Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
98P556
Nº Convencional: JSTJ00034873
Relator: SA NOGUEIRA
Descritores: NÃO RETROACTIVIDADE
LEI APLICÁVEL
APLICAÇÃO DA LEI PENAL NO TEMPO
QUEIXA
FURTO
ABUSO DE CONFIANÇA
DESISTÊNCIA DA QUEIXA
USURA
CRIME PÚBLICO
CRIME SEMI-PÚBLICO
CRIME PARTICULAR
VALOR ELEVADO
VALOR CONSIDERAVELMENTE ELEVADO
BURLA INFORMÁTICA
ABUSO DE CARTÃO DE GARANTIA OU DE CRÉDITO
Nº do Documento: SJ199809240005563
Data do Acordão: 09/24/1998
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: DIR CRIM - TEORIA GERAL / CRIM C/PATRIMÓNIO.
Legislação Nacional:
Sumário : I - Na determinação da lei penal intertemporal concretamente mais favorável, há que atender, em conjunto, aos seguintes factores: a) - enquadramento jurídico-penal dos factos à luz de cada uma das leis; b) - existência ou não de factores que tenham como efeito a aplicação de regimes punitivos especiais, como sucede com as consequências decorrentes de uma eventual desistência da queixa válida para os aspectos da ilicitude ou da punibilidade; c) - impossibilidade de submissão dos factos a enquadramentos jurídicos que correspondam à criação de novos tipos criminais mais graves, relativamente ao tempo da comissão daqueles; d) - medidas concretas das respectivas punições.
II - A introdução, na lei de 1995, nos crimes de natureza patrimonial, do conceito de "valor elevado" com manutenção da figura do "crime simples", se é mais favorável quanto
às situações em que se verifique a "degradação" de um anterior crime qualificado pela circunstância de respeitar a um "valor consideravelmente elevado", já passa a ser mais gravosa nas situações em que implique a conversão de um crime que, na lei velha, tinha a natureza de "simples", o que impõe que, em tais circunstâncias, a aplicação da lei nova só possa ter lugar se a conduta for enquadrada na figura do crime "simples", em obediência ao princípio constitucional de que ninguém pode ser condenado por crime cujo agravamento de punição resulte de lei posterior ao momento da sua comissão.
III - O facto de, nos artigos 205 (abuso de confiança), 221 (burla informática), 225 (abuso de cartão de crédito ou de garantia), e 226 (usura), Código Penal de 1995, se ter utilizado a técnica de se prever, nos respectivos números
1, o crime na sua forma simples, de se declarar, nos seus números 3, que o respectivo procedimento criminal depende de queixa (isto é, que tais crimes têm a natureza de semi-públicos), e de, nos números seguintes, se indicarem os factores agravativos que transformam tais crimes em qualificados, não significa que legislador tenha querido manter a forma semi-pública a todas as indicadas formas desses crimes, mas tão somente tem o sentido de traduzir a intenção do legislador de só querer tratar como crimes semi-públicos os correspondentes crimes "simples".
Tal conclusão resulta da conjugação de diversos outros elementos da interpretação sistemática, constantes do artigo 207 (degradação em crime particular do crime semi-público, em determinadas circunstâncias), e da aplicação deste artigo, por remissão operada por diversos outros, a variados tipos criminais contra a propriedade, mas sempre sob a forma "simples", bem como da estrutura punitiva do mesmo Código, que só contempla, em regra, as possibilidades de os crimes poderem ser "degradados" em crimes particulares quando, inicialmente, já tinham natureza semi-pública, e de só serem tratados como crimes semi-públicos aqueles que são havidos como medianamente importantes, em termos de alarme social.
IV - A diferenciação entre as diferentes categorias de crimes, nos aspectos da intervenção do ofendido sobre o desenvolvimento e marcha do processado e do seu poder de disposição sobre esta, é actualmente feita pela sua sujeição às figuras dos crimes públicos (em que o procedimento não depende de qualquer atitude do ofendido e em que a sua desistência do procedimento só pode relevar para efeitos indemnizatórios, mas não tem o menor relevo processual), dos crimes semi-públicos (em que é necessária a queixa do ofendido para que o procedimento possa ser iniciado pelo Ministério Público, e em que a desistência faz cessar aquele), e dos crimes particulares (em que o procedimento e o impulso processual competem primordialmente ao lesado, e em que a aludida desistência igualmente faz cessar o procedimento), e com eliminação da antiga figura do crime "quase-público" (em que se exigia, fundamentalmente para os crimes de natureza sexual, a formulação de queixa, mas se determinava que, apresentada a mesma, a desistência do lesado não era susceptível de produzir quaisquer efeitos processuais).