixo de uma ponte, tê-lo feito a velocidade excessiva, atenta a sua reduzida altura e a irregularidade do piso.

35) Quando regressou a Portugal, o autor assumiu perante a Ré a sua exclusiva responsabilidade pelo acontecido e responsabilizou-se pelo ressarcimento dos prejuízos causados.

36) No princípio de agosto de 2011, a Ré transmitiu ao autor que o custo da reparação do seu camião era de € 2. 689,00 (+ IVA), e exigiu-lhe o respetivo pagamento.

37) O autor entrou de imediato de baixa médica, não mais tendo comparecido no seu posto de trabalho.

38) A Ré não lhe pagou as ajudas de custo de junho, julho e agosto e os salários de julho e de agosto.

39) O autor resolveu o contrato sem guardar dois meses de aviso prévio.

40) O camião da Ré demorou alguns dias a ser reparado, estando paralisado durante esse período.

41) De acordo com a tabela de paralisações firmada entre a Antram e a Festru, o valor diário indemnizatório pela paralisação de um camião como a da Ré é de € 235,49.

42) Em outubro de 2009 a título de ajudas de custo foram pagos € 925,00. Em novembro de 2009 a título de ajudas de custo foram pagos € 607,00. Em janeiro de 2010 a título de ajudas de custo foram pagos € 420,00. Em fevereiro de 2010 a título de ajudas de custo foram pagos € 700,00. Em março de 2010 a título de ajudas de custo foram pagos € 875,00. Em abril de 2010 a título de ajudas de custo foram pagos € 1,025,00. Em maio de 2010 a título de ajudas de custo foram pagos € 1.050,00. Em junho de 2010 a título de ajudas de custo foram pagos € 1.075,00. Em julho de 2010 a título de ajudas de custo foram pagos € 1.000,00. Em agosto de 2010 a título de ajudas de custo foram pagos € 1.220,00. Em setembro de 2010 a título de ajudas de custo foram pagos € 950,00. Em outubro de 2010 a título de ajudas de custo foram € pagos 700,00. Em novembro de 2010 a título de ajudas de custo foram pagos € 800,00. Em dezembro de 2010 a título de ajudas de custo foram pagos € 1100,00. Em fevereiro de 2011 a título de ajudas de custo foram pagos € 950,00. Em maio de 2011 a título de ajudas de custo foram pagos € 850,00.

43) O autor nunca gozou férias.

44) Do recibo relativo a outubro de 2009, consta a título de ajudas de custo o valor de € 975,00. Em novembro de 2009, a título de ajudas de custo consta o valor de € 775,00. Em janeiro de 2010 a título de ajudas de custo consta o valor de € 550,00. Em fevereiro de 2010, a título de ajudas de custo consta o valor de € 875,00. Em março de 2010, a título de ajudas e custo consta o valor de € 925,00. Em abril de 2010, a título de ajudas e custo consta o valor de € 1.175,00. Em maio de 2010, a título de ajudas e custo consta o valor de € 1.100,00. Em junho de 2010, a título de ajudas e custo consta o valor de € 1.100,00. Em julho de 2010, a título de ajudas e custo consta o valor de € 1.050,00. Em agosto de 2010, a título de ajudas e custo consta o valor de € 1.350,00. Em setembro de 2010, a título de ajudas e custo consta o valor de € 1.000,00. Em outubro de 2010, a título de ajudas e custo consta o valor de € 1.100,00. Em novembro de 2010, a título de ajudas de custo consta o valor de € 900,00. Em dezembro de 2010, a título de ajudas de custo consta o valor de € 1.150,00. Em fevereiro de 2011, a título de ajudas de custo consta o valor de € 1.025,00. Em maio de 2011, a título de ajudas de custo consta o valor de € 900.00.

45) Em janeiro de 2011, a Ré pagou € 900,00 de ajudas de custo quando apenas devia € 825,00.

46) Em fevereiro de 2011, a Ré fez o competente acerto.

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            Das nulidades:

         O Autor arguiu as nulidades nos termos do artigo 77º, n.º 1, do CPT, expressa e separadamente, no requerimento de interposição do recurso.

            Por força dos artigos 1º, n.º 2, alínea a), do CPT, e 666º, n.º 1, do CPC, é aplicável o disposto no artigo 615º, do CPC, aos acórdãos da Relação.

            Acresce que a revista pode ter, também, por fundamento as nulidades previstas nos artigos 615º e 666º, ambos do CPC – artigo 674º, n.º 1, alínea c), do CPC.

            Contudo, a arguição de nulidades da decisão final ao abrigo dos artigos 615.º, n.º 1, alíneas b) a e), e 666.º, n.º 1, ambos do CPC só é dedutível através de recurso quando aquela decisão o admita, nos termos conjugados dos artigos 615º, n.º 4, 2.ª parte, e 674º, n.º 1, alínea c), do mesmo Código.

            Se a decisão não admitir recurso, as referidas nulidades só são arguíveis mediante reclamação perante o próprio tribunal que proferiu tal decisão, nos termos dos artigos 615º, n.º 4, 1.ª parte, e 617º, n.º 6, do CPC.

            No caso, foi admitido o presente recurso ordinário de revista.

            , assim, que conhecer das nulidades invocadas.

           Por acórdão de 30 de junho de 2017, o Tribunal da Relação de Coimbra julgou improcedentes as invocadas nulidades do acórdão.

           

            Conhecendo:

            1). Nulidade do acórdão, no que respeita ao direito a férias, nos termos do artigo 615º, n.º 1, alínea c), do CPC – [os fundamentos estão em oposição com a decisão]:

Na petição inicial o Autor pede que a Ré seja condenada a pagar-lhe o montante de € 9.588,75, como compensação pela culpa da empregadora no seu não gozo de férias.

Para tanto, alegou que nunca gozara férias, o que de facto se provou – facto ínsito no n.º 41.

Apesar desse facto, não foi a Ré condenada a pagar-lhe qualquer importância a título de férias.

Diz o Autor que o acórdão padece do vício da nulidade por a sua decisão estar em contradição com os seus fundamentos.

Como fundamento da sua arguição refere que “o Tribunal “a quo” segue toda uma argumentação que permite adivinhar que o pedido quanto ao direito a férias do recorrente deverá proceder, decidindo, porém, no final em sentido contrário”.

Mais alega que “a decisão da 1ª instância é nula, por não atender nos factos dados como provados; vem referir que o recorrente logrou provar o não gozo das férias; e vem referir o direito constitucionalmente previsto de período de férias pagas; abstendo-se porém de decidir em conformidade”.

Termina, dizendo que “verificada a nulidade, nos termos do art.º 615º, n.º 1, alínea c), do CPC, deverá reconhecer-se o direito de crédito peticionado pelo recorrente, pelos valores peticionados”.

José Lebre de Freitas[4] refere que “entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correta, a nulidade verifica-se”.

Foi dado como provado que Autor nunca gozou férias.

Todavia, o acórdão recorrido, decidiu não condenar a Ré a pagar-lhe as férias e a compensação prevista no artigo 246.º do Código do Trabalho, porque era necessário que o Autor tivesse demonstrado que a falta do gozo das férias aconteceu por a isso ter obstado, sem fundamento válido, a sua empregadora, ónus que lhe pertencia, nos termos do artigo 342º, n.º 1, do Código Civil.

No acórdão recorrido, a este respeito, consta que “[o] autor peticionou a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de € 9.588,75, pela violação culposa do seu direito a férias, ao abrigo do artigo 246.º do Código do Trabalho.

Do acervo factual provado resulta que tendo as partes processuais celebrado um contrato de trabalho que vigorou entre 1 de julho de 2009 e 4 de outubro de 2011, durante a vigência do contrato, o autor nunca gozou férias.

Demonstrada a existência e duração da relação laboral, o direito a férias adquire-se nos termos legais (cf. artigos 237.º e seguintes do Código do Trabalho).

Consagrado constitucionalmente o direito a férias pagas [artigo 59.º, n.º 1, alínea d) da Constituição], as férias, que constituem interrupções da prestação do trabalho, visam proporcionar ao trabalhador a sua recuperação física e psíquica e garantir condições de disponibilidade pessoal, integração na vida familiar e participação social e cultural (artigo 237.º, n.º 4 do Código do Trabalho).

Na concreta situação dos autos, o autor logrou demonstrar que nunca gozou tal direito.

Todavia, para que lhe fosse reconhecido o direito à compensação prevista no artigo 246.º do Código do Trabalho, tornava-se necessário que o mesmo tivesse demonstrado que a falta do gozo das férias aconteceu por a isso ter obstado, sem fundamento válido, a entidade empregadora.

Sobre tal matéria, pode ler-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/10/2005, P. 05S1761, acessível em www.dgsi.pt:

«Não estando provado que o autor não gozou férias e competindo-lhe a prova desse facto, nos termos do n.º 1 do art.º 342.º do C.C., por ser um dos factos constitutivos do direito que invocou, mais não seria necessário para julgar procedente o recurso.

Todavia, mesmo que se tivesse por provado aquele facto, não poderíamos deixar de julgar procedente a pretensão da recorrente, uma vez que dos factos provados não resulta que a ré tivesse obstado ao gozo das férias, sendo certo que o autor nada alegou a tal respeito, a não ser o que foi levado aos quesitos 6.º e 7.º que recebeu a resposta atrás já referida, sendo certo que sobre ele recaía aquele ónus, por constituir facto constitutivo do direito à indemnização que peticionou (ar.º. 342.º, n.º 1, do CC). Ainda que se entendesse que os factos relacionados com as escalas de serviço, acima referidos, permitiam concluir que o autor não tinha gozado férias, a verdade é que eles não permitiriam que se concluísse no sentido de que tinha sido a ré a impedir esse gozo, desde logo porque o não gozo das férias pode ocorrer a pedido do próprio trabalhador, para, dessa forma, aumentar os seus rendimentos salariais. Todos sabemos que isso acontece com alguma frequência.»

No mesmo sentido, vejam-se, a título meramente exemplificativo, também, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16/12/2010, P. 314/08.1TTVFX.L1.S1 e os Acórdãos da Relação de Lisboa de 24/03/2010, P. 4438/04.6TTLSB.L2-4 e de 13/04/2011, P. 71/09.4TTVFX.L1.4.

Na situação “sub judice”, o trabalhador (recorrente) não logrou provar, desde logo, que foi a entidade empregadora (recorrida) que obstou ao gozo das férias.

A não demonstração deste requisito constitutivo do direito à indemnização peticionada, origina a improcedência do pedido identificado.”

Ora, verifica-se da transcrição efetuada, que os fundamentos do acórdão, quanto à questão do não gozo das férias, não estão em oposição com a decisão proferida e, muito menos, conduzem a uma decisão completamente oposta à que foi tomada.

Pelo contrário, estão em consonância.

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2) - Nulidade do acórdão, no que respeita à violação culposa do direito a férias, nos termos do artigo 615º, n.º 1, alínea d), do CPC – [o juiz deixou de pronunciar‑se sobre questões que devesse aprecia]:

Como fundamento desta arguição o Autor refere que o Tribunal “a quo” decidiu “não apreciar devidamente a questão relacionada com a violação culposa do direito a férias por entender que:

a) Os factos que o recorrente pretende sejam dados como provados não foram alegados na petição inicial, e

b) Não se recorreu, em 1ª instância, ao regime contido no artigo 72º, do CPT, em relação aos factos conhecidos aquando da discussão da causa.”

Tal decisão revela-se, assim e no seu entender, nula por deixar de apreciar questões que deveria apreciar, nos termos do art.º 615º, n.º 1, alínea d) do CPC.

Invoca, ainda, que “a decisão que deveria ter sido tomada, ao invés, seria, conhecendo da questão, ter dado como provados os factos que o recorrente pediu o fossem, com base nos elementos probatórios que o recorrente identificou, e, consequentemente, determinado a procedência do pedido, vendo-se reconhecida a violação culposa do direito a férias a compensar nos termos legais”.

Nos termos da primeira parte da alínea d), do n.º 1, do artigo 615º, do CPC, há nulidade da sentença/acórdão se o juiz deixou de apreciar qualquer questão que devesse conhecer.

Esta nulidade, geralmente designada por omissão de pronúncia, está relacionada com o disposto no artigo 608º - questões a resolver - constituindo a sanção para a sua inobservância.

Segundo o n.º 2, do artigo 608º, do CPC, o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe perlite ou impuser o conhecimento oficioso de outras.

Ora, para Miguel Teixeira de Sousa[5] O tribunal deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…) e “deve examinar toda a matéria de facto alegada pelas partes e analisar todos os pedidos formulados por elas, com exceção apenas das matérias ou pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se tornar inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões.

Não existe uma omissão de pronúncia, mas um error in iudicando, se o tribunal não aprecia um determinado pedido com o argumento de que ele não foi formulado; aquela omissão pressupõe uma abstenção não fundamentada de julgamento e não uma fundamentação errada para não conhecer de certa questão.

O tribunal não tem de se pronunciar sobre todas as considerações razões ou argumentos apresentados pelas partes, desde que não deixe de apreciar os problemas fundamentais e necessários à decisão da causa.”

Acresce que no acórdão consta que “[q]uanto à matéria factual que o recorrente pretendia ver aditada a mesma mostra-se parcialmente irrelevante, tendo em consideração a apreciação anteriormente feita. É o caso dos sugeridos factos:

- o período de férias não gozado não foi remunerado no valor do triplo da retribuição correspondente ao período em falta;

- o autor renunciou [licitamente] ao período de férias formadas nos primeiros 6 meses de execução do contrato de trabalho sob a condição de as mesmas lhe serem retribuídas;

- A condição colocada pelo A. não foi cumprida pela R..

Tratando-se de factos irrelevantes, não faz qualquer sentido ponderar sequer a sua inserção na matéria de facto provada, sob pena de se estar a praticar um ato inútil, o que a lei proíbe (cf. artigo 130.º do Código de Processo Civil).

Poderiam já ser relevantes os restantes factos mencionados pelo recorrente, designadamente:

- No ano de 2010 o A. requereu a marcação das suas férias, pedindo que o gozo se fizesse nos primeiros 15 dias de Junho desse ano.

- Não lhe foi permitido gozar as férias no período proposto pelo A., nem em qualquer outro.

- Nos anos de 2010 e 2011, apesar de o A. pedir a marcação das suas férias, a R. não procedeu a essa marcação.

- A R. não afixava o mapa de férias, sendo as mesmas marcadas de forma verbal transmitida diretamente aos respetivos trabalhadores.

(Não se considera que “a Gerência da Ré agiu de forma a não permitir que o A. gozasse férias”, seja um facto, uma vez que exprime um juízo conclusivo).

Sucede que este conjunto de factos não foi alegado na petição inicial.

O tribunal a quo nada refere na decisão da matéria de facto, sobre a eventual discussão da materialidade em causa, nos termos e para os efeitos do artigo 72.º do Código de Processo do Trabalho.

O recorrente também não invoca o mencionado preceito legal, designadamente a verificação dos pressupostos aí previstos e a sua desconsideração pelo tribunal a quo.

Ora, como é sabido os recursos são meios de impugnação e de correção de decisões judiciais e não vias alternativas para suprir eventuais deficiências de alegação dos factos constitutivos do direito reclamado.

Não compete à Relação ampliar o elenco dos factos provados com outros, que não tendo sido alegados, adquira por força da reapreciação da prova, nem pode ordenar à 1.º instância que o faça, na medida em que o poder de reenviar o processo à 1.ª instância para ampliação da matéria de facto está reservado para as situações em que os factos foram alegados (cf. texto disponível em http://www.stj.pt/ficheiros/coloquios/coloquios_STJ/V_Coloquio/int2014/juiza_assessora_i.pdf - sob o título “DISCUSSÃO E JULGAMENTO DA CAUSA PODERES DO JUIZ”).

Sobre a temática, escreveu-se no Acórdão da Relação de Coimbra proferido no P. 297/12.3TTCTB.C1:

«Funda [o A./recorrido] esta sua pretensão no teor do depoimento da testemunha CC que parcialmente transcreve.

Em primeiro lugar há a dizer que em direito processual do trabalho ainda vigora o princípio do dispositivo.

O tribunal só pode valer-se dos factos articulados pelas partes, salvo se estes forem de conhecimento oficioso ou tenha sido utilizado em 1ª instância o mecanismo a que alude o artigo 72º do Cód. Proc. Trabalho, o que no caso não foi feito conforme se constata da ata de julgamento.

Por isso, não basta que uma ou outra testemunha tenha dito isto ou aquilo para que essa matéria, tendo interesse para a decisão da causa, possa ser considerada como provada pelo tribunal.»

(o excerto citado consta reproduzido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 03/06/2015, P. 297/12.3.TTCTB.C1.S1, acessível em www.dgsi.pt).

No mesmo sentido, veja-se o recente Acórdão da Relação do Porto de 16/01/2017, P. 2311/14.9T8MAI.P1, na mesma base de dados.

Face a todo o exposto, consideramos que inexiste fundamento para reapreciar a prova e ponderar a visada inserção da factualidade descrita no acervo factual assente, por a mesma estar vedada à Relação.”

Ora, do exposto, verifica-se que o acórdão recorrido entendeu inexistir fundamento para reapreciar a prova e para ponderar a inclusão da factualidade descrita pelo Autor no acervo factual assente, por essa reapreciação ser, numa parte, irrelevante, e, na outra parte, não estar articulada na petição inicial.

Acresce que a sentença da 1ª instância nada diz sobre a utilização do mecanismo constante do artigo 72º, do CPT, e, por sua vez, o Autor também nada alegou a esse respeito.

Como se disse, quanto à nulidade anterior, na concreta situação dos autos, o Autor logrou demonstrar que nunca gozou tal direito.

Todavia, para que lhe fosse reconhecido o direito à compensação prevista no artigo 246.º do Código do Trabalho, tornava-se necessário que o mesmo tivesse demonstrado, como lhe competia, mas que não fez, que a falta do gozo das férias aconteceu por a isso ter obstado, sem fundamento válido, a sua empregadora.

Não se verifica, pois, a omissão de pronúncia, uma vez que o acórdão explícita, fundadamente, porque não reapreciou a matéria de facto e porque não considerou colocar a factualidade descrita na factualidade provada.

Concluindo, verifica-se da transcrição feita que a Relação não fez essa reapreciação e essa ponderação porque legalmente não lhe era permitido fazê-lo.

Inexiste, pois, a invocada nulidade.

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                3). Nulidade do acórdão, no que respeita à resolução do seu contrato de trabalho com justa causa, nos termos do artigo 615º, n.º 1, alínea c), do CPC – [os fundamentos estão em oposição com a decisão e por ocorrer ambiguidade e obscuridade que tornam a decisão ininteligível];

               Alega o Autor, que o acórdão, ao decidir como decidiu acerca dos factos que ele entende (e pede) não sejam dados como provados, relativamente à resolução com justa causa, fá-lo de forma que não permite que entenda devidamente a decisão tomada.

               Afirma também que o acórdão ao referir que "no que concerne à acusada obscuridade, não justifica devidamente o recorrente em que consiste tal obscuridade e salvaguardado o devido respeito, que é muito, não vislumbramos que a materialidade em causa não se revele clara ou compreensível de modo a justificar a anulação da decisão recorrida, ao abrigo do artigo 662.°, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Civil.

               Claudica, assim, a pretensão do recorrente, nesta parte", não é percetível, ficando «sem perceber exatamente qual a “materialidade em causa" a que se refere o acórdão e em que argumentos assenta o entendimento de que, apesar de uma decisão que, sem o justificar, segue em linha diferente da prova produzida se mostra, afinal, "clara e compreensível"».

               É, assim para o Autor, o acórdão nulo porque, nesta parte, ocorre obscuridade que torna o que ali se decidiu ininteligível – artigo 615º, n.º 1, alínea c), do CPC.

               Ora, este trecho está inserido no seguinte segmento do acórdão:

                «VII. Resolução com justa causa

               Em sede de recurso, alega o apelante que deverá reconhecer-se que o autor/recorrente “se despediu com justa causa” e condenar-se a ré na indemnização legalmente devida.

                Para tanto considera que devem deixar de ingressar nos factos provados os pontos 33 a 37 e 39 a 41, por obscuridade [artigo 662.º, nº 2, alínea c) do Código de Processo Civil] e devem ser aditados ao acervo factual provado os factos que indica.

               No que concerne à acusada obscuridade, não justifica devidamente o recorrente em que consiste tal obscuridade e salvaguardado o devido respeito, que é muito, não vislumbramos que a materialidade em causa não se revele clara ou compreensível de modo a justificar a anulação da decisão recorrida, ao abrigo do artigo 662.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Civil.

                Claudica, assim, a pretensão do recorrente, nesta parte.»

               Lendo todo o segmento decisório verifica-se a sua inteligibilidade, e extrai-se do mesmo, com clareza, que a “materialidade em causa a que se refere o acórdão é a constante dos pontos n.ºs 33 a 37 e 39 a 41, da matéria de facto provada e que é “clara ou compreensível” o que não é obscuro.

               Não se verifica, igualmente esta nulidade pois o acórdão, na parte agora em causa, não padece de obscuridade ou de ambiguidade – artigo 615º, n.º 1, alínea c), último segmento, do CPC.

~~~~

               Para o Autor a decisão quanto à resolução com justa causa do contrato padece também de nulidade porquanto, ao decidir não apreciar os factos que pretende sejam dados como provados (por irrelevantes), “entra em oposição com a argumentação seguinte em que vem usar o contrário desses factos para fundamentar a improcedência do pedido do recorrente”.

               Mais alega que “a procedência dos anteriores pedidos prejudica a decisão que se tomou quanto à resolução com justa causa, pondo em causa os argumentos utilizados, pelo que a procedência dos anteriores pedidos importa a reapreciação da presente questão”.

           

            Para o Autor existe contradição entre a decisão do acórdão no que respeita aos factos que ele pretendia ver provados e relativos à violação culposa do direito a férias e a decisão tomada quanto à resolução com justa causa do contrato de trabalho.

               Quanto a esta, o Autor pretende que deixem de figurar na matéria de facto provada os factos contidos nos artigos 33 a 37 e 39 a 41, e que sejam aditados os factos que indica.

                 Consta no acórdão recorrido que quanto aos factos que o apelante pretende ver aditados, este tribunal já se pronunciou no anterior acórdão sobre a questão.

            Escreveu-se no aludido aresto:

               

                Avancemos para a apreciação da alegada verificação da justa causa de resolução do contrato de trabalho.

                […]

                Sobre tal questão, escreveu-se com interesse na sentença posta em crise:

               Esta questão refere-se à dívida das retribuições e da verba denominada “ajudas de custo”, mas igualmente se aplica à dívida do subsídio de férias de 2009, sendo que, relativamente às outras duas razões que o trabalhador invocou, relativamente a essas, de uma, não faz qualquer prova, da outra, não lhe assiste qualquer razão. Efetivamente, o subsídio de alimentação foi, ao que se provou, efetivamente pago desde o início, inclusivamente para além de Setembro de 2010 – momento em que se encontrava “disfarçado”, com vantagens para o trabalhador, num acréscimo de cinquenta euros que, desde então, passou a engrossar as “ajudas de custo”. O gozo de férias, o trabalhador não provou que o não tivesse tido, fosse porque não deixou de trabalhar fosse porque aceitou realizar, fraudulentamente, outros trabalhos para o mesmo empregador, em termos e circunstâncias que se não apuraram, circunstância que não pretendeu admitir. Inexiste, assim, qualquer justa causa para a resolução do contrato pelo trabalhador

                Ponderemos sobre a questão suscitada.

               Na carta de resolução do contrato de trabalho remetida pelo trabalhador, ora recorrente, o mesmo fundamenta a existência de justa causa para a resolução contratual, nas seguintes circunstâncias: Os salários de julho e proporcional do mês de agosto de 2011 não foram pagos, embora já vencidos. O subsídio de alimentação não foi pago desde, pelo menos, setembro de 2010. As ajudas de custo referentes aos meses de junho, julho e agosto de 2011 não foram pagas. O trabalhador nunca gozou férias. O proporcional do Subsídio de férias de 2009 não foi pago (cf. ponto factual provado sob o n.º 12).

Ficou demonstrado nos autos que à data da missiva se encontravam efetivamente em dívida: o salário de julho e o proporcional do mês de agosto de 2011; as ajudas de custo referentes aos meses junho, julho e agosto de 2011; e o proporcional do subsídio de férias de 2009. Igualmente ficou provado que o demandante nunca gozou férias.

               No total, encontrava-se em dívida o montante de € 3.213,12 [€ 1.041,12 de retribuições; € 1.750,00 de ajudas de custo; € 422,00, proporcional do subsídio de férias], para além do inconcretizado direito a férias.

               Independentemente da culpa pelo não pagamento das prestações pecuniárias em dívida (uma vez que não se provou a violação culposa do direito a férias do trabalhador), afigura-se-nos que a justa causa de resolução do contrato de trabalho, nas concretas circunstâncias do caso, não se verifica, acompanhando assim o entendimento do tribunal a quo.

               Efetivamente, o quadro factual revela-nos que durante dois anos, o autor nunca reclamou o proporcional do subsídio de férias de 2009. (Ainda que não culposa a violação do direito a férias, também não há notícia de qualquer reclamação pela falta de gozo das mesmas). Em julho de 2011, assume perante a ré a responsabilidade pelo pagamento dos prejuízos causados no veículo que conduzia, em 19/7/2011, na .... Tendo-lhe sido comunicado no princípio de agosto de 2011 que a reparação do camião era de € 2.689,00, de imediato o autor entrou de baixa médica, não mais tendo comparecido no seu posto de trabalho até à cessação do vínculo laboral.

               Do contexto descrito não se depreende que tenha sido a falta de pagamento atempado das aludidas prestações pecuniárias que tenha tornado insustentável a manutenção da relação laboral, para o trabalhador. Nem sequer estão alegadas e muito menos provadas dificuldades económicas na gestão diária da vida do trabalhador, pelo não recebimento de tais prestações (sendo certo que eventuais dificuldades derivadas da baixa não podem ser consideradas).

               O incumprimento contratual em causa não tornou, no nosso entender, imediata e impossível a manutenção da relação laboral.

                Daí que nenhum reparo nos mereça a sentença posta em crise, ao ter considerado inverificada a invocada justa causa de resolução do contrato, com a consequente absolvição da ré no pedido de condenação no pagamento da indemnização previsto no artigo 396.º do Código do Trabalho.”

               Ora, do transcrito não resulta qualquer oposição entre os fundamentos e a decisão da inexistência de justa causa para o autor ter resolvido o seu contrato de trabalho.

.

               Diz o Autor que a procedência dos anteriores pedidos (não pagamento das férias e violação culposa do direito a férias) prejudica a decisão que se tomou quanto à resolução com justa causa do seu contrato de trabalho, uma vez que, segundo o mesmo, põem em causa os argumentos utilizados para a sua improcedência.              

                Como já se viu, esses dois pedidos improcederam pelo que a reapreciação desta questão ficou inviabilizada.

               Não se verifica, pois, a arguida nulidade, de oposição entre os fundamentos e a decisão, na parte respeitante à inexistência de justa causa para a resolução do contrato.

               

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            Do recurso:

           

           1) - Violação das normas contidas nos artigos 72º e 74º, ambos do CPT, 5º, 662º, n.º 2, alínea c), e 608º, n.ºs 1 e 2, estes do CPC, 394º n.ºs 1 e 2, e 246º, estes do CT:

            Esta questão é subsidiária em relação à arguição das nulidades.

               Ora, uma vez que não se verificaram as invocadas nulidades, deve conhecer-se desta questão.

               O Recorrente não nos diz, quer nas alegações quer nas conclusões, como é que o acórdão recorrido é violador das mencionadas normas.

               Acresce que, se bem interpretamos os fundamentos e as conclusões do recurso, não se violaram quaisquer normas integrantes dos preceitos citados.

                ASSIM:

                - Artigos 72º e º 74º, ambos do CPT:

                Estipula o artigo 72º, n.º 1, do CPT, que “se no decurso da prova surgirem factos que, embora não articulados, o tribunal considere relevantes para a boa decisão da causa, deve ampliar a base instrutória ou, não a havendo, tomá-los em consideração na decisão da matéria de facto, desde que sobre eles tenha incidido discussão.

                Por sua vez, o artigo 74º, do CPT, que determina que “o juiz deve condenar em quantidade superior ao pedido ou em objeto diverso dele quando isso resulte da aplicação à matéria provada ou aos factos de que possa servir-se, nos termos do artigo 14º, do CPT, de preceitos inderrogáveis de leis ou instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho”.

                - Artigo 72º, n.º 1, do CPT:              

               

                Na sentença da 1ª instância nada se refere sobre o não uso do disposto no artigo 72º, do CPT, e o Recorrente, também, nada alegou sobre essa omissão.

                Fica-se, pois, sem se saber se nas audiências de julgamento surgiram factos novos, não articulados, e se eram relevantes para a boa decisão da causa.

               Se, porventura, surgiram, e não se usou o mecanismo do disposto no n.º 1, do artigo 72º, do CPT, gerou-se uma nulidade processual, nos termos do artigo 195º, n.º 1, do CPC, que devia ter sido arguida na própria audiência, nos termos do artigo 199º, n.º 1, do CPC.

                Não o foi.

               

                Acresce que, findos os debates, podia ainda o tribunal ampliar a matéria de facto, desde que tivesse sido articulada, resultasse da discussão e fosse relevante para a boa decisão a causa.

                Ora, apenas se sabe que não foram articulados factos novos.             

               Por fim, havendo recurso, e no caso da 1ª instância não ter feito uso do disposto no artigo 72º, do CPT, a Relação não pode, oficiosamente, aditar um facto novo, ou seja, ampliar o elenco dos factos provados com outros que, não tendo sido alegados, tenha adquirido aquando da audição dos registos da prova produzida em sede de audiência de julgamento, nem pode ordenar à primeira instância que o faça, na medida em que o poder de reenviar o processo, em ordem à ampliação da matéria de facto, está reservado para situações em que os factos foram alegados.

      

                Artigo 74º, n.º 1, do CPT:

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Como refere Albino Mendes Baptista[6] "a possibilidade de condenação ultra petita é uma decorrência natural do princípio da irrenunciabilidade de determinados direitos do trabalhador.

Assim, só os direitos irrenunciáveis constituem preceitos inderrogáveis.

Exemplo de preceito inderrogável é o direito à retribuição, mas apenas na vigência do contrato, dada a situação de subordinação jurídica em que se encontra o trabalhador relativamente à sua entidade patronal.

(...)

Nestes termos, já não será preceito inderrogável as retribuições a que o trabalhador tem direito em virtude da cessação do contrato, como sejam, no caso da ilicitude do despedimento, os salários intercalares.

(…)

Como escreve J. CASTRO MENDES, a “disposição do artigo 69º, do Código do Processo do Trabalho, só se justifica realmente concebendo a condenação ultra ou extra petita como o suprimento, pelo juiz, dum direito de exercício necessário imperfeitamente exercido pelo seu titular (ou seu representante). Se o autor pede (como podia não ter pedido) o seu salário, apesar de a norma que o impõe ser inderrogável, nos termos que ficaram expostos, o juiz em meu entender deve cingir-se ao pedido, ainda que porventura o autor tivesse direito a mais” (Pedido e Causa de Pedir no Processo do Trabalho”, Curso de Direito Processual do Trabalho, Suplemento da Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 1994, pp. 132-133.

Provou-se que o contrato de trabalho existente entre as partes cessou por resolução unilateral por parte do Autor, em 04 de outubro de 2011, com alegação de justa causa.

Logo, a subordinação jurídica do autor desapareceu em 05.10.2011.

Assim sendo, "in casu" é inaplicável o disposto no artigo 74º, do CPT/1999, não podendo a ré ser condenada "extra vel ultra petitum".

~~~~

             Artigos 5º, 662º, n.º 2, alínea c), e 608º, n.ºs 1 e 2, do CPC:

               

                Artigo 5º, n.º 2:

             O artigo 5º, n.º 2, do CPC, dispõe que “além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz:


a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;
b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar;
c) Os factos notórios e aqueles que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.

           
            Artigo 662º, n.º 3, alínea c):

            Por sua vez, o artigo 662º, n.º 2, alínea c), refere que a Relação deve ainda, mesmo oficiosamente, anular a decisão proferida na 1ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta.


            Artigo 608º, nºs 1 e 2:

            Por fim, no artigo 608º, n.ºs 1 e 2, consta que:

1) Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 278.º, a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica.
2) O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.

               No caso em apreço foram resolvidas todas as questões colocadas pelas partes, como decorre do acórdão recorrido.

               Ora, o que está verdadeiramente em causa, é o direito à retribuição das férias que o Autor nunca gozou e o direito à compensação igual ao valor do triplo da retribuição correspondente ao período em falta, porque, segundo ele, a sua entidade empregadora obstou, culposamente, ao seu não gozo, e, desse facto decorre, necessariamente, a prova, da existência de justa causa para a resolução do seu contrato de trabalho.

               Nestas situações, o Tribunal fica sujeito ao princípio do pedido, decorrente do princípio do dispositivo, e da autorresponsabilidade das partes, de modo a que se o autor não alegar e nem provar os factos respetivos e, simultaneamente, se não formular o pedido correspondente, o direito não lhe pode ser reconhecido.
               
                Como se refere no acórdão desta Secção e Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 03.06.2015, no processo n.º 297/12.3TTCTB.C4.S1[7], “[h]á a dizer que em direito processual do trabalho ainda vigora o princípio do dispositivo.
                O tribunal só pode valer-se dos factos articulados pelas partes, salvo se estes forem de conhecimento oficioso ou tenha sido utilizado em 1ª instância o mecanismo a que alude o artigo 72º do Cód. Proc. Trabalho, o que no caso não foi feito conforme se constata da ata de julgamento”.
               
                O princípio do dispositivo traduz-se na liberdade das partes de decisão sobre a propositura da ação, sobre os exatos limites do seu objeto (tanto quanto à causa de pedir e pedidos, como quanto às exceções perentórias) e sobre o termo do processo.
               No fundo, é um princípio que estabelece os limites de decisão do juiz – aquilo que, dentro do âmbito de disponibilidade das partes, estas lhe pediram que decidisse, Só dentro desta limitação se admite a decisão.
               
               Por outro lado, os factos essenciais/principais devem ser alegados nos articulados, os factos instrumentais podem ser adquiridos para o processo (quer através da alegação das partes, quer através da iniciativa oficiosa do Juiz) até ao encerramento da discussão, na medida em que é este momento que encerra a instrução do processo e os factos principais que não alterem o objeto do processo (factos complementares ou concretizadores) podem, também, ser alegados até ao fim do julgamento, mas não podem ser oficiosamente adquiridos.

               Por fim, do acórdão recorrido resulta, claramente, que o Autor não alegou na petição inicial todos os factos principais relativos ao direito à retribuição das férias não gozadas e ao valor do seu triplo, devido à obstrução do seu gozo pela sua empregadora, e, não o tendo feito, não pode agora pretender que sejam oficiosamente adquiridos.


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                Artigos 246º, e 394º, n.ºs 1 e 2, ambos do CT:


                Artigo 246º:

                Determina este artigo que:
              
1) Caso o empregador obste culposamente ao gozo das férias nos termos previstos nos artigos anteriores, o trabalhador tem direito a compensação no valor do triplo da retribuição correspondente ao período em falta, que deve ser gozado até 30 de abril do ano civil subsequente.
2) Constitui contraordenação grave a violação do disposto no número anterior.

        
         Artigo 394º:

         Por fim, consta no artigo 394º, que:
1) Ocorrendo justa causa, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato.
2) Constituem justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, nomeadamente, os seguintes comportamentos do empregador:
a) Falta culposa de pagamento pontual da retribuição;
b) a  f) (…).

            Ora, o Autor apenas provou que nunca gozou férias.

            Todavia, não provou por que motivo as não gozou, ou seja, se a falta do gozo das férias aconteceu por a isso ter obstado, sem fundamento válido, a sua empregadora.

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           Termos em que se conclui que não se verifica a violação das normas indicadas pelo Autor, ou seja, dos artigos 72º, n.º 1, e 74º, ambos do CPT, 5º, 662º, n, º 3, alínea c) e 608º, nºs 1 e 2, todos do CPC, e artigos 246º, n.ºs 1 e 2, e 394º, nºs 1 e 2, alínea a), estes do CT.

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            2) - Violação do caso julgado:

               Alega o recorrente que tendo o acórdão recorrido decidido não ampliar a matéria de facto provada com outros factos não alegados e a 1ª instância não tendo recorrido ao mecanismo do disposto no artigo 72º, do CPT, se violou o decidido no acórdão 23.03.2015, que determinou a ampliação da matéria de facto, com vista ao esclarecimento dos factos em causa, e que determinaram o seu não gozo de férias.

               

               Ora, os factos a que o recorrente se refere, e que a Relação entendeu não poder apreciar, prendem-se, pois, com a alegada violação culposa do direito a férias.

               No acórdão recorrido, ponderou-se a circunstância de o Autor pretender a inserção de determinada factualidade ao acervo factual assente.

                Ao fazê-lo, concluiu pela improcedência de uma tal pretensão por, por um lado, tal factualidade não ter sido invocada na petição inicial e, por outro, porque o tribunal da 1.ª instância nada refere na decisão da matéria de facto sobre a eventual discussão da materialidade em causa, nos termos e para os efeitos do artigo 72.º do Código de Processo do Trabalho, para além de o recorrente também não invocar o mencionado preceito legal, designadamente a verificação dos pressupostos aí previstos e a sua desconsideração pelo tribunal a quo.

               Concluiu, pois, a Relação que não lhe competia ampliar o elenco dos factos provados com outros que não foram alegados, no âmbito da reapreciação da prova, e nem poderia ordenar à 1.º instância que o fizesse na medida em que o poder de reenviar o processo à 1.ª instância para ampliação da matéria de facto está reservado para as situações em que os factos foram alegados.

               

               Sobre a ampliação da matéria de facto, relativa ao direito a férias e ao seu não gozo, consta no acórdão de 20.03.2015:

               “Na petição inicial o autor alegou que nunca gozou, por culpa da Ré, as férias a que tinha direito (v.g. art.ºs 54° a 62° da petição).

               Na contestação, a Ré aceitou que o autor não gozou as férias a que tinha direito, mas referiu que tal ocorreu a pedido do próprio autor (art.ºs 7° a 9° da contestação), o que o autor impugnou (art.º 11° da resposta).

                Pois bem!

               Apesar de a Ré ter aceitado que o autor nunca gozou as férias a que tinha direito, o certo é que o tribunal recorrido deu como não provada ta! matéria, o que igualmente torna a decisão sobre a matéria de facto obscura, por absoluta ausência de qualquer explicação aceitável para ser postergado o acordo entre as partes sobre o aludido não gozo de férias pelo Autor.

 

               Admitindo-se que essa obscuridade poderia ser ultrapassada por uma alteração oficiosa da decisão sobre a matéria de facto tomada ao abrigo do art.º 662°/1, do NCPC, o certo é que nesse enquadramento subsistiria por apreciar, em termos de facto, a matéria relevante para efeitos de se reconhecer ou não ao autor o direito a que se arroga a ser indemnizado pela falta de gozo de férias que imputa a comportamento culposo da Ré, designadamente, as causas que realmente estiveram subjacentes a esse não gozo (v.g., o aproveitamento por parte da Ré de uma situação de precaridade em que o autor se encontrava de modo a forçá-lo a aceitar a troca das férias por dias de trabalho; pedido do autor no sentido da Ré o deixar trabalhar nos períodos de férias).

               Como assim, também deste ponto de vista importa proceder à anulação da decisão sobre a matéria de facto e da sentença em que a mesma se inclui, com vista à sua ampliação referente à temática do não gozo de férias que está em apreço, nos termos do art.º 662°/2/c, do NCPC.

                IV) - Decisão

               Acordam os juízes que compõem esta secção social do Tribunal da Relação de Coimbra no sentido de anular a decisão sobre a matéria de facto, assim como a sentença na qual se mostra integrada, a fim de que sejam suprimidos os vícios supra enunciados para se justificar esta decisão de anulação, com a consequente repetição da audiência de julgamento relativamente aos atos que se mostrem necessários para tal Desiderato.”

               Ora, analisando-se o acórdão proferido nos autos em 20.03.2015, verifica-se que em momento algum, nomeadamente na parte transcrita, a Relação ali ordenou à 1.ª instância que procedesse à ampliação da matéria de facto com a que o recorrente pretende agora ver aditada, ou de qualquer outra que não tivesse sido alegada na petição inicial.

               No acórdão estão descritos tais factos - os que o Autor pretende sejam agora aditados à factualidade provada - e que são os seguintes:

- No ano de 2010 o A. requereu a marcação das suas férias, pedindo que o gozo se fizesse nos primeiros 15 dias de junho desse ano.

- Não lhe foi permitido gozar as férias no período proposto pelo A., nem em qualquer outro.

- Nos anos de 2010 e 2011, apesar de o A. pedir a marcação das suas férias, a R. não procedeu a essa marcação.

- A R. não afixava o mapa de férias, sendo as mesmas marcadas de forma verbal transmitida diretamente aos respetivos trabalhadores.

                Acrescenta-se no acórdão recorrido que “sucede que este conjunto de factos não foi alegado na petição inicial.

                O tribunal “a quo” nada refere na decisão da matéria de facto, sobre a eventual discussão da materialidade em causa, nos termos e para os efeitos do artigo 72.º do Código de Processo do Trabalho.

                O recorrente também não invoca o mencionado preceito legal, designadamente a verificação dos pressupostos aí previstos e a sua desconsideração pelo tribunal ”a quo”.

                Ora, como é sabido os recursos são meios de impugnação e de correção de decisões judiciais e não vias alternativas para suprir eventuais deficiências de alegação dos factos constitutivos do direito reclamado.

               Não compete à Relação ampliar o elenco dos factos provados com outros, que não tendo sido alegados, adquira por força da reapreciação da prova, nem pode ordenar à 1.º instância que o faça, na medida em que o poder de reenviar o processo à 1.ª instância para ampliação da matéria de facto está reservado para as situações em que os factos foram alegados”.

                Verifica-se, pois, que o próprio acórdão recorrido alude à circunstância de o Tribunal da Relação não poder ordenar à 1ª instância a ampliação da matéria de facto com factos que não foram alegados pelas partes nos articulados.

               Ora, como decorre quer da fundamentação quer da decisão, ambas do acórdão proferido em 20.03.2015, o Tribunal da Relação não mandou que a matéria de facto fosse ampliada com os factos agora invocados pelo recorrente.

                Não houve, consequentemente, violação de qualquer caso julgado.

IX

            - Deliberação:

Pelo exposto, delibera-se:


- Indeferir as arguidas nulidades do acórdão recorrido;
- Negar a revista e, consequentemente, manter o acórdão recorrido.
- Condenar o Autor/Recorrente nas custas da revista.
      Notifique.

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Lisboa, 18 de abril de 2018

Ferreira Pinto (Relator)

Chambel Mourisco

Pinto Hespanhol

Lisboa, 18 de abril de 2018

Ferreira Pinto [Relator]

Chambel Mourisco

Pinto Hespanhol

_________________
[1] - N.º 023/2017 – (FP) – CM/PH.
[2] - Sublinhados e negritos nossos.
[3] -Do n.º 31 passa diretamente para o n.º 33.
[4] . Código de Processo Civil, volume 2º, 3ª edição, Almedina, julho/2017, páginas 736/737.
[5] - Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, 2ª edição, páginas 219/ 220.
[6] - Código de Processo do Trabalho, anotado, 2ª edição (reimpressão), Quid Juris escreve J. Castro Mendes, a “disposição, 2002, páginas 180/181, notas 5ª/6ª, ao artigo 74º, que corresponde ao artigo 69º, do anterior CPT.
[7] http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/8043986f1447924680257e5a0032763e?OpenDocument