Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
74/18.8YFLSB
Nº Convencional: SECÇÃO DO CONTENCIOSO
Relator: ALEXANDRE REIS
Descritores: CLASSIFICAÇÃO DE SERVIÇO
MOVIMENTO JUDICIAL
INTERPRETAÇÃO
COLOCAÇÃO DOS JUÍZES DE DIREITO
RECLAMAÇÃO HIERÁRQUICA
IMPUGNAÇÃO
SUSPENSÃO DA EFICÁCIA
AUDIÊNCIA PRÉVIA
REQUISITOS
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
BOA FÉ
PRINCÍPIO DA CONFIANÇA
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
PRINCÍPIO DA IMPARCIALIDADE
INAMOVIBILIDADE DOS MAGISTRADOS JUDICIAIS
CONSTITUCIONALIDADE
SANÇÃO DISCIPLINAR
TRANSFERÊNCIA
JUIZ
RECURSO CONTENCIOSO
DELIBERAÇÃO DO PLENÁRIO DO CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
Data do Acordão: 05/08/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO CONTENCIOSO
Decisão: IMPROCEDENTE
Área Temática:
DIREITO ADMINISTRATIVO – ACTIVIDADE ADMINISTRATIVA / ACTO ADMINISTRATIVO / VALIDADE DO ACTO ADMINISTRATIVO / RECLAMAÇÃO E RECURSOS ADMINISTRATIVOS / RECURSO HIERÁRQUICO.
DIREITO CONSTITUCIONAL – ORGANIZAÇÃO DO PODER POLITICO / ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA / COMPETÊNCIA / TRIBUNAIS / ESTATUTO DOS JUÍZES.
Doutrina:
- Fernando Gonçalves, Manuel João Alves, Victor Manuel Freitas Vieira, Rui Miguel Gonçalves, Bruno Correia e Mariana Violante Gonçalves, Novo Código do Procedimento Administrativo, Anotado e Comentado, 5.ª ed., Coimbra: Almedina, 2017, p. 324;
- Henriques Gaspar, discurso in www.stj.pt, em homenagem a Fernandes Thomaz e proferido na Figueira da Foz em 24 de Agosto de 2017, advertiu: «O século XIX construiu o princípio da separação de poderes, que as catástrofes da primeira metade do século XX enfraqueceram; o pós-guerra renovou e reconstruiu o princípio, que as constituições modernas das democracias consolidaram como constitutivo do Estado de direito. Mas os princípios constitutivos e fundadores da democracia e do Estado de direito nunca estão garantidos.»;
- Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo III Coimbra Editora, 2007, p. 590;
- Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e Pacheco de Amorim, Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2.ª ed., Almedina, p. 455.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO (CPA): - ARTIGOS 121.º E 172.º.
LEI DA ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA JUDICIÁRIO (LOSJ): - ARTIGO 183.º, N.º 5.
ESTATUTO DOS MAGISTRADOS JUDICIAIS (EMJ): - ARTIGOS 39.º E 93.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 164.º, ALÍNEA M) E 215.º.
AVISO (EXTRATO) N.º 6475-A/20018, PUBLICADO NO DR, 2.ª SÉRIE, DE 15-05-2018
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 15-03-2012, PROCESSO N.º 92/11.7YFLSB;
- DE 16-12-2014, PROCESSO N.º 24/14.0YFLSB;
- DE 23-02-2016, PROCESSO N.º 103/15.7YFLSB;
- DE 25-05-2016, PROCESSO N.º 55/14.0YFLSB;
- DE 26-10-2016, PROCESSO N.º 106/15.1YFLSB;
- DE 23-01-2018, PROCESSO N.º 46/17.0YFLSB, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 23-01-2018, PROCESSO N.º 43/17.5YFLSB, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 23-01-2018, PROCESSO N.º 47/17.8YFLSB, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 28-02-2018, PROCESSO N.º 78/17.8YFLSB, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 28-06-2018, PROCESSO N.º 42/17.7YFLSB, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 22-08-2018, PROCESSO N.º 40/18.3YFLSB;
- DE 22-01-2019, PROCESSOS N.º 65/18.0YFLSB, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 21-03-2019, PROCESSO N.º 73/18.0YFLSB), IN WWW.DGSI.PT.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

- ACÓRDÃO N.º 620/2007, DE 20-12-2007.
Sumário :

I - Dispõe o art. 121.º do CPA que os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, abarcando esse direito a comunicação sobre o sentido provável da decisão, embora este não seja vinculativo para a administração e não releve em sede de boa-fé.
II - Sob pena de não se garantir a igualdade de tratamento de todos os juízes com requisitos idênticos, face aos dados re1evantes disponíveis e actualizados na mesma data, em princípio, o movimento de juízes, como qualquer outro acto administrativo, deve ter em conta, na data da sua efectivação, os dados actuais e definitivamente vinculantes para a própria entidade que o pratica, entre os quais se incluem, no que ao CSM respeita, os resultantes das suas próprias deliberações em Plenário, que não são susceptíveis de reclamação (hierárquica), mas apenas de impugnação judicial, a qual, no entanto, não suspende a eficácia do acto recorrido.
III - Segundo tudo indica, com o que está escrito na deliberação de 10-05-2018, concretizada no ponto n.º 19 do Aviso (extrato) n.º 6475-A/20018, publicado no DR, 2.ª série, de 15-05-2018, o CSM socorreu-se dos termos "reclamação" e "impugnação" com o seu sentido correntemente adquirido pela generalidade dos que eram os destinatários do Aviso (os juízes dos tribunais judiciais de 1.ª instância), ou seja, no sentido de deliberação ou homologação de propostas de notação que não tivessem suscitado contradita de qualquer espécie por parte do visado, no âmbito dos procedimentos inerentes à actuação do próprio Órgão.
IV - Quando, em 06-02-2018, foi atribuída à Autora a notação que determinou a perda dos requisitos exigidos pelo art. 183.º da LOSJ para o lugar em que se encontrava colocada não estava em curso, sequer, a preparação pela secretaria de todas as operações tendentes à prática do acto pelo Órgão (previstas pelo citado art. 39.° do EMJ), nem, muito menos, «o movimento judicial seguinte» à atribuição da notação, que viria a ser decidido no posterior dia 11-07 desse ano, pelo que, sob esse prisma, aquela perda produziu efeitos «no movimento judicial seguinte» e os princípios da tutela da confiança, da igualdade, da proporcionalidade e da boa-fé permaneceram incólumes.
V - Reitera-se que a deliberação atributiva de classificação a um juiz tomada pelo Plenário do CSM é, realmente, definitiva para o próprio Órgão e não passível de reclamação, devido à lógica inerente à estrutura e à natureza deste, mas, podendo ser impugnada judicialmente pelos por ela visados, apenas no apontado sentido se reveste de inevitabilidade, uma vez que a eventual decisão judiciai da sua anulação, proferida no âmbito da sua impugnação, sempre imporá a prática dos actos necessários à reposição do statu quo ante (art. 172° do CPA).
VI - Posto isto, no caso concreto, não se vislumbra em que medida é que a deliberação impugnada, ao atender à classificação anteriormente atribuída pelo Plenário do CSM, aliás, inteiramente conforme à prática consolidada do Órgão desde havia muitos anos, teria colidido com o princípio da tutela da confiança, ou com qualquer outra vertente do princípio da boa-fé.
VII - A inamovibilidade do juiz, constitucionalmente imposta para assegurar a independência e esta para garantir a imparcialidade, não é um princípio absoluto e daí que se compreenda que o legislador adopte medidas adequadas a garantir que a prestação do juiz em determinados lugares mantenha o nível de qualidade conciliável com a classificação que a afectação ao seu desempenho pressupôs.
VIII - Nomeadamente que, para tanto, consagre a regra estatutária da perda do lugar como efeito da perda dos requisitos que já se encontrassem positivados no ordenamento jurídico para a nomeação, medida que, não deixando ao CSM qualquer margem de discricionariedade ou subjectividade, não derroga, desproporcionadamente, princípios fundamentais aplicáveis aos juízes, como é o da inamovibilidade.
IX - Do princípio da unicidade estatutária, plasmado no art. 215.° da CRP, decorre que a todos os juízes que formam o corpo único dos titulares dos tribunais judiciais se aplica um só estatuto próprio - com o valor reforçado imposto ao legislador ordinário pelo art. 164.°, al. m), da CRP -, mas não, necessariamente, que as normas que o compõem constem de um único diploma, ou que no mesmo não possa ser feita remissão para normas estatutárias extravagantes, quer expressa quer implicitamente, como é de considerar a feita para a norma do art. 183.º, n.º 5, da LOSJ.
X - A sujeição a movimentação obrigatória de um juiz que tenha perdido os requisitos exigidos para o lugar em que está colocado, visando o objectivo de assegurar uma administração da justiça qualitativamente superior, não pode ser encarada como uma sanção disciplinar de transferência, aplicada sem processo, por não lhe corresponderem o estigma e as consequências para a carreira do juiz inerentes a essa sanção, que necessariamente decorre da comprovação do cometimento de grave infracção que implique a quebra do prestígio exigível ao magistrado para que possa manter-se no meio em que exerce funções (art. 93.° do EMJ).
XI - Sabendo-se que no nosso ordenamento jurídico há muito se estabelece o requisito da classificação mínima de serviço para acesso e promoção a tribunais e sendo a compressão do principio da inamovibilidade desencadeada pela mencionada movimentação obrigatória proporcionada à finalidade prosseguida pelo legislador, pela mesma ordem de razões, não se vê como reputar de merecedora de tutela ou, até, que seja razoável a expectativa que um Juiz acalente de poder permanecer num tribunal/juízo para o qual deixou de ter a classificação exigida.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (Secção do Contencioso) ([1]):

AA, Juíza ..., intentou esta acção administrativa de impugnação contra o Conselho Superior da Magistratura (CSM), pedindo que seja declarada nula ou, pelo menos, anulada a sua deliberação – que disse ser de 3‑07‑2018 –, respeitante à aprovação do “Movimento Judicial Ordinário de 2018”.

Sustenta, em suma, que a deliberação violou o princípio da audiência prévia, o ponto 19 do Aviso do MJO2018, o princípio da legalidade (artigo 183º nº 5 da LOSJ), os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da boa-fé e da tutela da confiança e os princípios da unicidade estatutária, da inamovibilidade e da independência dos juízes, para além de a perda do lugar constituir um sanção disciplinar ilegalmente aplicada.

O R contestou, invocando a inexistência do objecto da impugnação porque na data referida pela A (3-07-2018) apenas foi publicitado um projecto de “Movimento Judicial Ordinário”, sendo a aprovação deste tomada por deliberação de 11-07-2018, e concluindo, à cautela, pela improcedência da pretensão formulada pela A.

 Foram produzidas alegações pela A, pelo R e pelo Ministério Público.

Nesta sede, invocando os arts. 84º nº 1 do CPTA e 195º nº 1 do CPC, a A arguiu a nulidade decorrente de o R não ter juntado aos autos o processo administrativo, como havia requerido na PI, «já que pode influir no exame ou na decisão da causa».


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Cumpre apreciar e decidir as questões suscitadas pela A.

Previamente, porque se alcança da substância da matéria alegada na petição que a deliberação cuja impugnação a A visa foi realmente tomada em 11-07-2018, defere-se a sua pretensão rectificativa, consignando-se ser essa a data da mesma, com a consequente improcedência da excepção deduzida pelo R, sem que se imponham mais considerandos sobre o assunto.

Por outro lado, também improcede a arguição pela A da nulidade advinda da falta de junção do processo administrativo, uma vez que essa irregularidade – tal como está regulada, especificamente, pelo art. 84º do CPTA – apenas daria lugar a que os factos alegados na PI se considerassem provados, se tivesse «tornado a prova impossível ou de considerável dificuldade». Ora, neste caso, esse putativo efeito é inócuo porque se mostra incontroversa a factualidade aduzida pela própria demandante e a decisão da causa não reclama o exame de qualquer outra.


*

Relevam os seguintes elementos fácticos extraídos dos autos:
a) Por deliberação do Plenário do CSM de 6-02-2018, foi julgada improcedente a reclamação apresentada pela A, então notada de “bom com distinção”, e, em consequência, a sua prestação funcional no período compreendido de 07-09-2012 a 31-01-2017 foi classificada de “suficiente”.
b) Essa deliberação, não tendo sido requerida a suspensão da sua eficácia, foi impugnada judicialmente em 14-03-2018, mediante acção que ainda corre termos, sem decisão, no STJ sob o nº 18/18.7YFLSB.
c) Conforme aviso publicado no Diário da República, 2ª série, de 15-05-2018, o CSM deliberou realizar o “Movimento Judicial Ordinário” na subsequente sessão do seu Plenário de 11-07-2018, subordinado, nomeadamente, aos seguintes termos e critérios:
«(...) 19) As notações a considerar no âmbito do processamento do presente movimento judicial, são as que estiverem em vigor, forem deliberadas ou homologadas, sem reclamação ou impugnação dos interessados, à data da sessão do Conselho Plenário e Permanente Ordinário de 12 de junho de 2018, sendo igualmente esta a data a considerar nos termos e para os efeitos previstos no artigo 183º da LOSJ, designadamente para contabilização da antiguidade e da aferição da perda de requisitos a que alude o nº 5 deste artigo.
20) Os juízes que se encontrem na situação a que alude o nº 5 do artigo 183º da LOSJ deverão apresentar requerimento ao presente movimento judicial.
(...) 23) Não são, todavia, renovados, os destacamentos de juízes auxiliares colocados há 2 ou mais anos em Instâncias Centrais (atuais juízos de competência especializada Central Cível, Central Criminal, de Instrução Criminal, de Trabalho, de Família e Menores, de Execução, de Comércio), em Tribunais de Competência Territorial Alargada e em Juízos Locais especializados, que não reúnam os requisitos de tempo de serviço e notação previstos no nº 1 e 2 do artigo 183º da LOSJ.
(...) 33) O prazo para o envio dos requerimentos eletrónicos inicia-se na data de publicação do presente aviso no Diário da República e termina no dia 31 de maio de 2018».
(...) 35) O prazo de envio dos requerimentos de desistência termina dia 11-06-2018.
d) Em 30-05-2018, foi divulgado um despacho do Vice-Presidente do CSM de 29‑05‑2018 com o seguinte teor (extracto):
«1. A aprovação da notação, independentemente da proximidade do movimento judicial, obedece sempre à tramitação prevista no Regulamento dos Serviços de Inspeção do CSM (…) aqui se prevendo – art. 17.º, n.º 8 – a possibilidade do inspecionado se pronunciar quanto ao seu relatório inspetivo, sendo que, caso se preveja alteração da notação proposta no relatório inspetivo, é sempre cumprida a audição prévia do inspecionado, a qual tem lugar no processo tendente à aprovação da notação, inexistindo qualquer audição adicional quanto aos efeitos da notação que resultem da lei.
2. A aprovação da notação e a perda do lugar nunca ocorrem em simultâneo, porquanto a última notação a considerar será a que estiver em vigor, for deliberada ou homologada, sem reclamação ou impugnação dos interessados, até à data de 12-06-2018, enquanto a aprovação do projeto do movimento judicial (incluindo perdas de lugar) só ocorrerá em 11-07-2018;
3. Contudo, porque da sequência de datas (termo do prazo para apresentação de requerimento para movimento – 31-05-2018 – e termo do prazo para envio de requerimento de desistência – 11-06-2018) poderá resultar um obstáculo para os magistrados que se vejam colocados na situação a que alude o art 183.º, n.º 5, da LOSJ, (…), atenta a urgência do prazo em curso, foi autorizada a admissão de requerimentos de desistência do MJO 2018, que sejam apresentados pela via prevista, até às 23.59 h. do dia 14-06-2018.
4. Mais se informa que, em qualquer caso, serão admitidos requerimentos condicionais, nas situações passíveis de verificação da perda de requisitos a que alude o artigo 183.º, n.º 5, da LOSJ devendo, para o efeito, os Magistrados interessados apresentar requerimento genérico, através do JUDEX, no prazo para apresentação de requerimento ao Movimento Judicial, manifestando o carácter condicional do respetivo requerimento ao Movimento.»
e) Em conformidade com um primeiro projecto do MJO2018 publicado em 25‑06-2018, a A seria (obrigatoriamente) colocada no Juízo de Instrução Criminal da Comarca ....
f) Em 26-06-2018, a A reclamou desse projecto, alegando que a sua notação de “suficiente” se encontrava impugnada (p. 18/18.7YFLSB) e que, por via disso e nos termos do art. 128º, nº 2, do CPTA e ponto 19 do Aviso de Movimento, aquela notação não podia ser considerada para efeitos do MJO de 2018, requerendo que a referida transferência fosse retirada.
g) Em conformidade com a 2ª versão do projecto do MJO2018 publicada em 27‑06‑2018, a A seria (obrigatoriamente) destacada como auxiliar para o Juízo de Execução do ... e Juízos de Competência Genérica de ... e ..., da Comarca da ....
 h) Em 28-06-2018, a A também reclamou dessa 2ª versão do projecto, com base nos mesmos fundamentos da reclamação apresentada em 26-06-2018.
i) Entretanto, em 9-07-2018, face à versão consolidada do projecto do MJO 2018 publicada no site do CSM, prevendo a sua colocação no Juízo de Competência Genérica da .., a A, ao abrigo do disposto no artigo 44º, nº 1, do EMJ, requereu ao CSM a sua colocação em Tribunal situado na área da sua residência, por período não inferior a dois anos, à semelhança do que disse saber ter acontecido em casos análogos no âmbito do MJO de 2017, com base nos fundamentos seguintes:
«Sem prejuízo das reclamações oportunamente apresentadas à 1ª e 2.ª versão daquele Projeto do Movimento judicial, no que à sua colocação diz respeito, vem requerer, ao abrigo do art. 44.º, n.º1, do Estatuto dos Magistrados Judiciais, que a sua colocação se faça em lugar que não a obrigue a deixar a sua morada, sita na cidade do Porto, onde reside há quase 30 anos, nem a obrigue ao afastamento do seu agregado familiar, constituído pelo seu marido e dois filhos, de 21 e 19 anos de idade, respectivamente, os quais frequentam estabelecimentos de ensino superior localizados também na cidade do Porto, já que tal representaria um enorme prejuízo pessoal e familiar, potenciando o agravamento do seu estado de saúde, que obriga a acompanhamento médico psiquiátrico regular por padecer de depressão major, e uma vez que o seu filho mais velho necessita também do seu acompanhamento diário por motivos de saúde, sob pena de agravamento sério da sua situação clínica
j) Por deliberação do Plenário do CSM de 11-07-2018, de que a A foi notificada em 20‑07-2018, as reclamações referidas em f) e h) foram indeferidas pelos seguintes fundamentos:
«A referência constante do ponto 19) do Aviso n.ºs 6475-A/2018 (Movimento Judicial Ordinário de 2018) – que é idêntica à que constava dos avisos dos Movimentos dos anos anteriores (ponto 20) do Aviso do MJO2017; ponto 16) do Aviso do MJO2016; ponto 15) do Aviso do MJO2015 e ponto 32) do Aviso do MJO2014) – não afecta a produção de efeitos da notação atribuída antes de 12-06-2018, reportando, antes, que a impugnação ou reclamação ocorridas ou que venham a ocorrer no decurso do processamento do movimento, não afectam a consideração da notação que produza os seus efeitos na data mencionada em tal ponto 19). É o que sucede com a notação da reclamante.
E consta do ponto 42) do Aviso o seguinte: «Considerando o elevado número de juízes se prevê sejam abrangidos pela presente deliberação e a circunstância de que, o não prosseguimento da execução dos atos correspondentes ao presente MJO implicaria um grave prejuízo para a colocação dos magistrados judiciais nos tribunais e juízos e para o normal funcionamento destes, o Plenário do Conselho Superior da Magistratura delibera declarar de manifesto e imperioso interesse público a execução da mesma e daquelas que, dando execução à mesma, se lhe sucedam».
Em face desta menção, nem a impugnação contenciosa deduzida pela reclamante, nem a suspensão de eficácia requerida pela ASJP têm o condão de obstar à execução do processamento do movimento e, mediatamente, à colocação operada e resultante de tal processamento. E, designadamente, a suspensão de eficácia requerida não produzirá, assim o efeito constante do art. 128.º, n.º 1, do CPTA
l) Pela deliberação (ora impugnada) do Plenário do CSM de 11-07-2018, a A foi obrigatoriamente desafectada do Juízo Local Cível do Porto e colocada no Juízo de Competência Genérica da ..., da Comarca dos ....
m) O pedido referido em i) foi deferido por despacho do Vice-Presidente do CSM de 13‑07-2018 com o seguinte teor (extracto):
«(...) 1.2. Na ponderação do ora requerido teve-se em consideração que na atual versão da proposta de lei que visa alterar o EMJ (Proposta de Lei n.º122/XIII, disponível em http://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/páginal/DetalheIniciativa.aspx?BID=42400) consta do art.45.º, n.º 6, relativamente à perda de requisitos a seguinte redação:
“6 -Nos caso de perda dos requisitos exigidos pelos n.ºs 1 e 2, o lugar será posto a concurso no movimento judicial seguinte, exceto se o juiz requerer de imediato a sua nomeação como interino, caso em que se considerará o lugar provido dessa forma até à conclusão de inspeção extraordinária a realizar ao serviço prestado como interino no período de dois anos”.
A norma projetada não impedindo à luz do normativo atualmente em vigor a perda do lugar, permite projetar um entendimento de dilação de efeitos no tempo. Assim, entende-se que deverá prolongar-se a aplicação de uma medida de gestão de exceção às situações ocorridas em ambos os referidos movimentos.
(...) 2.1. Solicita a requerente que a sua colocação se faça em lugar que não a obrigue a deixar a sua morada, sita na cidade do ..., onde reside há quase 30 anos.
Mais alega que tem o marido e dois filhos (21 e 19 anos) que frequentam estabelecimentos do ensino superior na mesma cidade.
Alega ainda que padece de depressão major e que é sujeita a acompanhamento médico psiquiátrico.
Não juntou qualquer elemento documental.
Solicita a sua colocação perto de casa por período não inferior a dois anos.
2.2. Na apreciação da situação em causa cumpre notar que a Juiz de Direito em causa foi movimentada obrigatoriamente em virtude da perda de lugar, ao abrigo do art.183.º, n.º5, da LOSJ.
Na aplicação deste preceito, e considerando a sua introdução pela lei n.º 40-A/2016, de 22 de Dezembro, foram consideradas várias possibilidades, conforme consta do procedimento n.º 2017/DSQMJ/018S.
Entre outros pontos foram considerados relevantes, para efeitos do art.44.º, n. º1, do EMJ, os requerimentos apresentados pelos magistrados afectados.
Nestes termos propõe-se a manutenção do critério, sendo de aplicar uma medida de gestão.
O Exmo. Sr. Vogal da área propõe a sua afectação ao lugar onde se encontra colocada.
3. Pelo exposto, defiro ao requerido reafectando a Ex.ma Senhora Juiz ao Quadro Complementar da área das Relações do Porto e Guimarães, sem prejuízo de a reafectação poder ser alterada por imperiosa conveniência de serviço desde que acautelados as circunstâncias que justificaram a afectação, a qual cessará quando cessar o motivo que lhe deu causa e, em qualquer caso, com o próximo movimento judicial, sem prejuízo da apresentação de novo requerimento

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O direito.

De harmonia com o nosso actual ordenamento jurídico-positivo e o entendimento que dele tem sido perfilhado, em princípio, a acção impugnatória que seja interposta de deliberação do CSM é um processo de mera legalidade e não de jurisdição plena, que visa a declaração de nulidade ou a anulação da deliberação, com base no inadimplemento de normas e princípios jurídicos a que aquele órgão está sujeito, mas já não que o STJ se substitua àquele, no uso dos respectivos poderes e prerrogativas, ou que modifique um acto que se tem como lesivo de direitos e interesses legalmente protegidos (cf. arts. 3º, nº 1, 50º e 95º, nº 3, todos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA ([2])), ex vi arts. 168º, nº 5 ([3]), e 178º ([4]) da Lei 21/85) ([5]).

Todavia, é de admitir uma interpretação actualista das normas dos citados arts. 168º, nº 5, e 178º da Lei 21/85: quando estas entraram em vigor, o regime dos trâmites dos recursos de contencioso administrativo para impugnação das decisões e deliberações definitivas e executórias dos membros do Governo, interpostos directamente para o STA, eram os do Regulamento desse Tribunal (aprovado pelo DL nº 41 234, de 20/8/1957), mas, hoje, se o art. 24º, nº 1, do ETAF (Lei nº 13/2002, de 19/2) contém disposição de alcance idêntico quanto à competência (directa) do STA para a impugnação dos actos do Governo, o certo é que, à luz do CPTA, deixou de estar prevista uma diferença de tramitação da ação administrativa em lª instância, quer a respectiva competência seja dos tribunais administrativos, quer, directamente, da lª Secção do STA.

Nessa senda e sem perder de vista a limitação posta pela linha traçada pelos citados arts. 3º, nº 1, 50º e 95º, nº 3, todos do CPTA, ex vi arts. 168º, nº 5, e 178º da Lei 21/85, entendemos que, por força do disposto no art. 191º (conjugado com o estipulado no seu art. 192º ([6])), a remissão feita na norma (especial) daquele art. 178º para o regime do recurso do contencioso de anulação de actos administrativos considera-se feita para o regime da acção administrativa, cuja tramitação está regulada nos artigos 37º e ss. do CPTA.

1. O princípio da audiência prévia.

Sustentou a A que o CSM formou a sua decisão de 11-07-2018 sobre o MJO2018 sem ter atendido ao contributo das (duas) reclamação(ões) que apresentou ao(s) projeto(s) do mesmo, uma vez que, se o tivesse feito, o seu lugar de efectiva no Juízo Local Cível do Porto não estaria em causa nem, consequentemente, seria colocada no Juízo de Competência Genérica da ... (...), dado que a sua notação de “suficiente”, considerada para efeitos do MJO 2018, fora objecto de impugnação, não sendo por isso definitiva.

O CSM contra-argumentou com a inexistência no procedimento classificativo de qualquer audição sobre os efeitos da notação resultantes da lei, para além da possibilidade de o inspeccionado se pronunciar quanto ao relatório inspectivo, prevista no art. 17º, nº 8, do Regulamento dos Serviços de Inspeção do CSM.

Vejamos.

O direito a audiência dos interessados previamente à tomada de decisões administrativas susceptíveis de contender com os seus interesses está constitucionalmente previsto no art. 267º nº 5 da CRP ([7]) e tem a sua consagração na lei ordinária, mormente no art. 12º, do CPA ([8]) sob a epígrafe «princípio da participação», e no art. 121º, do CPA, sob a epígrafe «direito de audiência prévia».

Conforme defendem Jorge Miranda e Rui Medeiros ([9]) «[u]m dos aspectos mais relevantes da norma constitucional é a imposição ao legislador de que as decisões administrativas sejam tomadas com a participação dos destinatários e de outros sujeitos directamente interessados. Constitui um corolário da ideia, também presente no n.º 1 deste artigo, de que num Estado de Direito Democrático os cidadãos não podem ser reduzidos ao estatuto de meros destinatários passivos das actuações de uma Administração omnisciente e omnipotente. Por isso, ressalvados os casos de impossibilidade ou de inutilidade dessa participação, será inconstitucional a norma que não preveja uma fase pré-decisória em que seja dada ao interessado a oportunidade de se pronunciar, fundadamente, sobre o conteúdo projectado para a decisão

Dispõe o art. 121º do CPA que os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta.

Conforme defende Fernando Gonçalves ([10]), «[a] audiência prévia do interessado permite o exercício do contraditório, verdadeiro pilar do estado de Direito Democrático e da concepção político-constitucional das relações entre a administração e o cidadão, consubstanciando a concretização do princípio da participação plasmada no art. 267.º, n.ºs 1 e 5, da CRP. O administrado é ouvido antes de ser proferida a decisão, devendo ser-lhe concedida efectiva possibilidade não apenas de ter uma participação activa como os seus argumentos ser tidos em conta na ponderação que leva à decisão a proferir pela administração.»

Acresce que o legislador previu que a audiência pudesse ser exercida com a comunicação sobre o sentido provável da decisão – que, todavia, não é vinculativa para a administração, nem quanto ao sentido a tomar, nem em sede de boa-fé indemnizatória ([11]).

Revertendo ao caso concreto.

 Conforme consta do aviso do movimento judicial ordinário para 2018 (n.º 6475-A/2018, de 15.05), o CSM anunciou a sua realização, definindo os critérios em que o mesmo se iria processar e publicitou as vagas previsíveis.

Na sequência do que constava nesse aviso, o CSM deu a conhecer aos interessados, em 25-06-2018, uma 1.ª versão (provável – não definitiva) do projecto de MJO2018 e, em 27-06-2018, uma sua 2.ª versão.

Ou seja, o CSM deu a conhecer aos juízes (interessados), previamente à decisão (aprovação definitiva do MJO2018), o sentido provável (não vinculativo) do movimento judicial ordinário de 2018, para que estes se pudessem pronunciar. Por isso, com o procedimento adoptado na preparação do movimento judicial ordinário (2018), o CSM deu cumprimento ao direito de audiência prévia dos interessados, imposto no art. 121.º, do CPA.

Perante aquelas duas versões de projecto do movimento, a A apresentou duas reclamações (em 26-06-2018 e 28-06-2018, respectivamente), aduzindo em ambas argumentos que, essencialmente, se baseavam no facto de a sua notação de “suficiente” se encontrar judicialmente impugnada (p. 18/18.7YFLSB), tendo defendido que, por via disso e nos termos do art. 128.º, n.º 2, do CPTA, e do ponto 19 do Aviso de Movimento, a referida transferência (colocação obrigatória) deveria ser retirada do projeto de MJO2018 por aquela notação não estar em vigor e não poder ser considerada para efeitos do MJO de 2018.

Ou seja, a A até efectivou o exercício do seu direito a audiência prévia, pronunciando-se sobre o sentido provável da decisão quanto à perda de requisitos e sua colocação obrigatória no movimento.

Ainda assim, a A defende que não lhe foi conferido o efectivo direito de audiência prévia porque o CSM deliberou a versão definitiva do MJO2018 sem ter em consideração os argumentos utilizados pela A nas suas duas reclamações.

Mas não lhe assiste razão porque, como se constata pelo extrato das deliberações da sua sessão plenária de 11-07-2018, o CSM aprovou as propostas relativas às reclamações apresentadas e, também, a apresentada pelo Juiz-Secretário contida na versão consolidada do projecto do MJO2018 (publicitada em 03-07-2018).

 Com efeito, sendo verdade que em 03-07-2018 foi publicitada pelo CSM uma versão (consolidada) do projecto de MJO2018 – em conformidade com a qual a A seria colocada nos ... –, não se pode ignorar que essa versão, apesar de consolidada, não passou de um projecto de decisão que só emergiu como tal com a aprovação da mesma pelo Conselho Plenário do CSM em 11-07-2018: só por força dessa deliberação, tomada depois de consideradas improcedentes as reclamações apresentadas pela A, esta foi colocada nos ....

Assim, o MJO2018 foi aprovado pelo CSM em função do efectivo exercício do direito de audiência prévia da A: na sua sessão plenária de 11-07-2018, o Órgão veio a aprovar o movimento, depois de ter ponderado os argumentos aduzidos nas reclamações apresentadas pela A e decidido indeferi-las.

Cumpre apenas salientar que, ao contrário do defendido pela A, não foi nos fundamentos/contributos das reclamações apresentadas pela A em 26/06 e 28/06 que se estribou a decisão tomada pelo Vice-Presidente do CSM em 13-07-2018 de a colocar no “Quadro Complementar “ da área das Relações do Porto e Guimarães.

O fundamento/argumento dessas reclamações radicou na impossibilidade de o lugar da A ser sujeito a movimento, por ter sido impugnada judicialmente a deliberação que lhe atribuíra a notação de “suficiente”, a qual, por isso, não sendo definitiva, não estaria em vigor. Diferentemente, o aludido despacho do Vice-Presidente do CSM fundou-se, essencialmente, na projectada intenção de alteração do art. 45º nº 6 do EMJ, plasmada na proposta de lei n.º 122/XIII [cf. al. m) dos factos assentes] e no entendimento de que esse mero projecto, embora não impedisse a perda do lugar, à luz do quadro normativo então em vigor, legitimaria uma dilação de efeitos no tempo, permitindo que se prolongasse a aplicação de uma medida excepcional de gestão a situações de perda dos requisitos.

Por tudo o exposto, inexiste violação do direito de audiência prévia na aprovação do MJO2018, tomada na sessão Plenária do CSM de 11-07-2018.

2. O “ponto 19 do Aviso” e os princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da boa-fé e da tutela da confiança.

A A impugna a sua movimentação por perda de requisitos, uma vez que esta apenas adveio com a notação de “suficiente” que lhe fora atribuída por deliberação do CSM de 06-02-2018, que, no entanto, tendo sido impugnada junto deste Supremo Tribunal a 14-03-2018 (p. 18/18.7YFLSB), não deveria ter sido considerada para efeitos do MJO2018, atento o ponto 19 do respectivo “Aviso”. Sustenta que a interpretação que o CSM fez do critério contido no aludido item é manifestamente ilegal, violando o princípio da proteção da confiança ínsito no princípio do Estado de Direito (art. 2º da CRP), porquanto, sendo a sua notação objecto de impugnação e portanto não definitiva, a sua consideração para efeitos do MJO de 2018 impediu-a de reclamar ou impugnar eficazmente, porque, ainda que o tenha feito, tal não obstou à sua colocação noutro lugar, por força de uma alteração não definitiva.

Entende a A que a deliberação impugnada também violou o art. 183º da LOSJ, ao atribuir reflexos à perda de requisitos no movimento judicial “em curso”, como no caso sucedeu, quando, nos termos previstos nesse normativo, os efeitos de tal perda só se produziriam «no movimento judicial seguinte», respeitando o princípio da tutela da confiança.

E também defende que a deliberação impugnada é atentatória dos princípios da igualdade, proporcionalidade e da boa-fé porque: i) coloca a A numa posição igual aos demais candidatos quando, na verdade, por imposição, quer dos parâmetros fixados no “Aviso”, quer do disposto no nº 5 do art. 183º da LOSJ, não o deveria fazer no Movimento Judicial de 2018; ii) a posição jurídica da A é gravemente afectada, atendendo a que a notação ainda não é definitiva, pelo que a que a notação a ter em consideração seria a notação de “bom com distinção”; iii) a interpretação do CSM sobre o ponto 19 do “Aviso” e nº 5 do art. 183º da LOSJ, coarctando à A o seu direito de reclamar ou impugnar, é reveladora de falta de vinculatividade da actuação administrativa.

No entanto, a tese da A não tem apoio no regime legal dos movimentos judiciais, tal como este emerge dos arts. 38º e 39º do EMJ (Lei nº 21/85, de 30/7), nem nos princípios que conclama.

Em conformidade com o disposto no art. 17.º do Regulamento dos Serviços de Inspeção do Conselho Superior da Magistratura, o processo inspectivo contempla uma entrevista final onde o inspeccionado é informado da notação que irá ser proposta pelo inspector (n.º 5). Elaborado o relatório (n.º 7), este é notificado ao inspeccionado para poder juntar elementos e/ou requerer as diligências que entender (n.ºs 8 a 10). Em qualquer caso, a proposta de notação contida no relatório que seja elaborado no termo do processo inspectivo – sempre notificado ao interessado – é apresentada ao CSM, a cujo Conselho Permanente cabe a deliberação sobre classificação de serviço de juízes de 1ª instância [nos termos do arts. 151.º, al. d), e 152.º, n.º 2, da Lei 21/85].

Da decisão do Conselho Permanente cabe reclamação, com efeito suspensivo, para o Plenário do Conselho Superior da Magistratura (cf. arts. 165.º, e 167-A, ambos da Lei 21/85). Uma vez tomada a decisão pelo Plenário, esta pode ser objecto de impugnação perante o Supremo Tribunal de Justiça, embora sem efeito suspensivo (cf. arts. 168.º, e 170.º, da Lei 21/85).

Portanto, as classificações atribuídas em Conselho Permanente do CSM, se forem objecto de reclamação (hierárquica), não têm “força de caso decidido”, uma vez que essa reclamação tem efeito suspensivo. Já as decididas em Plenário podem ser executadas imediatamente, ainda que não tenham atingido a estabilidade inerente à força de caso decidido, o que sucede se tiverem sido objecto de impugnação judicial perante o STJ (art. 168º da Lei nº 21/85) ou ainda não tiver decorrido o respectivo prazo: dado o efeito não suspensivo da impugnação, o acto administrativo produzirá logo efeitos, que, todavia, serão suspensos se vier a ser decretada pelo STJ (o Tribunal competente para a impugnação) a suspensão da sua eficácia, requerida pelo interessado (art. 170º da Lei nº 21/85).

Se, em princípio, assim é, admite-se que da interpretação meramente literal do teor do questionado ponto 19) do Aviso de MJO 2018 – notações “que estiverem em vigor, forem deliberadas ou homologadas, sem reclamação ou impugnação dos interessados”, à data de 12-06-2018 – poderia obter-se o sentido de que o CSM teria querido ir mais longe e retirar exequibilidade também às deliberações classificativas tomadas pelo seu Plenário até 12‑06‑2018, impugnadas ou cujo prazo de impugnação judicial não tivesse ainda decorrido, e não apenas às do seu Conselho Permanente formadas até essa data, que fossem objecto de reclamação, a qual, como se disse, por força da lei, teria sempre efeito suspensivo, independentemente do estabelecido no “Aviso”.

Também não se obnubila que para a aludida formulação o CSM se socorreu dos termos “reclamação” e “impugnação” que têm, no domínio do direito administrativo em que nos movemos, o alcance conceptual que acima expusemos.

E, para reforçar a aquisição daquele resultado interpretativo, até se poderia ventilar a hipótese de o CSM, com a deliberação assim concretizada naquele ponto do “Aviso”, ter pretendido colocar em plano de igualdade as notações homologadas ou deliberadas pelo seu Conselho Permanente de 12-06-2018 e as tomadas na sessão do seu Plenário do mesmo dia ou em anteriores sessões e judicialmente impugnadas, considerando, também todas estas, sem eficácia para o movimento judicial seguinte.

Porém, segundo tudo indica, com o que está escrito na deliberação, o CSM, por um lado, usou as referidas expressões no seu sentido correntemente adquirido pela generalidade dos que eram os destinatários do “Aviso” (como se sabe, os juízes dos tribunais judiciais de 1ª instância) – em detrimento dum maior rigor técnico‑jurídico, que, quiçá, se imporia –, ou seja, no sentido de deliberação ou homologação de propostas de notação que não tivessem suscitado contradita de qualquer espécie por parte do visado, no âmbito dos procedimentos inerentes à actuação do próprio Órgão.

E fê-lo, por outro lado, com um desiderato bem diferente do que aquela interpretação prima facie do “Aviso” poderia sugerir.

Vejamos.

Tratando-se aqui de um movimento (ordinário) previsto no nº 1 da primeira de tais normas, deveria o mesmo ser efectuado no mês de Julho, como realmente veio a ocorrer, na data já pré-anunciada da sessão do Plenário do CSM de 11/7.

Ora, em princípio, o movimento de juízes, como qualquer outro acto administrativo, deve ter em conta, na data da sua efectivação, os dados actuais e definitivamente vinculantes para a própria entidade que o pratica.

No que ao CSM respeita, entre tais dados revestidos de actualidade definitivamente auto-vinculativa incluem-se os resultantes das suas próprias deliberações em Plenário, que, como se sabe, não são susceptíveis de reclamação hierárquica, mas apenas de impugnação judicial, a qual, no entanto, não suspende a eficácia do acto recorrido, a não ser que tal suspensão venha a ser decretada pelo STJ, o tribunal competente para a impugnação (arts. 168º e 170º da Lei nº 21/85).

Por isso, não prevendo a Lei o contrário, o CSM até poderia concretizar o “movimento judicial” dos juízes com base, entre outros dados, nas classificações de serviço precedentemente atribuídas pelo seu Plenário, no próprio dia da realização daquele acto. Poderia, mas tal não seria praticável, uma vez que, como todos intuímos, o “movimento judicial” implica o confronto de um vasto conjunto de dados relativos a muitos juízes e daí a necessidade de preparação pela secretaria de todas as operações tendentes à prática do acto pelo Órgão, previstas no mencionado art. 39º do EMJ.

O CSM instituiu a rotina – de que todos os juízes têm conhecimento desde, pelo menos, há cerca de 20 anos – de considerar para o apontado efeito, não a (impraticável) data limite do próprio acto, nem, também, a da publicação do aviso do concurso, ou seja, a do início da preparação de todas as operações tendentes ao acto, mas uma data intermédia em que o funcionamento colegial do Órgão lhe permita actualizar as classificações: para esse efeito, nas suas sessões do mês intercalar (Junho), o CSM tem‑se debruçado sobre todas as propostas de notação formuladas pelos inspectores judiciais, sem reclamação do interessado, e sobre as reclamações das deliberações tomadas nessa matéria pelo seu Conselho Permanente.

O objectivo da instituição dessa rotina – plenamente concretizada no questionado “Aviso”, tal como entendemos – é permitir que seja considerada no movimento judicial a notação mais recente e passível de ser atendida. E foi o que sucedeu com a deliberação sobre o MJO 2018, ao considerar as classificações que haviam sido fixadas até ao precedente dia 12 de Junho, portanto, também as atribuídas anteriormente, desde que revestidas de vinculatividade para o próprio Órgão decisor.

E sempre assim tem sido feito, tanto para o “bem” dos classificados – com a mais normal (ou habitual) subida de notação –, como para o “mal”. Realmente, não haveria qualquer razão objectiva para proceder diferentemente nesta segunda hipótese, como foi a da A, sob pena de, ao invés do por ela alvitrado, não se garantir a igualdade de tratamento de todos os juízes com requisitos idênticos, face aos dados relevantes disponíveis e actualizados na mesma data: ou seja, quanto às classificações, no movimento de Julho, todas as que, em 12 de Junho de 2018, já tinham vigência vinculativa para o Órgão e as então deliberadas ou resultantes da simples homologação de propostas que não tivessem motivado qualquer espécie de oposição (reclamação ou impugnação) por parte dos interessados.

Convém reiterar que uma deliberação tomada pelo Plenário do CSM é, realmente, definitiva para o próprio Órgão e não passível de reclamação, devido à lógica inerente à estrutura e à natureza deste, ainda que possa ter sido ou vir a ser impugnada judicialmente pelos por ela visados.

Portanto, a deliberação que colocou a A noutro lugar apenas no apontado sentido se revestiu da inevitabilidade a que a mesma aludiu, uma vez que, não tendo ela inviabilizado a impugnação – já então deduzida – da precedente deliberação classificativa, a eventual decisão de anulação desta, proferida nesse âmbito, sempre imporia, como é sabido, a prática pelo Órgão demandado dos actos necessários à reposição do statu quo ante (art. 172º do CPA).

Posto isto, a A não logra demonstrar quaisquer concretas circunstâncias que evidenciem a violação do princípio da protecção da confiança pela deliberação impugnada, nem se vislumbra em que medida é que esta poderia ter colidido com esse princípio ou com qualquer outra vertente do princípio da boa fé – como a proibição de comportamento contraditório –, bem como com o teor literal e alcance do invocado item 19 do “Aviso”, aliás, inteiramente conformes à prática consolidada do Órgão desde havia muitos anos. 

Se bem interpretamos a convocação que a A faz do artigo 183º da LOSJ, a mesma, nesta vertente, concebeu o movimento judicial de 2018 como abarcando o encadeamento de procedimentos ao mesmo conducentes, porventura, desde a publicação (em 15-05-2018) do respectivo aviso e com todas as operações realizadas pela secretaria para preparar a efectuação pelo CSM de tal acto, em 11/7.

Perante o que já acima expusemos, não vemos onde possa residir a causa dessa confusão: quando, em 06-02-2018, foi atribuída à A a notação que determinou a perda de requisitos para o lugar em que se encontrava colocada não estava em curso, sequer, a preparação pela secretaria de todas as operações tendentes à prática do acto pelo Órgão, aliás, previstas pelo citado art. 39º do EMJ, nem, muito menos, «o movimento judicial seguinte» à atribuição da notação ([12]).

Sob este prisma, a perda pela A dos requisitos exigidos na lei produziu efeitos «no movimento judicial seguinte» e os princípios da tutela da confiança, da igualdade, da proporcionalidade e da boa-fé permaneceram incólumes.

3. Os princípios da unicidade estatutária, da inamovibilidade dos juízes e da independência dos tribunais.

Diz a A que a norma do citado art. 183º nº 5 da LOSJ não consta do EMJ, o que atentaria contra a unicidade de estatuto dos juízes dos tribunais judiciais que, tal como está constitucionalmente consagrada, pressupõe um estatuto unificado e um estatuto específico, no sentido de que são as suas disposições, ainda que de natureza remissiva, que determinam e conformam o respectivo regime jurídico-funcional.

E, quanto ao conteúdo da mesma, lembra que os juízes são inamovíveis, não podendo ser transferidos, suspensos, aposentados ou demitidos senão nos casos previstos na lei (art. 216º da CRP) e que, de acordo com este princípio constitucional, o artigo 6º do EMJ estabelece que mesmos não podem ser, nomeadamente, por «qualquer forma mudados de situação senão nos casos previstos neste Estatuto». E com esse fundamento a A alega que, como o EMJ não prevê a perda do lugar em que um juiz esteja colocado efectivo por perda da classificação de serviço que tinha anteriormente, a norma do referido artigo 183º, nº 5, nunca poderia ser aplicada sem que o EMJ fosse alterado.


Suscita-se, aqui, a questão de saber se não contende com princípios estruturantes do nosso ordenamento jurídico-constitucional a norma do art. 183º nº 5 da LOSJ (com a redacção introduzida pela Lei nº 40-A/16, de 22-12), nos termos do qual a perda dos requisitos «exigidos pelos n.ºs 1 e 2» (e também pelo art. 45º do EMJ) para a colocação inicial, precedida de concurso, num determinado tribunal «determina que o lugar seja posto a concurso no movimento judicial seguinte».
 Um dos pilares básicos do moderno Estado e pedra angular da essência em que se consubstancia a ideia de Estado de direito democrático é a garantia sustentada na legitimidade de um órgão de soberania que dita as leis, de outro que as executa e de um terceiro, guardião da própria legalidade, incumbido do poder de controlo sobre os demais, de tutelar as garantias do indivíduo frente ao poder público e de resolver os conflitos, dizendo o direito, através da aplicação das mesmas leis.
A este terceiro órgão de soberania (tribunais) é conferido um poder público (judicial) independente, a cujos titulares (os juízes) são estabelecidas condições que garantem a independência do exercício daquele poder, sendo, desde logo, constitucionalmente asseguradas as suas próprias independência (externa e interna), inamovibilidade, irresponsabilidade e aplicação ao corpo único por eles constituído de um só estatuto próprio ([13]), da reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República ([14]), bem como de um regime exclusivo de incompatibilidades (cf. artigos 205º, 215º e 216º da CRP), porquanto, para serem verdadeiramente independentes em relação aos demais poderes, os juízes precisam de poder decidir em sua consciência e estar imunes a pressões de qualquer espécie.
A independência do poder judicial, plasmada no artigo 6º da Convenção Europeia de Direitos Humanos e no artigo 203º da CRP, com as inerentes inamovibilidade e irresponsabilidade dos respectivos titulares difusos, é uma garantia fundamental da imparcialidade e, como tal, dos direitos dos cidadãos: os princípios da inamovibilidade e da irresponsabilidade do juiz são os garantes da sua independência, assim como esta se destina a afiançar a imparcialidade do mesmo.
A Recomendação do Comité de Ministros aos Estados membros (da UE) sobre os juízes (a eficiência, independência e responsabilidades) CM/Rec (2010) 12 (adoptada em 17-11-2010) sublinhou que a independência do poder judicial assegura a cada pessoa o direito a um julgamento justo e, portanto, não é uma prerrogativa ou privilégio concedido no interesse próprio dos juízes, mas uma garantia do respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais, permitindo que qualquer pessoa tenha confiança no sistema de justiça. Aí se asseverou que os juízes devem ter liberdade irrestrita para decidir os casos de forma imparcial e que a segurança da posse e a inamovibilidade são elementos-chave da independência dos juízes, não devendo o juiz receber um novo compromisso ou ser transferido para outro serviço judicial sem o consentir, excepto em casos de sanções disciplinares ou de reforma da organização do sistema judicial, pelo que, a independência judicial deve ser garantida no que se refere, nomeadamente, à nomeação (até a idade de reforma), promoção – que devem basear-se em critérios objectivos e tomadas pelo órgão encarregado de garantir a independência –, inamovibilidade, imunidade judicial, disciplina, remuneração (adequada) – para evitar influência indevida – e financiamento do poder judicial.
A necessidade de um poder judicial independente, para cuja satisfação devem ser asseguradas aos juízes dele investidos a independência, a irresponsabilidade e a inamovibilidade, é afirmada como axiomática, por ser um princípio essencial, estruturante e pré-requisito de qualquer estado de direito.
É certo que o Conselho Superior da Magistratura, constitucionalmente incumbido do autogoverno do poder judicial (cf. arts. 217º e 218º da CRP) e que, por isso, deve assegurar a independência externa (ou institucional) do juiz, não obstante dispor de natureza meramente administrativa, é um órgão independente e revestido de especial exigência no tocante à legitimidade democrática, à isenção e à imparcialidade.
Contudo, à efectiva consolidação desse poder independente são opostas, com alguma frequência, manifestações de uma certa fluidez e ambiguidade ([15]).
Realmente, não pode o legislador ordinário deixar de se preocupar com a independência do juiz, tanto externa como interna, evitando todas as possíveis fontes da sua perturbação.
Neste contexto, a regra de que decorre a exigência de determinados requisitos para a afectação, ab initio, de juízes ao exercício da função jurisdicional em determinados lugares a que, como é suposto, está associada a percepção de uma maior complexidade é imediatamente compreensível, não justificando qualquer análise suplementar.
Mas, à luz das expendidas considerações, a opção política consumada na norma do citado nº 5 do artigo 183º da LOSJ já é mais problemática e, por isso – e como qualquer outra – discutível.
Vejamos.
Por um lado, essa opção foi plasmada numa lei de organização judiciária, da reserva (apenas) relativa de competência legislativa da Assembleia da República ([16]), por isso, com dignidade constitucional inferior ao estatuto próprio dos juízes, embora dimane do mesmo órgão legislativo competente.
Ora, a previsão inovadora da transferência compulsiva como consequência da baixa da classificação da prestação, impondo um requisito para a manutenção do lugar do provimento, vem reformular as condições em que é garantida a inamovibilidade, com evidente repercussão no estatuto próprio aplicável ao corpo único dos juízes, da reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República.
 Por isso, essa norma respeita, na sua essência, ao diploma estatutário dos juízes, pelo que talvez não devesse ter sido sistematicamente inserida, apenas, no regime do funcionamento orgânico dos tribunais, sem que naquele estatuto se vislumbre qualquer espécie de remissão explícita para o assim preceituado ([17]) ([18]).
Acresce que, actualmente, a lei prevê a inspecção ao serviço dos juízes das Relações, por iniciativa do Conselho Superior da Magistratura (art. 37º-A do EMJ) e, por consequência, a possibilidade de aos mesmos vir a ser atribuída classificação inferior à exigida para a sua promoção à 2ª instância. Porém, o legislador não retira daí um efeito idêntico ao agora implementado em relação aos juízes de 1ª instância, assim consagrando uma diferença estatutária ou uma cisão no estatuto que rege o corpo único dos juízes, o que colide com o art. 215º nº 1 da CRP ([19]).
E, por outro lado, face à prática entre nós conhecida, introduziu um paradigma inovador, consagrando a mobilidade forçada dum juiz – não precedida da sua manifestação de vontade nesse sentido – quando seja atribuída à sua prestação, em determinada fase do seu percurso profissional, uma classificação inferior à inicialmente imposta para a afectação ao concreto cargo.

No entanto, deve começar por se reconhecer que a inamovibilidade do juiz, constitucionalmente imposta para assegurar a independência e esta para garantir a imparcialidade, não é um princípio absoluto.

E também não pode deixar de se constatar que a dignidade indispensável ao exercício do cargo de juiz impõe um grau de exigibilidade e um nível de maturidade e de responsabilidade que não são comparáveis com os que impendem sobre um qualquer funcionário público ou mesmo outro agente do Estado.

Daí que também se compreenda que o legislador adopte medidas adequadas a garantir que a prestação do juiz em determinados lugares mantenha o nível de qualidade conciliável com a classificação que a afectação ao seu desempenho pressupôs e que, para tanto, se consagre a regra estatutária da perda do lugar como efeito da perda dos requisitos que já se encontrassem positivados no ordenamento jurídico para a nomeação, embora sem derrogar, desproporcionadamente, princípios fundamentais aplicáveis aos juízes, como é o da inamovibilidade.

E é aceitável a ideia de que a conservação do lugar pela manutenção de certa classificação de serviço não depende da vontade subjectiva da parte do Órgão incumbido da gestão e colocação dos juízes, mas, sim, da circunstância objectiva, não completamente alheia ao visado, de o próprio, na sequência de procedimento equitativo, manter a classificação de serviço exigível para o lugar: essa circunstância depende, substancialmente, mais da ação do juiz do que de terceiros ([20]).
Este Tribunal, perante todo este quadro de considerações e sopesando todos os valores em presença, tem afirmado sempre, sem qualquer discrepância, a conformidade constitucional da referida norma, pelo que, sob pena de se pôr em causa a relativa previsibilidade e segurança na aplicação do direito, bem como o princípio da igualdade, consagrado no art. 13º da CRP – que exige que se tenha em consideração «todos os casos que mereçam tratamento análogo» (art. 8º nº 3 do CC ([21])) –, não pode deixar de ser aqui convocada essa orientação uniforme ([22]).                   

Assim, tem esta Secção salientado:

Do princípio da unicidade estatutária, plasmado no art. 215º da CRP, decorre, como se disse, que a todos os juízes que formam o corpo único dos titulares dos tribunais judiciais se aplica um só estatuto próprio – com o valor reforçado imposto ao legislador ordinário pelo art. 164º da CRP –, mas não, necessariamente, que as normas que o compõem constem de um único diploma, ou que no mesmo não possa ser feita remissão para normas estatutárias extravagantes, quer expressa ([23]) quer implicitamente, como é de considerar a feita para a citada norma do nº 5 do art. 183º da LOSJ, dado que a imposição de classificação mínima de serviço para acesso a determinados tribunais/juízos já estava positivada no nosso ordenamento jurídico, na regra do art. 45º do EMJ, com a qual se conjuga  o questionado preceito introduzido em 2016 na LOSJ, uma vez sujeita aquela às adaptações decorrentes desta lei orgânica ([24]), «não sendo, por conseguinte, surpreendentemente inovatório que a mesma seja agora formulada para o acesso a determinadas categorias de tribunais» ([25]), ou para a manutenção de certos lugares.

Por outro lado, a mesma imposição, por não deixar ao CSM qualquer margem de discricionariedade ou subjectividade, não consubstancia uma violação ao princípio da inamovibilidade, embora lhe oponha uma excepção ou uma ressalva: «Tal exigência não se apresenta como desproporcionada ou irrazoável se confrontada com a finalidade da lei – permitir um melhor e mais adequado funcionamento da justiça, assegurando-se a colocação de juízes melhor classificados e com mais experiência em certos tribunais pré-definidos –, alcançada através de um critério objectivo e dirigido aos juízes em geral([26])

«Trata-se de uma opção legal que, de forma objectiva e totalmente razoável, permite projectar melhores resultados, evitando a cristalização nesses lugares de juízes de direito com classificações inferiores, designadamente com a classificação de Suficiente (que corresponde ao segundo grau classificativo). Tal alteração legislativa decorreu da constatação de que casos havia em que certos juízes colocados em determinados lugares deixaram de deter essa classificação mínima em resultado daquela avaliação inspectiva dotada possibilitando (ou, melhor, impondo) que, a partir de 2016, os referidos lugares fossem postos a concurso no movimento judicial subsequente

«(…) A referida norma é susceptível de interferir objectivamente na situação em que se encontram os juízes de direito que não têm ou deixaram de deter aquela classificação mínima de Bom com Distinção, mas, em contrapartida, permite satisfazer outros objectivos que também foram delegados no legislador ordinário, como sejam o de tutelar os interesses relacionados com a boa administração da justiça, com a eficácia dos Tribunais ou com a celeridade da resposta que se mostram mais compatíveis com a colocação nos referidos lugares dos juízes com melhores classificações de serviço (critério objectivo).

O facto de o art. 6º do EMJ prevenir que a modificação da situação dos juízes apenas possa decorrer dos casos previstos nesse diploma não tem o significado que a recorrente pretende extrair, se considerarmos, como já o expusemos anteriormente, que as normas estatutárias integram não apenas os preceitos que formalmente constam do EMJ, mas ainda outros inseridos noutros diplomas como os que regulam a organização judiciária).» ([27])

Em conclusão, a norma em questão não afronta os princípios da unicidade estatutária e da inamovibilidade dos juízes, constitucionalmente imposta para assegurar o princípio da independência dos tribunais, que, portanto, também não é reflexamente ofendido.

4. A perda do lugar como sanção disciplinar ilegalmente aplicada.

Alega a A que a perda do lugar em que um juiz está colocado como efectivo só é admissível face ao EMJ como sanção disciplinar, portanto, por causa imputável ao próprio juiz, não deixando a norma ínsita no artigo 183º, nº 5, da LOSJ, de ser uma sanção administrativa disfarçada e sem procedimento disciplinar, com violação das garantias constitucionalmente garantidas ao arguido (art. 32º, nºs 1 e 10º).

Já vimos que a inamovibilidade do juiz, constitucionalmente imposta para assegurar a independência dos tribunais, não é um princípio absoluto e que a ressalva que lhe é oposta pela exigência ora questionada é imposta por norma que dimanou da competência constitucional da Assembleia da República e visa permitir um melhor e mais adequado funcionamento da justiça, fazendo-o de modo que não é de considerar desproporcionado ou irrazoável, no confronto com a finalidade prosseguida pela lei.

Por outro lado, perfilhando a aludida orientação precedentemente trilhada por esta Secção, não vemos qualquer motivo para encarar a sujeição a movimentação obrigatória de um juiz que tenha perdido os requisitos exigidos para o lugar em que está colocado, visando o objectivo de assegurar uma administração da justiça qualitativamente superior, como um sancionamento da violação de deveres profissionais, ou seja, como uma sanção disciplinar de transferência, aplicada sem processo: àquela movimentação não correspondem, de modo algum, o estigma e as consequências para a carreira do juiz inerentes à sanção disciplinar de transferência, que necessariamente decorre da comprovação, em processo disciplinar, do cometimento de grave infracção que implique a quebra do prestígio exigível ao magistrado para que possa manter-se no meio em que exerce funções (art. 93º do EMJ).

 

5. O princípio da tutela da confiança.

Por fim, sustentou a A que a deliberação impugnada viola, ainda, o princípio constitucional da tutela da confiança, ao aplicar agora a citada norma ao lugar em que a mesma está colocada como efectiva, com base nos mesmos requisitos de nomeação, considerando que nomeação e manutenção do lugar são institutos diferentes.

É claro que, em 2017, ano em que a referenciada alteração entrou em vigor, ainda se poderiam ter suscitado algumas preocupações da índole das subjacentes ao princípio da confiança, perante a relativa surpresa da sua novidade. Todavia, como se regista nos já referidos arestos desta Secção, essas preocupações, então justificadas, foram arredadas pelo próprio CSM, que acautelou a situação dos juízes colocados em tribunais para os quais a lei passou a exigir classificação mínima de serviço, mediante a medida de gestão nesse ano concretizada de lhes possibilitar a obtenção de inspecção ao serviço prestado.

Ultrapassada que está essa fase transitória, lembramos que, como se sabe, no nosso ordenamento jurídico há muito se estabelecem requisitos de acesso e de promoção a tribunais, como é o da classificação mínima de serviço, e, como dissemos, a compressão ou restrição do princípio da inamovibilidade desencadeada pela mencionada movimentação obrigatória de um juiz que tenha perdido os requisitos exigidos para o lugar em que está colocado é de considerar proporcionada à finalidade prosseguida pelo legislador.

Ora, pela mesma ordem de razões, também não vemos como reputar de merecedora de tutela a expectativa que um juiz, porventura, acalente de poder permanecer num tribunal/juízo para o qual deixou de ter a classificação exigida: não é razoável supor que o nível (qualitativo e quantitativo) do desempenho de um juiz será inócuo para a manutenção do lugar por ele ocupado.

Por conseguinte, improcede a pretensão formulada pela A.


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Síntese conclusiva:
1. Dispõe o art. 121º do CPA que os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, abarcando esse direito a comunicação sobre o sentido provável da decisão, embora este não seja vinculativo para a administração e não releve em sede de boa-fé.
2. Sob pena de não se garantir a igualdade de tratamento de todos os juízes com requisitos idênticos, face aos dados relevantes disponíveis e actualizados na mesma data, em princípio, o movimento de juízes, como qualquer outro acto administrativo, deve ter em conta, na data da sua efectivação, os dados actuais e definitivamente vinculantes para a própria entidade que o pratica, entre os quais se incluem, no que ao CSM respeita, os resultantes das suas próprias deliberações em Plenário, que não são susceptíveis de reclamação (hierárquica), mas apenas de impugnação judicial, a qual, no entanto, não suspende a eficácia do acto recorrido.
3. Segundo tudo indica, com o que está escrito na deliberação de 10-05-2018, concretizada no ponto n.º 19 do Aviso (extrato) n.º 6475-A/20018, publicado no DR, 2.ª série, de 15.05.2018, o CSM socorreu-se dos termos “reclamação” e “impugnação” com o seu sentido correntemente adquirido pela generalidade dos que eram os destinatários do Aviso (os juízes dos tribunais judiciais de 1ª instância), ou seja, no sentido de deliberação ou homologação de propostas de notação que não tivessem suscitado contradita de qualquer espécie por parte do visado, no âmbito dos procedimentos inerentes à actuação do próprio Órgão.
4. Quando, em 06-02-2018, foi atribuída à A a notação que determinou a perda dos requisitos exigidos pelo art. 183º da LOSJ para o lugar em que se encontrava colocada não estava em curso, sequer, a preparação pela secretaria de todas as operações tendentes à prática do acto pelo Órgão (previstas pelo citado art. 39º do EMJ), nem, muito menos, «o movimento judicial seguinte» à atribuição da notação, que viria a ser decidido no posterior dia 11/7 desse ano, pelo que, sob esse prisma, aquela perda produziu efeitos «no movimento judicial seguinte» e os princípios da tutela da confiança, da igualdade, da proporcionalidade e da boa-fé permaneceram incólumes.
5. Reitera-se que a deliberação atributiva de classificação a um juiz tomada pelo Plenário do CSM é, realmente, definitiva para o próprio Órgão e não passível de reclamação, devido à lógica inerente à estrutura e à natureza deste, mas, podendo ser impugnada judicialmente pelos por ela visados, apenas no apontado sentido se reveste de inevitabilidade, uma vez que a eventual decisão judicial da sua anulação, proferida no âmbito da sua impugnação, sempre imporá a prática dos actos necessários à reposição do statu quo ante (art. 172º do CPA).
6. Posto isto, no caso concreto, não se vislumbra em que medida é que a deliberação impugnada, ao atender à classificação anteriormente atribuída pelo Plenário do CSM, aliás, inteiramente conforme à prática consolidada do Órgão desde havia muitos anos, teria colidido com o princípio da tutela da confiança, ou com qualquer outra vertente do princípio da boa-fé.
7. A inamovibilidade do juiz, constitucionalmente imposta para assegurar a independência e esta para garantir a imparcialidade, não é um princípio absoluto e daí que se compreenda que o legislador adopte medidas adequadas a garantir que a prestação do juiz em determinados lugares mantenha o nível de qualidade conciliável com a classificação que a afectação ao seu desempenho pressupôs,
8. nomeadamente que, para tanto, consagre a regra estatutária da perda do lugar como efeito da perda dos requisitos que já se encontrassem positivados no ordenamento jurídico para a nomeação, medida que, não deixando ao CSM qualquer margem de discricionariedade ou subjectividade, não derroga, desproporcionadamente, princípios fundamentais aplicáveis aos juízes, como é o da inamovibilidade.
9. Do princípio da unicidade estatutária, plasmado no art. 215º da CRP, decorre que a todos os juízes que formam o corpo único dos titulares dos tribunais judiciais se aplica um só estatuto próprio – com o valor reforçado imposto ao legislador ordinário pelo art. 164º, m), da CRP –, mas não, necessariamente, que as normas que o compõem constem de um único diploma, ou que no mesmo não possa ser feita remissão para normas estatutárias extravagantes, quer expressa quer implicitamente, como é de considerar a feita para a norma do art. 183º nº 5 da LOSJ.
10. A sujeição a movimentação obrigatória de um juiz que tenha perdido os requisitos exigidos para o lugar em que está colocado, visando o objectivo de assegurar uma administração da justiça qualitativamente superior, não pode ser encarada como uma sanção disciplinar de transferência, aplicada sem processo, por não lhe corresponderem o estigma e as consequências para a carreira do juiz inerentes a essa sanção, que necessariamente decorre da comprovação do cometimento de grave infracção que implique a quebra do prestígio exigível ao magistrado para que possa manter-se no meio em que exerce funções (art. 93º do EMJ).
11. Sabendo-se que no nosso ordenamento jurídico há muito se estabelece o requisito da classificação mínima de serviço para acesso e promoção a tribunais e sendo a compressão do princípio da inamovibilidade desencadeada pela mencionada movimentação obrigatória proporcionada à finalidade prosseguida pelo legislador, pela mesma ordem de razões, não se vê como reputar de merecedora de tutela ou, até, que seja razoável a expectativa que um juiz acalente de poder permanecer num tribunal/juízo para o qual deixou de ter a classificação exigida.

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Decisão:

Pelo exposto, acordam os juízes que constituem esta Secção de Contencioso em julgar improcedente a acção de impugnação da deliberação do Conselho Superior da Magistratura de 11-07-2018 que colocou a A, AA, no Juízo de Competência Genérica da ..., da Comarca dos ....

 

Custas pela A, para o que se fixa à acção o valor de € 30.000,01.

           

Lisboa, 8/5/2019

Alexandre Reis (relator) *
Tomé Gomes
Manuel Augusto de Matos
Ferreira Pinto
Graça Amaral (com voto de vencida)
Pinto Hespanhol (Presidente)

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[1] A Exma. Conselheira Helena Moniz, a quem estes autos haviam sido distribuídos, apresentou na anterior sessão desta Secção do passado dia 9/04 o projecto de acórdão que elaborara e que, por maioria, não foi acolhido quanto à proposta decisória nele contida sobre a anulabilidade da deliberação do CSM de 11-07-2018, na parte em que, não obstante o teor do ponto 19) do Aviso do MJO2018, aprovou a movimentação obrigatória da A. Por tal razão, não obstante a mudança de relator imposta pela registada incidência, no texto deste acórdão, reproduz-se, com a devida vénia, o essencial dos argumentos legais e doutrinais do primitivo projecto que não contendam com o aludido segmento.
[2] Aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22-02 e com a redação introduzida pelo DL n.º 214-G/2015, de 02-10.
[3] «Constituem fundamentos do recurso os previstos na lei para os recursos a interpor dos actos do Governo».
[4] «São subsidiariamente aplicáveis as normas que regem os trâmites processuais dos recursos de contencioso administrativo interpostos para o Supremo Tribunal Administrativo».
[5] Neste sentido, entre muitos outros, os acórdãos desta Secção de 23-02-2016 (103/15.7YFLSB), 25-05-2016 (55/14.0YFLSB), 26-10-2016 (106/15.1YFLSB) e 16-12-2014 (24/14.0YFLSB).
[6] «Sem prejuízo do disposto em lei especial, os processos em matéria jurídico-administrativa cuja competência seja atribuída a tribunais pertencentes a outra ordem jurisdicional regem-se pelo disposto no presente Código, com as necessárias adaptações».
[7] “O processamento da atividade administrativa será objeto de lei especial, que assegurará a racionalização dos meios a utilizar pelos serviços e a participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito”.
[8] “Os órgãos da Administração Pública devem assegurar a participação dos particulares, bem como das associações que tenham por objeto a defesa dos seus interesses, na formação das decisões que lhes digam respeito, designadamente através da respetiva audiência nos termos do presente Código.”
[9] Constituição Portuguesa Anotada, Tomo III Coimbra Editora, 2007, p. 590, em anotação ao n.º 5 do art. 267.º da CRP.
[10] Fernando Gonçalves/ Manuel João Alves/ Victor Manuel Freitas Vieira/ Rui Miguel Gonçalves/ Bruno Correia/ Mariana Violante Gonçalves, Novo Código do Procedimento Administrativo, Anotado e Comentado, 5.ª ed., Coimbra: Almedina, 2017, p. 324, em anotação ao art. 121.º do CPA.
[11] Sic Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e Pacheco de Amorim, in Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2.ª ed., Almedina, em anotação ao art. 100º (audiência de interessados) do CPA anterior, pág. 455.
[12] V. Acórdão do STJ de 15.03.2012 (p. n.º 92/11.7YFLSB):  “III - O requisito na nota relevante para a efectivação do movimento judicial previsto no n.º 4 do art. 44.º do EMJ afere-se pela data de efectivação do movimento que coincide com a deliberação que o homologa, nos termos dos arts. 136.º e 149.º, al. a), do EMJ. Com efeito, a publicação do aviso de abertura de concurso não atribui ou retirou qualquer direito à recorrente e nem toma em conta a sua classificação. E nem este aviso contém qualquer disposição que preveja que a classificação relevante para o efeito do movimento seja a da data do termo do prazo para concorrer. (…) - Na realidade, a classificação a tomar em conta é a que o candidato tenha na data da efectivação do movimento judicial, que apenas se efectiva com a deliberação do CSM, tal como resulta do art. 149.º, n.º 1, al. a), do EMJ”.
[13]Os juízes dos tribunais judiciais (de ambas as instâncias e do Supremo, a respectiva cúpula) constituem a magistratura judicial, formam um corpo único e regem-se por tal estatuto (artigos 215º da CRP e 1º e 2º do EMJ).
[14] Cf. artigo 164º da CRP.
[15] O Presidente emérito do STJ, Conselheiro Henriques Gaspar, num discurso (publicitado na página da internet do Tribunal), em homenagem a Fernandes Thomaz e proferido na Figueira da Foz em 24 de Agosto de 2017, advertiu: «O século XIX construiu o princípio da separação de poderes, que as catástrofes da primeira metade do século XX enfraqueceram; o pós-guerra renovou e reconstruiu o princípio, que as constituições modernas das democracias consolidaram como constitutivo do Estado de direito. Mas os princípios constitutivos e fundadores da democracia e do Estado de direito nunca estão garantidos.»
[16] Cf. artigo 165.º da CRP.
[17] No Ac. do T. Constitucional nº 620/2007, de 20-12-2007, expendeu-se:
«A unicidade de estatuto, tal como está constitucionalmente consagrada, pressupõe duas características essenciais: (a) um estatuto unificado, constituído por um complexo de normas que são apenas aplicáveis aos juízes dos tribunais judiciais; (b) um estatuto específico, no sentido de que são as suas disposições, ainda que de natureza remissiva, que determinam e conformam o respectivo regime jurídico-funcional.
Justifica-se, por isso, que seja o próprio Estatuto dos Magistrados Judiciais, em cumprimento do apontado critério constitucional, a determinar qual seja a legislação supletiva e o respectivo âmbito de aplicação. Isso pela linear razão de que é a esse diploma que, nos termos previstos no artigo 215º, n.º 1, da Constituição, compete regular de forma mais ou menos exaustiva as matérias que deverão integrar o estatuto do juiz e, nessa medida, delimitar com maior ou menor amplitude o campo de intervenção do direito subsidiário e, ainda, escolher as normas supletivas que melhor se poderão ajustar às soluções jurídicas que tenham sido fixadas.
O que conduz a concluir que o Decreto n.º 173/X, ao ditar o regime subsidiário aplicável aos magistrados judiciais, interfere em matéria estatutária dos juízes e é susceptível de violar o disposto no citado artigo 215º, n.º 1, da CRP.»
[18] Também se retira do sumário do Ac. deste Tribunal de 7-07-2009 (Proc. 418/09.3YFLSB): «A garantia de inamovibilidade, princípio com assento no art. 7.º do EMJ e que assume garantia constitucional no art. 218.º, n.º 1, da CRP, não se reveste de natureza absoluta; com efeito, em ambos os preceitos se lê que os magistrados judiciais são inamovíveis (nomeados vitaliciamente), não podendo ser transferidos, suspensos ou por qualquer forma mudados de situação, senão nos casos previstos na lei, vale dizer, nos casos previstos no Estatuto, sendo um desses casos, expressamente excepcionados e acautelados, justamente o de aplicação da pena derrogatória da garantia, nos termos previstos nos arts. 85.º e ss. do EMJ em processo disciplinar (arts. 110.º e ss.)».
[19] Também ao invés do que sucede com a magistratura do Ministério Público, a que a lei (art. 75º do respectivo Estatuto) confere paralelismo em relação à judicial. Os juízes de 1ª instância não têm mais do que essa única categoria, dentro da qual se inserem em diversos escalões profissionais, definidos em função da antiguidade e do cargo concreto exercido, com repercussão remuneratória. Ora, a transferência resultante da norma agora analisada implica a descida de escalão profissional dos juízes, sem que o legislador preveja consequência paralela em relação a procuradores.
[20] Ainda assim, na medida em que o compreensível desiderato do legislador plasmado na analisada norma, nos termos em que se mostra configurado, suscita justificadas preocupações por poder, desproporcionadamente, colidir com outros valores e princípios estruturantes do nosso ordenamento, não deverá rejeitar-se, liminarmente, a sugestão que tem sido ventilada da conveniência da adopção de uma qualquer salvaguarda, designadamente, a de que a transferência forçada do juiz, subsequente à baixa de classificação, apenas venha a concretizar-se quando, na sequência de nova (obrigatória) inspecção, decorrido um determinado período, a prestação do visado evidencie não serem, afinal, transitórias ou provisórias as causas subjacentes à dita diminuição. Com efeito, já a Comissão Constitucional, no seu Parecer nº 33/82, de 12-10-1982, ponderara: “Na verdade, os direitos (lato sensu) que para os magistrados resultam do princípio da inamovibilidade estão sujeitos ao regime constitucional dos direitos, liberdades e garantias, sendo isso o que resulta do artigo 17.º, in fine, da Lei de Bases Gerais. Ora, nesse regime avulta o traço constante do artigo 18.º. n.º 3, segundo o qual – na linha, aliás, de um princípio de proporcionalidade – as restrições àqueles direitos, liberdades e garantias não podem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais». Sendo assim, como é, parece-nos que transferir um magistrado, a pretexto de que foi classificado de «suficiente» e invocando a «mera conveniência de serviço», toca ou fere o núcleo, o elemento irredutível da inamovibilidade.” Na sequência desse Parecer, a Resolução do Conselho da Revolução nº 189-A/82 (DR I de 25-10) declarou a inconstitucionalidade material do art. 43º nº 2 do EMJ (aprovado pela Lei nº 85/77, de 6-12), na redacção introduzida pelo DL 264-C/81, de 3-9, preceito que estipulava: «o Conselho Superior da Magistratura pode proceder à transferência, por conveniência de serviço, de magistrados que a tal hajam dado a sua anuência ou que tenham sido classificados de Suficiente ou Medíocre».
Por tudo isso, todos os que se coloquem na perspectiva de deverem ser acauteladas as apontadas preocupações não deixaram de conceder justificado aplauso à concretização da propalada iniciativa do legislador de vir a consagrar uma cláusula de salvaguarda à mobilidade forçada de juízes em tal situação, através das medidas projectadas na referenciada Proposta de Lei 122/XIII [v. al. m) dos FA].

[21] «Nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.»
[22] Cf. acórdãos desta Secção de 22-08-2018 (p. 40/18.3YFLSB), 28-06-2018 (p. 42/17.7YFLSB), 28-02-2018 (p. 78/17.8YFLSB), 23-01-2018 (p. 47/17.8YFLSB, p. 46/17.0YFLSB e p. 43/17.5YFLSB), 22-01-2019 (p. 65/18.0YFLSB) e 21-03-2019 (p. 73/18.0YFLSB), todos em www.dgsi.pt, excepto o primeiro.
[23] Como ocorre, designadamente, em matérias de equiparação a bolseiro (art. 10º-A), de direitos e deveres dos magistrados judiciais (art. 32º), de estatuto de aposentação (art. 69º) ou disciplinares (art. 131º).
[24] Neste sentido, o cit. acórdão de 23-01-2018 (p. 47/17.8YFLSB).
[25] Sumário do cit. acórdão de 28-06-2018.
[26] Sumário do mesmo acórdão de 28-06-2018, na senda, aliás, de todos os demais citados.
[27]  Acórdão já cit. de 23-01-2018 (p. 47/17.8YFLSB), em que também foi dada nota de que tal medida contou com a expressa adesão da ASJP, na sua exposição datada de 10-1-17 sobre a aplicação do novo preceito (acessível através de www.asjp.pt), em que consignava: «admite-se que o referido princípio da inamovibilidade não obste, em abstracto, à perda de um lugar e consequente transferência de um juiz que não tem os requisitos para exercer funções num determinado tribunal (por a sua classificação ter baixado, o que mostrará, em regra, que não estará naquele momento apto para aí estar colocado), o que permitirá, em geral, um melhor e mais adequado funcionamento do sistema judicial, que é, claro, objecto de tutela constitucional e permitirá a existência dessa excepção ao princípio da inamovibilidade» (…) «a perda dos requisitos em causa poderia ter esta consequência», salvaguardada que fosse a possibilidade de ser requerida inspecção judicial extraordinária.