Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1852/08.1TBSCR.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: OLINDO GERALDES
Descritores: ESCRITURA PÚBLICA
INCAPACIDADE ACIDENTAL
ASSINATURA
DECLARAÇÃO NEGOCIAL
ACTO NOTARIAL
ATO NOTARIAL
ANULABILIDADE
ANOMALIA PSÍQUICA
INTERDIÇÃO
VÍCIOS DA VONTADE
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 06/08/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / PESSOAS SINGULARES / INTERDIÇÕES / NEGÓCIO JURÍDICO / FACTOS JURÍDICOS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS.
DIREITO DOS REGISTOS E NOTARIADO / ACTOS NOTARIAIS ( ATOS NOTARIAIS ) / REQUISITOS DOS INSTRUMENTOS NOTARIAIS.
Doutrina:
- C. MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª edição, 2005, 538.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 671.º, N.ºS 1 E 3, 674.º, N.º 3.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 150.º, 257.º, 342.º, N.º 1, 346.º.
CÓDIGO DO NOTARIADO (CNOT): - ARTIGO 51.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 22 DE JANEIRO DE 2009, PROCESSO N.º 08B3333, EM WWW.DGSI.PT, E NA COLETÂNEA DE JURISPRUDÊNCIA (STJ), ANO XVII, T.1, 74.
-DE 19 DE JANEIRO DE 2016, PROCESSO N.º 893/05.5TBPCV.C1.S1, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I. A declaração negocial, para ser perfeita, deve provir de uma vontade esclarecida e livre.

II. Padecendo o declarante, devido a “qualquer causa”, de deficiência de discernimento e falta de liberdade na decisão negocial e sendo essa incapacidade notória ou conhecida do declaratário, a declaração negocial é anulável.

III. No reconhecimento da incapacidade acidental, nomeadamente no ato da celebração de negócio jurídico, é insuficiente que a data do início da incapacidade decretada na sentença de interdição, por anomalia psíquica, seja anterior à daquele ato.

IV. Em circunstâncias muito específicas, é admissível a assinatura da declaração negocial mediante a aposição da impressão digital do indicador da mão direita, sendo esta fisicamente possível.

V. Não podendo afirmar-se que o declarante estivesse desprovido da sua capacidade de entender e querer, o auxílio prestado, na aposição da impressão digital na escritura, não retira a genuinidade exigida ao ato.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



I – RELATÓRIO


AA instaurou, em 16 de dezembro de 2008, no então 2.º Juízo da Comarca de Santa Cruz (Juízos Centrais Cíveis do Funchal, Comarca da Madeira), contra BB, CC, DD, EE e FF e marido, GG, ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, pedindo que fosse declarada a nulidade da escritura de compra e venda de 29 de abril de 2005, tendo por objeto o prédio urbano, descrito, sob o n.º 35… (C…), na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz, e o prédio rústico, descrito sob o n.º 34… (C…), na mesma Conservatória, ordenado o cancelamento de todos os registos feitos com base nessa escritura, bem como de todos registos posteriores, e todos os Réus condenados a indemnizá-lo em quantia a liquidar ulteriormente.

Para tanto, alegou, em síntese, que seu pai, HH, tendo sido declarado judicialmente interdito, com efeitos a partir de 16 de setembro de 2003, e por ação dos Réus, dispôs do seu direito sobre tais bens através em tal escritura pública, sem receber qualquer preço, mediante a aposição da impressão digital, para o que a mão foi segurada por alguém.

Contestaram os Réus, por exceção e impugnação, alegando, designadamente, que, no momento da escritura, HH não padecia de qualquer anomalia mental ou psíquica, tendo a sua capacidade de entendimento sido atestada por dois médicos, e concluindo pela improcedência da ação.

Replicou o A., respondendo à matéria de exceção e, por outro lado, ampliando o pedido, subsidiariamente, pediu que fosse declarada a ineficácia da escritura em relação a si, enquanto herdeiro de HH, ampliação que foi admitida.

Convidado pelo Tribunal, o A. requereu a intervenção principal dos demais herdeiros de HH, II, JJ e KK, os quais, tendo sido citados, nada disseram. 

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida, em 27 de janeiro de 2016, a sentença que, julgando a ação parcialmente procedente, declarou a ineficácia da escritura pública celebrada em 29 de abril de 2005 e consequente nulidade da compra venda e ordenou o cancelamento de todos os registos efetuados com base na escritura pública.


Inconformados com a sentença, os RR., BB, DD, CC e EE, assim como ainda os RR., FF e GG, e, subordinadamente, o A. apelaram para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por acórdão de 12 de janeiro de 2017, revogou a sentença, absolvendo os RR. dos pedidos.


Inconformado com o acórdão, o Autor recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça e, tendo alegado, formulou essencialmente as conclusões:

a) O acórdão recorrido, ao valorizar em excesso os depoimentos dos dois médicos intervenientes na escritura e do notário, em prejuízo dos depoimentos de outras testemunhas e da sentença de interdição, com especial referência para os relatórios do diretor da Santa Casa da Misericórdia de M… e do neurocirurgião que examinou HH, julgou mal, errou.

b) No dia 29 de abril de 2005, HH estava incapacitado para gerir a sua pessoa e os seus bens.

c) A escritura deve ser declarada nula.

d) O Tribunal da Relação de Lisboa violou, por erro de interpretação, os n.º s 1 a 5 do art. 51.º do Código do Notariado e o art. 257.º do Código Civil.


Com a revista, o Recorrente pretende a revogação do acórdão recorrido e a sua substituição por outro que declare a nulidade da escritura, com as consequências legais.


Contra-alegaram os RR. BB, DD, CC e EE, designadamente no sentido da manutenção do acórdão recorrido.


Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


Nesta revista, está essencialmente em discussão a nulidade da escritura pública de compra e venda de imóveis, celebrada em 29 de abril de 2005.


II – FUNDAMENTAÇÃO


2.1. Pelas instâncias, foram dados como provados os seguintes factos:


1. GG, HH, LL, DD e CC são filhos de MM e de NN, ambos falecidos.

2. Por escritura de cessão de quinhão hereditário, outorgada a 26 de abril de 2001, OO, na qualidade e em representação de GG, LL, DD e CC, declarou vender a HH, que declarou aceitar, pelo preço de 2 000 000$00, já recebido, os quinhões hereditários que lhes pertence por óbito de seus pais e sogros MM e de NN.

3. HH faleceu a 11 de julho de 2007, no estado de divorciado, tendo sido decretada a sua interdição por anomalia psíquica, por sentença (de 13 de junho de 2008) transitada em julgado, tendo-se fixado o início dessa incapacidade em 16 setembro de 2003.

4. O A. e as Intervenientes II, JJ e KK são filhos de HH.

5. Por escritura de compra e venda, outorgada a 29 de abril de 2005, por HH foi dito que, pelo preço de € 34 000, 00, já recebido, vende a CC, DD, EE e FF, que através do seu procurador declararam aceitar: a) quatro quintas partes do prédio urbano (...) localizado no sítio da …, freguesia do C… (...) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o nº 35… da dita freguesia; b) quatro quintas partes do prédio rústico (...) localizado no sítio da …, freguesia do C… (...) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o n.º 34… (Caniço).

6. Nessa escritura, foi exarado pelo Notário: intervieram neste ato, por me terem surgido dúvidas sobre a sanidade mental do primeiro outorgante, os peritos médicos, Dr. PP e Dr. QQ, os quais, depois de prestarem juramento legal, garantiram a sanidade mental do referido outorgante; não assinando o primeiro outorgante por impossibilidade física.

7. A propriedade do primeiro prédio referido em 5. foi inscrita no registo, a 30/07/2001, a favor de GG, HH, LL, DD e CC, em comum e sem determinação de parte ou direito, por morte de MM e mulher; a 06/09/2001, a favor de HH, por cessão do quinhão hereditário a GG, LL, DD e CC.

8. Quatro quintos da propriedade do primeiro prédio referido em 5. foi inscrita no registo predial, a 30/06/2005, a favor de CC, DD, EE e FF.

9. Na escritura referida em 5., alguém segurou a mão de HH, por este não o poder fazer sozinho, e depois colocou o dedo daquele sobre o papel respetivo.

10. Da referida venda, HH não recebeu qualquer parte do preço estipulado.

11. Com data de 1 de outubro de 2001, foi lavrada escritura de compra e venda, mediante a qual OO, na qualidade de procurador e em representação de HH, como primeiro outorgante, declarou que, em nome do seu representado, e pelo preço de 30 000 000$00, já recebido, vender à sociedade representada dos segundos outorgantes, RR - Sociedade de Construções, Lda., que declarou aceitar a venda, o prédio urbano, localizado ao sítio da …, onde chamam M…, freguesia do C…, concelho de Santa Cruz, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz, ainda com a natureza rústica, sob o n.º 35… (C…).

12. Com data de 22 de janeiro de 2002, foi lavrada escritura de compra e venda, mediante a qual OO, na qualidade de procurador e em representação de HH, como primeiro outorgante, declarou que, em nome do seu representado, e pelo preço de € 24 934,89, já recebidos, vende aos segundos outorgantes, SS e TT, que declararam aceitar a venda, em comum e partes iguais, o prédio rústico, com a área de 1820 m2, localizado no sítio da …, freguesia do C…, concelho de Santa Cruz, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz, sob o n.º 34… (C…).

13. Aquando da escritura referida em 5., HH fazia-se transportar em cadeira de rodas, não era capaz de vestir-se ou alimentar-se sozinho, manifestava dificuldades na fala, designadamente na articulação das palavras, e não conseguia escrever.



***


2.2. Delimitada a matéria de facto, expurgada de redundâncias, importa conhecer do objeto do recurso, definido pelas suas conclusões, e que respeita à nulidade ou ineficácia da escritura de compra e venda.

Os Recorridos suscitam, como questão prévia, a inadmissibilidade da revista, por estar vedada a reapreciação da matéria de facto, e, por outro lado, existir dupla conforme quanto à questão da incapacidade, uma das causas de pedir alegadas na ação.

O Recorrente, depois de especificar que o thema decidendum corresponde à validade da declaração de venda, desenvolve a sua argumentação baseada numa pluralidade de razões, designadamente em termos de matéria de facto.

Não obstante esta circunstância, a natureza do recurso não se alterou, mantendo-se o seu objeto como uma mera questão de direito, como é próprio da revista, inexistindo motivo que justifique a inadmissibilidade do recurso. A validade de tal argumento será objeto de julgamento, em sentido afirmativo ou negativo, mas não condiciona, de modo algum, a admissibilidade do recurso.

Por outro lado, o acórdão recorrido revogou a sentença, não havendo conformidade de julgados que obste à admissibilidade do recurso, nomeadamente nos termos previstos no art. 671.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC).

A circunstância de uma das causas de pedir da ação ter sido julgada improcedente em ambas as instâncias não releva para tal efeito. Sendo as decisões das instâncias distintas, é aplicável, quanto à admissibilidade da revista, o disposto no art. 671.º, n.º 1, do CPC, que o comporta.

Assim, o recurso não só é admissível como também não está limitado no seu objeto pela circunstância do acórdão recorrido ter confirmado a improcedência de uma das causas de pedir alegadas na ação. A lei, com efeito, não estabelece qualquer limitação nesse sentido, mas apenas a condição de recorribilidade consagrada no n.º 3 do art. 671.º do CPC.

Nestes termos, sendo a revista admissível, improcede a questão prévia e nada obsta ao conhecimento do seu objeto.  

  

2.3. O acórdão recorrido revogou a sentença, que, tendo julgado a ação parcialmente procedente, declarara a ineficácia da escritura pública celebrada em 29 de abril de 2005 e a consequente nulidade da compra e venda.

O Recorrente, porém, insurgindo-se contra esse veredicto, insiste na nulidade da escritura pública de compra e venda, quer por incapacidade acidental do vendedor, quer por ilegalidade na celebração da escritura pública.

Os Recorridos, por sua vez, apoiando-se no acórdão recorrido, alegam que o vendedor estava capaz de entender e querer, para além do caso escapar também à teleologia do art. 51.º, n.º s 2 a 4, do Código do Notariado.


Desenhada a controvérsia emergente dos autos, interessa então tomar posição sobre as questões jurídicas suscitadas na revista, nomeadamente a partir e apenas dos factos dados como provados pelas instâncias, sendo certo que o Supremo Tribunal de Justiça apenas pode conhecer de direito e, por outro lado, não se encontrar arguida qualquer infração no âmbito do direito probatório material, que podia também constituir fundamento da revista, nos termos da norma excecional prevista no art. 674.º, n.º 3, do CPC, e poder influenciar a especificação dos factos provados.

Consta ainda da sentença (fls. 394v., depois de retificada) como factos declarados como não estando provados:


1. Na escritura aludida em 5., o referido HH desconhecia onde estava e o que fazia (n.º 1.º da base instrutória).

2. Não denunciando qualquer anomalia mental ou psíquica que dissimulasse o seu querer ou distorcesse a sua vontade (n.º 16.º da base instrutória).

3. Declarou ao notário querer vender às suas irmãs e cunhada os 4/5 dos prédios aí referidos e reservar para si 1/5 (n.º 17 da base instrutória).


Na verdade, nestes autos, está em causa a validade da escritura de compra e venda, celebrada em 29 de abril de 2005, desde logo, quando por sentença, de 13 de junho de 2008, transitada em julgado, foi declarada a interdição do vendedor, por anomalia psíquica, e foi fixado o início da incapacidade em 16 de setembro de 2003, data anterior à da referida escritura.

Aos negócios jurídicos celebrados por incapaz antes de anunciada a proposição da ação de interdição definitiva é aplicável o disposto acerca da incapacidade acidental, nos termos do disposto no art. 150.º do Código Civil (CC).

Neste âmbito, dispõe o n.º 1 do art. 257.º do CC que “a declaração negocial feita por quem, devido a qualquer causa, se encontrava acidentalmente incapacitado de entender o sentido dela ou não tinha o livre exercício da sua vontade é anulável, desde que o facto seja notório ou conhecido do declaratário”.

Para o efeito, considera-se que o facto é notório, quando uma pessoa de normal diligência o teria podido notar (art. 257.º, n.º 2, do CC).

A declaração negocial para ser perfeita deve provir de uma vontade esclarecida e livre, numa manifestação de entendimento e vontade do declarante.

Padecendo o declarante, devido a “qualquer causa”, de deficiência de discernimento e falta de liberdade na decisão negocial e sendo essa incapacidade notória ou conhecida do declaratário, a declaração negocial é anulável.

O conceito de notoriedade, na decorrência legal, faz apelo à pessoa média, colocada na posição concreta do declaratário (C. MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª edição, 2005, pág. 538).


No caso vertente, o acórdão recorrido, coincidindo com a sentença, afastou a situação de incapacidade acidental e, consequentemente, o efeito jurídico pretendido.

Na verdade, a declaração judicial, constante da sentença que decretou a interdição, sobre a data do início da incapacidade, não constitui mais do que uma mera presunção simples, natural, judicial, de facto ou de experiência, da incapacidade, à qual pode ser oposta contraprova, nos termos do art. 346.º do CC, como se destacou no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de janeiro de 2009 (Coletânea de Jurisprudência (STJ), Ano XVII, t.1, pág. 74, e www.dgsi.pt (08B3333).

No reconhecimento da situação de incapacidade acidental, nomeadamente no ato da celebração de negócio jurídico, é insuficiente que a data do início da incapacidade decretada na sentença de interdição, por anomalia psíquica, seja anterior à daquele ato.

Essa declaração judicial constitui apenas um início de prova da incapacidade, mas que carece sempre de ser completada por outra prova, para se ter como demonstrada a incapacidade acidental.

No caso concreto, quando da celebração da escritura pública de compra e venda, de 29 de abril de 2009, o vendedor, HH, fazia-se transportar em cadeira de rodas, não era capaz de vestir-se e alimentar-se sozinho, manifestava dificuldades na fala, designadamente na articulação das palavras, e não conseguia escrever (n.º 13).

Deste circunstancialismo, onde se evidenciam importantes limitações físicas, não é possível afirmar a incapacidade de entendimento e volitiva do vendedor, à data da escritura de compra e venda. Tais limitações físicas, ao contrário do que se alega, são compatíveis com a sanidade mental, ainda que esta possa estar enfraquecida.

Também a circunstância do vendedor não ter recebido qualquer parte do preço estipulado não é apropriada, no contexto conhecido, para se concluir no sentido da incapacidade acidental do vendedor, na medida em que se ignora o motivo do preço não ter sido pago.

Por outro lado, matéria de facto, que poderia contribuir para a afirmação da incapacidade acidental, não ficou provada, nomeadamente de que o vendedor, no momento da formalização da escritura pública, “desconhecia onde estava e o que fazia” (n.º 1 da base instrutória).

É certo que, ao invés, também não se provou que o vendedor não denunciara qualquer anomalia mental ou psíquica que dissimulasse o seu querer ou distorcesse a sua vontade (n.º 16 da base instrutória).

Esta circunstância, porém, não influi na decisão, porquanto recaía sobre o Recorrente o ónus da prova quanto aos pressupostos da anulação da compra e venda, por efeito da incapacidade acidental, nos termos do art. 342.º, n.º 1, do CC. Era o mesmo que tinha de alegar e demonstrar a incapacidade acidental do vendedor e o seu conhecimento pelos declaratários, para obter, então, a declaração de anulabilidade da compra e venda (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de janeiro de 2016 (893/05.5TBPCV.C1.S1), acessível em www.dgsi.pt).

Nestas condições, não se provando os pressupostos da incapacidade acidental, reportados ao momento da formalização da escritura pública de compra e venda, não é possível declarar a sua anulação, nos termos do disposto no art. 257.º, n.º 1, do CC.

 

Na referida escritura, foi consignado que o vendedor não assinou por “impossibilidade física”, tendo aposto a sua impressão digital, depois de alguém, como se provou, lhe ter segurado a mão, por não o poder fazer sozinho (n.º 9).

Na verdade, os outorgantes que, designadamente, não possam assinar devem apor, à margem do instrumento, a impressão digital do indicador da mão direita, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 51.º do Código do Notariado.

Deste modo, em circunstâncias muito específicas, é admissível a assinatura da declaração negocial mediante a aposição da impressão digital do indicador da mão direita, sendo esta fisicamente possível.

No caso sub judice, não obstante as limitações físicas, nomeadamente para escrever, o vendedor não estava impossibilitado de apor a impressão digital, não sendo de convocar o disposto no art. 51.º, n.º s 2 a 4, do Código do Notariado.

Por outro lado, não estando provada a incapacidade de entendimento e volitiva do vendedor, como referido, torna-se despiciendo alguém ter segurado a sua mão, por não o poder fazer sozinho, na aposição da impressão digital.

Trata-se, com efeito, de uma limitação física, diversa da incapacidade de entendimento ou volitiva. O declarante podia estar ciente da sua declaração e não estar em condições físicas de, por si só, apor a impressão digital no instrumento notarial. Correspondendo a uma mera limitação física, podia o declarante ser auxiliado na aposição da impressão digital, como aliás sucede noutras situações, mesmo sem haver qualquer limitação física. Não podendo afirmar-se que o declarante estivesse desprovido da sua capacidade de entender e querer, o auxílio prestado, na aposição da impressão digital na escritura, não retira a genuinidade exigida ao ato.


Na perspetiva descrita, a escritura pública de compra e venda, obedecendo às formalidades legais, nomeadamente quanto à aposição da impressão digital do vendedor, que estava impossibilitado de assinar, contém os requisitos legais próprios do instrumento notarial e, por isso, não padece de vício que afete a sua validade.

Sendo tal escritura pública válida e obedecendo às formalidades legais prescritas, não há fundamento válido para declarar a sua anulação ou ineficácia, tal como se decidiu no acórdão recorrido.


Assim, não relevando as conclusões do recurso, nomeadamente a alegação de violação da lei, nega-se a revista.


2.4. Em conclusão, pode extrair-se de mais relevante:

 

I. A declaração negocial, para ser perfeita, deve provir de uma vontade esclarecida e livre.

II. Padecendo o declarante, devido a “qualquer causa”, de deficiência de discernimento e falta de liberdade na decisão negocial e sendo essa incapacidade notória ou conhecida do declaratário, a declaração negocial é anulável.

III. No reconhecimento da incapacidade acidental, nomeadamente no ato da celebração de negócio jurídico, é insuficiente que a data do início da incapacidade decretada na sentença de interdição, por anomalia psíquica, seja anterior à daquele ato.

IV. Em circunstâncias muito específicas, é admissível a assinatura da declaração negocial mediante a aposição da impressão digital do indicador da mão direita, sendo esta fisicamente possível.

V. Não podendo afirmar-se que o declarante estivesse desprovido da sua capacidade de entender e querer, o auxílio prestado, na aposição da impressão digital na escritura, não retira a genuinidade exigida ao ato.


2.5. O Recorrente, ao ficar vencido por decaimento, é responsável pelo pagamento das custas, em conformidade com a regra da causalidade consagrada no art. 527.º, n.º s 1 e 2, do CPC.


III – DECISÃO


Pelo exposto, decide-se:


1) Negar a revista.


2) Condenar o Recorrente (Autor) no pagamento das custas.


Lisboa, 8 de junho de 2017


Olindo Geraldes (Relator)

Nunes Ribeiro

Maria dos Prazeres Beleza