Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1148/16.5TBBRG.G1.S2
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: FERREIRA PINTO
Descritores: INTERPRETAÇÃO DE CONVENÇÃO COLECTIVA DE TRABALHO
Data do Acordão: 09/28/2017
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação:
DIÁRIO DA REPÚBLICA. N.º 55/2019, SÉRIE I DE 19-03-2019. P.1658-1667.
HTTPS://DRE.PT/WEB/GUEST/PESQUISA/-/SEARCH/121260108/DETAILS/MAXIMIZED
BOLETIM DO TRABALHO E EMPREGO, N.º 11.22-03-2019, P.863-873.
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA REVISTA, CONFIRMAR O ACÓRDÃO RECORRIDO E FIXADA A INTERPRETAÇÃO
Área Temática:
DIREITO CIVIL – LEIS, SUA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO – RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / TEMPO E A SUA REPERCUSSÃO NAS RELAÇÕES JURÍDICAS / PRESCRIÇÃO / SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO.
DIREITO DO TRABALHO – FONTES E APLICAÇÃO DO DIREITO DO TRABALHO – INVALIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO – DIREITOS, DEVERES E GARANTIAS DAS PARTES – DIREITO COLECTIVO.
Doutrina:
-António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 18.ª Edição, 2017, Almedina, 106;
-Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 12.ª reimpressão, Coimbra, 2000, 175-192;
-Francisco Ferrara, Interpretação e Aplicação das Leis, tradução de MANUEL ANDRADE, 3.ª Edição, 1978, 138 e ss, 147-148;
-José Oliveira Ascensão, O Direito, Introdução e Teoria Geral, 11.ª Edição, revista, Almedina, 2001, 392;
-Júlio Manuel Vieira Gomes, Novos Estudos de Direito do Trabalho – Da interpretação e integração das Convenções Coletivas – Wolters Kluwer e Coimbra Editora, 2010, 145-146, 152//155;
-Karl Larenz, Metodologia da Ciência do Direito, 3.ª Edição, tradução, 439-489;
-Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho – Parte III – Situações Laborais Coletivas, 2.ª Edição, 2015, Almedina, 187.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 9.º, N.ºS 1, 2 E 3, 10.º, 236.º E 239.º.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGOS 1.º, 2.º, N.ºS 1 E 3, 115.º, N.º 1, 116.º, 118.º, N.º 1, 126.º, N.º 2 E 492.º, N.º 3.
CÓDIGO DE PROCESSO DO TRABALHO (CPT): - ARTIGO 81.º E N.º 5.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 13.º, E 59.º, N.º 1, ALÍNEA A).
BOLETIM DO TRABALHO E EMPREGO – N.º 15, DE 22 DE ABRIL DE 2010.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 09-06-2010, PROCESSO N.º 3976/06.0TTLSB.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 04-05-2011, PROCESSO N.º 4319/07.1TTLSB.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 14-03-2013, PROCESSO N.º 287/12.6TCLSB.L1.S1;
- DE 30-04-2014, PROCESSO N.º 3230/11.6TTLSB.S1, PUBLICADO NO DR, Iª SÉRIE, N.º 105, DE 02-06-2014, IN WWW.DGSI.PT;


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ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO:


- DE 04-03-2005, IN WWW.DGSI.PT;


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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:


- DE 06-07-2005, ACÓRDÃO N.º 282/2005;
- DE 11-03-2008, ACÓRDÃO N.º 174/2008.
Sumário :
I. Na interpretação das cláusulas de conteúdo regulativo das convenções coletivas de trabalho regem as normas atinentes à interpretação da lei, contidas no artigo 9.º do Código Civil, visto tais cláusulas serem dotadas de generalidade e abstração e serem suscetíveis de produzir efeitos na esfera jurídica de terceiros.

II. Na fixação do sentido e alcance de uma norma, a par da apreensão literal do texto, intervêm elementos lógicos de ordem sistemática, histórica e teleológica.

III. A cláusula 68ª, alínea b), do Contrato Coletivo de Trabalho celebrado entre a “BB – ...” e a “FESAHT – Federação dos Sindicatos da Agricultura, Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal”, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 15, de 22 de Abril de 2010, na parte impugnada [categoria e nível a atribuir aos trabalhadores da categoria de empregada de enfermaria, bloco operatório, esterilização e auxiliar de hemodiálise que, à data da reclassificação, têm 8 ou mais anos de antiguidade na categoria] deve ser interpretada da seguinte forma:               
- «Devem ser inseridos na categoria profissional de auxiliar de ação médica especialista, os trabalhadores oriundos da categoria de empregada de enfermaria, bloco operatório, esterilização e auxiliar de hemodiálise que à data de entrada em vigor do contrato coletivo de trabalho (CTT publicado no BTE n.º 15, de 22/04/10) reuniam o requisito referente à antiguidade».
Decisão Texto Integral:

Processo n.º 1148/16.5T8BRG.G1.S1[1] (Revista) – 4ª Secção


Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:



I


           

            - Relatório:

           “AA” intentou, na Comarca de Braga, Braga, Instância Central – 4ª Secção do Trabalho, J1, a presente ação de interpretação de Cláusulas de Convenções Coletivas de Trabalho, sob a forma de processo especial, nos termos dos artigos 183º e seguintes, do Código de Processo do Trabalho, contra “BB – …” e “FESAHT – Federação dos Sindicatos da Agricultura, Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal” pedindo que o Tribunal atribua à cláusula 68ª – b), do Contrato Coletivo de Trabalho celebrado entre a “BB – …” e a “FESAHT – Federação dos Sindicatos da Agricultura, Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal”, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 15, de 22 de Abril de 2010, no que respeita à reclassificação dos auxiliares de ação médica, nomeadamente quanto à sua passagem para a categoria de auxiliares de ação médica especialistas, a seguinte interpretação:


- “A reclassificação dos auxiliares de ação médica, com a entrada em vigor do Contrato Coletivo de Trabalho, não é meramente aferida pelo decurso do tempo, mas sim de acordo com o estatuído nas cláusulas 4ª e 5ª e anexo II, isto atendendo a todos os fatores cumulativos que permitem o acesso a tal categoria.”

            Alegou, em síntese, que no âmbito de uma inspeção levada a cabo pela Autoridade para as Condições de Trabalho foi confrontada com o entendimento de que as auxiliares de ação médica, que tinha ao seu serviço, eram todas auxiliares de ação médica especialistas atendendo à antiguidade que cada uma delas detinha [mais de 8 anos].

            Não é essa a sua interpretação pois da conjugação do disposto nas cláusulas 5ª e 6ª, 68ª, alínea b), e anexo II, resulta que a progressão na carreira de auxiliares de ação médica terá de que atender cumulativamente aos seguintes requisitos: qualificação do trabalhador; necessidade da organização em que se insere e decurso do tempo.

           A interpretação feita pela Autoridade para as Condições de Trabalho da cláusula 68ª, alínea b), de que a reclassificação das auxiliares médicas, que estão ao seu serviço, depende apenas da antiguidade, determina a sua progressão imediata para o grau de especialista, o que viola os princípios da igualdade e da não discriminação além de ser uma ingerência na organização de empresa.

 

            Regularmente citadas, as Rés não apresentaram alegações.

          Por despacho de 27 de abril de 2014, foi determinada a notificação das Rés para elaborarem um parecer escrito sobre o sentido e alcance da Cláusula, como pretendido pelo Autor.

           

           Notificadas, ambas apresentaram parecer, no âmbito do qual conclui a Ré “FESAHT” no sentido de que a progressão automática consagrada no CCT, publicado no BTE n.º 15, de 22/04/2010, decorre da fusão de várias categorias profissionais para as quais já se previa a progressão automática e conclui a Ré “BB” que, apesar da norma que requalificou os auxiliares de ação médica ser absolutamente omissa quanto às habilitações que aqueles devem possuir, trazendo apenas à colação o fator tempo de serviço, não faz sentido impor a passagem para uma categoria de nível superior de determinado trabalhador, quando a organização não precisa que este exerça funções de maior complexidade, nem este é dotado das competências necessárias para o efeito, defendendo, por isso, que a progressão automática terá de ser apoiada na antiguidade, nas qualificações e no interesse da organização.

           

            O mérito da ação foi conhecido no saneador através da sentença, proferida em 15 de junho de 2016, na qual se decidiu:

     “[I]nterpretar a cláusula 68ª – c) [sic] do contrato colectivo de trabalho celebrado entre a BB – ... e a FESAHT – Federação dos Sindicatos da Agricultura, Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego – n.º 15, de 22 de Abril de 2010, no sentido que:


- Devem ser inseridos na categoria profissional de auxiliar de ação médica especialista os trabalhadores que, na data em que entrou em vigor o contrato coletivo de trabalho, tinham as habilitações e qualificações exigidas para a categoria e oito anos de experiência profissional, independentemente do interesse para a organização;

- Os trabalhadores que, na data em que entrou em vigor o contrato coletivo de trabalho, não preenchiam estes requisitos devem ser inseridos na correspondente categoria profissional e apenas podem progredir para a categoria profissional de auxiliar de ação médica especialista se, além da obtenção das habilitações e qualificações exigidas para a categoria e de oito anos de experiência profissional, tal for do interesse para a organização.”


~~~~~~

            Inconformada com esta decisão a Ré “FESAHT - Federação dos Sindicatos da Agricultura, Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal” interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Guimarães.

   Por acórdão proferido em 30 de novembro de 2016, foi o recurso julgado parcialmente procedente, e interpretou-se “[a] cláusula 68ª b) do CCT celebrado entre a BB – ... e a FESAHT – Federação dos Sindicatos da Agricultura, Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal, publicado no BTE n.º 15, de 22 de Abril de 2010 da seguinte forma:


- “Devem ser inseridos na categoria profissional de auxiliar de ação médica especialista, os trabalhadores oriundos da categoria de empregada de enfermaria, bloco operatório, esterilização e auxiliar de hemodiálise que à data de entrada em vigor do contrato coletivo de trabalho (CTT publicado no BTE n.º 15, de 22/04/10) reuniam o requisito referente à antiguidade.

- Os trabalhadores que, na data em que entrou em vigor o CCT, não preenchiam o requisito da antiguidade apenas podem progredir para a categoria de auxiliar de ação médica especialista se obtiverem as habilitações e qualificações exigidas, [e de] oito anos de experiência profissional e se tal for do interesse para a organização.”


III


Inconformada ficou agora a Autora “AA”, que interpôs recurso de revista excecional nos termos do artigo 672º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil, aqui aplicável por força do artigo 81º, n.º 5, do Código de Processo do Trabalho, com o fundamento de estarem em causa interesses de particular relevância social.

            Concluiu a sua alegação da seguinte forma[2]:


1. “A decisão do Tribunal da Relação de Guimarães que fixou a interpretação da cláusula 68ª, alínea b), do CCT, salvo o devido respeito, representa uma subversão das regras da interpretação, levando a uma decisão profundamente injusta e injustificada, violadora do princípio da igualdade.

2. No entanto, como questão prévia, está a admissibilidade do recurso por parte da recorrente da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Guimarães para o STJ.

3. Dispõe o artigo 672º, n.º 1, alínea b), do CPC, aqui aplicável por força do disposto no artigo 87º, do CPT [sic][3], que “excecionalmente, cabe recurso de revista do acórdão da Relação referido no n.º 3 do artigo anterior quando: […] b) estejam em causa interesses de particular relevância social.”

4. Ou seja, é admissível o recurso no presente caso desde que se comprovem as razões de particular relevância social.

5. A interpretação da convenção coletiva da hospitalização privada é um assunto de grande interesse e relevância social pelo número de empregadores e trabalhadores envolvidos, os quais ficam ou podem vir a ficar afetos pela interpretação que se vier a fixar. O número de empresas abrangidas é de cerca de 60 e de trabalhadores de 8700. Sendo que, à data da sua entrada em vigor era [sic] inúmeras as casas de saúde, hospitais que tinham trabalhadores nas categorias abrangidas pela reclassificação com mais de 8 anos nos seus quadros pelo que, a sua ascensão à categoria profissional de auxiliar especialista atentas as específicas funções que abrange e, o peso que assumirá ao nível financeiro e estrutural nas diversas entidades patronais é algo que fará a diferença e como tal com relevância social suficiente para ser objeto de ponderação e reflexão por este Venerando Tribunal.

6. Estamos no âmbito da interpretação de uma convenção coletiva em que temos direitos e interesses importantes de uma determinada comunidade (hospitalização privada) que estão manifestamente em colisão — direito dos trabalhadores e entidade patronal - e cuja sua resolução tem um impacto significativo naquela comunidade.

7. Desta forma, não há margem para dúvidas que estamos diante de uma questão de interesse social que legitima a interposição do presente recurso de revista.

8. O tribunal recorrido fixou a interpretação da cláusula 68ª, b), no sentido "devem ser inseridos na categoria profissional de auxiliar de ação médica especialista, os trabalhadores oriundos da categoria de empregada de enfermaria, bloco operatório, esterilização e auxiliar de hemodiálise que à data da entrada em vigor do contrato coletivo de trabalho reuniam o requisito referente à antiguidade".

9. Sucede que, no entender da recorrente tal interpretação é manifestamente incorreta ficando--se única e exclusivamente adstrita ao elemento literal.

10. Na interpretação das cláusulas de conteúdo regulativo das convenções coletivas de trabalho há que atender ao estipulado no artigo 9º, do Código Civil, visto tais cláusulas serem dotadas de generalidade e abstração e serem suscetíveis de produzir efeitos na esfera jurídica de terceiros.

11. Seguindo a jurisprudência contida no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Fevereiro de 2007 «a interpretação jurídica tem por objeto descobrir, de entre os sentidos possíveis da lei, o seu sentido prevalente ou decisivo. A apreensão literal do texto, ponto de partida de toda a interpretação, é já interpretação, embora incompleta, pois será sempre necessária uma "tarefa de interligação e valoração, que excede o domínio literal" (cf. JOSÉ OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito, Introdução e Teoria Geral, 11ª edição, revista, Almedina, 2001, p. 392)".

12. Nesta tarefa de interligação e valoração que acompanha a apreensão do sentido literal, intervêm elementos lógicos de ordem sistemática, histórica e racional ou teleológica - porém, o tribunal recorrido não as observou.

13. Da conjugação da cláusula 68ª, b), da cláusula 4ª, da citada CCT, da cláusula 5ª, resulta que a progressão dentro de cada carreira acontecerá em obediência às qualificações e ao mérito do trabalhador sendo que, caso a instituição detenha sistema de avaliação será este o fator determinante e quando não o possua a promoção ocorrerá quando se esgote o período máximo para o nível profissional em que se encontra classificado.

14. As auxiliares de ação médica passaram a ser classificadas como de I, II, III e especialista, sendo que, este último grau é tido como um grau específico e sujeito a regras mais apertadas e rigorosas.

15. É neste quadro organizativo em termos de carreira que temos que analisar a cláusula a interpretar.

16. Interpretação que não se prende com a reclassificação em si mesma, situação que nunca gerou controvérsia, mas tão só com o nível de carreira a aplicar aos trabalhadores reclassificados.

17. Os auxiliares de ação médica dependendo do nível em que se encontram tem funções específicas e as auxiliares especialistas encontram-se associadas a uma dada especialidade, com funções que implicam e estão muito próxima de atos médicos pelo que, a sua reclassificação neste nível de carreira terá que não olvidar tal facto.

18. Por conseguinte, embora estejamos a falar de uma cláusula de reclassificação o que está na génese da discussão e que tem que ser interpretado é o grau na carreira profissional que os reclassificados devem ser alocados.

19. Assim, na interpretação da referida cláusula não podemos olvidar a progressão que está inerente a cada carreira profissional e as condicionantes e funções concretamente exercidas.

20. E nesta acenda [sic] que, não se concebe que as partes que celebraram a referida convenção tivessem pura e simplesmente ignorado tal facto colocando os pacientes e utentes das instituições à mercê de uma convenção coletiva pois que, poderiam correr o risco de os trabalhadores reclassificados passassem a deter a categoria de auxiliares especialistas não tendo qualificação, conhecimentos e aptidão necessários para o efeito.

21. Ou, teria por ventura [sic] as partes outorgantes querido sem mais que os trabalhadores passem a deter uma categoria profissional, com atos próprios e não detivessem os conhecimentos necessários para o seu exercício?

22. É por essa questão que acabamos por entender que se trata de uma falsa questão, a questão da aptidão e qualificação pois resulta, sem mais, do senso comum que não poderá exercer as funções de auxiliar de ação médica especialista e praticar os atos funcionais quem não tenha conhecimentos para o efeito. Colocando em causa a saúde dos utentes das instituições para quem trabalham.

23. A própria BB no seu parecer junto aos autos refere esta situação e chama a atenção "se bem repararmos, não há nenhuma função prevista na cláusula que regula a requalificação dos trabalhadores doutras funções que estabeleça outros critérios para além do fator tempo e, contudo, não passaria na cabeça de nenhum intérprete aceitar que aquelas funções poderiam ser exercidas por alguém que não se encontrasse habilitado para o efeito. Seria gritante, por exemplo, admitir que os técnicos de saúde previstos na alínea c) do n.º 4, da cláusula 68ª pudessem exercer as suas funções numa qualquer unidade privada de saúde sem serem dotados das necessárias habilitações de farmácia, laboratório, radiologia, etc., seria, aliás, criminoso, conforme prevê e pune o nosso Código Penal”.

24. O que se pretendeu foi reclassificar no nível adequado, não frustrando expetativas dos trabalhadores abrangidos mas também não lhe impondo e atribuindo categorias profissionais que não correspondem às suas reais funções em termos funcionais nem lhes impondo funções para as quais não tenham conhecimento para as efetuar.

25. Admitir que com a reclassificação acontecesse uma progressão inadvertida na carreira era subverter todas as regras e criar através de um mecanismo, a reclassificação, uma progressão em termos de carreira que de outra forma não aconteceria face à falta de formação do trabalhador, de aptidão e de conhecimentos. A interpretação fixada pelo tribunal a quo faz com que pela reclassificação ocorrida em virtude da supressão das anteriores categorias profissionais os trabalhadores fossem promovidos de uma forma que não o seria se não houvesse a referida reclassificação profissional.

26. No presente caso, efetuada a reclassificação olhando pura e simplesmente ao fator antiguidade detida faremos com que os trabalhadores abrangidos passem a deter uma categoria profissional apenas em termos formais pois não irão desenvolver as funções a ela associada por falta de qualificação, conhecimento e aptidão.

27. Esta situação viola de forma flagrante as mais elementares regras que devem reger a relação laboral — que aos trabalhadores deve ser atribuída a categoria profissional correspondente às suas funções.

28. A doutrina e a jurisprudência foram desde sempre uniformes no sentido de que deve haver correspondência entre as funções efetivamente desempenhadas pelo trabalhador, o seu estatuto profissional e o seu estatuto económico.

29. Ora, a interpretação agora dada à cláusula 68ª leva a que a partir da referida reclassificação se for atendida apenas à antiguidade que as trabalhadoras detinham à data da entrada em vigor da convenção passarão a ter categorias que de todo não correspondem nem às suas funções nem às suas capacidades técnicas e conhecimentos.

30. Assim, a fixação da interpretação a atribuir tem que ir para além de uma interpretação literal, como foi efetuada no acórdão recorrido, e sim fixar uma interpretação autêntica.

31. Por conseguinte, ainda que não se esteja a analisar a norma referente à classificação profissional (a qual, desde já se diga bem prevê como elementos para a progressão na carreira, a antiguidade, habilitação e o interesse organizativo) há que reclassificar os trabalhadores de acordo com a sua classificação e isso só pode acontecer se foram observados as mesmas condicionantes pois as expetativas dos trabalhadores são as mesmas em termos progressivos isto é, antes da reclassificação dentro das suas áreas os trabalhadores sabem que apenas ascendia à categoria superior se tivessem aquelas qualificações pelo que, reclassificados não podem ter a expetativa de ir para uma categoria que sabiam que não fosse a supressão da sua categoria profissional não a teria.

32. E, não se diga como refere o acórdão recorrido que não o podemos fazer sob pena de esvaziamento da cláusula de reclassificação pois que, não se está a dizer que para a reclassificação se estão a impor critérios iguais aos da progressão mas tão só a dizer que a reclassificação tem que observar as regras da progressão das respetivas carreiras sob pena de durante o processo de reclassificação os trabalhadores ficarem mal enquadrados em termos funcionais e, violar-se quer as suas expetativas quer cometer grosseiras discriminações entre trabalhadores.

33. A reclassificação tem que assegurar uma correta classificação dos trabalhadores não só em função das expetativas dos trabalhadores como ao nível funcional nunca descorando o nível de segurança exigido nestas funções de cariz médico o que implica que apenas possam ocupar determinadas funções os trabalhadores habilitados.

34. A interpretação fixada viola o disposto no artigo 48º, n.º 1, do CT[4] [sic], pois passará a colocar e a atribuir a determinados trabalhadores uma categoria desadequada às suas funções e aptidões, colocando em causa a dignidade profissional e pessoal dos trabalhadores.

35. Dos elementos literal, racional e teleológico não resulta a interpretação dada mas sim a que lhe foi atribuída em primeira instância ou seja que, devem ser inseridos na categoria profissional de auxiliar de ação médica especialista os trabalhadores que, na data em que entrou em vigor o contrato coletivo de trabalho, tinham as habilitações e qualificações exigidas para a categoria e 8 anos de experiência, independente do interesse da organização. Só esta interpretação não fere as expetativas dos trabalhadores nem viola o princípio da igualdade entre trabalhadores nem o disposto no artigo 48ª, do CT.

36. A posição assumida pelo acórdão recorrido colocar-nos-á diante de um caso não só de inadaptação das trabalhadoras visadas à categoria que lhe quer ser imposta (não tem os conhecimentos necessários ao exercício de tais funções) bem como, de falta de capacidade da instituição para deter os referidos quadros especialistas que não podem exercer tais funções, sendo falsos especialistas.

37. Basta vermos a outra convenção coletiva do setor e celebrada entre a BB e a FETESE — Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores de Serviços — para verificar que por identidade de razão, nunca poderia ser aquele o sentido da reclassificação operada.

38. Na convenção referida a questão da passagem das auxiliares de ação médica de III para auxiliares especialistas ''a transição para as categorias profissionais de técnico de saúde especialista I e II está ainda condicionada à existência de formação específica certificada ou experiência equivalente e à decisão da entidade empregadora. Os técnicos de saúde que não cumpram todos estes requisitos são reclassificados como técnico de saúde III, mesmo que tenham antiguidade superior a oito anos”.

39. Mais no anexo de definição de função e carreira profissional deixa claro que as auxiliares de ação médica especialista "ocorre por decisão da entidade empregadora, após oito anos de experiência profissional e pressupõe a existência de formação específica certificada [de] determinada especialidade ou experiência equivalente".

40. Esta convenção deixa assim, como não pode deixar de ser, a questão da antiguidade apenas e tão só com mais um dos requisitos para a obtenção de tal categoria mas não é o requisito único por todas as razões e mais algumas, dizemos nós.

41. Até por esta similitude de convenções aplicáveis ao mesmo setor ter-se-á que concluir que também a convenção celebrada entre a BB e a FESAHT pretendeu a mesma situação e só não está claramente vertido por uma questão de redação do texto, mas que tem de ser devidamente interpretado, sob pena de os trabalhadores do mesmo setor terem um tratamento desigual e diferencial consoante se encontrem sindicalizadas, ou as suas entidades patronais se encontram ou não associadas a determinada associação patronal, o que é manifestamente inconstitucional, o que expressamente se invoca.

42. A ser interpretado como refere o tribunal recorrido os trabalhadores do setor passarão a ser tratados de forma desigual em função do sindicato de sua filiação.

43. Através de uma interpretação sistemática (e, mesmo atendendo ao estabelecido nas outras convenções do setor, conforme já supra vertido) ter-se-á que concluir que também aquando da reclassificação tais regras terão que ser observadas sob pena de, como se disse supra, estar-se-á a atribuir funções para as quais as trabalhadoras não tem qualificações e não podem sequer exercê-las sob pena de colocar em causa a saúde dos doentes.

44. A par do exposto, importa, ainda, acrescentar, que a não ser assim teremos que concluir que a citada cláusula é nula por violação do princípio da proporcionalidade e da não discriminação entre trabalhadores, o que expressamente se invoca.

45. Pois que, estaríamos de forma flagrante a promover trabalhadores sem qualificações em detrimento dos trabalhadores qualificados efetuando-se uma discriminação violadora das mesmas elementares normas constituições.

46. O princípio da igualdade (artigo 13º da C.R.P.), desenvolvido no artigo 59°/1, da mesma C.R.P., reporta-se a uma igualdade material, que não meramente formal, e concretiza-se na proscrição do arbítrio e da discriminação, devendo tratar-se por igual o que é essencialmente igual e desigualmente o que é essencialmente desigual.

47. Assim, a interpretação atribuída pelo tribunal recorrido a que a cláusula 68ª, alínea b), do CCT referido atribui uma reclassificação que leva a uma progressão imediata para o grau de especialista é manifestamente violadora do princípio da igualdade e não discriminação entre trabalhadores para além de ser uma evidente ingerência na organização de uma empresa.

48. Só uma progressão que obedeça a critérios de mérito - antiguidade e de efetividade, qualificações respeita o princípio da proporcionalidade, tutela os interesses dos trabalhadores e assegurar uma igualdade de tratamento entre eles.

49. A interpretação atribuída faz com que se viole o princípio da igualdade quando visto como salário igual para trabalho igual.

50. Como se disse supra uma funcionária por via da reclassificação como refere o acórdão recorrido passou a ser auxiliar especialista auferindo a correspondente retribuição mas não efetuando as funções respetivas pois não tem conhecimentos, nem está habilitada para o efeito e por isso não quer ela própria assumir as referidas funções, no entanto, aufere o salário superior à colega que exerce as mesmas funções que ele ou seja, as funções de auxiliar de ação médica de III e, aufere salário igual à colega que exerce as funções de auxiliar de ação médica especialista e que efetivamente faz as referidas funções.

51. Não se concebe que quer a entidade sindical quer o patronato tenha[m] tido em vista colocar os trabalhadores em tamanha injustiça, desconsiderando o princípio da igualdade, a similitude entre categoria e funções e, ainda desprezar que estamos a falar da área da saúde e que tal impõe que os trabalhadores efetivamente estejam habilitados para as funções que exercem não podendo por razões óbvias de segurança e de saúde de toda a comunidade envolvida (utentes, médicos, instituição).

52. Efetuando este trajeto não restam duvidas à aqui recorrida [sic] de que a interpretação perpetrada pelo tribunal de 1ª Instância é a correta e por conseguinte, ter-se-á que revogar o acórdão recorrido e substituir-se por outro que fixe a interpretação no sentido de: “deverá ser reclassificado como auxiliar de ação médica especialista os trabalhadores que, na data em que entrou em vigor o contrato coletivo de trabalho, tinham as habilitações e qualificações exigidas para a categoria e 8 anos de experiência independentemente do interesse da organização.”


~~~~~~~~~

            As recorridas não apresentaram contra-alegações.


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            Por despacho de 16.02.2016, o Relator, por o recurso interposto ser de revista excecional, dado o determinado pelo artigo 672º, n.º 2, do CPC, ordenou a remessa dos autos a este Supremo Tribunal de Justiça.

            Aqui chegados, foram distribuídos como de revista excecional.

           

            Contudo, por acórdão de 16 de março de 2017, a “formação” a que alude o artigo 672º, n.º 3, do CPC, desta Secção Social, decidindo pela inexistência de dupla conforme, ordenou a distribuição do recurso como de revista nos termos gerais, dado o disposto no artigo 672º, n.º 5, do CPC, por, apesar do valor fixado à causa ser o de € 5.000,00, parecer nada obstar à admissibilidade da revista nos termos gerais, uma vez que o artigo 185º, n.º 2, do CPT, estabelece que da decisão final deste tipo de processo cabe sempre recurso de revista.


IV


            Parecer do Ministério Público:

Distribuído o processo como de revista nos termos gerais, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, neste Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 87º, n.º 3, do CPT, douto parecer no sentido da improcedência do recurso porque, no seu entender, “[a]s partes não determinaram outro critério que não fosse o da antiguidade para a reclassificação dos trabalhadores em causa, não se vendo razões para que prevaleça a pretensão da recorrente e para que seja alterada a decisão recorrida”.

            Notificado às partes, não houve qualquer resposta.


V

            - Da revista:

            A ação foi proposta em 09 de março de 2016 e o acórdão recorrido proferido em 30 de novembro de 2016.

            Nessa medida, é aqui aplicável:

            O Código de Processo Civil (CPC), anexo e aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho;

          O Código de Processo do Trabalho (CPT) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de novembro, e alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 323/2001, de 17 de dezembro, 38/2003, de 8 de março (retificado pela Declaração de Retificação n.º 5-C/2003, de 30 de abril) e 295/2009, de 13 de outubro (retificado pela Declaração de Retificação n.º 86/2009, de 23 de novembro).


~~~~~~~~~

            O recurso tem por objeto:

  A interpretação da cláusula 68ª, alínea b), do CCT celebrado entre a ...” e a “FESAHT – Federação dos Sindicatos da Agricultura, Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal”, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 15, de 22 de Abril de 2010.


~~~~~~~

   Estamos perante uma ação, com processo especial, de interpretação de cláusulas de convenção coletiva de trabalho, regulada pelo artigo 183º e seguintes do CPT.

           

           Ora, dispõe o artigo 186º do CPT que o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça sobre as questões a que se refere o artigo 183º tem o valor ampliado da revista em processo civil e é publicado na 1ª Série do Diário da República e no Boletim do Trabalho e Emprego.

            Pelo que, com as devidas adaptações, é aqui aplicável o disposto no artigo 687º do CPC.

            Foi entregue cópia do projeto de acórdão a todos os Ex.ºs Juízes que compõem esta Secção Social, dado o disposto no artigo 687º, n.º 3, do CPC “ex vi” do artigo 1º, n.º 2, alínea a), do CPT.


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            Cumpre, pois, julgar o objeto do recurso.


VI

                                              

           

            Da matéria de facto:


1. A autora dedica-se à exploração de um estabelecimento comercial de saúde para tratamento de doentes com e sem internamento.

2. No exercício da sua atividade, a autora tem ao seu serviço diversos trabalhadores.

3. Entre estes trabalhadores, a autora tem ao seu serviço dez trabalhadores com a categoria profissional de auxiliares de ação médica de III.


4. Nas relações laborais entre a autora e os seus trabalhadores é aplicável o contrato coletivo de trabalho celebrado entre a BB – ... e a FESAHT – Federação dos Sindicatos da Agricultura, Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego – n.º 15, de 22 de abril de 2010.


VII


            Do direito:    

           

  A discórdia do recorrente, fundamento deste recurso, consiste em saber qual o sentido que se deve atribuir à cláusula 68ª, alínea b), do CCT, celebrado entre a “BB” a “FESAHT", tendo em vista determinar o que realmente os contraentes quiseram ao reclassificar os trabalhadores das antigas categorias de empregada de enfermaria, bloco operatório, esterilização e auxiliar de hemodiálise, existentes no CCT de 2000 revogado, na atual categoria de auxiliar de ação médica [no CCT 2010, em vigor], no que respeita à progressão nos níveis existentes na categoria, principalmente na passagem de auxiliar de ação médica de nível III para o de auxiliar de ação médica especialista.

           

       Na verdade, o que a Autora solicitou ao Tribunal foi a interpretação da referida cláusula a fim de se definir se esses trabalhadores, para progredirem do nível III para o de especialista, apenas precisam de ter a antiguidade necessária [8 anos de experiência profissional] ou se devem satisfazer, também, as outras condições gerais de progressão.

           

           

            A cláusula a interpretar tem a seguinte redação:



“Cláusula 68ª


Reclassificação profissional

a) Serviços administrativos

            […]

b) Apoio à saúde

 Os trabalhadores que se encontrem classificados nas categorias de empregada de enfermaria, bloco operatório, esterilização e auxiliar de hemodiálise transitam para auxiliar de ação médica de acordo com a antiguidade.


c) Técnicos de saúde
              […]
d) Técnicos
                               […]
e) Serviços gerais
                […]
f) Manutenção
                […]
g) Hotelaria
                […]
h) Residual
                […].”

            O tribunal recorrido interpretou-a da seguinte forma:


1. Devem ser inseridos na categoria profissional de auxiliar de ação médica especialista, os trabalhadores oriundos da categoria de empregada de enfermaria, bloco operatório, esterilização e auxiliar de hemodiálise que à data de entrada em vigor do contrato coletivo de trabalho (CTT publicado no BTE n.º 15, de 22/04/10) reuniam o requisito referente à antiguidade.

2. Os trabalhadores que, na data em que entrou em vigor o CCT, não preenchiam o requisito da antiguidade apenas podem progredir para a categoria de auxiliar de ação médica especialista se obtiverem as habilitações e qualificações exigidas, oito anos de experiência profissional e se tal for do interesse para a organização.”


         Só o primeiro segmento interpretativo é que foi impugnado.

            Não tendo o segundo segmento sido objeto de recurso, transitou em julgado.


VIII


            De acordo com o artigo 1º do Código do Trabalho [doravante CT], os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho são fontes específicas de direito de trabalho.

            Os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho podem ser negociais ou não negociais – artigo 2º, n.º 1, do CT.

            Por sua vez, os negociais são: a convenção coletiva de trabalho, o acordo de adesão e a decisão arbitral em processo de arbitragem.

            Nos termos do artigo 2º, n.º 3, do CT, as convenções coletivas de trabalho podem ser:


a. Contrato coletivo, a convenção celebrada entre associação sindical e associação de empregadores;

b. Acordo coletivo, a convenção celebrada entre associação sindical e uma pluralidade de empregadores para diferentes empresas;

c. Acordo de empresa, a convenção coletiva entre associação sindical e um empregador para uma empresa ou estabelecimento.

No caso em apreço estamos perante uma convenção coletiva de trabalho na modalidade de contrato coletivo [doravante CCT] celebrado entre uma associação sindical [FESAHT] e uma associação de empregadores [BB].

 Ora, um grande número de cláusulas ínsitas em CCT’s não prima, consciente ou inconscientemente, pela clareza do seu sentido.

Diz Júlio Manuel Vieira Gomes[5] que “[u]ma das estratégias da negociação coletiva consiste em criar textos ambíguos que depois terão que ser concretizados pelos tribunais” e sustenta António Monteiro Fernandes[6] que “[p]ara além das imperfeições da redação contribuem para as dúvidas que os textos convencionais suscitam, certas ambiguidades intencionais que são, muitas vezes, o preço dos acordos”.

            De qualquer modo, torna-se necessário proceder à interpretação dessas cláusulas para se garantir uma aplicação mais correta.

            A convenção coletiva produz efeitos normativos, relativos aos contratos de trabalho abrangidos, e ao mesmo tempo obrigacionais, nas relações entre as entidades subscritoras.

            É, assim, norma e negócio jurídico.   

          Sendo assim pode perguntar-se: deve a interpretação da convenção coletiva de trabalho seguir as regras da interpretação da lei [artigos 9º e 10º, do Código Civil] ou as regras da interpretação do negócio jurídico [artigos 236º e 239ª, também do CC]?

            Para a doutrina, a resposta a esta pergunta não é unívoca.

           

Com efeito, António Monteiro Fernandes[7] entende que lhe parece mais conforme ao desígnio do legislador a resposta ser a de “[a]plicar os critérios preconizados para os negócios jurídicos, independentemente da natureza da cláusula em questãoporque ”[n]a realidade, interpretar ou integrar a convenção é (ou deve ser) criar um conteúdo convencional que se acrescenta ao existente, e que deve enquadrar-se na fórmula de equilíbrio contratual adotada peças entidades subscritoras”.

           

          Por sua vez, Maria do Rosário Palma Ramalho[8] sustenta, por sua vez, que “[a] interpretação da convenção coletiva e a integração das suas lacunas deve sujeitar-se globalmente aos critérios de interpretação e integração  da lei (artigos 9º e 10º, do CC), pela seguinte ordem de razões: razões de coerência interna das duas parcelas do conteúdo deste instrumento, razões de substancialidade, razões formais e de segurança jurídica e razões de harmonia intra-sistemática”.

         Ora, as razões que aponta para se tomar esta posição são, essencialmente, as da interpretação da convenção dever ser unitária e não dualista, a convenção ser fonte de direito do trabalho, o seu conteúdo essencial ser normativo e por, havendo extensão administrativa, através de portaria de extensão, só através da lei se poder interpretar um regulamento administrativo.

   Já Júlio Gomes[9], na síntese que faz do seu estudo sobre esta questão, da interpretação das CCT’s, salienta que “[o]s critérios hermenêuticos a adotar para a interpretação da convenção coletiva não podem deixar de ter em conta a génese negocial desta, e, sobretudo, a razão de ser pela qual o ordenamento remete para a contratação coletiva a regulação de uma parte substancial das relações laborais” e que “[a] circunstância da convenção coletiva criar regras que deverá aplicar-se igualmente a uma série indeterminada de relações é um fator muito importante para a objetivação da sua interpretação, mas trata-se sempre do máximo de objetivação consentido e permitido nos quadros da utilização do negócio jurídico”.

          Igualmente, refere que, neste domínio, se deve atribuir uma importância acrescida ao elemento literal. pois, segundo ele, apesar da sua inerente ambiguidade, a letra do acordo é o ponto de partida e a baliza da interpretação, não se devendo permitir que as partes consigam através da interpretação aquilo que não conseguiram através da negociação.


~~~~~~~~


     Acresce que a lei estabelece, no artigo 492º, n.º 3, do CT, que a convenção coletiva deve prever a constituição e regular funcionamento de comissão paritária com competência para interpretar e integrar as suas cláusulas.


            O que significa que a lei deseja que sejam os próprios subscritores do CCT a dizer o que pretendiam com a cláusula a interpretar.

            Simplesmente, nem sempre essa comissão paritária chega a acordo dado o teor ambíguo da cláusula, que pode levar a várias interpretações.

            Neste caso, é aos tribunais que compete, através da ação de interpretação de convenção coletiva de trabalho, interpretar a cláusula controversa.


IX


            A nível jurisprudencial, está consolidado o entendimento que a interpretação das cláusulas de conteúdo regulativo das convenções coletivas de trabalho deve obedecer às regras próprias da interpretação da lei, devendo partir-se do enunciado linguístico da norma, ou seja, da letra da lei, por ser o ponto de partida da atividade interpretativa uma vez que através dela se procura reconstituir o pensamento das partes outorgantes desse CCT.

           

            Também se tem entendido que o enunciado da cláusula funciona igualmente como limite interpretativo pois não pode ser considerada uma interpretação que não tenha o mínimo de correspondência verbal.

            A este respeito decidiu o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 09.06.2010[10] que:


1. A interpretação das cláusulas de conteúdo regulativo das convenções coletivas de trabalho deve obedecer às regras próprias da interpretação da lei.

2. Assim, haverá que atender ao enunciado linguístico da norma, por representar o ponto de partida da atividade interpretativa, na medida em que esta deve procurar reconstituir, a partir dele, o pensamento das partes outorgantes da convenção – tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada –, sendo que o texto da norma exerce também a função de um limite, porquanto não pode ser considerado entre os seus possíveis sentidos aquele pensamento que não tenha na sua letra um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

3. Para a correta fixação do sentido e alcance da norma, há de, outrossim, presumir-se que os outorgantes souberam exprimir o seu pensamento em termos adequados e consagraram a solução mais acertada, do que decorre que o texto da norma exerce uma outra função: a de dar um mais forte apoio àquela das interpretações possíveis que melhor condiga com o significado natural e correto das expressões utilizadas.

            A interpretação da lei consta do artigo 9º, do Código Civil.

              "É indiscutível que toda a norma jurídica carece de interpretação mesmo nos casos em que parece evidente um "claro teor literal" (JESCHECK)[11].

             E a sua interpretação há de ser feita seguindo uma metodologia hermenêutica que, levando em conta todos os elementos de interpretação - gramatical, histórico, sistemático e teleológico (este a impor que o sentido da norma se determine pela “ratio legis”) -, permita determinar o adequado sentido normativo da fonte correspondente ao "sentido possível" do texto (letra) da lei.          

          Como refere o acórdão de 04.05.2011 [Processo n.º 4319/07.1TTLSB.L1.S1][12], o Supremo Tribunal de Justiça tem entendido que, na interpretação das cláusulas de conteúdo regulativo das convenções coletivas de trabalho regem as normas atinentes à interpretação da lei, consignadas, em particular, no artigo 9.º do Código Civil, visto tais cláusulas serem dotadas de generalidade e abstração e serem suscetíveis de produzir efeitos na esfera jurídica de terceiros.

          Ora, a interpretação jurídica tem por objeto descobrir, de entre os sentidos possíveis da lei, o seu sentido prevalente ou decisivo, sendo o artigo 9.º do Código Civil a norma fundamental a dar uma orientação legislativa para esse efeito.

           O artigo 9º, do Código Civil, dispõe que “[a] interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada” (n.º 1); o enunciado linguístico da lei é o ponto de partida de toda a interpretação, mas exerce também a função de um limite, já que não pode “ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” (n.º 2); além disso, “[n]a fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (n.º 3).

               

  Como consta no acórdão de 04.05.2011, já citado, deste Supremo Tribunal de Justiça [a] apreensão literal do texto, ponto de partida de toda a interpretação, é já interpretação, embora incompleta, pois será sempre necessária uma «tarefa de interligação e valoração, que excede o domínio literal» (cf. JOSÉ OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito, Introdução e Teoria Geral, 11.ª edição, revista, Almedina, 2001, p. 392).

   Nesta tarefa de interligação e valoração que acompanha a apreensão do sentido literal, intervêm elementos lógicos, apontando a doutrina elementos de ordem sistemática, histórica e racional ou teleológica (sobre este tema, cf. KARL LARENZ, Metodologia da Ciência do Direito, 3.ª edição, tradução, pp. 439-489; BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 12.ª reimpressão, Coimbra, 2000, pp. 175-192; FRANCESCO FERRARA, Interpretação e Aplicação das Leis, tradução de MANUEL ANDRADE, 3.ª edição, 1978, pp. 138 e seguintes).

  O elemento sistemático compreende a consideração de outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretada, isto é, que regulam a mesma matéria (contexto da lei), assim, como a consideração de disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos). Compreende ainda o lugar sistemático que compete à norma interpretanda no ordenamento global, assim como a sua consonância com o espírito ou unidade intrínseca de todo o ordenamento jurídico.

             O elemento histórico abrange todas as matérias relacionadas com a história do preceito, as fontes da lei e os trabalhos preparatórios.      

            O elemento racional ou teleológico consiste na razão de ser da norma (ratio legis), no fim visado pelo legislador ao editar a norma, nas soluções que tem em vista e que pretende realizar.

              Segundo a doutrina tradicional, o intérprete, socorrendo-se dos elementos interpretativos acabados de referir, acabará por chegar a um dos seguintes resultados ou modalidades de interpretação: interpretação declarativa, interpretação extensiva, interpretação restritiva, interpretação revogatória e interpretação enunciativa.

 Na interpretação declarativa, o intérprete limita-se a eleger um dos sentidos que o texto direto e claramente comporta, por ser esse o que corresponde ao pensamento legislativo.

            A interpretação declarativa pode ser restrita ou lata, segundo toma em sentido limitado ou em sentido amplo as expressões que têm vários significados: tal distinção, como adverte FRANCESCO FERRARA (ob. cit., pp. 147-148), não deve confundir-se com a interpretação extensiva ou restritiva, pois nada se restringe ou se estende quando entre os significados possíveis da palavra se elege aquele que parece mais adaptado à «mens legis».”


X

          No domínio da interpretação de cláusulas de convenções coletivas de trabalho deve-se atribuir uma importância acrescida ao elemento literal, pois a letra do acordo é o ponto de partida e a baliza da interpretação.

           

            A cláusula cuja interpretação nos é pedida é a 68ª, alínea b), do CCT celebrado entre a “BB – ...” e a “FESAHT - Federação dos Sindicatos da Agricultura, Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal”, cuja revisão global foi publicada no BTE n.º 15, de 22 de abril de 2010, no que respeita à reclassificação dos auxiliares de ação médica, nomeadamente à sua passagem para a categoria de auxiliares de ação média especialistas.

            No CCT em causa existem, também, algumas cláusulas referentes à classificação profissional e à progressão categoria.

            Assim:

       A cláusula 4ª, referente à classificação profissional, dispõe que “[o]s trabalhadores abrangidos pelo presente CCT são classificados numa das categorias profissionais previstas no anexo II, de acordo com as funções desempenhadas”.

            Segundo a cláusula 5ª, n.º 1, a progressão na carreira depende cumulativamente:

- “Da obtenção das habilitações e qualificações exigidas para a categoria em questão;
- Do mérito do trabalhador, nos termos previstos na cláusula seguinte.

                       

           Na cláusula 6ª, relativa à avaliação do desempenho, está consagrado que “o mérito constitui o fator fundamental da progressão na carreira e deve ser avaliado por um sistema institucionalizado do desempenho profissional” (n.º 1) e que “[o]s trabalhadores ao serviço de entidades empregadoras que não instituam sistema de avaliação de desempenho progridem na carreira por mero decurso do tempo, contado nos termos do n.º 2 da cláusula anterior, considerando-se a sua promoção quando se esgote o período máximo de referência para o nível profissional em que se encontra classificado” (n.º 4).

           

           Por fim, no anexo II, ponto 1) e 1.1), do referido CCT, consta que o acesso do auxiliar de ação médica ao nível de especialista “[é] feito com referência a posse do ensino secundário, formação específica certificada em determinada especialidade ou experiência equivalente e se for do interesse para a organização.

            Experiência profissional de referência: oito anos de experiência”.

    

           O que está em causa neste recurso é a interpretação da norma relativa à reclassificação de uma categoria de um CCT, que foi revogado, numa outra categoria do CCT que o veio substituir, e a repercussão, dessa transição, em termos de carreira, e respetiva progressão dos trabalhadores reclassificados.

      Como se refere no acórdão recorrido, citando a 1ª instância, [a] classificação profissional e a reclassificação profissional correspondem a conceitos distintos. A classificação profissional é aplicável aos profissionais que ingressam na carreira profissional e podem progredir posteriormente nas diversas categorias profissionais. A reclassificação profissional é aplicável aos profissionais que já ingressaram na carreira profissional com um determinado regime de classificação e progressão profissional e que veem este regime ser alterado posteriormente, pretendendo-se saber qual a categoria profissional a que devem pertencer de acordo com o novo regime.

            Estes conceitos desempenham diferentes funções. A classificação profissional destina-se a estabelecer a categoria profissional em que o trabalhador deve ser inserido quando ingressa na carreira profissional e a regular a forma de progressão nas diversas categorias profissionais. A reclassificação profissional destina-se a estabelecer um regime de transição dos trabalhadores que estavam inseridos numa carreira profissional que foi revogada para a carreira profissional que a substituiu e a determinar a categoria profissional a devem pertencer de acordo com o novo regime.

                Estas diferenças implicam que os critérios subjacentes a estes dois conceitos não tenham, necessariamente, que ser idênticos. Na reclassificação profissional existem expectativas dos trabalhadores que estavam inseridos na carreira profissional que foi revogada que devem ser tuteladas. Estes trabalhadores estavam inseridos numa determinada carreira profissional e tinham a expectativa de progredir nas diversas categoriais profissionais de acordo com os critérios que estavam em vigor. Esta expectativa é legítima e não pode ser ignorada.                               

               Sendo revogada a carreira profissional, compreende-se que seja estabelecido um regime de reclassificação profissional destinado a permitir a transição destes trabalhadores para a carreira profissional que a substituiu conjugando as suas expectativas com o novo regime. A conjugação destas expectativas com o novo regime leva a que os critérios subjacentes à reclassificação profissional possam ser diferentes, designadamente que o critério da experiência profissional ou, se preferirmos da antiguidade, passa ter uma relevância diferente daquela que tem na classificação profissional.

                É esta a razão de ser dos regimes de reclassificação profissional, os quais, se assim não fosse, eram desnecessários.

               Como se afirma no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 4 de Março de 2005, in www. dgsi.pt «se a reclassificação profissional estivesse sujeita aos mesmos requisitos que são exigidos para o recrutamento normal ficava esvaziada de âmbito de aplicação».”


                       

          A classificação profissional está, pois, direcionada para o ingresso dos profissionais na respetiva carreira e que, posteriormente, podem progredir nas diversas categorias profissionais.

                       

           Por sua vez, a reclassificação profissional está destinada aos profissionais que já ingressaram na carreira, tendo já um determinado regime de classificação e progressão, mas que, por via da extinção dessa carreira, tornou-se necessário alterá-lo, através da reclassificação, atribuindo-lhes uma nova categoria e a progressão de acordo com os critérios fixados.

 

            Estes dois conceitos referem-se, assim, a realidades completamente diferentes,

                         

            Assim sendo, na reclassificação os critérios da progressão na carreira podem ser diferentes dos da progressão na classificação.


XI

            Na lei laboral existem normas atinentes à própria categoria e à sua tutela e proteção, de modo a que o trabalhador não veja a sua categoria diminuída.

           Assim, o artigo 115º, n.º 1, dispõe que cabe às partes determinar, por acordo, a atividade para que o trabalhador é contratado, o artigo 116º consagra que a sujeição à autoridade e direção do empregador não prejudica a autonomia técnica do trabalhador inerente à atividade prestada, nos termos das regras legais ou deontológicas aplicáveis, o artigo 118º, n.º 1, determina que o trabalhador deve, em princípio, exercer funções correspondentes à atividade para as quais foi contratado, e que o empregador deve atribuir-lhe dentro da referida atividade, as funções mais adequadas às suas aptidões e qualificação profissional, e, por sua vez, o artigo 126º, n.º 2, todos do CT, impõe que na execução do contrato do trabalho as partes devem colaborar na obtenção de maior produtividade, bem como na promoção humana, profissional e social do trabalhador.

            Também o artigo 126º, do CT, estabelece que o trabalhador e o empregador devem proceder de boa-fé no exercício dos seus direitos e no cumprimento das respetivas obrigações.

Ora, “[n]a lei laboral ordinária inexiste qualquer norma que imponha aos empregadores o estabelecimento de regras de progressão na carreira dos trabalhadores, sendo o seu dimensionamento e consagração, em princípio, objeto de regulamentação coletiva[13], deixando-se, assim, para as partes, o estabelecimento e a definição, em plena autonomia, das formas e dos critérios da colaboração na obtenção de maior produtividade, bem como da promoção humana, profissional e social do trabalhador, entre os quais se incluem os da sua progressão na carreira.

 

            Finalizando:

            Com a entrada em vigor do CCT celebrado entre a “ BB – ...” e a “FESAHT – Federação dos Sindicatos da Agricultura, Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal”, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 15, de 22 de abril de 2010, extinguiram-se as categorias profissionais de empregada de enfermaria, empregada de bloco operatório, esterilização e auxiliar de hemodiálise, tendo sido substituídas pela categoria de auxiliar de ação médica, nível I, II, III e especialista.

           Assim, há que reclassificar os trabalhadores oriundos das categorias profissionais extintas e integrá-los nos diversos níveis de progressão na categoria que lhes foi atribuída: níveis I, II, III e especialista.

           Dada a distinção dos conceitos de reclassificação e de progressão na carreira, os requisitos das habilitações literárias e do interesse e necessidade do empregador  exigidos por esta não têm qualquer influência na reclassificação.

           Nada obsta ou impede que se interprete a cláusula 68ª, alínea b), respeitante aos profissionais de “apoio à saúde”, no sentido de que apenas é exigível a verificação do requisito da antiguidade no momento da reclassificação.

        Esta é a interpretação que resulta quer do Contrato Coletivo de Trabalho, ao distinguir classificação profissional de reclassificação profissional, quer do elemento sistemático e quer do elemento teleológico.

            Assim deve interpretar-se a cláusula 68ª, alínea b), na parte impugnada, da seguinte forma:




· Os trabalhadores oriundos da categoria de empregada de enfermaria, empregada de bloco operatório, esterilização e auxiliar de hemodiálise, que à data da reclassificação tinham oito anos ou mais de antiguidade, devem integrar a categoria de auxiliar de ação médica, nível especialista.


XIII


Por fim, a dualidade conceptual existente entre reclassificação profissional e classificação profissional não viola o princípio da igualdade previsto no artigo 13º, da CRP, que proclama que todos os cidadãos são iguais perante a lei [n.º 1] e que ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito em razão da ascendência, sexo, raça, língua, território, de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual [n.º 2]. 

                       

            Dispõe, por sua vez, o seu artigo 59º, n.º1, alínea a), que todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito à retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza, quantidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual, salário igual.

           

           O Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 282/2005, de 6 de julho, refere que o princípio da igualdade convoca três dimensões[14]: “[(a)] a proibição do arbítrio, consubstanciada na inadmissibilidade de diferenciação de tratamento sem qualquer justificação razoável, apreciada esta de acordo com critérios objetivos de relevância constitucional, e afastando também o tratamento idêntico de situações manifestamente desiguais; (b) a proibição de discriminação, impedindo diferenciações de tratamento entre os cidadãos que se baseiem em categorias meramente subjetiva ou em razão dessas categorias; (c) e a obrigação de diferenciação, como mecanismo para compensar as desigualdades de oportunidades, que pressupõe a eliminação, pelos poderes constituídos públicos, de desigualdades fácticas de natureza social, económica e cultura.”

                       

            Da diversa jurisprudência do Tribunal Constitucional, resulta que este tem, constante e reiteradamente, afirmado e ponderado, que o princípio da igualdade só é violado quando o legislador trate diferentemente situações que são essencialmente iguais, não proibindo diferenciações de tratamento quando estas sejam materialmente fundadas.

            No caso não se viola o princípio da igualdade porque essa desigualdade é objetiva e provém de situações e de factos/realidades diferentes.


XIII

            Decidindo:

           - Pelo exposto, decide-se negar a revista, confirmar o acórdão recorrido e, consequentemente, fixar à cláusula 68ª, alínea b), do Contrato Coletivo de Trabalho celebrado entre a “BB – ...” e a “FESAHT – Federação dos Sindicatos da Agricultura, Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal”, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 15, de 22 de Abril de 2010, a interpretação que por aquele aresto lhe foi dada, a qual se consigna nos seguintes termos: 

- «Devem ser inseridos na categoria profissional de auxiliar de ação médica especialista, os trabalhadores oriundos da categoria de empregada de enfermaria, bloco operatório, esterilização e auxiliar de hemodiálise que à data de entrada em vigor do contrato coletivo de trabalho (CTT publicado no BTE n.º 15, de 22/04/10) reuniam o requisito referente à antiguidade»

            - Custas do recurso de revista a cargo da recorrente.

          - Transitado em julgado, publique-se no Diário da República e no Boletim do Trabalho e Emprego, nos termos do artigo 186.º do Código de Processo do Trabalho.

            Anexa-se o respetivo sumário.


~~~~~~~~


            Lisboa, 28 de setembro de 2017


Ferreira Pinto (Relator)

Chambel Mourisco

Pinto Hespanhol


                            Gonçalves Rocha

António Leones Dantas


Ana Luísa Geraldes

Ribeiro Cardoso

Henriques Gaspar


__________________
[1] - FP (Relator)
011/2017
[2] - Manteve-se a redação original.
[3] - Artigo 81º, n.º5, do CPT.
[4] - Artigo 118º, n.º 1, do CT.
[5] - Novos Estudos de Direito do Trabalho – Da interpretação e integração das Convenções Coletivas – Wolters Kluwer e Coimbra Editora, 2010, página 145/146.
[6] - Direito do Trabalho, 18ª edição, 2017, Almedina, página 106.
[7] - Obra citada, página 106.
[8] - Tratado de Direito do Trabalho – Parte III – Situações Laborais Coletivas, 2ª edição, 2015, Almedina página 187.
[9] - Obra citada, página 152//155.
[10] - Processo n.º 3976/06.0TTLSB.L1.S1, em  www.dgsi.pt.
[11] - Citado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.3.2013, no proc. 287/12.6TCLSB.L1.S1.
[12]http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/344677bf068efefd802578870032bc5f?OpenDocument.
[13] - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/2014, de 30.04.2014, proferido no processo n.º 3230/11.6TTLSB.S1, e publicado no DR, Iª Série, n.º 105, de 02.06.2014.
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/b3796c09137be70f80257ccc0030ffec?OpenDocument
[14] - O Tribunal Constitucional aceita e reconhece como normas jurídicas as nomas das Convenções Coletivas de Trabalho – Acórdão n.º 174/2008, de 11 de março.