Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
121/01.2GBPMS.C1.S1
Nº Convencional: 5ª SECÇÃO
Relator: MANUEL BRÁZ
Descritores: PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
INFRACÇÃO DE REGRAS DE CONSTRUÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
MORTE
CÔNJUGE
FILHO MENOR
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO
ACIDENTE DE VIAÇÃO
PROPOSTA RAZOÁVEL PARA INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 11/05/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Sumário :

I - A indemnização pelo dano não patrimonial – que é mais compensação –, destina-se a minorar, a atenuar o mal consumado, e não a restituir o lesado à situação em que se encontraria se não se tivesse verificado a lesão; o que se pretende com esta indemnização é a atribuição ao lesado de uma soma em dinheiro que lhe permita um acréscimo de bem-estar que sirva de contraponto ao sofrimento moral provocado pela lesão.
II - Tratando-se de recurso restrito à indemnização cível [por dano não patrimonial fixado pela 1.ª instância e confirmado pelo Tribunal da Relação, em € 23 000] atribuída a viúva e filha menor, num caso de crime de infracção de regras de construção agravado, p. e p. pelos arts. 277.º, n.ºs 1, al. a), e 3, e 285.º, ambos do CP – sendo certo que cada caso é tendencialmente diferente dos restantes, devem ser tidos em conta todos os dados que permitam evitar grandes disparidades, ou seja, o excesso de subjectivismo na fixação dos valores da compensação por estes danos, o que não colide com a ideia de equidade e é até uma decorrência do princípio da igualdade –, devem ponderar-se as indicações fornecidas pela Portaria n.º 377/2008, de 26-05, que, embora estabelecidas para os danos sofridos na decorrência de acidente de viação, são transponíveis para o caso presente, visto serem da mesma natureza os danos a indemnizar.
III -Esse diploma não fixa os valores a atribuir pelos danos desta natureza, nem podia fixar, pois esses valores dependem das circunstâncias de cada caso, mas os montantes ali referidos impõem-se apenas para efeito de apresentação de proposta razoável para indemnização, sendo um ponto de partida: os valores aí previstos são € 25 000 para o cônjuge com 25 ou mais anos de casamento; € 20 000 para o cônjuge com menos de 25 anos de casamento e € 15 000 para cada filho com idade menor ou igual a 25 anos.
IV -Devendo ser também levados em conta os padrões geralmente adoptados pela jurisprudência na fixação da indemnização, verifica-se não haver fundamento para reduzir o valor fixado pelas instâncias para compensar a viúva, já que não se mostra desproporcionado em face da gravidade do dano e do grau de culpa e não é excessivo como lenitivo para o mal sofrido; no entanto, o montante da indemnização atribuída à filha menor é muito superior ao da Portaria, devendo ser reduzido, considerando-se adequado o valor de € 18 000.
Decisão Texto Integral:



Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:

No Tribunal Judicial da comarca de Porto de Mós, no final de julgamento em processo comum com intervenção do tribunal colectivo, foi proferido acórdão que condenou
-os arguidos AA e BB, pela prática de um crime de infracção de regras de construção agravado, p. e p. pelos artºs 277º, nºs 1, alínea a), e 3, e 285º do CP, na pena de 150 dias de multa a € 15 por dia;
-os arguidos e “CC – Materiais de Construção, Lda” a pagarem, solidariamente, as quantias a seguir referidas, acrescidas de juros de mora à taxa legal, desde a notificação do pedido:
-€ 45 000,00 às demandantes DD e EE, a título de indemnização pelo dano não patrimonial concretizado na perda do direito à vida de FF;
-€ 23 000,00 a cada uma dessas demandantes, a título de indemnização pelo dano não patrimonial consubstanciado no sofrimento que lhes causou a morte do FF.

Por acórdão de 28/04/2009, a Relação de Coimbra julgou improcedente o recurso interposto da decisão de 1ª instância por arguidos e demandados.

Do acórdão da Relação interpôs recurso para o STJ a demandada “CC – Materiais de Construção, Lda”, concluindo assim a sua motivação:
-«O presente recurso recai apenas sobre a decisão em matéria cível, uma vez que a penal não admite recurso.
-Não convence o acórdão recorrido na sua argumentação sobre a improcedência da posição dos recorrentes.
-A fundamentação que, na maior parte do acórdão, se limita a ser uma mera compilação de transcrições de outros acórdãos ou posições doutrinais, é inconsistente, de âmbito geral, “lapalissiana” e pouco assente no caso concreto.
-A fundamentação utilizada em nada põe em causa a argumentação da recorrente dispendida no recurso interposto para o tribunal “a quo”.
-A recorrente não defende, como pretende o acórdão recorrido, que o sofrimento dos ricos é diferente do dos pobres.
-Mas sim que a forma de compensação, o que de resto é apenas a concretização da posição perfilhada pelo tribunal “a quo”, é diferente consoante a necessidade, reflectida num “quantum” de compensação, para fazer “esquecer” os males de que foram vítimas os diferentes lesados, tendo em conta as circunstâncias sociais, económicas e emocionais, e de relação familiar e fraternal.
-Nos autos resultou matéria parca quanto às relações das vítimas com o falecido, assim como resultou provado que a família era de baixa condição económica.
-Parece-nos justo e suficiente, atentas as circunstâncias resultantes dos autos, uma indemnização, a cada uma das demandantes cíveis, próxima de metade do valor arbitrado, até por contraposição com o caso indicado no acórdão ora recorrido, “in fine”.
-O acórdão recorrido continua a incorrer, tal como na 1ª instância, no vício a que alude o artº 410º, nº 2, alínea c), do CPP, ou seja, erro notório na apreciação da prova, assim como na violação do artº 496º do C. Civil».


Responderam as demandantes, defendendo a manutenção da decisão recorrida.
O recurso foi admitido.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.


Fundamentação:
Foram dados como provados os seguintes factos (transcrição):
1. A sociedade “CC – Materiais de Construção, Lda” é uma sociedade por quotas constituída em 27 de Abril de 1990, encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Porto de Mós com o nº 864/9000427 e tem a sua sede em ................., Porto de Mós.
2. A actividade desenvolvida por tal sociedade consiste no “comércio de materiais de construção e reparação de edifícios”.
3. O arguido AA é, e era no dia 18 de Abril de 2001, gerente da referida sociedade, e, nesse dia, agia em seu nome e no seu interesse.
4. Por sua vez, o arguido BB era o empregado mais experiente da sociedade “................. – Materiais de Construção, Lda” e, nas faltas e impedimentos do arguido AA era quem exercia as funções de encarregado das obras, trabalho e pessoal onde ele e os demais trabalhadores daquela se encontrassem em laboração.
5. O FF, era, nesse dia 18 de Abril de 2001, empregado da sociedade “................. – Materiais de Construção, Lda”, trabalho esse que efectuava sob as ordens, direcção e fiscalização desta e do seu gerente, o arguido AA e, na falta deste, sob as ordens e orientações do arguido BB, com a categoria profissional de ‘’pedreiro de 1ª”, auferindo, mensalmente, o salário de 87.700$00 (oitenta e sete mil e setecentos escudos), acrescido da quantia de 610$00 (seiscentos e dez escudos) diários, a título de subsídio de alimentação.
6. No dia 18 de Abril de 2001, pelas 9.35 horas, estando a decorrer as obras de ampliação do Quartel da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do Juncal, sito em Juncal, Porto de Mós, a cargo da sociedade “CC – Materiais de Construção, Lda”, alguns dos trabalhadores desta, sob as ordens directas do arguido AA, procediam ao enchimento da laje da torre do edifício, de dimensões não concretamente apuradas, cujo topo tinha uma altura de cerca de quatro metros em relação à base do terceiro piso.
7. No decorrer desses trabalhos, e estando a ser utilizada malha-sol para efectuar o aludido enchimento, porque faltasse um pedaço para o completar, foi pedido aos trabalhadores que se encontravam no terceiro piso que o cortassem do rolo que aí se achava e o içassem até onde decorriam os trabalhos na torre.
8. Tendo o FF pedido a GG, que com ele se encontrava no referido terceiro piso, que lhe cortasse uma quantidade de rede malha-sol, o que este fez, aquele ergueu-a do chão, para se encaminhar com ela em direcção da torre,
9. Altura em que recebeu uma descarga e um choque eléctricos no e pelo corpo,
10. Os quais lhe provocaram “asfixia por tetanização dos músculos respiratórios, fibrilação ventricular e inibição bulbar”, através do mecanismo de electrocussão,
11. Tendo, na sequência desta, sofrido o referido FF as lesões descritas no Relatório de Autópsia de fls. 17 a 27, as quais se dão por integralmente reproduzidas e foram causa adequada directa e necessária da sua morte.
12. O pedaço de malha-sol que o FF tinha consigo quando ocorreu a descarga eléctrica fora cortado de um rolo do mesmo material, que se encontrava sobre a base do terceiro piso, sensivelmente a sete metros da torre, onde ia ser aplicado,
13. Tendo sido levantado pelo FF por debaixo de três cabos de rede eléctrica que, em relação à base desse terceiro piso, se situavam a uma distância não inferior a 4 metros, sendo tal piso ladeado por muros cuja distância, nos seus pontos mais elevados, dos mencionados cabos era de cerca de 2,5 metros.
14. Cabos esses de cobre de secção de 16 mm2 e que integravam a linha aérea de média tensão a 30 Kv, com 810 metros do apoio n° 16 para o PT do Juncal ao PT n° 224 também do Juncal, linha aérea de média tensão essa (“LAMT”) que beneficiava da licença de exploração conferida por Despacho de 31 de Dezembro de 1983, emitida pelo então Ministério da Indústria e Energia – Direcção de Fiscalização Eléctrica do Centro.
15. A forma supra descrita como o trabalho foi levado a cabo pela vítima FF potenciava o perigo de queimaduras e electrocussão deste, com a consequente morte do mesmo, como efectivamente veio a suceder.
16. Em 30 de Março de 2001, o então comandante da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do Juncal,HH, havia solicitado à “EDP – Distribuição Energia, SA” A realização de uma reunião para que procedesse ao desvio da linha aérea de média tensão (“LAMT”),
17. A qual, nessa data, veio a realizar-se nas instalações daquela empresa, em Caldas da Rainha,
18. Tendo-se então deslocado um técnico da “EDP – Distribuição de Energia, SA” ao local onde decorriam as obras de ampliação do quartel dos Bombeiros Voluntários do Juncal,
19. O qual, constatando que a linha aérea de média tensão (“LAMT”) estava à distância mínima de quatro metros da placa sobre a qual assentava o dito terceiro piso, não havia ainda sido desviada e não se encontrava fora de tensão,
20. Transmitiu ordens ao comandante dos Bombeiros Voluntários do Juncal para que não avançassem com as obras ao nível do último piso, vedassem o acesso ao mesmo a toda e qualquer pessoa até à conclusão dos trabalhos do desvio da linha
21. Antes e durante a realização dos trabalhos supra descritos, os arguidos AA e BB sabiam da existência, naquele local, de uma linha aérea de média tensão (“LAMT”) e que distava da placa do terceiro piso, no qual a vítima FF se encontrava, a uma distância de, pelo menos, quatro metros.
22. Não obstante, ordenaram que os trabalhos prosseguissem, apenas fazendo suspender a colocação da cobertura, sem terem mandado colocar barreiras. Guardas de protecção e/ou outros avisos que indicassem e alertassem os demais trabalhadores a distância mínima da linha aérea de média tensão (“LAMT”) até à qual se poderiam aproximar, em comprimento e em altura,
23. E bem sabendo da inexistência dessas barreiras, guardas de protecção ou avisos.
24. Ao omitirem tais deveres de cuidado e ao permitirem que a vítima efectuasse o seu trabalho nos moldes descritos, os arguidos AA e BB não chegaram a configurar a hipótese de que a continuação dos trabalhos, conforme anteriormente descrito, pudesse colocar em perigo a integridade física ou a vida de qualquer trabalhador que aí desenvolvia a sua actividade, nomeadamente a de FF,
25. Não tendo representado como possível que pudesse ocorrer a sua electrocussão e a sua morte, como veio a verificar-se,
26. Agindo convictos de que tal electrocussão e subsequente morte não viesse a ocorrer,
27. Os arguidos AA e BB, omitindo os apontados deveres de cuidado, agiram conscientes da reprovabilidade das suas condutas, bem sabendo que as mesmas eram proibidas e punidas por lei;
28. O arguido BB foi condenado, por decisão de 04.02.2005, proferida no processo sumário nº 11/05.0TAVNO, do 1° Juízo do Tribunal Judicial de Ourém, pela prática, em 09.01.2005, de um crime de violação de meios e processos de caça permitidos, previsto e punível pelo artigo 31° da Lei nº 173/99, de 21 de Setembro e artigo 82º, nº 2, do Decreto – Lei n° 202/04, de 18/8, na pena de 50 dias de multa à taxa diária de € 5,00, que cumpriu;
29. À data da sua constituição, a sociedade “CC – Materiais de Construção, Lda” tinha como sócios II e AA, incumbindo a gerência a ambos os sócios, situação que se mantinha inalterada à data do acidente que vitimou FF;
30. As demandantes DD e EE, respectivamente viúva e filha de FF, foram habilitadas como únicas sucessoras deste.
31. À data da morte de FF, o seu agregado familiar era constituído por ele próprio, pela esposa e pela filha EE, então menor.
32. O falecido FF contribuía regularmente para o sustento do seu agregado familiar.
33. A EE, à data da morte do seu pai, estudava;
34. Posteriormente, em data e por razões não apuradas, deixou de o fazer.
35. A vítima era uma pessoa sociável, alegre, respeitada e respeitadora.
36. A morte de FF , nas referidas circunstâncias, causou às demandantes desgosto e sofrimento.
37. À data do acidente que vitimou o FF, a “CC – Materiais de Construção, Lda” tinha transferido a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho para a interveniente “Companhia de Seguros Açoreana, SA”, pelo menos com base na remuneração de 85.700$00 X14 meses, mediante contrato de seguro titulado pela apólice n° 10.167766.
38. No processo de Acidente de Trabalho n° 169/2001, que correu termos no 1° Juízo do Tribunal de Trabalho de Leiria, por decisão de 23.01.2003, confirmada por acórdão da Relação de Coimbra de 16.02.2004, “Companhia de Seguros Açoreana, SA” e “CC – Materiais de Construção, Lda” foram condenadas a pagar:
a DD:
-a pensão anual e vitalícia no valor de € 2.050,67, com efeitos a partir de 19.04.2001, cabendo à seguradora suportar a pensão anual e vitalícia no montante de € 1.795,37 e à ré sociedade a pensão anual e vitalícia de € 255,30, passando a pensão para o montante de € 2.734,23 quando aquela atingir a idade da reforma, sendo a mesma suportada na proporção de € 2.393,83 e € 340,40, respectivamente para a ré seguradora e para a ré entidade patronal;
-a quantia de € 2.005,17, a título de subsídio por morte, cabendo à ré seguradora o pagamento da quantia de € 1.755,53 e à ré entidade patronal o pagamento da quantia de € 294,64;
-juros de mora, à taxa legal, sobre as prestações já vencidas, desde a data do respectivo vencimento até integral pagamento;
a EE:
-a pensão anual temporária de € 1.367,12, a partir de 19.04.2001, cabendo à ré seguradora o pagamento anual da quantia de € 1.196,92 e à ré entidade patronal o pagamento da quantia anual de € 170,20;
-a quantia de € 2.005,17, a título de subsídio por morte, cabendo à ré seguradora o pagamento da quantia de € 1.755,53 e à ré entidade patronal o pagamento da quantia de € 294,64;
-juros de mora, à taxa legal, sobre as prestações já vencidas, desde a data do respectivo vencimento até integral pagamento.
39. No momento da sua morte, o FF apresentava uma taxa de 1,27 g/l de álcool no sangue.

E foi dado como não provado que (transcrição)
-na sequência do descrito no nº 20 dos factos provados, o Comandante e a Direcção da Associação Humanitárias dos Bombeiros Voluntários do Juncal ordenaram ao arguido AA que não prosseguisse com os trabalhos de ampliação no e para o terceiro piso;
-no dia 18 de Abril de 2001, pelas 9h 35m, os arguidos ordenaram a FF que, juntamente com outros trabalhadores, procedesse à limpeza do terceiro piso da obra de ampliação do quartel dos Bombeiros Voluntários do Juncal, com a finalidade de prepararem o enchimento de uma placa com as dimensões de 5 por 4 metros;
-tal piso ficava a uma distância mínima de 2,50 metros dos cabos de rede eléctrica;
-foi a Direcção dos Bombeiros Voluntários do Juncal a solicitar à EDP o desvio da linha aérea de média tensão e que tenha sido à mesma Direcção que o técnico desta empresa transmitiu as ordens aludidas em 20 dos factos provados;
-antes do acidente, o FF se dirigiu ao terceiro piso com a quantidade de rede de malha-sol, que antes havia sido cortada pelo GG
-o mesmo tocou com essa quantidade de rede de malha-sol na linha aérea de média tensão, que distava de si 2,50 metros;
-os arguidos permitiram que a vítima FF efectuasse o seu trabalho da forma descrita sabendo dos riscos e possibilidades de poder vir a ocorrer a sua electrocussão, representando como possível que tal electrocussão e a sua morte viesse a verificar-se;
-à data da morte do seu pai, a EE frequentava o 9° ano de escolaridade;
-a mesma terminou aquele ano lectivo com muitas dificuldades;
-se inscreveu no 10° ano, mas teve de desistir, quer por dificuldades económicas, quer pelo estado depressivo com que ficou;
-era seu desejo tirar um curso superior;
-o falecido FF “estava inserido num núcleo familiar estável”;
-era muito unido à sua filha e mulher, e vice-versa;
-as demandantes, com a morte daquele, entraram em depressão;
-ficaram em choque, que só com grande esforço e acompanhamento médico foi sendo atenuado;
-a demandante DD desempenha as funções de operária fabril e aufere mensalmente a quantia de € 394,05 e que a mesma suporta renda de casa, no valor de € 200,00;
-o sinistrado teve morte imediata.


Conhecendo:
O objecto do recurso é limitado à indemnização atribuída pelas instâncias às demandantes pelo dano não patrimonial concretizado no sofrimento que a morte do FF lhes causou. Nem podia ser de outro modo, visto que já no recurso para a Relação, em matéria civil, foi esse o único ponto da decisão de 1ª instância que se impugnou.
A indemnização por danos não patrimoniais é, de acordo com o disposto nos artºs 496º, nº 3, e 494º do CPC, fixada equitativamente, considerando a culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado, as especiais circunstâncias do caso e a gravidade do dano.
Como ensina Antunes Varela, “o montante da reparação deve ser proporcionado à gravidade do dano, devendo ter-se em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida” (Das Obrigações em Geral, Almedina, 9ª edição, 1º volume, páginas 627 e 628).
Esta indemnização, que é mais compensação, destina-se a minorar, a atenuar o mal consumado, e não a restituir o lesado à situação em que se encontraria se não se tivesse verificado a lesão. O dano não patrimonial não é susceptível de ser medido em termos monetários. O que se pretende com esta indemnização é a atribuição ao lesado de uma soma em dinheiro que lhe permita um acréscimo de bem-estar que sirva de contraponto ao sofrimento moral provocado pela lesão.
A indemnização pelo dano concretizado no sofrimento que a morte do FF causou às demandantes DD e EE foi fixada, como se viu, em € 23 000,00 para cada uma, sendo que a primeira é cônjuge do falecido e a segunda filha.
A recorrente discorda desses valores, defendendo a sua redução para metade. Funda a sua pretensão na baixa condição económico-social das demandantes e na circunstância de não se haver provado que: a) o falecido “estava inserido num núcleo familiar estável”; b) “era muito unido à sua filha e à sua mulher, e vice-versa”; c) com a morte do marido e pai, as lesadas entraram em depressão e ficaram em choque. Fala ainda, a este propósito, no vício previsto no artº 410º, nº 2, alínea c), do CPP – erro notório na apreciação da prova.
A alegação deste vício é despropositada, desde logo porque o erro notório na apreciação da prova é um vício da decisão da matéria de facto e a questão de saber qual o valor da indemnização pertence à decisão de direito. Nem a recorrente poderia impugnar no recurso para o STJ, mesmo pela via do artº 410º, nº 2, a decisão sobre matéria de facto, como é jurisprudência pacífica deste tribunal (cfr., por exemplo, acs. de 08/02/2007, no processo nº 07P159, 15/02/2007, no processo nº 07P015, 08/03/2007, no processo nº 07P447, 15/03/2007, no processo nº 07P663, e 29/03/2007, no processo nº 07P339, todos consultáveis em www.dgsi.pt).
Em relação aos indicados factos, é certo que foram considerados não provados, sem que, porém, a fundamentação da decisão de facto esclareça as razões pelas quais se decidiu assim nesta parte. Mas a decisão de considerar não provado um facto não significa que se tenha como provado o contrário.
E ficou provado que a morte do FF causou às demandantes “desgosto e sofrimento”. E, se o falecido vivia com as demandantes, contribuindo regularmente para o sustento do agregado familiar, e era pessoa respeitadora e respeitada, como também se provou, deve concluir-se que esses “desgosto e sofrimento” se situam ao nível do que é normal acontecer nos casos de morte do marido e do pai, designadamente no caso de uma filha menor.
A recorrente tem razão quando diz que a situação económica das demandantes é um factor a atender na fixação da indemnização por este dano. É a lei que assim manda proceder, concretamente o artº 494º, para o qual remete o nº 3 do artº 496º, como se disse.
A decisão de facto expressamente nada diz sobre a situação económica das lesadas. Os únicos dados fornecidos estão na natureza da profissão exercida pelo falecido e no salário que auferia, a indicar alguma modéstia. É certo que não se sabe se a demandante viúva exercia ou exerce alguma actividade remunerada e/ou tem rendimentos de outra natureza, mas, a exercê-la, a respectiva remuneração não se afastará significativamente da auferida por aquele.
A conclusão de uma situação económica modesta é, pois, fundada.
Mas, para além deste dado, que pode fornecer indicações sobre a medida de bem-estar capaz de contrabalançar a dor sofrida por cada uma das demandantes com a morte do marido e pai, há que considerar o grau de culpa do lesante, que, no caso, é considerável, pois, estando-se embora no plano da mera negligência, houve clara omissão dos mais elementares deveres de cuidado.
Por outro lado, sendo certo que cada caso é, nas circunstâncias atendíveis, tendencialmente diferente dos restantes, devem ser tidos em conta todos os dados que permitam evitar grandes disparidades, ou seja, o excesso de subjectivismo na fixação dos valores da compensação por estes danos, o que não colide com a ideia de equidade e é até uma decorrência do princípio da igualdade.
Nesse plano, temos desde logo as indicações fornecidas pela Portaria nº 377/2008, de 26 de Maio, que, embora estabelecidas para os danos sofridos na decorrência de acidente de viação, são transponíveis para o caso presente, visto serem da mesma natureza os danos a indemnizar. Esse diploma não fixa os valores a atribuir pelos danos desta natureza, nem podia fixar, pois esses valores dependem das circunstâncias de cada caso, nos termos das citadas disposições do CC. Os valores referidos nessa Portaria impõem-se apenas para o efeito de apresentação de proposta razoável para indemnização. São apenas um ponto de partida.
Os valores aí previstos são os seguintes:
-€ 25 000 para o cônjuge com 25 ou mais anos de casamento;
-€ 20 000 para o cônjuge com menos de 25 anos de casamento;
-€ 15 000 para cada filho com idade menor ou igual a 25 anos.
Sabe-se que a lesada EE era menor e estudava, mas não se sabe quantos anos de casamento a vítima e a demandante DD tinham um com o outro.
Devem também ser levados em conta os padrões geralmente adoptados pela jurisprudência na fixação da indemnização.
E os valores que vêm sendo decididos por este Supremo Tribunal para compensar o dano consubstanciado no sofrimento causado pela morte de cônjuge não se afastam muito do montante da indemnização fixado pelas instâncias para a demandante viúva. Por exemplo, em acórdão de 05/06/2008, proferido no procº nº 08A1177, foi decidido o montante de € 25 000. Já para compensar o sofrimento de filho menor com a morte do pai têm sido fixados valores mais baixos, como no mesmo acórdão, onde se decidiu o montante de € 20 000.
O valor fixado pelas instâncias para compensar o sofrimento que a morte do FF causou à demandante viúva situa-se abaixo do máximo previsto na referida Portaria e de valores que têm sido decididos por este tribunal para indemnizar igual dano e pouco acima do mínimo estabelecido naquele diploma legal, enquanto o montante fixado para a demandante filha está muito acima do ali indicado.
Relevante é ainda o facto de aos valores fixados acrescerem juros de mora desde Janeiro de 2007, data da notificação do pedido civil.
Ponderando todos estes dados, conclui-se não haver fundamento para reduzir o valor fixado pelas instâncias para compensar a viúva por este dano, valor esse que não se mostra desproporcionado em face da gravidade do dano e do grau de culpa e não é excessivo como lenitivo para o mal sofrido. Já o montante da indemnização atribuída à lesada EE, muito superior ao da Portaria, deve ser reduzido, considerando-se adequado o valor de € 18 000.




Decisão:
Em face do exposto, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça, no provimento parcial do recurso, em alterar a decisão recorrida do seguinte modo: A indemnização a pagar pela recorrente CC à lesada EE passa a ser de € 18 000 (dezoito mil euros).
Custas pela recorrente e pela demandante EE, na proporção do respectivo decaimento.


Lisboa, 05 de Novembro de 2009


Manuel Braz (Relator)
Santos Carvalho