Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
115/10.7PGAMD-B.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO (CRIMINAL)
Relator: GABRIEL CATARINO
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
PENA ACESSÓRIA
PENA DE EXPULSÃO
NOVOS FACTOS
NOVOS MEIOS DE PROVA
INCONCILIABILIDADE DE DECISÕES
IMPROCEDÊNCIA
Data do Acordão: 09/09/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE REVISÃO
Decisão: NEGADA A REVISÃO
Sumário :
I -    A lei – cfr. art. 449.º, n.º 3, do CPP – não permite a revisão de uma sentença firme, ou transitada em julgado, “com fundamento na alínea d) do nº 1, com o único fim de corrigir a medida concreta da sanção aplicada.”

II -  O pedido de revisão formulado pelo requerente assenta, essencialmente, na revogação da pena acessória que lhe foi imposta no Proc. n.º 1062/11.0T3SNT e que o tribunal que operou o cúmulo das penas convocadas para o efeito, manteve por força do art. 78.º, n.º 3, do CP (“as penas acessórias e as medidas de segurança aplicadas na sentença anterior mantêm-se, salvo quando se mostrarem desnecessárias à vista da nova decisão (…)”).

III - A aplicação de uma pena acessória, porque dependente da formulação de um juízo de culpabilidade e de censura ético-jurídica relativamente à conduta (principal) de que ela é ancilar, não assume, segundo a jurisprudência mais abalizada, uma sequenciação automática e consequente, antes dependendo da verificação dos pressupostos jurídico-materiais que arroupam a sua fisionomia jurídica e os objectivos que lhe são co-envolventes. (Assim, o acórdão deste STJ, de 26-11-2008, proferido no Proc. n.º 3630/08, pelo relator Conselheiro Armindo Monteiro.

IV - A pena acessória de expulsão, como sequela da prática de um ilícito penalmente punível, constitui-se, no ordenamento jurídico nacional, como consequência (necessária, mas não automática) da condenação, por um qualquer tipo de crime (doloso), em pena superior a 6 meses de prisão efectiva ou com pena de multa em alternativa à pena de prisão superior a 6 meses – cfr. art. 151.º, da Lei n.º 23/2007, de 04-07, com as alterações (avulsas e contingentes que lhe foram sendo introduzidas até à derradeira Lei n.º 28/2019, de 29-03).

V -  Não é permitida a revisão de uma decisão, em que se efectuou a cumulação de penas impostas ao peticionário, somente para rever, para expurgo, a pena acessória de expulsão do território nacional que lhe havia sido imposta numa decisão englobada no cúmulo jurídico de penas realizado. 

Decisão Texto Integral:

§1. – RELATÓRIO.


Apostrofando a decisão revidenda com vícios de forma e de julgamento – falta (omissão) de fundamentação (de facto) para a decisão (artigo 379º, nº 1, alínea a), ex vi do artigo 374º, nº 2, ambos do Código de Processo Penal e insuficiência da matéria de facto para a decisão (artigo 410º, nº 2, alínea a) do mesmo livro de leis), o recorrente, AA pede a revisão da sentença (condenatória), tão na parte em que o condenou na pena acessória de expulsão do território nacional pelo período de oito (8).

Para a pretensão que impetra, formula o módulo conclusivo que a seguir queda transcrito (sic):

1. O acórdão recorrido decidiu nos autos supra referidos, pela condenação do arguido recorrente na pena de 15 anos de prisão e ainda na pena acessória de expulsão por 8 anos do país, pela prática dos crimes de roubo

2. o arguido colaborou com a justiça encontrando-se preso há já 10 anos, então confessou os factos de forma integral e sem reserva, demonstrando arrependimento e, não obstante entender a pena de prisão de 15 anos exagerada dela não interpôs recurso; Porém jamais poderia se ter conformado com a pena acessória de expulsão imposta, sendo esta objeto do presente recurso de revisão.

3. De facto o arguido veio para Portugal ainda menor, com apenas 11 anos de idade para se juntar aos pais que cá já se encontravam.

4. Logo iniciou os estudos e depois atividade profissional na construção civil, pelo que não corresponde á verdade que tivesse feito do crime o modo de vida.

5. Pelo que perante tais factos dado como provados, pelo tribunal a quo, outra decisão não deveria ter sido tomado senão a da não aplicação da pena acessória de expulsão ao arguido recorrente do TN, tendo em conta que esta pena “não tem aplicação automática, decorrente da pártica de um crime pelo cidadão estrangeiros, mas antes de uma apreciação concreta a fazer pelo tribunal e onde deverão ponderar-se e equacionar-se vários aspetos, tais sejam os atinentes a sua situação pessoal e familiar do arguido, ao período de permanência do mesmo no pais, ao seu grau de inserção na sociedade portuguesa, ainda que não possua autorização de residência (ac. 14/96 de 7.11.96 in DR, I série de 27.11.96.

6. Tudo isto porque “a decisão de expulsão tem, na sua aplicação, como pressuposto a existência de um justo equilíbrio entre os interesses do arguido e do Estado (idem Ac.), sendo o acórdão recorrido praticamente é omisso quanto aqueles referenciados aspetos, indispensáveis para aferir quer sobre a justeza da aplicação da aludida pena acessória quer sobre o quantum da mesma (8 anos), do vício a que a al. a) do nº 2 do artº 410º do CPP encontra-se atingida a decisão.

7. Ademais a seu ver não se encontra devidamente fundamentada de direito e insuficientemente justificado de facto a imposição da pena acessória de expulsão ao arguido que para cá veio e com pouca idade, da nulidade prevista na al. a), nº 1, 379º por referência ao nº 2 do artº 374º do CPP, sempre se mostra ferido o douto acórdão recorrido, nesta parte.

8. O relatório que esteve na base da sua condenação com o qual não conformou, não retrata a realidade dos factos quanto ao seu modo de vida, nem a sua situação familiar em Portugal ou em Cabo Verde.

9. Na verdade, o douto acórdão recorrido para concluir como concluiu que o recorrente deve merecer ser expulso de Portugal, seu país de crescimento, baseou-se única e exclusivamente no relatório social, em detrimento sobretudo do depoimento que prestou.

10. Ademais verifica-se contradição entre a fundamentação e a decisão ou mesmo de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (artº 410º do CPP) na medida em que, se por um lado deu-se como matéria provada que o arguido cresceu em Portugal por outro lado considera-se provado que o mesmo antes de preso não tinha outro modo ocupação certa havendo a seu ver uma certa inconciliabilidade entre os termos da condenação.

11. É que, caso o tribunal tivesse tomado conhecimento ainda que oficiosamente da real situação do arguido, quanto a sua situação profissional laboral e familiar (pela inquirição de familiares), bem como o facto do mesmo ter vindo para Portugal enquanto menor de 11 anos de idade, a decisão teria sido outra e mais justa quanto a esta parte das penas aplicadas: Daí existir factos novos que justificam a aceitação e provimento do presente recurso de revisão; aliado a referida inconciliabilidade entre a fundamentação e a decisão nos termos supra referidos.

12. Acresce que a situação sanitária devido ao covid 19 que se vive no seu país de origem é má com vários casos de infeção registada, aliado ao facto de nos termos do decreto-lei 10-A/2020, são considerados legais todos os estrangeiros em Portugal desde que tenha pedido de legalização formulado junto do SEF o que é o caso do arguido. Na medida em que,

13. Nos termos dos dispostos no despacho governamental n. 3863-B/2020, publicado no DR 62/2020, 3º Suplemento, série II de 2020/03/27, escorado no artº 16º do DL supra citado, prevê que “no caso de cidadãos estrangeiros que tenham formulado pedidos ao abrigo da lei 23/2007 de 4 de julho… considera-se ser regular a sua permanência em território nacional com processos pendentes no serviços de estrangeiros e fronteiras a data de 18 de março aquando da declaração do Estado de Emergência Nacional, bem como,

14. “Noutras situações de processos pendentes no SEF, designadamente concessões ou renovações de autorização de residência, seja do regime geral ou dos regimes excecionais, através de documentos comprovativos do agendamento no SEF ou de recibo comprovativo do pedido, constituindo igualmente factos novos.

15. Sendo certo que o recorrente reúne as condições necessárias, tais como suporte familiar, das filhas entre outos vários familiares, para após a ser libertado continuar, com estudos a residir em Portugal, reinserindo-se na sociedade.

(…) deverá ao presente recurso ser dado provimento e, em consequência, revogada a pena acessória de expulsão do TN aplicada ao recorrente AA (…).”


§2. – INFORMAÇÃO A QUE SE REPORTA O ARTIGO 454º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL.

 “Atentos os fundamentos da revisão e a factualidade provada quanto à situação pessoal do arguido, no acórdão deste processo, que procedeu ao cúmulo jurídico de penas, tendo também em consideração os anos decorridos desde a prisão do arguido (cerca de dez anos) e a sua idade ao tempo da detenção/prisão e aquando da realização do cúmulo jurídico de penas (cerca de dois anos e meio depois), afigura-se que não vem invocado qualquer facto relevante novo, que fosse susceptível de gerar dívidas acerca da justiça da condenação.

Consequentemente, além de as testemunhas indicadas pelo requerente não terem sido ouvidas no processo e nada ter justificado a esse respeito, nos termos do nº 2 do artigo 453º do Código de Processo Penal, não se vê qualquer utilidade na inquirição das mesmas, inquirição que se indefere, entendendo que não cumpre produzir outro meio de prova, além da documental que integra o presente apenso.

Afigura-se-me que os meios de prova produzidos em audiência justificam a decisão condenatória do ora recorrente e são claros na respectiva motivação, conforme o teor do respectivo acórdão, sem vício que se descortine e cujos fundamentos também não são efectivamente postos em crise pelo ora recorrente, com referência a alguma das previsões das alíneas a) a g) do nº 1 do artigo 449º do Código de Processo Penal, recorrente que sobretudo assenta em razões de carácter eminentemente pessoal, pelo que tenho por despiciendos outros considerandos quanto ao mérito do pedido.”


§3. – PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO JUNTO DSTE SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA.

1. Situação processual:

1.1. No âmbito do processo 1062/11.0…, do Juízo de Grande Instância Criminal de …, Juiz …, por acórdão de 02-02-2012, transitado em julgado em 06-03-2012, o ora recorrente foi condenado pela prática de um crime de roubo qualificado na pena de 3 anos e 6 meses de prisão e na pena acessória de expulsão do território nacional pelo período de 8 anos.

Aqui se fundamentou quanto à aplicação da pena acessória de expulsão:

“O MP requereu a aplicação ao arguido da pena acessória de expulsão do território nacional, nos termos das alíneas a) e f) do nº1 do art. 134º da Lei 23/2007 de 04.07

O arguido é natural de Cabo Verde, não tem autorização de residência válida, encontrando-se em situação ilegal em Portugal.

Também não tem atividade regular no nosso país e, acima de tudo, cometeu ilícitos penais graves, encontrando-se já em cumprimento de uma pena de 6 anos de prisão. Assim, nos termos do art. 151º nº1 da citada Lei, entende o tribunal coletivo aplicar-lhe a pena acessória de expulsão do território nacional pelo período de 8 anos.”

1.2.No âmbito do processo 115/10.7PGAMD-B, do Tribunal da Comarca da …, foi efetuado cúmulo jurídico das penas aplicadas naquele processo e noutros, vindo o ora recorrente a ser condenado na pena única de 15 anos de prisão, pela prática de crimes de roubo, tendo sido mantida a ordem de expulsão do território nacional pelo período de 8 anos (art. 77 nº4 do CPP)

O acórdão cumulatório foi proferido em22.01.2013, transitado em julgado em 22.02.2013.

1.3.O arguido encontra-se detido desde 10.09.2010.

Nasceu em ….04.1990

2. O arguido interpõe o presente recurso de revisão, circunscrito à pena acessória de expulsão, pelos seguintes fundamentos, conforme resulta das conclusões apresentadas:

“7. Ademais a seu ver não se encontra devidamente fundamentada de direito e insuficientemente justificado de facto a imposição da pena acessória de expulsão ao arguido que para cá veio c com pouca idade, da nulidade prevista na al. a) 1, 379º por referência ao 2 do artº 374º do CPP, sempre se mostra ferido o douto acórdão recorrido, nesta parte.

8. O relatório que esteve na base da sua condenação com o qual não conformou, não retrata a realidade dos factos quanto ao seu modo de vida, nem a sua situação familiar em Portugal ou em Cabo Verde.

9. Na verdade, o douto acórdão recorrido para concluir como concluiu que o recorrente deve merecer ser expulso de Portugal, seu país de crescimento, baseou-se única e exclusivamente no relatório social, em detrimento sobretudo do depoimento que prestou.

10. Ademais verifica-se contradição entre a fundamentação e a decisão ou mesmo de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (artº 410º do CPP) na medida em que, se por um lado deu-se como matéria provada que o arguido cresceu em Portugal por outro lado considera-se provado que o mesmo antes de preso não tinha outro modo ocupação certa havendo a seu ver uma certa inconciliabilidade entre os termos da condenação.

11. É que, caso o tribunal tivesse tomado conhecimento ainda que oficiosamente da real situação do arguido, quanto a sua situação profissional laboral e familiar (pela inquirida de familiares), bem como o facto do mesmo ter vindo para Portugal enquanto menor de 11 anos de idade, a decisão teria sido oura e mais justa quanto a esta parte das penas aplicadas: Daí existir factos novos que justificam a aceitação e provimento do presente recurso de revisão; aliado à referida inconciliabilidade entre a fundamentação e a decisão nos termos supra referido.

12. Acresce que a situação sanitária devido ao covid 19 que se vive no seu país de origem é má com vários casos de infeção registada, aliado ao facto de nos termos do decreto-lei 10-A/2020, são considerados legais todos os estrangeiros em Portugal desde que tenha pedido de legalização formulado junto do SEF o que e caso do arguido. Na medida em que,

13. Nos termos dos dispostos no despacho governamental n. 3863-B/2020, publicado no DR 62/2020, 3º Suplemento, série II de 2020/03/27, encorado no artº 16º do DL supra citado, prevê que “no caso de cidadãos estrangeiros que tenham formulado pedidos ao abrigo da lei 23/2007 de 4 de julho… considera-se ser regular a sua permanência em território nacional com processos pendentes no serviços de estrangeiros e fronteiras a data de 18 de março aquando da declaração do Estado de Emergência Nacional, bem como,

14. “Noutras situações de processos pendentes no SEF, designadamente concessões ou renovações de autorização de residência, seja do regime geral ou dos regimes excecionais, através de documentos comprovativos do agendamento no SEF ou de recibo comprovativo do pedido, constituindo igualmente factos novos.

15. Sendo certo que o recorrente reúne as condições necessárias, tais como suporte familiar, das filhas entre outos vários familiares, para após a ser libertado continuar, com estudos a residir em Portugal, reinserindo-se na sociedade.

Nestes termos, e no demais de direito doutamente supridas por V Exas, deverá o presente recurso ser dado provimento e, em consequência, revogada a pena acessórias de expulsão do TN aplicada ao recorrente AA.

Em síntese, alega o recorrente que “caso o tribunal tivesse tomado conhecimento, ainda que oficiosamente, da real situação do arguido, quanto a sua situação profissional laboral e familiar (pela inquirição de familiares), bem como o facto do mesmo ter vindo para Portugal enquanto menor de 11 anos de idade, a decisão teria sido oura e mais justa quanto a esta parte das penas aplicadas: Daí existir factos novos que justificam a aceitação e provimento do presente recurso de revisão”

E ainda que “nos termos do decreto-lei 10-A/2020, são considerados legais todos os estrangeiros em Portugal desde que tenha pedido de legalização formulado junto do SEF o que é o caso do arguido. Na medida em que, nos termos dos dispostos no despacho governamental n. 3863-B/2020, publicado no DR 62/2020, 3º Suplemento, série II de 2020/03/27, encorado no artº 16º do DL supra citado, prevê que “no caso de cidadãos estrangeiros que tenham formulado pedidos ao abrigo da lei 23/2007 de 4 de julho… considera-se ser regular a sua permanência em território nacional com processos pendentes no serviços de estrangeiros e fronteiras a data de 18 de março aquando da declaração do Estado de Emergência Nacional, bem como, noutras situações de processos pendentes no SEF, designadamente concessões ou renovações de autorização de residência, seja do regime geral ou dos regimes excecionais, através de documentos comprovativos do agendamento no SEF ou de recibo comprovativo do pedido, constituindo igualmente factos novos.”

2.2. Ora, no que tange à situação pessoal e familiar do ora recorrente, não há qualquer facto que possa ser considerado novo, uma vez que se deu como provado no acórdão condenatório:

. Ser o arguido natural de Cabo Verde;

. Não ser detentor de autorização de residência válida, conforme informação do SEF, constando da mesma que o arguido tem a documentação caducada desde 2007, encontrando-se ilegalmente em território nacional.

Ter o arguido vivido com os avós paternos até à idade de 11 anos, altura em que imigrou para Portugal”

.O arguido integrou o sistema de ensino português até à idade de cerca de 17 anos, tendo concluído o 7º ano de escolaridade e frequentado o 8º ano, que não completou, sendo o percurso escolar caracterizado por absentismo, sucessivas reprovações e subsequente abandono.

.Trabalhou, esporadicamente, durante não mais de 5 meses, como servente da construção civil.

.No estabelecimento prisional frequenta aulas do 3º ciclo do ensino básico; recebe ai visitas semanais da sua irmã e, raramente, do seu pai.”

De salientar que nos termos do art. 135º da lei 23/2007 , na redação conferida pela Lei 59/2017, de 31.07 (atualmente em vigor), o ora recorerente não se encontra em qualquer das situações previstas como constituindo “limite à expulsão”, tal como já ocorria no momento em que foi decretada a pena acessória de expulsão (Lei 23/2007 de 04.07)

Por outro lado, a situação do ora recorrente não se enquadra  na previsão da legislação que estabeleu medidas excecionais e temporãrias relativas à situação epidemiológica do novo Coronvírus-Covid 19. 

O aludido DL  10-A/2020 de 13.03.2020, estipula no  art. 16º , sob a epígrafe “Atendibilidade de documentos expirados”: 1 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, as autoridades públicas aceitam, para todos os efeitos legais, a exibição de documentos suscetíveis de renovação cujo prazo de validade expire a partir da data de entrada em vigor do presente decreto-lei ou nos 15 dias imediatamente anteriores ou posteriores.

2 - O cartão do cidadão, certidões e certificados emitidos pelos serviços de registos e da identificação civil, carta de condução, bem como os documentos e vistos relativos à permanência em território nacional, cuja validade termine a partir da data de entrada em vigor do presente decreto-lei são aceites, nos mesmos termos, até 30 de junho de 2020.

Ora, como se referiu supra, o  recorrente não é detentor de autorização de residência válida, conforme informação do SEF, constando da mesma que o arguido tem a documentação caducada desde 2007.

3. Pelo exposto, em concordância com a informação prestada pelo Sr. Juiz em 1ª instância, considera-se não vir invocado qualquer facto ou meio de prova relevante que possa considerar-se novo, para efeitos do disposto na alínea d) do art. 449º do CPP, que de per si ou combinado com os que foram anlisados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação, pelo que nos pronunciamos igualmente pela improcedência do presente recurso de revisão.”

§4. – QUESTÕES A MERECER APRECIAÇÃO PARA A SOLUÇÃO DA PRETENSÃO RECURSIVA.

Para a pretensão judiciária que impetra, convoca o peticinante dois fundamentos para a via recursiva que assumiu, a saber: i) a superveniência de factos novos que são (ou se lhe afiguram poder vir a constituir e ser), se conhecidos no momento da decisão factores indutores de uma decisão diversa; e ii) uma inconciabilidade por (sic) “(…) contradição entre a fundamentação e a decisão ou mesmo de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (artº 410º do CPP) na medida em que, se por um lado deu-se como matéria provada que o arguido cresceu em Portugal por outro lado considera-se provado que o mesmo antes de preso não tinha outro modo ocupação certa havendo a seu ver uma certa inconciliabilidade entre os termos da condenação.” 

Estes constituem-se os fundamentos próprios, substantivo-materiais e inauferíveis ao meio processual adoptado pelo recorrente. Porém, como temos vindo a verificar, pela prática jurisdicional que nos é propiciada, os promotores deste tipo de recursos – por classificação jusprocessual e por natureza da sua própria e indefectível compleição estrutural, assumidos como extraordinários – cada vez mais o vão transmutamndo e metabolizando num recurso ordinário. Daí que cada vez com mais assiduidade e reiteração os recurso de revisão se apresentem e se exponham como recursos ordinários, ou seja com temas e questões próprias e indeleveis deste tipo de recurso. A prática que a que vimos assitindo – e como asseveramos se está a tornar num uso e/ou, melhor dizendo, num abuso – pretende mimetizar e canibalizar a natureza inerente e incontrastável de cada tipo de reacções/impugnações das decisões judiciais, transferindo e amalgamando (por indistinção e confusão) para uma única via essa reacção, a saber impugnar, independentemente do trânsito e do tempo a que a decisão que se pretende impugnar se encontra. Impugnar – dar, ou pretender dar satisfação a uma contestação das decisões judiciais – sem observância de regras, tempos processuais, institutos próprios das decisões e natureza própria dos meios de reacção, parece ser o modo e a via eleita e adoptada pelos produtores da actividade judiciária. (“A revisão do procedimento contra sentença firme (também no caso de parcialmente firme) unicamente está prmitida, quando se apresente um fundamento para a revisão de um motivo fixado com exactidão na lei.

Também é inadmissivel, quando só deve servir para realizar outra medição da pena ou uma atenuação da pena por causa de uma capacidade de culpablidade atnuada” – cfr. Claus Roxin e Bernd Schüneman, Derecho Procesal Penal, Ediciones Didot, 2019, p. 691. 

A necessidade de ilaquear este tipo de práticas (abusivas, inconvenientes e lesivas de uma idónea e salutar actividade judiciária) só será posssível por via legislativa e mediante a asumpção de reacções tributárias que elanguesçam e deliem o alor reactivo a outrance que presssentimos em alguns operadores judiciários.

Ainda que não constitua um fundamento, próprio e inauferível, do recurso de revisão tomar-se-á, perfunctoriamente e de ligeiro, conhecimento da nulidde de falta (omissão) de funda-mento a que alude o item sete (7) do epítome conclusivo. A tomada de posição que aqui e agora se assume, ainda que desarraigada e “destartalada” do eito recursivo que nos é requestado resolver, pretende obviar a uma eventual reclamação, por omissão de pronúncia, com que o aresto seria acoimado, caso se omitisse resolução sobre esta questão.   

Essencialmente, assenta, pois, a solução da pretensão recursiva na perquirição da existência de novos factos (desconhecidos no momento em que foi ditado o veredicto) e a configurada inconciabilidade (endógena ou interna da decisão revidenda) dos fundamentos da própria decisão.


§5. – FUNDAMENTAÇÃO.

§5.i). – EXCERTOS DA DECISÃO REVIDENDA PERTINENTES À SOLUÇÃO DO CASO.

Por se estimarem pertinentes para a compreensão e motivação (lógico-sistemática da solução a conferir ao caso, deixam-se extractados os troços das decisões i) que impôs a pena única de 15 anos e manteve a pena acessória de expulsão (processo nº 115/10.7PGAMD: - datada de 22 de Janeiro de 2013); ii) que aplicou ao arguido/recorrente a pena acessória de expulsão (processo nº 1062/11. 0T3SNT: - datada de 2 de Fevereiro de 2012); e iii) que ordenou a execução da pena acessória de expulsão (processo nº 479/11.5…-A – do Tribunal de Execução de Penas de Lisboa, págs. 848 a 853 do volume IV: - datada de 28 de Abril de 2020).  

1. No Processo n° 106/09.0…, do Juízo de Média Instância Criminal de
…, Juiz …, por factos de 29-8-2009 e Sentença de 28-10-2010, transitada em julgado em
37-11-2010, pela autoria material de um crime de injúria agravada, p. e p. pelos artigos 181°
e 184° do Código Penal e de um crime de resistência c coacção sobre funcionário, p. e p.
pelo artigo 347°, n° 1 do Código Penal, foi condenado nas penas, respectivamente, de 90
dias de multa, à quantia diária de 5,00 € e de 4 meses de
prisão, substituída por 120 dias de
multa, à quantia diária de 5,00 €.

1.1. Consistiram os respectivos factos, em síntese, na abordagem de agentes da P.S.P. ao Arguido, que lhe ordenaram que se identificasse, o que ele não fez, empurrando um agente e apelidando-o de "bófia de merda".

2. No Processo n°. 556/09.2…, do Juízo de Grande instância Criminal de …, Juiz …, por factos de 20 e de 29 de Julho, de 28 de Agosto e de 16 de Setembro, todos do ano de 2009, e Acórdão de 4-11-2010, transitado em julgado em 6-12-2010, pela prática de quatro crimes de roubo, p. e p. pelo artigo 210°, n° 1 do Código Penal, foi condenado na
pena de
2 anos de prisão por cada um desses crimes e, em cúmulo jurídico dessas quatro
penas, foi condenado na pena única de 4 anos de prisão.

2.1. Consistiram os factos de 20 de Julho, em síntese, na abordagem do arguido e de outro indivíduo a um casal que caminhava na via pública, em …, cuja senhora tinha ao pescoço um fio em ouro, que um deles agarrou e rebentou, tendo ambos fugido, levando com eles o fio, além de o arguido ter desferido alguns socos e pontapés no homem que acompanhava a senhora, que reagira perante a acção do arguido e do seu acompanhante.

2.2. Os factos de 29 de Julho consistiram na entrada do arguido e de outros três indivíduos num supermercado, em …, a cujo dono, por meio de esticão, o arguido arrancou o fio em ouro que ele tinha ao pescoço, fugindo todos os quatro de seguida.

2.3. Os factos de 28 de Agosto consistiram na abordagem do arguido e dois outros indivíduos a uma senhora que caminhava na via pública, em …, à qual, através de uni esticão, retiraram um fio em ouro no valor de 200,00 €.

2.4. Os factos de 16 de Setembro consistiram na abordagem do arguido e de pelo menos três outros indivíduos a uma senhora que caminhava na via pública, em …, à qual desferiram murros e pontapés, projectaram ao solo e desapropriaram de um fio em ouro no valor de 750,00 €.

3. No Processo 328/09.4…, do Juízo de Grande Instância Criminal de …, Juiz …, por factos de 8-6-2009 e Acórdão de 16-11-2010, transitado em julgado em 17-12-2010, pela co-autoria material de um crime de roubo qualificado, p. e p. pelo artigo 210o, n° 1 e n° 2, al. b), do Código Penal, foi condenado na pena de 6 anos de prisão.

3.1. Consistiram os factos, em síntese, na abordagem do arguido e de outro indivíduo a um homem que se encontrava sentado numa paragem de autocarros, em …, ao qual o arguido apertou o pescoço e derrubou ao solo, tendo ambos o desapropriado dos bens que tinha com ele, concretamente uma mala com um computador portátil, outro material informático, dinheiro e documentação pessoal, lendo também infligido no dono dos bens, com um objecto corto-perfurante, um golpe no braço direito e outro na região abdominal, golpe no braço que o perfurou completamente, da face externa para a face interna, ao nível dos 2/3 superiores, seccionou completamente o ramo motor do nervo radial e parcialmente o músculo bícípede, provocando lesão do tronco nervoso do braço, cora sequelas permanentes respeitantes à sensibilidade e à motricidade da mão.

4. No Processo n° 585/10.3…, do Juízo de Grande Instância Criminal de …, Juiz …, por factos de 10-9-2010 e Acórdão de 25-3-2011, transitado em julgado em
26-4-2011, pela prática de dois
crimes de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203° e 204°, n° 2, al. e) do Código Pena], foi condenado na pena de 3 anos de prisão por cada um desses
crimes e, em cúmulo jurídico dessas duas penas, na pena única de 4 anos de prisão.

4.1. Consistiram os factos, em síntese, na entrada do arguido e de dois outros indivíduos em dois estabelecimentos comerciais de café/restauração, durante a noite, um através de arrombamento/quebra da respectiva porta de entrada e o outro através do rompimento de peça de lusalite que fazia de parede, tendo retirado e levado com eles desses dois estabelecimentos diversos bens, do primeiro um televisor LCD, garrafas de uísque e maços de tabaco, tudo no valor de cerca de 1.450,00 €, e do segundo sobretudo bens alimentares, no valor global de cerca de 230,00 €.

5. No Processo n° 1153/09.8…, do Tribunal Criminal de …, … Juízo, 3a Secção, por factos de 25-10-2009 e Acórdão de 2-5-2011, transitado em julgado em 13-9-2011, peia co-autoria material de dois crimes de roubo, p. e p. pelo artigo 210°, n° 1 do Código Penal, foi condenado nas penas de 3 anos e 6 meses e de 2 anos e 6 meses de prisão e, em cúmulo jurídico destas penas, na pena única de 5 anos de prisão.

5.1. Consistiram os factos, em síntese, na abordagem do arguido e de outro indivíduo a um homem que caminhava na via pública, em …, ao qual o acompanhante do arguido retirou um fio em ouro que ele levava ao pescoço, no valor de 509,00 €, homem em quem o arguido também desferiu alguns socos na face, que lhe provocaram lesões que lhe determinaram 30 dias de doença com incapacidade para o trabalho, seguidamente ao que ambos se puseram em fuga, vindo a encontrar uma senhora, que caminhava noutra Rua, a qual rodearam, tendo o acompanhante do arguido lhe puxado o fio em ouro que levava ao pescoço, partindo-o e apoderando-se ambos dele, no valor de 721,00 €.

6. No Processo n° 968/10.9…, do Juízo de Média Instância Criminal de …, Juiz …, por factos de 28-6-2010 e Sentença de 30-11-2011, transitada em julgado em 23-1-2012, pela autoria material de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210°, n° 1 do Código Penal, foi condenado na pena de 1 ano e 6 meses de prisão.

6.1. Consistiram os factos, em síntese, na abordagem do arguido e de outro indivíduo a um homem que se encontrava sentado na esplanada de um estabelecimento de café, em …, …, ao qual o arguido puxou do pescoço o fio em ouro que aquele possuía, homem que reagiu e conseguiu evitar o desapossamento do fio, tendo o arguido apenas logrado apoderar-se de duas medalhas que se encontravam dependuradas no tio, no valor de 100,00 e.

7. No Processo n° 434/09.5…, da 5ª Vara Criminal de …, por factos de 5 e de 9 de Março de 2009 e Acórdão de 13-12-2011, transitado em julgado em 26-1-2012, pela autoria material de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210°, n° 1 do Código Penal e de três crimes de roubo qualificado, p. e p. pelo artigo 210°, n° 1 e n° 2, al. b) do Código Penal foi condenado numa pena de 2 anos de prisão e em três penas de 3 anos e 6 meses de prisão e, em cúmulo jurídico destas quatro penas, foi condenado na pena única de 5 anos e 6 meses de prisão.

7.1. Os factos de 5 de Março, consistiram, em síntese, na abordagem do arguido e de outro indivíduo a um homem que caminhava na via pública, em …, o qual aqueles encostaram a uma parede, o arguido imobilizou-o, encostando-lhe uma navalha ao pescoço, enquanto o outro indivíduo o revistou e lhe retirou dum bolso um telemóvel, no valor de 160,00 €.

7.2. Os factos de 9 de Março consistiram, em síntese, na abordagem do arguido e de dois indivíduos a um rapaz e a duas raparigas, que caminhavam pela via pública, em …, …, os quais aqueles rodearam, um deles esbofeteou o rapaz e o arguido apontou-lhe uma navalha ao pescoço, outro dos acompanhantes do arguido desferiu um murro na cabeça de uma das raparigas, tendo de seguida os três retirado ao rapaz um telemóvel e um MP3, tudo no valor de 110,00 ê, a uma das raparigas um telemóvel, no valor de 100,00 € e à outra rapariga um MP3 e uma consola, tudo no valor de 120,00 €.

8. No Processo n°1062/11.0…, do Juízo de Grande Instância Criminal de …, Juiz …, por factos de 23-2-2009 e Acórdão de 2-2-2012, transitado em julgado em 6-3-2012, pela prática de um crime de roubo qualificado, p. e p. pelo artigo 210", n° 1 e n° 2 do Código Penal, foi condenado na pena de 3 anos e 6 meses de prisão e na pena acessória de expulsão do território nacional pelo período de 8 anos.

8.1. Consistiram os factos, em síntese, na abordagem do arguido e de outro indivíduo a um homem que se encontrava na via pública, em …, o qual o acompanhante do arguido agarrou pelo pescoço, imobilizando-o, e o arguido, empunhando uma faca, puxou e arrancou o fio de ouro, com medalha, que aquele tinha ao pescoço, tudo no valor de 575,00 €, que levou consigo.

9. Nos presentes autos (Processo nº J15/10.7PGAMD), por factos de 27-3-2010 e Acórdão de 26-3-2012, transitado em julgado em 7-5-2012, pela co-autoria material de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210°, n° 1 do Código Penal, foi condenado na pena de 2 anos de prisão.

9.1. Consistiram os factos, em síntese, na abordagem do arguido e de outro indivíduo a uma senhora que acabara de sair de um supermercado, em …, levando ao pescoço um fio dourado, no valor de 30,00 £, que aqueles pensaram ser em ouro, senhora que interpelaram, lendo um deles desferido um puxão no fio e o arrancado do pescoço da dona, fio que levaram com eles.

10. Na sequência da separação dos seus pais, nos primeiros anos da sua vida, o Arguido AA viveu com os avós paternos até à idade de 11 anos, altura em que imigrou para Portugal, vindo a integrar o agregado familiar paterno, constituído também pela madrasta e por uma irmã', ora com a idade de 20 anos.

11. O seu pai é praticamente invisual, não trabalha, tendo como rendimento uma prestação social, enquanto que a sua madrasta é empregada de …, subsistindo então o agregado com dificuldades económicas.

12. Entretanto, há cerca de três anos, o pai do Arguido separou-se da mulher, tendo passado a viver em casa de uma irmã, em … .

13. O Arguido AA integrou o sistema de ensino português, até à idade de cerca de dezassete anos, tendo concluído o 7º ano de escolaridade e frequentado o 8o ano, que não completou, sendo o seu percurso escolar caracterizado por absentismo, sucessivas reprovações e subsequente abandono.

14. Trabalhou, esporadicamente, durante não mais de cinco meses, como servente da construção civil.

                      15. Encontra-se detido/preso desde …-9-2010, cumprindo actualmente pena à ordem do Processo mencionado em 3.

                      16. No Estabelecimento Prisional frequenta aulas do terceiro ciclo do ensino básico.

                      17. Recebe aí visitas semanais da sua irmã e, raramente, do seu pai.

                      III. Fundou-se o Tribunal nos elementos documentais constantes do Processo, de fls. 391 a 406, 407 a 415, 416 a 427, 443 a 453, 493 a 499, 507 a 516, 519 a 528, 529 a 538, 540 a 548, 557 a 558, 561 a 572, 576 a 595, 599 e 625 a 636, bem assim nas declarações do Arguido em audiência.

                      IV. Segundo as normas dos artigos 77°, n° 1 e 78°, nºs 1 e 2 do Código Penal os crimes referidos em I. por que o Arguido foi condenado estão entre si numa relação de concurso, pelo que importa proceder ao cúmulo jurídico das respectivas penas.

                      A efectuação do cúmulo implica a consideração, em conjunto, dos factos e da personalidade do agente, tendo a pena única aplicável como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo exceder 25 anos de prisão, e como limite mínimo a mais elevada das penas parcelares, mantendo-se na pena única a diferente natureza das penas, tal como estabelece o artigo 77°, nºs 1, 2 e 3 do Código Penal.

                      Sendo a pena parcelar mais elevada de 6 anos de prisão e perfazendo a soma das penas 45 anos e 10 meses de prisão e 90 dias de multa, à quantia diária de 5,00 €, neste cômputo se situa a medida da pena única, com o sobredito limite máximo de 25 anos de prisão.

                      Tal como se disse no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23-6-2010, proferido no Processo n° 666/06.8TABGC-K.S1 (in w.ww.dgsí.pt/jstj. uma vez que a lei manda que se considere e pondere, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, a pena unitária a fixar pretende sancionar o agente pelo conjunto de factos criminosos, enquanto revelador da dimensão e gravidade global do seu comportamento delituoso, indo-se buscar ao disposto no artigo 71°, n° 1 do mesmo diploma o critério de determinação da medida da pena conjunta do concurso, norma que dispõe que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

                      Assim e como refere Figueiredo Dias (Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Ed. 1993, fls. 291 e 292), na determinação da medida da pena do concurso "tudo deve passar-se ... como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade - unitária - do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só a uma pluríocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)".

                      Considerando tais factores de determinação da medida da pena única e o caso concreto dos autos, tendo em consideração o conjunto dos factos e a personalidade do agente, revelada nos tipos cie crimes praticados (predominantemente de roubo qualificado e de roubo "simples", no total de dezoito crimes), na violência, humilhação e desprezo pelos outros que são intrínsecos aos crimes de roubo por ele praticados (também pela violência física exagerada e gratuita que nalguns casos exerceu sobre as vítimas), bem assim ao período de tempo em que cometeu os crimes (durante pouco mais de um ano e meio), até ter sido detido, não obstante a sua relativamente jovem idade à data dos factos (18/20 anos) e o seu desamparo social/familiar, face à multiplicidade dos crimes em questão e à violência que lhes foi inerente, não se vê que para tais acções não tenha contribuído razoável tendência criminosa, já não se podendo falar em mera pluríocasionalidade.

                      Assim e tendo em consideração a sua ainda jovem idade, sem esquecer as enormes as exigências de prevenção geral positiva neste tipo de crime, tem-se por adequado aplicar ao Arguido a pena única de 15 anos de prisão, tendo-se por despicienda a pena de 90 dias de multa, cuja autonomização na pena única careceria de justificação, face à (objectivamente elevada) medida da pena de prisão em que é condenado.

                      Mantém-se a ordem de expulsão do território nacional, nos termos do que dispõe o artigo 77°, n° 4 do Código Penal.

                      No cumprimento da pena única ora imposta serão descontados lodos os períodos de detenção ou de prisão sofridos pelo Arguido à ordem dos Processos cujas penas foram englobadas no cúmulo jurídico, sem prejuízo do disposto no artigo 80°, n° 1 do Código Penal.

                      V. Dispositivo

                      Assim, e pelo exposto, o Tribunal acorda:

                      a) Operando o cúmulo jurídico das penas aplicadas ao Arguido AA nos Processos n° 106/09.0…, n° 556/09.2…,' n° 328/09.4... n° 585/10.3…, nº 53/09.S… n° 968/10.9…, nº 434/09.5... if 1062/1 L0T3SNT^e nos presentes autos (Proc. n° li 5/10.7POAMO), condená-lo na pena única de 15 anos de prisão;

                      b) Ordenar a expulsão do território nacional do Arguido AA, com interdição de entrada por um período de oito anos (artigo 77°, n° 4 do Código Penal).

                      - Processo nº 1062/11.0…: “O Ministério Público requereu a aplicação ao arguido da pena acessória de expulsão do território nacional, nos termos das alíneas a) e f) do artigo 134º da lei nº 23/2007, de 4 de Julho.

                      O arguido “é de natural” (querer-se-ia dizer “é natural” de Cabo Verde, não tem autorização de residência válida, encontrando-se em situação ilegal em Portugal.

                      Também não tem actividade profissional regular no nosso país e, acima de tudo, cometeu ilícitos penais graves, encontrando-se já em cumprimento de uma pena de 6 anos de prisão. Assim, e nos termos do artigo 151º, nº 1 da citada Lei, entendem os Juízes que integram este Tribunal Colectivo em aplicar-lhe a pena acessória de expulsão do território nacional pelo período de 8 anos.”

                      - Excerto da decisão proferida no processo nº 479/11.5…-A – do Tribunal de Execução de Penas de Lisboa, págs. 848 a 853 do volume IV: - datada de 28 de Abril de 2020:

                      i) Dos pressupostos formais

                      O recluso cumpre a pena de 15 anos de prisão, à ordem do processo nº 115/10.7…, do Juízo de Grande Instância Criminal de …

                      Nesse processo o recluso foi ainda condenado na pena acessória de expulsão do território nacional, tendo-se fixado o período de interdição de entrada pelo período de 8 (oito) anos.

                      A pena foi liquidada da seguinte forma:

                      - Início: 3 meses e 8 dias de privação da liberdade e preso desde 10.09.2010;

                      - Meio da pena: 02.12.2017;

                      - Dois terços da pena: 02.06.2020;

                      - Cinco sextos da pena: 02.12.2022;

                      - Termo da pena: 02.06.2025.

                      Mostram-se assim verificados os pressupostos formais para a apreciação da questão da execução da pena acessória de expulsão, atento o facto de o recluso ter cumprido dois terços da pena.

                      ii) Da pena acessória de expulsão

                      Como já se referiu, o recluso foi também condenado, por decisão transitada em julgado, na pena acessória de expulsão do território nacional.

                      Dispõe o artigo 188º-A, nº 1, do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade que «tendo sido aplicada pena acessória de expulsão, o juiz ordena a sua execução logo que:

                      a) Cumprida metade da pena, nos casos de condenação em pena igual ou inferior a 5 anos de prisão, ou, em caso de execução sucessiva de penas, logo que se encontre cumprida metade das penas;

                      b) Cumpridos dois terços da pena, nos casos de condenação em pena igual ou superior a 5 anos de prisão, ou, em caso de execução sucessiva de penas, logo que se encontrem cumpridos dois terços das penas.»

                      Portanto, de harmonia com este preceito, a execução da pena acessória de expulsão é obrigatória cumpridos dois terços da pena superior a cinco anos de prisão. É necessário apenas o preenchimento de um único requisito: o cumprimento de dois terços da pena.

                      Não é sequer necessário obter o consentimento do recluso, nem ouvir o conselho técnico ou o Ministério Público.

                      Como já se demonstrou supra, verifica-se o aludido requisito - previsto na al. b) do nº 1 do art. 188º-A do CEPMPL, pelo que deve ser ordenada a execução da pena acessória de expulsão do recluso, sem necessidade de apurar se estão ou não preenchidos os pressupostos materiais da liberdade condicional, pois, verifiquem-se ou não, é obrigatória a execução da referida pena acessória.

                      III – Decisão

                      Assim, nos termos e pelos fundamentos expostos, ordeno a execução da pena acessória de expulsão do território nacional, logo que transite a presente decisão e não antes de 02.06.2020.

                      Cumpra-se o disposto no nº 2 do art. 188º-C do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade.

                      Comunique de imediato a presente decisão ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.

                      Solicite-se ao Estabelecimento Prisional a imediata notificação do recluso, bem como a recolha, junto deste, de declaração a prescindir do prazo de recurso (artº 188º-A, nº 5, do CEPMPL) de forma abreviar, se assim o pretender, o período de tempo que medeia entre esta decisão e a efectiva libertação.

                      Os mandados de libertação serão passados após trânsito da presente decisão, caso não interesse a sua prisão à ordem de outros autos.

                      A libertação consumar-se-á com a entrega ao SEF do recluso para execução da pena acessória de expulsão.

                      Quando forem passados mandados de libertação e de entrega será tal facto comunicado ao SEF.”


                      §II.ii).a) – REQUISITOS JURÍDICO-LEGAIS PARA REVISÃO DE SENTENÇA.

                      A lei fundamental consagra, no Título II, Capítulo I, referente aos direitos liberdades e garantias pessoais, e na parte concernente à aplicação da lei penal, “o direito a não sofrer uma condenação sem culpa (nullum crimen sine culpa), o direito a não sofrer uma pena não prevista na lei (nullum crimen sine lege) “o direito a um processo justo (nullum crimen sine processu)” (Cfr. Conde Correia, João, “O “Mito do Caso Julgado” e a Revisão Propter Nova”, Coimbra Editora, 2010, pág. 182.),  o direito à revisão da sentença penal condenatória – cfr. arti

                      go 29º, nº 6 da Constituição da República Portuguesa. (Cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28-06-2017, prolatado no processo nº 133/12.0JDLSB.S1 - 3.ª secção, relatado pelo Conselheiro Maia Costa. O recurso extraordinário de revisão, p. e p. pelo art. 449.º, do CPP, tem assento constitucional, no art. 29.º, n.º 6, da CRP, que concede o direito à revisão da sentença aos “cidadãos injustamente condenados”. II - Este recurso constitui, pois, uma exceção ou restrição ao princípio da intangibilidade do caso julgado, que por sua vez deriva do princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança, que constitui um elemento integrante do próprio princípio do estado de direito, princípio estrutural do nosso sistema jurídico-político (art. 2.º, da CRP). Na verdade, o valor da certeza e da segurança jurídicas, assegurado pelo caso julgado, é condição fundamental da paz jurídica que todo o sistema judiciário prossegue, como condição da própria paz social. As exceções devem, pois, assumir um fundamento material evidente e incontestável, insuscetível de pôr em crise os valores assegurados pelo caso julgado. III - A consagração constitucional do recurso de revisão funda-se na necessidade de salvaguardar as exigências da justiça e da verdade material, pois também elas comportam valores relevantes que são igualmente condição de aceitação e legitimidade das decisões jurisdicionais, e afinal daquela mesma paz jurídica. Por outras palavras: se a incerteza jurídica provoca um sentimento de insegurança intolerável para a comunidade, a intangibilidade, em obediência ao caso julgado, de uma decisão que vem a revelar-se claramente injusta perturbaria não menos o sentimento de confiança coletiva nas instituições judiciárias. IV - O recurso de revisão constitui, pois, um meio de repor a justiça e a verdade, derrogando o caso julgado. Mas essa derrogação, para não envolver nenhum dano irreparável na confiança da comunidade no direito, terá de ser circunscrita a casos excecionais, taxativamente indicados, e apenas quando um forte interesse material o justificar. V - O art. 449.º, do CPP permite a revisão de decisões transitadas nos casos indicados no seu nº 1, lista que se deve considerar taxativa pelas razões indicadas. VI - A al. d) admite a revisão de sentença transitada sempre que se descubram novos factos ou meios de prova que suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação. VII - Dois são os requisitos enunciados pela lei. É necessário, antes de mais, que apareçam factos ou elementos de prova novos. Mas isso não é suficiente. É necessário ainda que tais elementos novos suscitem graves dúvidas, e não apenas quaisquer dúvidas, sobre a justiça da condenação. Ou seja, as dúvidas têm que ser suficientemente fortes e consistentes para pôr a condenação seriamente em causa, sugerindo fortemente a verificação de um erro judiciário e a inocência do condenado. Só a cumulação destes dois requisitos garante a excecionalidade do recurso de revisão, só assim se justificando a lesão do caso julgado que a revisão implica”; ou ainda o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 26 de Abril de 2012, Proc. nº 614/09.3TDLSB-A-S1, relatado pelo Conselheiro Rodrigues da Costa, em que se escreveu: “O recurso extraordinário de revisão de sentença é estabelecido e regulado pelo Código de Processo Penal, como também pelo Código de Processo Civil, como forma de obviar a decisões injustas, fazendo-se prevalecer o princípio da justiça material sobre a certeza e segurança do direito, a que o caso julgado dá caução. Com efeito, este tem na sua base «uma adesão à segurança com eventual detrimento da verdade …», como observou EDUARDO CORREIA, Caso Julgado e Poderes de Cognição do Juiz, Coimbra, Livraria Atlântida, 1948 p. 7). Porém, não se pode levar longe de mais a homenagem tributada a tal princípio, de reconhecida utilidade pela estabilidade e certeza que proporciona do ponto de vista das necessidades práticas da vida, do ponto de vista do próprio direito, que, de contrário, perderia credibilidade com a possibilidade de julgados contraditórios, reflectindo-se na estruturação da própria organização social, e do ponto de vista da paz jurídica, que é um objectivo a que almejam os cidadãos.

                      Mas nem tudo se alcança só com a estabilidade e a segurança, mormente se o sacrifício da justiça material - esse princípio estruturante de qualquer sociedade e pedra-de-toque de um Estado de direito democrático, que tem a dignidade humana como valor supremo em que assenta todo o edifício social e político – fosse levado a extremos que deitassem por terra os sentimentos de justiça dos cidadãos, pondo-se, assim, em causa, por essa via, a própria estabilidade e a segurança, que se confundiriam com a tirania ou com a «segurança do injusto», na expressão de FIGUEIREDO DIAS, Direito Processual Penal, Coimbra Editora, 1974, p. 44. Os cidadãos seriam, desse modo, transformados «cruelmente em vítimas ou mártires duma ideia mais do que errada, porque criminosa, da lei e do direito», como opinou CAVALEIRO DE FERREIRA (cit. por MAIA GONÇALVES no seu Código de Processo Penal Anotado, 2007, 16ª Edição, p. 979.

                      E se tanto no processo civil como no processo penal a certeza e a segurança do direito cedem, em certos casos, ao triunfo da justiça material, há-de convir-se que no processo penal esta se impõe com muito mais pujança, dado o realce diferente e mais exigente de certos princípios que constituem a raiz mesma dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. Daí que a Constituição no art. 29.º n.º 6 estabeleça: «Os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos.

                      A revisão extraordinária de sentença transitada, se visa tais objectivos, conciliando-os com a necessidade de certeza e segurança do direito, não pode, por isso mesmo, ser concedida senão em situações devidamente clausuladas, pelas quais se evidencie ou pelo menos se indicie com uma probabilidade muito séria a injustiça da condenação, dando origem, não a uma reapreciação do anterior julgado, mas a um novo julgamento da causa com base em algum dos fundamentos indicados no n.º 1 do art. 449.º do CPP.” –

                      A realização de fins processuais como a descoberta da verdade e realização da justiça, obtenção da segurança e da paz jurídica e protecção dos direitos individuais, são comumente aceites nas ordens jurídicas de pendor democrático e cotejando e ombreando com o valor, igualmente prevalente, da segurança jurídica em que se plasma e acrisola o instituto do caso julgado. “Conforme escreveu Eduardo Correia, in A Teoria do Concurso em Direito Criminal, Almedina, 1983, pág. 302, “o fundamento central do caso julgado radica-se numa concessão prática às necessidades de garantir a certeza e a segurança do direito. Ainda mesmo com possível sacrifício da justiça material, quer-se assegurar através dele aos cidadãos a sua paz jurídica, quer-se afastar definitivamente o perigo de decisões contraditórias. Uma adesão à segurança com um eventual detrimento da verdade, eis assim o que está na base do instituto”. (Em registo semelhante ver, do mesmo Autor, Caso Julgado e Poderes de Cognição do Juiz, pág. 7).”

                      “Figueiredo Dias (loc. cit., pág. 44) afirma que a segurança é um dos fins prosseguidos pelo processo penal, “o que não impede que institutos como o do recurso de revisão contenham na sua própria razão de ser um atentado frontal àquele valor, em nome das exigências da justiça. Acresce que só dificilmente se poderia erigir a segurança em fim ideal único, ou mesmo prevalente, do processo penal. Ele entraria então constantemente em conflitos frontais e inescapáveis com a justiça; e, prevalecendo sempre ou sistematicamente sobre esta, pôr-nos-ia face a uma segurança do injusto que, hoje, mesmo os mais cépticos têm de reconhecer não passar de uma segurança aparente e ser, só, no fundo, a força da tirania”. - Citação extractada do acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 8 de Novembro de 2017, prolatada no Proc. nº 630/11, 5GASXL-C.S1, relatado pelo Conselheiro Raúl Borges. (Inédito e onde o aqui relator interveio como Adjunto) 

                       (“A sua origem reparte-se entre uma versão da “restituo in integrum” do direito romano e a nulidade dos juízos regulada dispersamente no Livro II do Liber iudiciorum, procedendo esta última por falso testemunho, falso documento ou ocorrência de delito. (…) Definitivamente, do que se trata é de anular completamente um procedimento quando tenha sucedido um facto de tal gravidade que seria absurdo tanto a manutenção da aparência de legalidade desse processo como a vigência dessa sentença.”) (Cfr. Jordi Nieva Fenoll, Derecho Procesal II. Proceso Civil, Marcial Pons, pág. 345.)  

                      A procura, e necessidade, de que a cada caso que seja submetido a julgamento corresponda uma efectiva e material-substantiva decisão justa encontra amparo na ideia de realização da justiça inerente ao adequado funcionamento das organizações jurisdicionais em que se manifesta o poder de Estado. Nesta perspectiva, admitindo a possibilidade de não materialização efectiva, em todos os casos, de uma efectiva correspondência de julgamento justo de um caso, abarcando todos os elementos, pessoais e materiais, que permitam a total percepção e compreensão do caso submetido a avaliação, a lei, na concretização do princípio de nullum crime sine culpa, admite que, depois de passado em julgado uma sentença, se possa reabrir o caso/processo e operar a revisão do caso. (Cfr. a propósito do equilíbrio que se pretende entre a segurança jurídica e a necessidade de realização de justiça material o que foi escrito no acórdão deste Supremo Tribunal de 18.02.2016, relatado pela Conselheira Isabel Pais Martins, “O artigo 29.º, n.º 6, da Constituição da República, estatui que «os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos».

                      Na concretização desse princípio, o Código de Processo Penal, entre os recursos extraordinários, consagra o de revisão, nos artigos 449.º e ss., que “se apresenta como um ensaio legislativo com vista ao estabelecimento do equilíbrio entre a imutabilidade da sentença decorrente do caso julgado e a necessidade de respeito pela verdade material” M. Simas Santos e M. Leal-Henriques, Código de Processo Penal Anotado, II volume, 2.ª edição, Editora Rei dos Livros, p. 1042.

                      O recurso de revisão, prevendo a quebra do caso julgado, contém na sua própria razão de ser um atentado frontal ao valor da segurança jurídica inerente ao Estado de Direito, em nome das exigências do verdadeiro fim do processo penal que é a descoberta da verdade e a realização da justiça. 

                      Com efeito, se se erigisse a segurança em fim ideal único, ou mesmo prevalente, do processo penal, “ele entraria, então, constantemente em conflitos frontais e inescapáveis com a justiça; e prevalecendo sempre ou sistematicamente sobre esta, pôr-nos-ia face a uma segurança do injusto que, hoje, mesmo os mais cépticos têm de reconhecer não passar de uma segurança aparente e ser só, no fundo, a força da tirania” Jorge de Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, I volume, Coimbra Editora, Limitada, 1974, p. 44..

                      “Entre o interesse de dotar de firmeza e segurança o acto jurisdicional e o interesse contraposto de que não prevaleçam as sentenças que contradigam ostensivamente a verdade e, através dela, a justiça, o legislador escolheu uma solução de compromisso que se revê no postulado de que deve consagrar-se a possibilidade – limitada – de rever as sentenças penais.” M. Simas Santos e M. Leal-Henriques, ob. cit., p. 1043.

                      Todavia, o recurso de revisão, dada a sua natureza excepcional, ditada pelos princípios da segurança jurídica, da lealdade processual e do caso julgado, não é um sucedâneo das instâncias de recurso ordinário. 

                      Só circunstâncias substantivas e imperiosas devem permitir a quebra do caso julgado, de modo a que o recurso extraordinário de revisão se não transforme em uma “apelação disfarçada” Neste sentido, também Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 2.ª edição, Universidade Católica Editora, anotação 12. ao artigo 449º.”

                      Na acepção de Claus Roxin e Bernd Schünemann, “A paz jurídica só pode ser conseguida quando os princípios contraditórios da segurança e da justiça se encontram numa relação equilibrada. O seu fundamento [da revisão] é que a firmeza deve retroceder quando factos posteriormente descobertos demonstrem que a sentença se apresenta como manifestamente falsa e colide de forma insuportável contra os sentimentos de justiça ou quando a condenação não se fundamenta numa medida mínima de justiça do procedimento” )Claus Roxin e Bernd Schünemann, Derecho Procesal Penal, Ediciones Didot, pá. 691.) 

                      A dogmática jurídica divide-se quanto à natureza jurídico-conceptual com que se deve crismar este tipo de impugnação das decisões judiciais, propendendo uns para o qualificar como uma acção, outros como recurso e outros ainda como um misto de acção e recurso. (“Para uns será uma acção; para outros, um recurso; ainda para outros, um misto de recurso e de acção.”) (Amâncio Ferreira, Manual de Recursos em Processo Civil, 6ª edição; Almedina, 2005, p. 369.) (Estima alguma doutrina estrangeira que “a revisão de sentença firme é uma acção autónoma de impugnação que persegue a revogação da coisa julgada. Não pode considerar-se, em consequência, como um recurso, pois enquanto estes perseguem uma nova cognição das questões já resolvidas mediante resoluções que todavia não são firmes, a revisão vem dirigida, em atenção a motivos taxados, contra resoluções que já ganharam firmeza. O seu fundamento cabe situá-lo na necessidade de ponderar e manter o equilíbrio entre a segurança jurídica, que deriva da coisa julgada, e o anelo de justiça, que é uma aspiração primária e fundamental que não pode sacrificar-se no altar da segurança jurídica naquelas casos de vulnerações flagrantes e insofríveis que as legislações tipificam como causas de revisão de sentença firme.” - (Nancy Carina Vernengo Pellejero, in “La Revisión de la Sentencia Firme en el Proceso Penal”, Universitat de Barcelona, Tese Doctoral, 2015, p. 413. A autora citada, refere que a embora a lei circunscreva os motivos que devem confinar a possibilidade de revisão de uma sentença penal, adianta que “sem embargo, se tivermos presente que a revisão de sentença firme persegue salvaguardar, em casos flagrantes, a justiça por cima da segurança jurídica; nada deve impedir, em nosso juízo, que a sua aplicação seja extensiva também aquelas sentenças condenatórias firmes que tenham sido ditadas no âmbito de aplicação dos juízos de faltas.” – op. loc. cit. pág. 414. “A revisão não é um recurso ordinário nem extraordinário, mas sim uma autónoma acção impugnativa, essencialmente porque se promove quando um processo já se encontra finalizado e não durante a pendência do mesmo, quer dizer, um “juízo de revisão”. Não nos encontramos ante um recurso em sentido estrito, mas sim ante um meio extraordinário de impugnação, que do mesmo modo que o recurso de cassação se substancia ante a Sala Segunda do Tribunal Supremo. As diferenças entre a cassação e a revisão são desde logo enormes, e não fazem senão corroborar ainda mais facto de que esta última não pode entender-se como recurso.”

                      No mesmo sítio referem-se as diferenças entre o recurso de revisão civil e penal, nos seguintes termos. “Existem também diferenças entre o recurso de revisão civil e o penal. Na revisão civil os motivos que a podem fundamentar são fornecidos essencialmente por situações externas ao processo, fraude, violência, mas nunca em referência a factos ou actos que não foram aportados ao processo e que o Julgador não pudesse ter tido em conta, assim pois, a sentença é válida mas injusta, em razão de actuações das partes ou do juiz, as quais se não se tivessem produzido, teriam dado como resultado uma sentença válida e justa, de modo que a revisão só pode plantear-se “ex capite falsi”. Pelo contrário, a revisão penal pode-se referir a factos ou actos que não foram aportados para o processo e que viriam, se tal tivesse acontecido, a modificar o critério da sentença ditada pelo julgador, do que se admite tanto em razão da “falsidade”, como da “novidade”. Outra grande diferença entre as duas revisões e a que se refere às resoluções contra as que se pode interpor o recurso, pois enquanto a revisão civil se pode interpor contra sentenças absolutórias da demanda, pois se encontra legitimado para interpô-la tanto o demandante como o demandado, ao invés a revisão penal só se poderá interpor ante sentenças condenatórias.” – in Recurso de Revisión penal,  guiasjurídicos. Wolters.klumer//es.)

                      A revisão de sentença – que o ordenamento qualifica como recurso extraordinário – constitui-se como um acção de impugnação de uma decisão condenatória ou absolutória que, depois de passada em julgado, se veio a verificar haver sido proferido com ocorrência de qualquer das entorses que constituem os pressupostos alinhados no artigo 449º do Código Processo Penal. O acto de revisão não se destina, ou tem por objectivo, postergar ou cisar uma decisão ditada pelos fundamentos jurídicos ou sequer pela errónea interpretação de uma norma adjectiva, antes se prefigura como um meio de derrogar a sentença (firme) por superveniência de novos meios de prova que não estiveram ao alcance do julgador ou porque o julgador tenha cometido um acto ilícito ao tempo em que teve a seu cargo a resolução do caso sob revisão e cujo acto ilícito haja ficado demonstrado em outro procedimento ou os “factos que serviram de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.” (Henriques Gaspar; Santos Cabral; Maia Costa; Oliveira Mendes; Pereia Madeira e Pires da Graça, in Código de Processo Penal, Comentado, Almedina, 2016, 2ª edição, p. 1507.

                      A revisão tem a natureza de um recurso, em regra, sobre a questão de facto. Não se trata de uma revisão do julgado, mas de um novo julgado novo sobre novos elementos de facto.

                      Por tal motivo não parece admissível o recurso com objecto apenas de alteração da qualificação jurídica dos factos.” – ibidem, p.1507. Cfr. ainda o supra citado acórdão de 28-06-2017, prolatado no processo nº 133/12.0JDLSB.S1 - 3.ª secção, relatado pelo Conselheiro Maia Costa.)

                      Justificando a necessidade de o sistema de justiça encontrar uma congruência entre a segurança, a paz jurídica e a justiça real e material que se espera no desenvolvimento da actividade judiciária estimou-se em acórdão deste Supremo Tribunal, relatado pelo Conselheiro Santos Cabral, (sic): “Uma decomposição do normativo revela o facto de o mesmo pretender atingir o equilíbrio entre dois conceitos caros ao processo penal: - por um lado o direito a uma decisão justa, que faz parte do património de qualquer cidadão, e, por outro, a necessidade de revestir a mesma decisão judicial da estabilidade que conforta a certeza e segurança da definição jurídica e social.

                      Por alguma forma Figueiredo Dias nos dá notícia da necessidade de superação desta antinomia referindo que a justiça é, por certo, fim do processo penal, no sentido de que este não pode existir validamente se não for presidido por uma directa intenção ou aspiração de justiça. Isto não obsta, porém, a que institutos como o do «caso julgado», ou mesmo princípios como o “in dubio pro reo”, indiscutivelmente de reconhecer em processo penal, possam conduzir, em concreto, a condenações e absolvições materialmente injustas. Continuar a afirmar, perante hipóteses destas, que a justiça foi, em absoluto, fim do processo penal respectivo, pode ser, ainda, ideal e teoreticamente justificável- v. g. porque se argumente que as exigências de segurança surgem ainda como particular modus de realização do Direito e, por conseguinte, do «justo», quando este se lança no contexto amplo de todos os interesses sociais conflituantes -, mas é também, seguramente, renunciar à obtenção de um critério prático adequado de valoração das normas e problemas processuais.

                      Mais adianta o mesmo Mestre que também a segurança é fim do processo penal O que não impede que institutos como o do «recurso de revisão» contenham na sua própria razão de ser um atentado frontal àquele valor, em nome das exigências da justiça. Acresce que só dificilmente se poderia erigir a segurança em fim ideal único, ou mesmo prevalente, do processo penal. Ele entraria então constantemente em conflitos frontais e inescapáveis com a justiça; e, prevalecendo sempre ou sistematicamente sobre esta, pôr-nos-ia face a uma segurança do injusto que, hoje, mesmo os mais cépticos têm de reconhecer não passar de uma segurança aparente e ser só, no fundo, a força da tirania aos puros valores da «justiça» e da «segurança», não cedendo à tentação fácil de os absolutizar: é um facto comprovado nada haver de mais perigoso que a absolutização de valores éticos singulares, pois aí se inscreverá a tendência irresistível para uma santificação dos meios pelos fins. Importa sim reconhecer que se está aqui, como em toda a autêntica «questão-de-direito», mesmo no cerne de uma ponderação de valores conflituantes, cujo resultado há-de corresponder ao ordenamento axiológico do Direito, há-de constituir a síntese das antinomias entre justiça e segurança encontrada no degrau mais elevado da ordem jurídica. De novo, porém, surge a pergunta: como tirar desta verificação um critério prático prestável para a valoração das singulares normas e problemas processuais?

                      Se persistirmos em traduzir numa fórmula o resultado da ponderação de valores que no processo penal conflituam, cremos que, com razoável exactidão, poderemos ver o fim do processo penal em obstar à insegurança do direito que necessariamente existe «antes» e «fora» daquele, declarando o direito do caso concreto, i. é, definindo o que para este caso é, hoje e aqui, justo. O processo penal, longe de servir apenas o exercício de direitos assegurados pelo direito penal, visa a comprovação e realização, a definição e declaração do direito do caso concreto, hic et nunc válido e aplicável.

                      Esta necessidade de justiça no caso concreto e de superação de situação que encerra uma insuportável violação da mesma leva o legislador á consagração do recurso de revisão, prevendo a quebra do caso julgado e, portanto uma severa limitação ao princípio de segurança jurídica inerente ao Estado de Direito. Porém, como se referiu só circunstâncias “substantivas e imperiosas” devem permitir a quebra de caso julgado por forma a que este recurso extraordinário não se revele numa apelação “disfarçada”  

                      Como refere o acórdão 376/2000 do Tribunal Constitucional trata-se aí de uma exigência de justiça que se sobrepõe ao valor de certeza do direito, consubstanciado no caso julgado. Este é preterido em favor da verdade material, porque essa é condição para a obtenção de sentença que se funde na verdade material, e nessa medida seja justa. O julgamento anterior, em que se procurou, com escrúpulo e com o respeito das garantias de defesa do arguido, obter uma decisão na correspondência da verdade material disponível no momento em que se condenou o arguido, ganha autonomia relativamente ao processo de revisão para dele se separar.

                      No novo processo não se procura a correcção de erros eventualmente cometidos no anterior, e que culminou na decisão revidenda, porque para a correcção desses vícios terão bastado, e servido, as instâncias de recurso ordinário, se acaso tiverem sido necessárias. Isto é, os factos novos do ponto de vista processual e as novas provas, aquelas que não puderam ser apresentadas e apreciadas antes, na decisão que transitou em julgado, são o indício indispensável para a admissibilidade de um erro judiciário carecido de correcção. Por isso, se for autorizada a revisão com base em novos factos ou meios de prova, haverá lugar a novo julgamento (cf. artigo 460º do CPP), tal como, nos casos em que for admitida a revisão de despacho que tiver posto ao processo, o Supremo Tribunal de Justiça declara sem efeito o despacho e ordena que o processo prossiga, obviamente que no tribunal a quo (artigo 465º).

                      Compreende-se a esta luz que a lei não seja permissiva ao ponto de banalizar e, consequentemente, desvalorizar a revisão, transformando-a na prática em recurso ordinário, endoprocessual neste sentido – a revisão não pode ter como fim único a correcção da medida concreta da pena (nº 3 do artigo 449º) e tem de se fundar em graves dúvidas lançadas sobre a justiça da condenação.” (Na doutrina e quantos aos fins da revisão, veja-se, por todos, Conde Correia, João, “O “Mito do Caso Julgado” e a Revisão Propter Nova”, Coimbra Editora, 2010, págs. 381 a 387.)

                      Na materialização desse propósito, a lei processual penal inculca, no artigo 449º, a possibilidade de revisão de uma sentença penal, quando, entre outras situações que para o caso não relevam, “os factos que servirem à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação” – alínea c) do artigo referenciado – ou “se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação” – cfr. alínea d) do citado preceito. (A propósito dos fundamentos do recurso de revisão cfr. o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Junho de 2003, relatado pelo Conselheiro Henriques Gaspar, em que se escreveu: “Dispõe o artigo 449º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Penal que a revisão da sentença transitada em julgado é admissível quando «se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da decisão».

                      O recurso de revisão constitui um meio excepcional de reapreciação de decisões transitadas em julgado, que tem o seu fundamento essencial na necessidade de evitar graves injustiças, reparando erros judiciários, para fazer prevalecer a justiça material sobre a justiça formal, ainda que com sacrifício da caso julgado. Um dos fundamentos da revisão é a existência de factos novos ou novos meios de prova, que não tenham sido apreciados no processo que levou à condenação e que, por serem desconhecidos do tribunal na data do julgamento, sejam susceptíveis de suscitar dúvidas sobre a justiça da decisão.”; ou o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17 de Abril de 2008, relatado pelo Conselheiro Maia Costa: “I - O recurso de revisão, previsto no art. 449.º do CPP, assenta num compromisso entre a salvaguarda do caso julgado, que é condição essencial da manutenção da paz jurídica, e as exigências da justiça material. O legislador criou o recurso de revisão como mecanismo que, pretendendo operar a concordância possível entre esses interesses contraditórios, admite, em casos muito específicos e limitados, a modificação de sentença transitada. II - Trata-se, pois, de um recurso extraordinário, de um “remédio” a aplicar a situações em que seria chocante e intolerável, em nome da paz jurídica, manter uma decisão de tal forma injusta que essa própria paz jurídica ficaria posta em crise.”

                      O requisito axial que a lei exige e/ou faculta ao peticionante de uma acção revisora da coisa julgada e, correlatamente, para que uma sentença firme possa ser quebrada na sua inteireza institucional-legal, ou, o mesmo é dizer, para que ocorra o chamado efeito preclusivo do caso julgado, é que, como se deixou dito supra, os meios de prova, que a hão-de abalar e/ou pôr em causa, se apresentem como uma novidade na realidade histórico-processual em que o caso foi apreciado, debatido, julgado e obtido o juízo condenatório. (Cfr. Acórdão de 14-03-2013, processo n.º 640/08.0SILSB-A.S1 - 5.ª Secção. “O recurso extraordinário de revisão, prevendo a quebra do caso julgado, contém na sua própria razão de ser um atentado frontal ao valor da segurança jurídica inerente ao Estado de Direito, em nome das exigências do verdadeiro fim do processo penal que é a descoberta da verdade e a realização da justiça.

                      Só circunstâncias substantivas e imperiosas devem permitir a quebra do caso julgado, de modo a que o recurso de revisão se não transforme em uma apelação disfarçada, sendo, ademais, taxativas as causas de revisão elencadas no nº 1 do art. 449.º do CPP.”)

                      Reportando-nos à situação contida na alínea d) do nº 1 do artigo 449º do Código Processo Penal, por ser a que aqui interessa, a lei concita para a procedência de um propósito processualmente manifestado de revisão de uma caso, (i) que a decisão a rever haja transitado em julgado (requisito geral); (ii) que depois do trânsito em julgado surjam factos novos (“O núcleo de factos elegíveis deverá ser considerado em função, quer da matéria, quer dos fins pretendidos: só são incluídos os factos compreendidos no âmbito do objecto que determina a condenação judicial e os factos susceptíveis de determinar a absolvição do condenado, a aplicação de uma moldura penal abstracta mais favorável e, em consequência, uma pena mais leve, a imposição de outra medida de segurança ou, por último, o próprio arquivamento definitivo do processo. É o caso de todos os elementos relativos à questão da culpa, como, por exemplo, as causas de exclusão da ilicitude ou da culpa. Isto é: todos os factos que forma directa ou indirecta (meros indícios) fundamentam ou excluem a punibilidade de determinada conduta” (…) “O conceito de facto tanto abrange os elementos constitutivos, ou negativos do tipo legal de crime (factos principais), como qualquer outra circunstância susceptível de comprovar a veracidade ou a falsidade daqueles. O rigor científico de uma peritagem (descoberta de novos métodos, descrédito do perito, insuficiência das suas habilitações) a credibilidade de uma testemunha (o seu carácter, a sua propensão para a mentira por reiteradas condenações neste ou noutros processos, a sua boa ou má reputação ou a amplitude da sua memória) podem afectar o juízo efectuado e destruir a convicção judicial sobre a existência ou inexistência de um determinado principal.” - Conde Correia, João, “O “Mito do Caso Julgado” e a Revisão Propter Nova”, Coimbra Editora, 2010, pág. 294. Mais adiante – cfr. pág. 565 – este autor assela que “factos para efeitos de revisão são todos aqueles que ,demonstrando a injustiça da condenação, possam justificar a quebra do caso julgado”; (iii) que surjam novos meios de prova; (“Segundo uma longa tradição italiana, que logrou mesmo consagração expressa, as expressões «factos novos» e novos elementos de prova» são equivalentes. Uma vez que a lei apenas admite os factos novos, enquanto eles têm eficácia probatória, também eles devem, necessariamente, ser elementos de prova” – Cfr. Conde Correia, João, “O “Mito do Caso Julgado” e a Revisão Propter Nova”, Coimbra Editora, 2010, pág. 290.) Quanto à relevância, probidade e idoneidade dos novos factos ou dos novos meios de prova escreveu-se no acórdão deste Supremo tribunal de Justiça, de 8 de Outubro de 2015, relatado pelo Conselheiro Santos Cabral, que “Consequentemente não será uma indiferenciada "nova prova", ou um inconsequente "novo facto", que, por si só, terão virtualidade para abalar a estabilidade, razoavelmente reclamada, por uma decisão judicial transitada. Tais novos factos e/ou provas, têm assumir qualificativo correlativo da "gravidade" da dúvida que hão-de guarnecer e que constitui a essência do pressuposto da revisão que ora nos importa.

                      Há-de, pois, tratar-se de "novas provas" ou "novos factos" que, no concreto quadro de facto em causa, se revelem tão seguros e/ou relevantes - seja pela patente oportunidade e originalidade na invocação, seja pela isenção, verosimilhança e credibilidade das provas, seja pelo significado inequívoco dos novos factos, seja por outros motivos aceitáveis - que o juízo rescindente que neles se venha a apoiar, não corra facilmente o risco de se apresentar como superficial, precipitado ou insensato, tudo a reclamar do requerente a invocação e prova de um quadro de facto "novo" ou a exibição de "novas" provas que, sem serem necessariamente isentos de toda a dúvida, a comportem, pelo menos, em bastante menor grau, do que aquela que conseguiram infundir à justiça da decisão revidenda

                      Se a condenação assenta num juízo valorativo da prova produzida no qual está afastada toda a dúvida razoável sobre a existência dos pressupostos de responsabilização criminal o juízo de revisão, nesta hipótese concreta, fundamenta-se exactamente em prova de sentido contrário.

                      Significa o exposto que os novos factos ou meios de prova devem suscitar a dúvida sobre a forma como se formou a convicção de culpa que conduziu á condenação. A estrutura lógica subsuntiva em que assenta a decisão condenatória deve, assim, ser afectada, ser corroída, nos seus fundamentos probatórios por tal forma que a dúvida surja sobre a sua razoabilidade.

                      Como se refere em Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Janeiro de 2002 dúvida relevante para a revisão de sentença tem, pois, de ser qualificada; há-de elevar-se do patamar da mera existência, para subir a vertente da "gravidade" que baste.

                      E, se é assim, logo se vê, que não será uma indiferenciada "nova prova" ou um inconsequente "novo facto" que, por si só, terão virtualidade para abalar a estabilidade, razoavelmente reclamada, por uma decisão judicial transitada.

                      Há-de, pois, tratar-se de "novas provas" ou "novos factos" que, no concreto quadro de facto em causa, se revelem tão seguros e/ou relevantes - seja pela patente oportunidade e originalidade na invocação, seja pela isenção, verosimilhança e credibilidade das provas, seja pelo significado inequívoco dos novos factos, seja por outros motivos aceitáveis - que o juízo rescindente que neles se venha a apoiar, não corra facilmente o risco de se apresentar como superficial, precipitado ou insensato, tudo a reclamar do requerente a invocação e prova de um quadro de facto "novo" ou a exibição de "novas" provas que, sem serem necessariamente isentos de toda a dúvida, a comportem, pelo menos, em bastante menor grau, do que aquela que conseguiram infundir à justiça da decisão revidenda.”)

                      Concernente ao conceito de facto, e numa perspectiva tradicional, como refere Conde Correia, abarca-se “qualquer circunstância, evento ou acontecimento, que possa ser objecto de prova e que, de forma directa ou indirecta, total ou parcial, sirva as finalidades da revisão.” (Cfr. Conde Correia, João, “O “Mito do Caso Julgado” e a Revisão Propter Nova”, Coimbra Editora, 2010, pág. 566. Na jurisprudência e quanto à compreensão e entendimento do que se há-de ter em consideração para efeitos de revisão de facto novo respiga-se o que adrede foi escrito num dos acórdãos supra citados, de que “ A noção de "factos novos" está, assim, tipicamente referida às circunstâncias do tempo processual da decisão; a justiça da decisão seria posta em causa se o facto relevante pudesse ter sido conhecido do tribunal do julgamento no momento da decisão. Todavia, a plasticidade da noção não afasta a consideração da novidade subsequente, quando os valores e exigências que estejam em causa assumam igual índice de validade, como muito impressivamente o presente caso revela.

                      (…) Todavia, se é certo que não pode ser invocada a «injustiça» contemporânea da condenação, « os factos agora invocados e considerados como novos são-no, de modo vivencial e essencial, na medida em que assumem o significado jurídico da sua consideração ou qualificação como tal, pois é legítimo afirmar-se que se tivessem sido objecto de análise e inclusão na decisão, não se colocaria agora a questão da pena acessória de expulsão, para efeitos de revisão de sentença, por ocorrência da previsão do artigo 33°, nº 1, da Constituição da República Portuguesa» (cfr. acórdão do Supremo Tribunal, de 11 de Fevereiro de 1999, no BMJ, 484-280).

                      «E se é defensável e lógico afirmar-se que a sentença não se esgota no momento do seu trânsito em julgado» mas «tão-só quando cessam todos os seus efeitos, então pode e deve concluir-se ser de atribuir relevância a "factos novos", que tornem a decisão verdadeiramente eivada de injustiça, no tocante aos efeitos que possa produzir enquanto não se mostra inteiramente executada».” – Henriques Gaspar.  

                      Quanto ao momento em que o peticionário tomou conhecimento dos factos novos veja-se o acórdão deste Supremo Tribunal de 27.01.2010, relatado pelo Conselheiro Santos Cabral, em que se sumariou: ”I - Para efeitos de revisão, os factos ou provas devem ser novos e novos são aqueles que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e não puderam ser apresentados antes do julgamento e apreciados neste. A “novidade” dos factos deve existir para o julgador (novos são os factos ou elementos de prova que não foram apreciados no processo) e, ainda, para o próprio recorrente. II - Se o recorrente tem conhecimento, no momento do julgamento, da relevância de um facto ou meio de prova, que poderiam coadjuvar na descoberta da verdade e se entende que o mesmo é favorável deve informar o Tribunal. Se o não fizer, jogando com o resultado do julgamento, não pode responsabilizar outrem, que não a sua própria conduta processual. Se, no momento do julgamento, o recorrente conhecia aqueles factos ou meios de defesa e não os invocou, não se pode considerar que os mesmos assumem o conceito de novidade que o recurso de revisão exige encontrando-se precludida a mesma invocação. III - Existe fundamento para a revisão, se o recorrente se encontrava afectado de patologia mental no momento da prática do crime, devendo ser valoradas num sentido que lhe é mais favorável a dúvida sobre a capacidade de agir em sua defesa no processo penal respectivo ou de estar afectada a capacidade de avaliar os seus actos e de se reger de acordo com tal avaliação, quer em termos de imputabilidade, quer de exercício do seu direito de defesa.”   

                      (Por facto novo há-de entender-se “aquele sucesso ou acontecimento que não foi possível ser conhecido pelo juiz sentenciador na instância, e sobre o qual não se se podia ter tomado conhecimento durante duramente o inquérito, nem se tenha praticado prova para a sus devida demonstração na fase da audiência (v.g. a invalidação de um testemunho, ao constatar-se que faltou à verdade na sua declaração e cujo testemunho constituiu prova acusatória («prueba de cargo») na sentença que se pretenda rever.” ((Nancy Carina Vernengo Pellejero, in “La Revisión de la Sentencia Firme en el Proceso Penal”, Universitat de Barcelona, Tese Doctoral, 2015, p. 249.)

                      Quanto ao que deve entender-se por novos meios de prova importaria recortar/delimitar o que se deve entender por meio de prova.

                      O termo prova pode assumir, pelo menos quatro significados: “fonte di prova”; “mezzo di prova”; “elemento di prova”; e “risultato probatorio”. (Cfr. Paolo Tonini, “Manuale di Procedura Penale”, Giuffrè Editore, Milano, 2008, pág. 204.)    

                      Con l´espressione «mezzo di prova» si vuole indicare quello strumento processual che permette di acquisire un elemento di prova”. (Cfr. Paolo Tonini, “”La Prova Penale”, Cedam, Quarta edizione, Milani, p. 91. “Com a expressão meio de prova quer-se indicar aquele instrumento processual que permite adquirir um elemento de prova.”)

                      Exemplo de um meio de prova é a prova por meio de testemunhas. Por seu turno “elemento di prova è il dato grezzo («gréggio» che si ricava dalla fonte di prova, quando ancora non è stato valutato dal giudice. Questi valuta al credibilità della fonte e l´attendibilità dell´elemento ottenuto, ricavandone un risultato prbatorio.” (Cfr. Paolo Tonini, “”La Prova Penale”, Cedam, Quarta edizione, Milani, p. 32. “elemento de prova é o dado em bruto que se extrai da fonte de prova, quando ainda não está valorado pelo juiz. Este valora a credibilidade da fonte a atendibilidade do elemento obtido, extraindo dele (ou daí) um resultado probatório.” (Tradução nossa)]     

                      Do passo que por novos elementos de prova se hão-de entender “aquelas ferramentas através das quais se prova um facto e que se traduz num meio de prova dentro do qual processo …”. “Não só brindam a oportunidade de aportar provas cujo conhecimento se tivesse apreciado depois da finalização do processo e a imposição da correspondente sentença condenatória, mas também compreendem aquelas provas cuja existência já era conhecida durante o processo e tenham sido nele objecto de valoração ainda que errónea, incompleta ou impossível de praticar como se pretende demonstrar. Mas se a prova em questão já foi devidamente praticada no juízo oral e não concorre nenhum factor que justifique novamente a sua prática (v.g. o descobrimento de uma técnica científica que possa destruir («dar al traste») a interpretação que no momento próprio foi outorgado a essa prova ou que permita a sua prática, quando no momento do processo tivesse sido possível)não serão considerados novos elementos de prova.” (Nancy Carina Vernengo Pellejero, in “La Revisión de la Sentencia Firme en el Proceso Penal”, Universitat de Barcelona, Tese Doctoral, 2015, p. 254).     

                      Punctum saliens do processo revidendo consigna-se com a necessidade que advém de escandir ou glosar uma adequada interpretação quanto ao entendimento e compreensão do conceito de novidade e qual o alcance lógico-racional do termo, quando referenciado a uma actividade jurisdicional já decorrida num procedimento judicial.

                      A novidade tanto pode ser consistir na prova directa (v. g. não foi o arguido quem cometeu os factos) como na prova indirecta da injustiça da condenação (v. g. foi um terceiro quem perpetrou os factos e, por isso, não pode ter sido o arguido a praticá-los).” (…) Os factos ou meios de prova alegados para efeitos de revisão não têm que ser completamente novos. A novidade tanto pode ser total como parcial. No primeiro caso, o juiz desconhece tudo aquilo que é invocado para sustentar a quebra d caso julgado. No segundo caso, que na prática parece ser a mais frequente, o juiz já conhece alguns argumentos utilizados. Como disse a Corte di Cassazione, numa decisão de 15 de Fevereiro de 1947, os elementos de prova, mesmo que em parte já fossem conhecidos pelo juiz que pronunciou a condenação, são idóneos a tornar admissível a revisão quando são capazes de excluir que o condenado tenha cometido o facto sobre o qual se funda a condenação.” (Conde Correia, João, “O “Mito do Caso Julgado” e a Revisão Propter Nova”, Coimbra Editora, 2010, pág. 360. Sobre a questão de saber, no plano metodológico, quem deve decidir sobre a questão da aptidão dos novos factos ou meios de prova: “o ponto de vista do juiz que decidiu (perspectiva passada); o ponto de vista do juiz que decide a admissibilidade do pedido de revisão (perspectiva contemporânea); ou o ponto de vista do juiz que, pressuposta a concessão daquela, irá, de novo, decidir o processo (perspectiva futura)”, veja-se Conde Correia, João, “O “Mito do Caso Julgado” e a Revisão Propter Nova”, Coimbra Editora, 2010, págs. 363 a 368.)           

                      A propósito da novidade (absoluta e total) do facto novo e do momento em que o peticionante teve conhecimento do facto que invoca como novo para efeitos da revisão da sentença condenatória, escreveu-se no acórdão deste Supremo Tribunal de 17.02.2011, relatado pelo Conselheiro Souto Moura, que (sic): “A al. d) supra referida exige que se descubram novos factos ou meios de prova. Essa descoberta pressupõe obviamente um desconhecimento anterior de certos factos ou meios de prova, agora apresentados. Ora, a questão que desde o início se vem por regra colocando, quanto à interpretação do preceito, é a de se saber se o desconhecimento relevante é do tribunal, porque se trata de factos ou meios de prova não revelados aquando do julgamento, ou se o desconhecimento a ter em conta é o do próprio requerente, e daí a circunstância de este não ter levado ao conhecimento do tribunal os factos, ou não ter providenciado pela realização da prova, à custa dos elementos que se vieram a apresentar como novos. Na doutrina, acolheram-se ambas as posições, não interessando à economia do presente recurso expor a respectiva fundamentação. Diremos simplesmente que a posição que se tem mostrado largamente maioritária neste Supremo Tribunal é a primeira. Também temos defendido, porém, dentro dessa linha, não bastar que pura e simplesmente o tribunal tenha desconhecido os novos factos ou elementos de prova para ter lugar o recurso de revisão.

                      E a limitação é a seguinte: os factos ou meios de prova novos, conhecidos de quem cabia apresentá-los, serão invocáveis em sede de recurso de revisão, desde que seja dada uma explicação suficiente, para a omissão, antes, da sua apresentação. Por outras palavras, o recorrente terá que justificar essa omissão, explicando porque é que não pôde, e, eventualmente até, porque é que entendeu, na altura, que não devia apresentar os factos ou meios de prova, agora novos para o tribunal. Na verdade, existe um elemento sistemático de interpretação que não pode ser ignorado a este propósito, e que resulta da redacção do artº 453º nº 2 do C. P. P.: “O requerente não pode indicar testemunhas que não tiverem sido ouvidas no processo, a não ser justificando que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou que estiveram impossibilitadas de depor”. Isto é, o legislador revela com este preceito que não terá querido abrir a porta, com o recurso de revisão, a meras estratégias de defesa, ou dar cobertura a inépcias ou desleixos dos sujeitos processuais. O que teria por consequência a transformação do recurso de revisão, que é um recurso extraordinário, num expediente que se poderia banalizar. E assim se prejudicaria, para além do aceitável, o interesse na estabilidade do caso julgado, e também se facilitariam faltas à lealdade processual (cf. v. g. P.P. Albuquerque in “Comentário do Código de Processo Penal”, pag. 1198, ou os Ac. deste S. T. J. de 25/10/2007 (Pº 3875/07, 5ª Secção), de 24/9/2009 (Pº 15189/02.6. DLSB.S1, 3ª Secção), ou de 28/10/2009 (Pº 109/94.8 TBEPS-A.S1, 3ª Secção, entre vários outros).

                      Se esta é a problemática que mais frequentemente aflora em matéria de revisão da sentença, o presente recurso apresenta-nos um circunstancialismo diferente, porque o facto novo invocado teve lugar depois da sentença condenatória que se quer ver revista.

                      Ora, assim sendo, parece claro que a revisão será de recusar.

                      Desde logo porque a al d) do nº 1 do art. 449º do C P P utiliza a expressão “Se descobrirem novos factos ou meios de prova”. A literalidade do preceito aponta para uma descoberta, e de uma realidade que embora existente era desconhecida. Não para uma realidade nova, moldada por factos entretanto acontecidos.

                      Depois, a justiça da condenação, posta em causa com o que se descobriu, é a justiça da condenação a rever. O recurso em questão propõe-se reparar uma falsa visão da realidade que a sentença a rever teve. Só interessa assim ter em conta a factualidade ocorrida até à data da decisão.

                      E então, será ir longe demais atender, em nome da justiça, não apenas ao desconhecimento de factos que poderiam ter sido conhecidos à data da prolação da decisão, como também a uma situação sobrevinda depois da decisão, que obviamente o juiz não tinha que prever. Não fora assim, e estaria aberta a porta à invocação de um sem número de factos supervenientes, responsáveis pala criação de uma situação que veio a revelar injusta. Tudo isso constituiria motivo de revisão, e abalaria de modo insuportável o efeito de caso julgado, ou seja, a segurança das decisões. 

                      A justiça da condenação não poderá confundir-se com a situação em que o condenado possa ter ficado depois da condenação, em virtude de factos sobrevindos ulteriormente. 

                      A essa situação posteriormente criada só poderá atender-se, a nosso ver, em sede de execução da pena, porque não é a decisão que se mostra injusta, é a execução da decisão que, face ao novo condicionalismo, se veio a revelar injusta.” (Disponível em www.dgsi.pt. No mesmo sentido o acórdão de 17-12-2009, relatado pelo mesmo Juiz Conselheiro. Veja-se ainda o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 18 de Abril de 2012, relatado pelo Conselheiro Oliveira Mendes, em cujo sumário se lavrou a sequente doutrina. “I - Ao instituto de revisão de sentença penal, com consagração constitucional, subjaz o propósito da reposição da verdade e da realização da justiça, verdadeiro fim do processo penal, sacrificando-se a segurança que a intangibilidade do caso julgado confere às decisões judiciais, face à verificação de ocorrências posteriores à condenação, ou que só depois dela foram conhecidas, que justificam a postergação daquele valor jurídico. II - Como refere Maia Gonçalves, in Código de Processo Penal Anotado, notas ao art. 449.º, o princípio res judicata pro veritate habetur não pode obstar a um novo julgamento, quando posteriores elementos de apreciação põem seriamente em causa a justiça do anterior. O direito não pode querer, e não quer, a manutenção de uma condenação, em homenagem à estabilidade de decisões judiciais, à custa da postergação de direitos fundamentais dos cidadãos. III - Por isso, a lei admite, em situações expressamente previstas (art. 449.º, n.º 1, do CPP), a revisão de decisão transitada em julgado, mediante a realização de novo julgamento (art. 460.º). Tais situações são: a) Falsidade de meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão; b) Crime cometido por juiz ou jurado, relacionado com o exercício da sua função no processo; c) Inconciliabilidade de decisões; d) Descoberta de novos factos ou meios de prova que suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação; e) Descoberta de que à condenação serviram de fundamento provas proibidas; f) Declaração, pelo TC, de inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação; g) Sentença vinculativa do Estado Português, proferida por instância internacional, inconciliável com a condenação ou suscitadora de graves dúvidas sobre a justiça da condenação. (…) V - O fundamento de revisão de sentença da al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP, novos factos ou meios de prova, implica o aparecimento de novos factos ou meios de prova, ou seja, como expressamente consta do texto legal, a descoberta de factos ou meios de prova, o que significa que os meios de prova relevantes para o pedido de revisão terão de ser processualmente novos, isto é, meios de prova que não foram produzidos ou considerados no julgamento. Nestes termos, apenas são novos os factos e os meios de prova desconhecidos pelo recorrente ao tempo do julgamento e que não tenham podido ser apresentados e apreciados na decisão. Se, ao invés, o recorrente conhecia os factos e os meios de prova ao tempo do julgamento e os podia apresentar, tais factos e meios de prova não relevam para efeitos de revisão de sentença. (…)”

                      Na doutrina do país vizinho entende-se que relativamente à novidade de factos ou meios de prova “(…) que aparezcan o sobrevengan con posteridad a la primitiva condena, hay que resaltar: 1) Cualquier medio de prueba es admisible para promover la revisión, independentemente da le efectividad y transcendencia posterior para provocar la alteración de la condena primitiva, al acreditar la inocencia del reo, no bastando que puedan fundar simplemente la aplicación de una norma penal com pena menos grave de la impuesta; 2) que no es necesario que el condenado las ignorasse durante el proceso; 3) es suficiente que ante el tribunal que lo condenó o hubiesen sido alegadas ni hubiesen sido descubiertas por la investigación de oficio; 4) si hay novedad en el medio de prueba de valor, por la livre apreciación del tribunal; 5) si el hecho que se considera nuevo fuera del tal naturaleza que debiera dar lugar a su descubrimiento a la incoación de un proceso, no puede basarse en el este motivo de revisión hasta que se dicte sentencia firme en el proceso correspondiente.” Aragoneses Alonso, P., “Instituciones de Derecho Procesal Penal.” Madrid, 1981, p. 534, citado por Nancy Carina Vernengo Pellejero, in “La Revisión de la Sentencia Firme en el Proceso Penal”, Universitat de Barcelona, Tese Doctoral, 2015, p. 215. No mesmo sentido a STS (Sala Penal) de 25 de febrero de 1985, em que se doutrinou “que o citado quarto motivo da revisão, é procedente quando, posteriormente à firmeza da sentença condenatória, sobrevenha o conhecimento de novos factos ou de novos meios de prova, devendo-se entender como novos, todos os factos ou meios probatórios que sobrevenham ou se revelem com posteridade à sentença condenatória, sem que seja preciso que o condenado os desconhecera durante o transcurso da causa, bastando com que não hajam sido alegados ou produzidos ante o tribunal sentenciador nem descobertos pela investigação judicial praticada de oficio, sem que por conseguinte, se repute novo ao facto o meio de prova que tendo-se posto de manifesto durante o processo, o tribunal no uso da sua faculdade de soberana apreciação, não lhe concedeu valor algum, figurando entre os ditos factos ou meios probatórios novos, citando-os à guisa de exemplo, a retractação das testemunhas, a invalidação dos seus testemunhos, a confissão de outra pessoa distinta da do condenado ou condenados, e outras provas periciais diferentes das praticadas na causa ou a invalidação dos resultados ou conclusões obtidas por aqueles como consequência de novas técnicas ou descobertas cientificas.”)             

                      Uma derradeira menção ao requisito das sérias, fundadas e sofridas dúvidas sobre a justiça da condenação.

                      Concretamente quanto a este requisito escreveu-se no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 7 de Junho de 2017, relatado pelo Conselheiro Raul Borges, em que interviemos na qualidade de Adjunto, (sic): “No que tange a este segundo pressuposto e sobre o que deverá entender-se por dúvidas graves sobre a justiça da condenação, dizia-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Março de 2003, processo n.º 4407/02-5.ª Secção, in CJSTJ 2003, tomo 1, pág. 231, que os novos factos ou meios de prova têm que suscitar graves dúvidas sobre a justiça da condenação, mas nesse caso, desde que suscitem possibilidade de absolvição e já não de mera correcção da medida concreta da sanção aplicada; tudo terá de decorrer sob a égide da alternativa condenação/absolvição, que afinal plasma e condensa o binómio condenação justa (a manter-se) condenação injusta (a rever-se).

                      Para além de os factos ou meios de prova deverem ser novos, no sentido apontado, é, ainda, necessário que eles, por si ou em conjugação com os já apreciados no processo, sejam de molde a criar dúvidas fundadas sobre a justiça da condenação. (“Já anteriormente, o acórdão deste Supremo de 11 de Maio de 2000, proferido no processo n.º 20/2000 - 5.ª Secção, se pronunciara no sentido de que “exactamente porque, tratando-se de um recurso extraordinário, o mesmo tem de ser avalizado rigorosamente, não podendo, nem devendo, vulgarizar-se, pelo que haverá que encará-lo sob o prisma das graves dúvidas, e como graves só podem ser as que atinjam profundamente um julgado passado, na base de inequívocos dados, presentemente surgidos”. (Citando este, os acórdãos de 17-04-2008, processo n.º 1307/08 - 5.ª Secção e de 07-09-2011, processo n.º 29/01.TACBC-A.S1-3.ª Secção).

                      (…) Os “novos factos” ou as “novas provas” deverão revelar-se tão seguros e (ou) relevantes – pela patente oportunidade e originalidade na invocação, pela isenção, verosimilhança e credibilidade das provas ou pelo significado inequívoco dos novos factos ou por outros motivos aceitáveis – que o juízo rescidente que neles se venha a apoiar não corra facilmente o risco de se apresentar como superficial, precipitado ou insensato, o que reclama do requerente do pedido a invocação e prova de um quadro de facto “novo” ou a exibição de “novas” provas que, sem serem necessariamente isentos de toda a dúvida, a comportem, pelo menos, em bastante menor grau do que aquela em que se fundamentou a decisão a rever - cfr. neste sentido, os acórdãos de 12-05-2005, processo n.º 1260/05 – 5.ª; de 23-11-2006, processo n.º 3147/06 – 5.ª; de 20-06-2007, processo n.º 1575/07 – 3.ª; de 26-03-2008, processo n.º 683/08 - 3.ª, e citando o aludido acórdão de 1-07-2004, o acórdão de 20-10-2011, processo n.º 665/08.5JAPRT-E.S1 - 3.ª Secção. (Cfr. ainda os arestos citados no acórdão transcrito, a sabe os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 09-04-2008, proferido no processo n.º 675/08-3.ª “os novos factos ou meios de prova deverão provocar graves dúvidas (não apenas quaisquer dúvidas) sobre a justiça da condenação, o que significa que essas dúvidas devem ser de grau superior ao que é normalmente requerido para absolvição do arguido em julgamento “; de 17-04-2008, processo n.º 1307/08-5.ª – “O recurso extraordinário de revisão não se destina a sindicar a correcção de decisão condenatória transitada em julgado, debruçando-se o julgador mais uma vez sobre a factualidade dada por provada e por não provada, ou sobre a prova em que se baseou”. “É preciso que passe a haver uma dúvida grave sobre a justiça da condenação, que se atribua à nova prova apresentada; ou seja, importa ver nesta nova prova elementos decisivos para poder ser sustentada a tese da inocência.”; e de 08-10-2015, processo n.º 173/14.5PAAMD.S1 - 3.ª Secção (Nos termos do art. 449.º, do CPP, novas provas ou novos factos serão aqueles que, no concreto quadro de facto em causa, se revelem tão seguros e/ou relevantes – seja pela patente oportunidade e originalidade na invocação, seja pela isenção, verosimilhança e credibilidade das provas, seja pelo significado inequívoco dos novos factos, seja por outros motivos aceitáveis – que o juízo rescidente que neles se venha a apoiar, não corra facilmente o risco de se apresentar como superficial, precipitado ou insensato, tudo a reclamar do requerente a invocação e prova de um quadro de facto “novo” ou a exibição de “novas” provas que, sem serem necessariamente isentos de toda a dúvida, a comportarem, pelo menos, em bastante menor grau, do que aquela que conseguiram infundir à justiça da decisão revidenda.”).

                      Já quanto ao requisito inserto na alínea c) do artigo 449º do Cód. de Proc. Penal - inconciliabilidade entre os factos que hajam sido dado como provados em duas sentenças, ou seja uma antinomia irredutível e irremível entre a factualidade essencial dada como adquirida numa sentença (anterior) e aqueloutros dados como adquiridos na sentença objecto de pedido de revisão - doutrinou-se no Código de Processo Penal Comentado supra referido, que “o fundamento de revisão previsto na alínea c) obedece a dois pressupostos substantivos e outro adjectivo, todos de verificação cumulativa: por um lado, a inconciliabilidade entre os factos que serviram de fundamento à condenação – e não outros – e os dados como provados noutra sentença e, por outro, que dessa oposição resultem dúvidas graves sobre a justiça da condenação. O pressuposto adjectivo inultrapassável, consiste em que nem todos os factos eventualmente relevam: só os factos constantes de uma sentença anterior, também ela transitada em julgado. Importa ainda que a inconciliabilidade pressuposta na lei é apenas e só a que resulta de factos provados numa e noutra sentença, e não quaisquer outros, nomeadamente entre factos provados e não provados.” (Henriques Gaspar; Santos Cabral; Maia Costa; Oliveira Mendes; Pereia Madeira e Pires da Graça, in Código de Processo Penal, Comentado, 2ª edição, 2016, p. 1508.)       

                      A inconciliabilidade exigida pela lei para que uma sentença possa vir a ser objecto de revisão, traduz-se numa antinomia ou antagonismo substancial, essencial e efectivo entre os factos dados como provados numa decisão anterior e aquela cuja revisão é pedida. A inconciliabilidade factual surge quando, considerando uma realidade cognitivamente assumida e formalmente plasmada pelo juízo perceptivo e racionalizado – no caso firmado e estabelecido, com base numa actividade probatória desenvolvida por um tribunal – vem surgir, num outro juízo jurisdicional, com uma compleição cognitivo-racional e substancial antinómica e inconciliável com aqueloutro já transmitido como sendo o que, tendo por base aquele núcleo e imo imutável de realidade (factual) se tinha dado como imutável. Na base de um juízo inconciliável está, ou encontra-se, uma oposição cognitiva de duas realidades que, quando confrontadas, exibem e evidenciam soluções de continuidade disruptivas e insusceptíveis de encontrarem pontos de inteligibilidade lógico-racional. A inconciliabilidade de duas realidades prefiguradas e estabelecidas, formalmente, assume-se descontínua e desconexa o que impede uma compreensão uniforme e racionalmente congruente, num quadro de logicidade e razoabilidade intelectiva. Pode acontecer que nenhuma das duas realidades factualmente definidas e expostas à compreensão dos sujeitos seja a que corresponde ao efectivamente «acaecido», mas o que se torna incomportável para uma solução de justiça substantiva e equitativa é que duas decisões judiciais se possam manter reverberando duas realidades que na sua configuração estrutural-material se exibem como contrapostas e desconexas na sua compreensão lógico-racional.

                      As decisões judiciais devem, quando ajuízem sobre uma mesma realidade factual – o que, em princípio se prefigura de difícil oportunidade, dado o instituto do ne bis in idem –, ou sobre uma parcela de uma realidade que prefigura ou integra uma realidade mais vasta involucrada num caso sujeito a apreciação do tribunal, devem, porque uma realidade se configura com uma compreensão lógica, substantiva e externa unificada e composta de elementos que se tornam intelectualmente identificáveis racionalmente percebidos, apresentar-se com a mesma e similar perfeição e tessitura compreensiva-intelectual, sob pena de permitir transparecer uma divertida compreensão do ajuizamento do tribunal e/ou de uma anómala e enviesada aportação de meios de prova que permitiram a percepção de um mesmo quadro factual, essencial e substantivo, de forma divertida e «destartalada». É este desvirtuamento perceptivo e compreensivo sobre uma mesma realidade apreciada em dois juízos jurisdicionais que se pretende evitar com a possibilidade de revisão de uma decisão que contenha factos similares que tenham sido dado como provados numa outra decisão.

                      A inconciliabilidade não pode não ejectar do mesmo núcleo e especifico quadro factual ou sobre a mesma realidade efectiva, podendo incidir sobre realidades factuais distintas mas que na confrontação e contingentação, de uma realidade mais alargada, esta se apresente como desconforme, desconexa e racionalmente desquiciada, se posta num eito de normalidade vivencial e das regras da experiência. A factualidade inconciliável deve conformar o mesmo núcleo axial de factos para a decidibilidade de um caso,  ou aqueles que, fazendo inextricavelmente parte do mesmo amplexo decisivo e conexo de factos estimados pertinentes e fundamentais, se venham a mostrar antagónicos ou incapazes de provocar a demonstrabilidade da existência de uma conformidade harmónica e distensível de uma situação factual inteligível e racionalmente perceptível.

                      É neste quadro que o pressuposto inserto na alínea c) do nº 1 do artigo 449º do Cód. de Proc. Penal se expressa.      


                      §II.iii). – SOLUÇÃO DO CASO.

                      §II.iii).a). – NULIDADE DA DECISÃO (REVIDENDA) POR FALTA (OMISSÃO) DE FUNDAMENTAÇÃO.

                      De modo anómalo e incompatível relativamente ao tipo de recurso com que pretende atacar a decisão revidenda – decisão do tribunal colectivo que lhe impôs, na obediência da lei, a pena acessória de expulsão – o recorrente conclui (para formulação do petitório) que (sic): “a seu ver não se encontra devidamente fundamentada de direito e insuficientemente justificado de facto a imposição da pena acessória de expulsão ao arguido que para cá veio e com pouca idade, da nulidade prevista na al. a), nº 1, 379º por referência ao nº 2 do artº 374º do CPP, sempre se mostra ferido o douto acórdão recorrido, nesta parte.

                      Como ficou asseverado no apartado correspondente – enunciação das questões que deverão ser assumidas para a solução do caso – a nulidade da decisão revidenda não constitui fundamento próprio e normativamente consignado para a pretensão de revisão. A nulidade da decisão constitui-se com um vício de uma decisão judicial que deve ser reagida e impugnada través de recurso ordinário e não mediante um recurso que serve e tem como objectivo substantivo a realização, por rectificação e correcção, de uma decisão que se mostra contrária á razão de justiça que deve nortear e vincar a efectivação do ideal de justiça inerente a transversal a qualquer sistema judiciário radicado no Direito e na Razão de integridade e dignidade da pessoa (individual, socialmente e historicamente situada).

                      O mesmo vale, a título meramente expiatório relativamente a alguma tenção reactiva a este aresto, por omissão de pronúncia, para a invocação do vício de omissão de fundamentação e contradição entre a fundamentação e a decisão (ou mesmo de insuficiência da matéria de facto para a decisão) destilados na parte final do item 6 e no proémio do item 10 da síntese conclusiva, quando irroga a decisão de nula por violação do nº 2, alínea a) do artigo 410º do Código de Processo Penal. Vale para este vício o que ficou consignado para a nulidade de falta de fundamentação.

                      Não se configurando como vector de reacção a uma decisão transitada e julgado e como meio/modo de a modificar, por correcção de erros de julgamento (posteriormente pressentidos e reconhecidos), não se conhece (substantivamente) da nulidade invocada, por arredada e estranha aos fundamentos próprios e intrínsecos da normação adrede, nem, outrossim dos vícios de julgamento assoalhados nas alíneas a), b) e c) do nº2 do artigo 410 º do Código de Processo Penal.


                      §II.iii).a). – INCONCIABILIDADE DA DECISÃO.

                      Sustenta o peticionante a sua pretensão recursiva com invocação de uma pretensa inconciliabilidade da (própria) decisão revidenda, traduzida na (sic) “(…) contradição entre a fundamentação e a decisão ou mesmo de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (artº 410º do CPP) na medida em que, se por um lado deu-se como matéria provada que o arguido cresceu em Portugal por outro lado considera-se provado que o mesmo antes de preso não tinha outro modo ocupação certa havendo a seu ver uma certa inconciliabilidade entre os termos da condenação”, porquanto, adjunge, “caso o tribunal tivesse tomado conhecimento, ainda que oficiosamente, da real situação do arguido, quanto a sua situação profissional laboral e familiar (pela inquirição de familiares), bem como o facto do mesmo ter vindo para Portugal enquanto menor de 11 anos de idade, a decisão teria sido outra e mais justa quanto a esta parte das penas aplicadas: Daí existir factos novos que justificam a aceitação e provimento do presente recurso de revisão; aliado a referida inconciliabilidade entre a fundamentação e a decisão nos termos supra referidos.”

                      A exigência normativa permissiva de um movimento revidendo configura-se como um fundamento bipolar, no sentido em que convoca para a sua representação performativa funcional a existência de duas decisões, aquela que se pretende rever e uma outra em que foram dados como provados factos que na sua essencialidade se prefiguram como antinómicos ou incontrastáveis com aqueles que possibilitaram a condenação na decisão a rever. (“Os factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação” - artigo 449º, nº 1, alínea c) d Código de Processo Penal). Para além da contraditoriedade e oposição material (e essencial) entre a factualidade adquirida na decisão a rever com uma outra que, na sua estrutura lógico-cognitiva e denotativa-intelectual, se mostre desfasada, a lei exige, para a subsistência deste fundamento que para além desse patente desconchavo e desarraigo funcional-comunicativo se some um outro, qual seja a existência/preeminência de “graves dúvidas sobre a justiça da condenação”.

                      Para a subsistência do fundamento em análise importa, pois, estender o espectro de disquisição num duplo sentido, um primeiro observar e confirmar a antinomia, essencial e material-formal, da factualidade conflituante e excludente na formação de um juízo correcto, lhano e arraigado à ajustada formação de um veredicto condenatório isento de vícios cognitivos e intelectivos, e um segundo traduzido, para além de, e por causa dessa, contraditoriedade formal-material, na atestação de um veredicto significativamente lesivo da realização de uma justiça arrimada a uma solução justa, equitativa e formalmente consonante com a juridicidade firmada no universo da jurisdição realizada e firmada.

                      O que ressalta da transcrição supra efectuada é uma hipotética e flamejada – que em nosso juízo é inexistente, mas cuja análise não nos ocupará – contradição entre os fundamentos da própria decisão condenatória. O vício apontado releva, pois, de uma solipsa sentença – concretamente da decisão revidenda – e não de uma outra (diversa e distinta) decisão que lhe fosse possível antepor e confrontar, pela sua conciliabilidade formal-material. A dualidade de juízos (cognitivos) expressos numa bipolaridade formal-estrutural decisória não se verifica no caso, não sendo exibida uma dicotomia decisional condenatória que permita a conflitualidade judicante susceptível de satisfazer o requisito formal-normativa prescrito na alínea c) do nº 1 do artigo 449º do Código de Processo Penal.

                      Falece, com os argumentos aduzidos, a subsistência do esgrimido e invocado fundamento de revisão.            


                      §II.iii).b). – CONHECIMENTO (SUPERVENIENTE) DE FACTOS NOVOS.

                      O recorrente aduz como factos novos, ou prenhados de novidade denotativa e performativa de uma modificação/alteração da decisão revidenda: i) ter vindo para Portugal, com 11 anos, pra se juntar aos pais que já cá encontravam; ii) ter iniciado uma actividade laboral (na construção civil); iii) existir uma situação sanitária, no seu país de origem, com várias infecções; e iv) ter sobrevindo legislação que os estrangeiros que tenham pedido a legalização se devam considerar em situação “legal” no país. 

                      O pedido de revisão alentado pelo requerente assenta, essencialmente, na revogação da pena acessória que lhe foi imposta no processo nº 1062/11.0… e que o tribunal que operou o cúmulo das penas convocadas para o efeito, manteve por força do artigo 78º, nº 3 do Código Penal (“as penas acessórias e as medidas de segurança aplicadas na sentença anterior mantêm-se, salvo quando se mostrarem desnecessárias á vista da nova decisão (…)”).   

                      A lei – cfr. artigo 449º, nº 3 do Código de Processo Penal – não permite a revisão de uma sentença firme, ou transitada em julgado, “com fundamento na alínea d) do nº 1, com o único fim de corrigir a medida concreta da sanção aplicada.”

                      A aplicação de uma pena acessória, porque dependente da formulação de um juízo de culpabilidade e de censura ético-jurídica relativamente à conduta (principal) de que ela é ancilar, não assume, segundo a jurisprudência mais abalizada, uma sequenciação automática e consequente, antes dependendo da verificação dos pressupostos jurídico-materiais que arroupam a sua fisionomia jurídica e os objectivos que lhe são co-envolventes. (Assim, o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 26-11-2008, proferido no processo nº 3630/08, pelo relator Conselheiro Armindo Monteiro, de que (sic): “IV - O art. 30.º, n.º 4, da CRP, estipula que nenhuma pena acessória envolve necessariamente a perda de direitos civis, profissionais e políticos, repercutindo-se aquele no art. 65.º, n.º 1, do CP, impedindo a aplicação ope legis dos efeitos penais da condenação e das penas acessórias de expulsão, demandando uma indagação casuística da condição do condenado de forma a estabelecer-se um consistente ajustamento da acção à reacção eventualmente de desencadear. - V - Este STJ, no seu acórdão de fixação de jurisprudência n.º 14/96, de 07-11-1996 (DR, I Série-A, n.º 275, de 27-11-1996, e BMJ 461.º/54), afirmou a sua não automaticidade, antes devendo averiguar-se, caso a caso, a sua necessidade, sujeita a indispensável e fundamentada justificação, na esteira, aliás, da jurisprudência do TC inscrita nos Acs. n.ºs 282/86, 284/89, 288/94 e 41/95 (DR, I Série, de 11-11-1986, 22-06-1989, 17-06-1994 e 27-04-1995, respectivamente). - VI - Tendo o tribunal indagado a condição pessoal, social e familiar do arguido, sem autorização de residência válida na data dos factos, não configurando a sua situação qualquer das excepções à expulsão inscritas no art. 135.º da Lei 23/2007, de 04-07 – ter nascido em Portugal, ter filhos aqui nascidos e residentes sobre os quais exerça efectivo poder paternal, ter aqui residência desde idade inferior a 10 anos –, a expulsão não representa ofensa a princípios de proporcionalidade, necessidade e proibição de excesso.”)  

                      A revisão de decisão que tenha imposto uma pena acessória de expulsão foi objecto de análise no acórdão deste supremo Tribunal de Justiça, de 21 de Janeiro de 2009, proferido no processo nº 08P3922, e relatado pelo Conselheiro Maia Costa, em cujo sumário se escreveu: “Na al. d) do n.º 1 do art. 449.º o legislador admite a revisão se se verificarem, cumulativamente, dois requisitos: a descoberta de factos ou meios de prova novos, ou seja, que não tivessem sido levados em conta pela decisão condenatória; e a emergência, face à descoberta de tais factos ou meios de prova, de graves dúvidas sobre a justiça da condenação. II - A justiça da condenação reporta-se exclusivamente à imputação do crime, das sanções principais e acessórias, bem como à atribuição da indemnização civil. Será injusta a sentença que, mercê do desconhecimento de determinados factos ou meios de prova relevantes para a condenação ou a absolvição do arguido e/ou demandado, condene em pena principal ou acessória, ou no pedido civil, quando decidiria em sentido oposto (absolvição) no caso de conhecer esses factos. III - A questão de saber se poderá haver revisão com base em factos supervenientes à sentença condenatória não está isenta de dúvidas:

                      - pode argumentar-se, por um lado, que é inequívoco que a decisão é justa no momento em que é proferida, pois considerou todos os factos que lhe foram apresentados e todos os factos relevantes, conhecidos ou não do tribunal – sendo justa, não pode ser submetida a correcção;

                      - em contrapartida, poderá defender-se que a superveniência de certos factos pode pôr em causa a justiça da condenação nas penas acessórias, nomeadamente a de expulsão, que é executada após o cumprimento da pena (principal) de prisão, durante o qual podem suceder ocorrências que alterem sensivelmente o quadro circunstancial que determinou (justamente, ao tempo) a condenação na pena de expulsão, e que tornem injusta essa condenação no momento em que vai ser executada. - IV - Se os pressupostos fácticos da condenação na pena acessória de expulsão se modificaram de tal forma que, ao tempo da sua execução, já não subsistem, não podendo então os factos servir de fundamento à condenação nessa pena, parece inevitável aceitar que a sentença se tornou, devido à superveniência de certos factos, injusta, supervenientemente injusta, em termos de poder ser submetida a revisão, com base na al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP. - V - Não é tolerável que se execute uma pena sobre a qual recaem graves suspeitas de ser injusta. Tendo o recurso de revisão como fundamento e teleologia precisamente a reparação de decisões injustas, ainda que o procedimento se encontre extinto ou a pena prescrita ou cumprida, como refere o n.º 4 do art. 449.º do CPP, por maioria de razão ele deve ser admitido a reparar decisões que ainda não se executaram, quando, portanto, é ainda possível evitar que se efective e execute uma decisão (presumivelmente) injusta, ainda que correcta ao tempo da sua prolação. - VI - Consequentemente, considera-se, em princípio, admissível o recurso de revisão com base em factos supervenientes à sentença condenatória.

                      VII - Tendo em consideração que:

                      - o recorrente apresenta como facto novo o seu casamento [documentado nos autos], já em fase de cumprimento da pena, com uma portuguesa, tendo esta duas filhas, uma nascida em 06-11-1991 e a outra em 24-02-1993;

                      - o recorrente não adquiriu, como efeito directo do casamento, a nacionalidade portuguesa (art. 3.º da Lei da Nacionalidade), nem está comprovado nos autos que a tenha adquirido por outra forma;

                      - o recorrente não tem filhos a residir em Portugal, pois não é o pai biológico das duas filhas da sua mulher, nem o casamento estabelece vínculos de filiação entre um dos cônjuges e os filhos do outro [aliás, o recorrente nunca viveu nem conviveu com as filhas da sua mulher, nem está comprovado que alguma vez tenha contribuído para o seu sustento e educação], pelo que a situação de facto não é abrangida nem pelo art. 101.º do DL 244/98, de 08-08, na redacção do DL 4/2001, de 10-01, vigente à data da condenação, nem pelo art. 135.º da Lei 23/2007, de 04-07, actualmente em vigor, não tendo fundamento a invocação dos arts. 33.º, n.º 1, e 36.º, n.º 6, da CRP;

                      - o recorrente não tem quaisquer ligações efectivas com Portugal [veio para cá viver em 17-04-2001, mas desde Abril de 2003 deixou de trabalhar; desde Setembro/Outubro de 2002 até 17-05-2003, dia em que foi detido, dedicou-se à venda de estupefacientes, tendo estado desde então recluso] e não é um residente de longa duração, pelo que não beneficia do estatuído no art. 136.º da Lei 23/2007, de 04-07; o recurso de revisão é manifestamente infundado. No mesmo eito, e do mesmo Distinto Relator, o acórdão deste Supremo tribunal de Justiça, de 04.02.2015, proferido no processo nº 64/11.1PJMD-B.S1, em que se doutrinou (sic): “III - A al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP admite a revisão de sentença transitada sempre que sejam conhecidos factos ou elementos de prova novos. Essa novidade refere-se ao tribunal mas também ao próprio recorrente. - IV - O recorrente, de nacionalidade estrangeira, foi condenado na pena acessória de expulsão do território nacional por 6 anos. O recorrente invoca um facto novo - o nascimento (em data posterior à condenação) de um filho em Portugal, fruto de uma ligação de facto com uma cidadã estrangeira, residente em Portugal; - V - Apesar de se tratar de uma questão complexa, considera-se admissível a revisão da sentença com base em factos supervenientes à sentença condenatória, quando tais factos invalidem os pressupostos em que assentou a condenação na pena acessória de expulsão.

                      VI - Se os pressupostos fácticos da condenação na pena acessória de expulsão se modificaram de tal forma que, ao tempo da sua execução, já não subsistem, não podendo então os factos servir de fundamento à condenação nessa pena, parece inevitável aceitar que a sentença se tornou, devido à superveniência de certos factos, supervenientemente injusta, em termos de ser submetida a revisão com base na al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP. - VII - Embora o filho do arguido seja de nacionalidade portuguesa e residente em Portugal, é manifesto que não se registam os demais requisitos enunciados na al. b) do art. 135.º da Lei 23/2007, de 04-07 (na versão da Lei 29/2012, de 09-08), na medida em que não há laços familiares, ainda que de facto, a unir o arguido à mãe do menor, e os interesses do menor não exigem a permanência do pai em território português, já que ele não exerce, nem nunca exerceu, as responsabilidade parentais, nem contribui directamente, ou seja, ele próprio à sua custa, para o sustento e a educação do menor. Esta situação não integra o que o legislador pressupõe como obstáculo à expulsão, e que assenta no princípio da protecção da unidade da família e dos interesses da criança, sendo de negar a revisão.”  

                      No mesmo sentido parece encaminhar-se o entendimento prelevado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12.06.2014, proferido no processo nº 1236/05.3GBMTA-B.S1, relatado pela Conselheira Isabel Pais Martins, em que se definiu que (sic): “I - É entendimento do STJ que se deve interpretar a expressão “factos ou meios de prova novos”, constante na al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP, no sentido de serem aqueles que eram ignorados pelo tribunal e pelo requerente ao tempo do julgamento e, por isso, não puderam, então, ser apresentados e produzidos, de modo a serem apreciados e valorados na decisão. -II - O recurso de revisão não se destina a suprir inépcias ou desleixos processuais nem pode estar ao serviço de puras estratégias de defesa. Para além de os factos ou meios de prova deverem ser novos é, ainda, necessário que eles, por si ou em conjugação com os já apreciados no processo, sejam de molde a criar dúvidas fundadas sobre a justiça da condenação. - III - Por acórdão proferido no Proc. X, em 29-03-2005 julgou-se adequado «ordenar a expulsão do arguido do território nacional, sendo-lhe vedada a entrada pelo período de cinco anos, ao abrigo do art. 101.º, n.º 1 e art. 105.º, do DL 244/98, de 08-08, na redacção do DL 34/2003 de 25-02». No Proc. Y, por conhecimento superveniente do concurso de crimes, por acórdão de 25-11-2010, foi realizado o cúmulo jurídico de penas em que o requerente havia sido condenado neste processo, no Proc. X e noutros processos, vindo a ser condenado na pena conjunta de 12 anos de prisão e mantida a pena acessória de expulsão do território nacional, com proibição de entrada, pelo período de 5 anos. - IV - À data da prolação do acórdão do Proc. Y, em 25-11-2010, que realizou o cúmulo jurídico de penas em que o requerente se encontrava condenado, estava em vigor a Lei 23/2007, de 04-07, que revogou o DL 244/98, de 08-08, aplicando-se os arts. 134.º, n.º 1, al. a), 151.º, n.º 1 e 135.º dessa Lei 23/2007. - V - No Proc. Y foi dado como provado que o requerente, cidadão cabo-verdiano, tinha um filho menor, nascido e residente em Portugal e que esse seu filho, com 6 anos de idade, foi confiado aos avós maternos no âmbito de processo de promoção e protecção, na sequência da prisão de ambos os progenitores. - VI - Nessas circunstâncias não se podem ter por verificados os limites à expulsão constantes das als. b) e c) do art. 135.º da Lei 23/2007, nem a alegação produzida pelo requerente goza de qualquer consistência no sentido de que ele prestava auxílio no sustento e educação do menor, de que tivesse aquele filho a seu cargo ou que sobre ele exercesse efectivamente o poder paternal, decidindo-se negar a revisão do acórdão de 25-11-2010 proferido no Proc. Y.”    

                      A figura jurídico-penal (mas também de feição administrativa) da pena acessória de expulsão, não mereceu – como, aliás, todo o chamado, no país vizinho, “direito penal relativo a estrangeiros”- uma análise da dogmática penal, ao invés do que sucedeu n dogmática e na jurisprudência dos demais países do arco europeu, mormente em Espanha, onde a figura sancionatória foi objecto de estendida, aprofundada e acerada controvérsia. No panorama jurídico-penal indígena a figura sancionatória não colheu uma definição ou recorte da sua natureza jurídico-funcional e da sua inserção na sistemática no plano da execução das penas. Desde logo porque foi remetida para um diploma de cariz regulamentador e de maioritária índole administrativa – a saber os diversos decretos e leis que desde 1998 vem regulando a entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional – e que, bizarramente, ao arrepio da sistematização adoptada por outros países, capturou a parte penal dos crimes relacionados com a imigração e que depois foi alargando à medida que o fenómeno foi sendo objecto de mais alargada regulação no direito comunitário (tipificações como angariação de mão-de-obra, utilização de actividade de cidadão estrangeiro, ou casamento ou união de conveniência (artigos 185º, 185º-A e 186º da Lei nº 23/2007, de 4 de Julho, com as sucessivas alterações que lhe foram sendo introduzidas (a última pela Lei nº 28/2019, de 29 de Março) foram sendo introduzidas à medida que a realidade imigratória ia suscitando a necessidade de involucrar manifestações inovadoras de modos de proceder dos indivíduos que pretendiam alcançar autorizações de residência ou a naturalização no espaço europeu. (Em Espanha, por exemplo, a regulamentação de natureza administrativa foi remetida para um diploma adrede (Ley Organica 4/200, ao passo que as tipificações penais foram integradas no Código Penal – cfr. artigo 318º, involucrado no Título XV Bis, sob o epítome “Delitos contra los Derechos de los ciudadanos extranjeros”). Depois porque, ao contrário do que acontece em Espanha, a figura da expulsão (judicial) assume no ordenamento nacional a natureza de pena acessória (cfr. artigo 151º da Lei nº 23/2007, de 4 de Julho) e não a de uma pena de substituição (cfr. artigo 89º do Código Penal espanhol) (Reza assim o artigo 89º do Código Penal espanhol: “1. As penas de prisão de mais de um ano impostas a um cidadão estrangeiro serão substituídas pela sua expulsão do território espanhol. Excepcionalmente, quando resulte necessário para assegurar a defesa da ordem jurídica e restabelecer a confiança na vigência da norma infringida pelo delito, o juiz ou o tribunal poderá acordar na execução de uma parte da pena que não poderá ser superior a dois terços da sua extensão, e a substituição do resto pela expulsão do penado do território espanhol. Em todo caso, se substituirá o resto da pena pela expulsão do penado do território espanhol quando aquele aceda ao terceiro grau ou lhe seja concedida a liberdade condicional.

                      2. Quando tiver sido imposta uma pena de mais de cinco anos de prisão, ou várias penas que excedam essa duração, o juiz ou o tribunal acordará a execução de todo ou parte da pena, na medida em que resulte necessário para assegurar a defesa da ordem jurídica e restabelecer a confiança na vigência da norma infringida pelo delito. Nestes casos, se substituirá a execução do resto da pena pela expulsão do penado do território espanhol, quando o penado cumpra a parte da pena que se haja determinado, aceda ao terceiro grau se lhe conceda a liberdade condicional.

                      3. O juiz ou o tribunal resolverá por sentença sobre a substituição da execução da pena sempre que tal (ou isso) resulte possível. Nos demais casos, uma vez declarada a firmeza da sentença, se pronunciará com a maior urgência, prévia audiência ao Fiscal e às demais partes, sobre a concessão ou não da substituição da execução da pena.

                      4. Não procederá a substituição quando, à vista das circunstâncias do facto e às pessoais do autor, em particular o seu arraigo em Espanha, a expulsão resulte desproporcionada.

                      A expulsão de um cidadão da União Europeia somente procederá quando represente uma ameaça grave para a ordem pública ou a segurança pública em atenção à natureza, circunstâncias e gravidade do delito cometido, os seus antecedentes e circunstâncias pessoais.

                      Se tiver residido em Espanha durante os dez anos anteriores procederá a expulsão quando ademais:

                      a) Tiver sido condenado por um ou mais delitos contra a vida, liberdade, integridade física e liberdade e indemnidade sexuais castigados com pena máxima de prisão de mais de cinco anos e se aprecie fundadamente um risco grave de que possa cometer delitos da mesma natureza.

                      b) Tiver sido condenado por um ou mais delitos de terrorismo ou outros delitos cometidos no seno de um grupo ou organização criminal.

                      Nestes supostos será em todo o caso de aplicação o disposto no apartado 2 deste artículo.

                      5. O estrangeiro não poderá regressar a Espanha num prazo de cinco a dez anos, contados desde a data da sua expulsão, atendidas a duração da pena substituída e as circunstâncias pessoais do penado.”) (Suprimem-se ao apartados 6 a 9 por desinteressantes para a ilustração que pretende efectuar.)

                      No entanto, a figura jurídico-penal crismada de expulsão suscita, pelo menos na dogmática mais atenta a questões de direito penal que envolva cidadãos não nacionais ou extracomunitários, aceradas aporias quanto à sua estrutura e, principalmente, quanto ao seu papel e vocação social e ético-jurídica. (Veja-se, com interesse, o estudo de Manuel Câncio Mélia e Mário Maraver Gómez, in Derecho Penal Español Ante la Inmigración: Un Estúdio Politico-Criminal, Revista CENIPEC, 25.2006; Enero-Diciembre, págs. 95-100; e José Muñoz Lorente, “Expulsión del Extranjero como medida substitutiva de las penas privativas de liberdad: El articulo 89º del Código Penal trás la Reforma por la Ley Orgânica 11/2003”, Revista de Derecho Penal y Criminologia, Número Extraordinário 2/2004, págs. 401-482; e Maria Josefa Muñoz, “La Expulsión Penal.Nuevas tendencias legislativas”, Revista Electrónica de Ciência Penal y Criminologia, 16-05, 2014, págs. 1-40).

                      Uma análise estrutural-sistémica do preceito regulador (artigo 151º da Lei nº 23/2007, de 4 de Julho) arrastaria e induziria uma crítica acerada ao modo e forma como o legislador nacional tem entendido a legislação penal relativa a estrangeiros, o que não cabe, naturalmente, no âmbito de uma decisão judicial.

                      No entanto, em jeito de obiter dictum, sempre se dirá que a pena acessória de expulsão, como sequela da prática de um ilícito penalmente punível, se constitui, no ordenamento indígena, como consequência (necessária, mas não automática) da condenação, por um qualquer tipo de crime (doloso), em pena superior a seis meses de prisão efectiva ou com pena de multa em alternativa à pena de prisão superior a seis meses – cfr. artigo 151º da Lei nº 23/2007, de 4 de Julho, com as alterações (avulsas e contingentes que lhe foram sendo introduzidas até à derradeira Lei 28/2019, de 29 de Março).

                      A expulsão, como meio de efectivar/executar uma pena acessória decretada em consequência de uma condenação por crime doloso, surge ao aplicador da lei – mormente ao Juiz de execução de penas – como um dado de facto a que não pode obstar. (cfr. artigo 188-A do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas: “Execução da Pena de Expulsão”: “1 - Tendo sido aplicada pena acessória de expulsão, o juiz ordena a sua execução logo que:

                       a) Cumprida metade da pena, nos casos de condenação em pena igual ou inferior a 5 anos de prisão, ou, em caso de execução sucessiva de penas, logo que se encontre cumprida metade das penas;

                       b) Cumpridos dois terços da pena, nos casos de condenação em pena superior a 5 anos de prisão, ou, em caso de execução sucessiva de penas, logo que se encontrem cumpridos dois terços das penas.”). (No estudo supra citado (apud Josefa Munñoz, La Expulsión Penal, expande a corrente doutrinária que defende “que a pena não é a expulsão mas sim a proibição de regressar ao país por um determinado período de tempo. Assim a expulsão é o meio de execução da verdadeira pena: a privação do direito de residir em determinados lugares ou de a eles acudir” – Izquierdo Escudero, F. J.: “Naturaleza jurídica de la sustitución prevista en el articulo 89 del Código Penal: comentário el auto del Tribunal Constitucional 106/1997, de 17 de abril”, em La Ley: Revista Jurídica española de doctrina, jurisprudência y bibliografia, nº 5, (1997), pág. 1862).

                      Como resulta do citado artigo 188-A do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas, e vem asserido na decisão que determinou a expulsão, a execução da medida de expulsão parece resultar automaticamente da consumação de um período de tempo de execução da pena privativa que haja sido irrogada ao condenado. Isso mesmo parece resultar, de forma incontrastável e peremptória, do normado no nº 4 do artigo 151º da Lai nº 23/2007, de 4 de Julho, quando manda que “sendo decretada a pena acessória de expulsão, o juiz de execução ordena a sua execução logo que cumpridos: a) metade da pena, nos casos de condenação em pena igual ou inferior a cinco anos de prisão; b) dois terços da pena nos casos de condenação em pena superior a cinco anos de prisão.” Diversamente do que acontece em outros ordenamentos, como se deixou expresso supra, a pena de expulsão, mesmo quando ela assume o carácter de pena de substituição, nunca impele ou impõe um automatismo imediatista e incondicional. Antes a lei impõe que o juiz penitenciário se assegure das condições de vivência do estrangeiro no território nacional, das suas conexões familiares, do seu arraigo à comunidade em que se insere, da sua inserção no ambiente sociocultural, etc. No caso do ordenamento português a lei apenas faculta ao julgador a possibilidade de aplicação da sanção, ao estipular no nº 1 do artigo 151º da citada Lei que “a pena acessória pode ser aplicada o cidadão estrangeiro não residente (…)”. A injunção de executoriedade da sanção, sem consideração e atendimento a factores socio-pessoais do condenado conleva a situações de desarraigo e desadaptação social nas comunidades originárias o que é susceptível de traduzir em factor criminógeno e anti-social.

                      Não será, porém, num recurso de revisão a sede adequada para abordar estas e outras questões que emergem de uma aplicação determinista e automática das normas jurídicas.                

                      O recorrente, como parece resultar da oportunidade de interposição do presente recurso de revisão – ele surge após a decisão ditada pelo Juiz de execução de pena de expulsão (cfr. item adrede desta decisão –, propõe-se obviar à decisão expulsão para o país de origem (Cabo Verde) esgrimindo como razões/motivos determinantes o facto de ter vindo para Portugal quando tinha 11 anos de idade, estar inserido no sector do trabalho e, mais actual, a situação de emergência derivada da pandemia ligada ao covid-19que se viverá no país de origem ou ainda o facto de ter solicitado, mediante a entrega do pedido nos serviços de imigração (SEF).

                      Quanto aos dois primevos motivos – tempo de permanência em Portugal e integração no trabalho (da construção civil) – não constituem factos novos. Eles eram conhecidos do recorrente no momento em que a condenação foi operada e poderiam, se é que não o foram, alegados e provados no julgamento.

                      Já quanto ao facto de no país de origem se viver um ambiente de infecção do covid-19, não deixa de ser novo, mas tanto para Cabo Verde como para Portugal ou a Austrália. Pelo menos desde Fevereiro, data em que a comunidade mundial tomou conhecimento da sua existência na China, posteriormente na Itália e a seguir nos demais países. Aliás, segundo os dados oficiais relativos ao dia 26 de Agosto o número de casos em Cabo Verde é incomparavelmente menor em percentagem, e em escala, do que aqueles que acontecem em Portugal. (“De acordo com a atualização feita hoje na página oficial do Governo cabo-verdiano na Internet (covid19.cv), o país passa a contar com um total de 750 casos positivos do novo coronavírus, mais 24 que no sábado.

                      Os novos casos são registados nas ilhas do Sal (9) e em Santiago, distribuídos pelos concelhos da Praia (12) e Santa Cruz (3).

                      Com estes novos dados, o Sal passa a registar um total de 64 casos, enquanto Santiago sobe para 613.

                      Os restantes casos foram diagnosticados nas ilhas de Santo Antão (4), São Nicolau (2), São Vicente (10) e Boa Vista (57).

                      Segundo a mesma página oficial, o país contabiliza 301 doentes dados como recuperados, mais três do que no dia anterior.

                      Também regista seis óbitos e dois pacientes transferidos para os seus respetivos países, tendo neste momento 441 casos ativos.” – Retirado do sítio “Noticias ao Minuto”, em 27 de Agosto. Em Portugal no mesmo dia (26 de Agosto) o número de novas infecções foi de 362 e o número de mortos 4, segundo os dados oficiais publicados. (“Esta quarta-feira, foram registados 362 novos casos de infeção pelo novo vírus, conforme os dados que constam do boletim divulgado pela Direção-Geral da Saúde. A maioria dos casos registou-se na região de Lisboa e Vale do Tejo (214), seguindo-se o Norte (109), Centro (25), Alentejo (oito), Algarve (cinco) e Açores (um). Não houve qualquer novo caso na Madeira.” Hoje: 27 de Agosto: 399 casos e duas (2) mortes. )

                      Daí que não possa este facto ser considerado relevante e muito menos “novo” para efeitos de revisão da sentença.          

                      Já quanto ao “facto novo” de o recorrente ter pedido a regularização da situação em território nacional, não pode constituir-se como novidade susceptível de influenciar a situação de aplicação da pena acessória de expulsão, no momento em que a mesma foi ditada. Nem neste momento, porquanto o facto de ter pedido autorização de residência não é liquido e seguro que ela lhe vá ser concedida. Por outro lado, como se assinala no douto parecer emitido pelo Ministério Público, junto deste Supremo Tribunal de Justiça, a situação extraordinária ocasionada pela declaração do estado de emergência vale para aqueles cidadãos que sendo portadores de documento de autorização válido haviam solicitado a sua renovação. Isto é, vale para aqueles que já se encontrem numa situação (documental) regular e, portanto, com autorização de residência concedida e estabilizada. (Tão só exercício de prognose, duvidamos que o pedido formulado – atenta a situação prisional do condenado – reúna as condições gerais exigidas pelo artigo 77º da Lei nº 23/2007, de 4 de Julho, mormente a inerida nas alíneas g) e i) do nº 1do citado preceito: “ausência de condenação por crime que em Portugal seja punível comp ena privativa de liberdade d duração superior a um ano” – alínea g); “ausência de indicação no Sistema de Informação Schengen”, pelo menos. Ainda que se admita a prorrogativa da derradeira alteração da lei 23/2007, conferida pela Lei nº 28/2019, de 29 de Março, ao artigo 88º do referido diploma regulamentar.)

                      O pedido de autorização de residência por um cidadão estrangeiro condenado e em cumprimento de pena não pode constituir-se como “facto novo” para efeitos da revogação, ou pelo menos alteração, do sancionamento com a pena acessória. Além de que, como se intentou demonstrar, a requesta do pedido de autorização está dependente de requisitos gerais – para além de particulares – que pela sua influência na apreciação do pedido não podem deixar de determinar a respectiva sorte, ou seja a viabilidade ou não da concessão. O requerente não se encontra em situação (documental) regular, nem é seguro que o viesse a estar. Formular um pedido não constitui de per si um facto novo susceptível de abrogar a decisão de expulsão do território nacional. Nem por outro lado a situação geral, se assim se pode dizer do caso do requerente, constitui uma manifesta e flamante situação de injustiça da decisão, no momento em que foi ditada, nem, diga-se, na actualidade. O recorrente dedicou-se num significativo período de tempo que expendeu em território nacional à “rapinice”, “en cresces”, com violência pelo que a aplicação da pena acessória é ajustada, pelo menos enquanto não se demonstrar uma alteração do comportamento e modo de vida que pretende adoptar.


                      §III. – DECISÃO.

                      Na defluência do que foi expendido, acorda este colectivo, na 3ª secção criminal, do Supremo Tribunal de Justiça, em:

                      - Negar o pedido de revisão impetrado pelo condenado, AA;

                      - Condenar o recorrente nas custas do procedimento, fixando a taxa de justiça em 6 Uc´s.


                       Lisboa, 9 de Setembro de 2020

                                 

                      Gabriel Martim Catarino (Relator)


                      Manuel Augusto de Matos

                      António Pires da Graça


                      (Declaração nos termos do artigo 15º-A da Lei nº 2072020, de 1 de Maio: O acórdão tem a concordância do Exmo. Senhor Juiz Conselheiro adjunto, Dr. Manuel Augusto de Matos, não assinando, por a conferência se haver realizado por meios de comunicação à distância.)