Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
04P1116
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: HENRIQUES GASPAR
Descritores: TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTE
APRECIAÇÃO DA PROVA
IN DUBIO PRO REO
Nº do Documento: SJ200404280011163
Data do Acordão: 04/28/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Sumário : I - O princípio in dubio pro reo constitui um limite normativo do princípio da livre apreciação da prova inscrito no art. 127.º do CPP, impondo orientação vinculativa para os casos de dúvida sobre os factos, e que nessa mediada de imposição de sentido (pro reo) limita a liberdade de apreciação do juiz.

II - Porém, para ser apreciada e conhecida, a violação do princípio in dubio pro reo tem de resultar dos próprios termos da decisão recorrida, dada a limitação dos poderes de cognição do STJ às questões de direito. E se desta não se retirar que o tribunal, colocado perante uma dúvida sobre a prova, tenha optado por uma solução desfavorável ao arguido não se pode concluir pela violação daquele princípio.

III - O art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22-01, contém a descrição fundamental - o tipo essencial - relativa à previsão e ao tratamento penal das actividades de tráfico de estupefacientes, construindo um tipo de crime que assume, na dogmática das qualificações penais, a natureza de crime de perigo: a lei basta-se com a aptidão que determinadas condutas revelam para constituir um perigo para determinados bens e valores (a vida, a saúde, a tranquilidade, a coesão interindividual das unidades de organização fundamental da sociedade), considerando integrado o tipo de crime logo que qualquer das condutas descritas se revele, independentemente das consequências que possa determinar ou efectivamente determine.

IV - A construção e a estrutura dos crimes ditos de tráfico de estupefacientes, enquanto crimes de perigo, pressupõe a graduação em escalas diversas dos diferentes padrões de ilicitude em que se manifesta a intensidade (a potencialidade) do perigo (um perigo que é abstracto-concreto) para bens jurídicos protegidos. Daí a fragmentação por escalas pensada para o grande tráfico (arts. 21.º e 22.º do DL 15/93, de 22-01), para os pequenos e médios traficantes (art.º 25.º do mencionado diploma - tipo privilegiado em razão do grau de ilicitude, consideravelmente diminuída, em relação ao tipo fundamental do art. 21.º) e para os traficantes-consumidores (art. 26.º do DL 15/93, de 22-01 - tipo caracterizado pela especial diminuição da ilicitude, resultante de circunstâncias particulares do arguido, aliada a elementos objectivos relativos à quantidade de produto objecto da infracção).

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:


1. Na 4ª Vara Criminal do Porto, em processo comum com intervenção do tribunal colectivo, foi proferido acórdão que, além do mais, condenou os arguidos -
"AA", pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art° 21°, n° l, do Decreto-Lei n° 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 9 anos de prisão;
"BB", pela prática de idêntico crime, na pena de 7 anos de prisão;
"CC", pela prática de igual crime, na pena de 6 anos de prisão;
"DD", nas penas parcelares de 5 anos de prisão, pela prática de crime igual, e 12 meses de prisão, pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art° 6° da Lei nº 22/97, de 27 de Junho, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 5 anos e 6 meses de prisão.
Não se conformando com a decisão, os arguidos recorreram para o tribunal da relação do Porto, que rejeitou, por manifesta improcedência, o recurso do arguido DD; negou provimento ao recurso do arguido CC, confirmando quanto a ele a decisão recorrida; e concedeu parcial provimento aos recursos dos arguidos AA e BB, alterando nessa parte o acórdão recorrido e condenando o primeiro na pena de 7 anos de prisão e o segundo na pena de 6 anos de prisão.

2. De novo inconformados, os arguidos BB, AA e DD recorrem para este Supremo Tribunal, motivando os recursos, que terminam com as seguintes conclusões:
I- BB:
1ª. O Tribunal alicerçou a sua convicção no depoimento da testemunha EE; tal depoimento veio a juízo referir vendas, não reduzidas a auto, sendo insusceptível de ser valorado, não se afigurando compatível com o principio da legalidade, plasmado no art°. 125 do CP.P.
2ª. O tribunal não pode olvidar que no dia em que os demais foram detidos, o recorrente não se encontrava ao local, antes pelo contrário encontrava-se no seu leito a dormir onde foi feita busca domiciliária e onde não lhe foram encontrados quaisquer elementos que o relacionem com tal prática, nem dinheiro, nem produto, ninguém podendo ser condenado por intenções.
3ª. Pois o depoimento da testemunha não traduziu o que esta viu, já que na data dos factos não o redigiu a auto; constata-se assim que a testemunha reproduz o que ouviu de eventuais testemunhas.
4ª. Tal valoração importa uma clara violação do art°s. 129º, 130º, 356º, n°. 7, do C.P.P.
5ª. Acresce que inexiste qualquer correspondência lógica entre os factos dados como provados a prova produzida e consequente decisão condenatória, sendo que o recorrente foi condenado com base em prova meramente indiciária, sendo certo que no dia em que todos os demais foram detido não se encontrava no local nem nas imediações; o arguido não pode ser condenado pela culpa ou envolvimento dos demais.
6ª. Ultrapassando o tribunal os limites impostos pela lei penal na valoração da prova, em clara violação do art°. 127º do C.P.Penal.
7ª. Sendo certo que a ausência de elementos factuais e probatórios importa no mínimo a existência de dúvida razoável quanto á prática pelo recorrente de um qualquer crime e consequentemente a sua absolvição.
8ª. Ao confirmar a sua condenação ainda que lhe tendo dado parcial provimento no recurso interposto o tribunal viola o principio in dubio pro reo e assim o artº. 32º, nº 2, da lei fundamental.
9ª. Acresce que da analise do acórdão de que ora se recorre, vislumbra o recorrente claro erro notório do acórdão na apreciação da matéria probatória, erro esse que resulta ao próprio texto da decisão recorrida e com base na qual foi condenado, pois o tribunal, à revelia do principio in dubio pro reo, entendeu que o recorrente, além de ter praticado actos de tráfico, a sua conduta merecia uma censura maior, e tal traduz-se nas penas que foram cominadas aos demais, violando-se nesta parte o art°. 410º, alíneas a), b) e c).
10ª. Ninguém pode ser condenado por intenções; o tribunal não poderia olvidar que o seu dolo era sobremaneira inferior ao dos demais co-arguidos e o recorrente não foi detido com produto estupefaciente, não lhe foram apreendidas quantias económicas, esteve no local em datas anteriores breves minutos ao contrário dos demais que aí estiveram durante largo período de tempo, o recorrente nada trazia para o local e não era dono de qualquer negócio.
11ª.O recorrente encontrava-se inserido a trabalhar (para a firma Pericofragens) conforme dado como provado relativamente à sua condição sócio profissional; se é verdade que a pena é a medida da culpa, a entender-se que lá esteve, o tribunal não poderia deixar de ter em conta que se se limitou a minutos, em duas datas, ao contrário dos demais que foram condenados em pena inferior; aliás em 2.12 dá-se como provado que ajudou e outros foram recrutados, sendo as expressões sintomáticas de colaboração pontual, da parte do recorrente, não compreendendo como chegou o tribunal à pena que em concreto lhe foi aplicada, inexistindo qualquer referência aos elementos em concreto que determinaram a medida da pena.
12ª. A entender-se que a sua conduta íntegra a prática de crime, impunha-se diferenciar condutas, tendo em conta quer o período de tempo, quer a eventual disseminação muito menor, a integração sócio profissional; o tribunal deveria ter integrado a sua conduta na previsão do art°. 25º do Decreto-Lei nº. 15/93, em pena nunca superior a 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão.
Pede, em consequência, o provimento do recurso, com a revogação da decisão condenatória recorrida, determinando a absolvição do recorrente, ou, caso assim não se entenda, «sempre será de convolar o crime para um de tráfico de menor gravidade em pena que não deverá ultrapassar os três anos e seis meses de prisão».
Respondendo à motivação, o Ministério Público entende que o recurso não merece provimento, com base em fundamentos que, em síntese, traduz nas seguintes conclusões:
ª. O declarado pela testemunha EE não é um depoimento indirecto, tendo sido peremptório ao referir que o arguido fez as vendas de droga dadas como provadas, explicando claramente como chegou ao respectivo número;
2ª. Nas vezes em que substituiu o arguido AA nas vendas, recebendo dele o respectivo saco, o aqui impugnante vendeu os mesmos produtos que eram vendidos por aquele e pelo arguido CC, como resulta do exame efectuado aos produtos vendidos por estes;
3ª. Foi feita uma correcta valoração daquele depoimento e do exame laboratorial aos produtos, não restando quaisquer dúvidas quanto à prática pelo impugnante do crime por que veio a ser condenado;
4ª. Assim sendo, o Tribunal da Relação não cometeu nenhum erro notório na apreciação da prova, uma vez que a matéria de facto dada como assente mostra-se claramente adequada à decisão de direito que foi tomada;
5ª. Nesta conformidade, do acórdão recorrido não transparece qualquer dúvida da culpabilidade do arguido em termos de lhe poder ser aplicado o princípio in dubio pro reo, ficando necessariamente prejudicada a respectiva aplicação;
6ª. A medida da pena mostra-se correcta e equilibrada, tendo em conta o facto de o arguido ser reincidente, o dolo directo e intenso, a ilicitude de média gravidade e elevadas as exigências de prevenção e reprovação do crime;
7ª. O acórdão em recurso não violou quaisquer normativos legais, designadamente os invocados pelo impugnante.

II- AA:
1ª. O tribunal não teve em conta as inúmeras atenuantes que deviam ter tido reflexo na pena que lhe foi cominada;
2ª. O arguido, ele próprio consumidor, com o discernimento afectado;
3ª. O arguido desde os 14 anos pautava a vida de acordo com os valores e padrões sociais, sendo considerado pessoa prestável, humilde e educada;
4ª. O arguido, ao contrário dos demais, era primário, e pese não ter sido condenado como reincidente, certo é que a sua pena é manifestamente exagerada.
5ª. O tribunal não logrou apurar actividade no tempo ou que disso fizesse modo de vida.
6ª. Apenas se apurou o tráfico de rua, sem viaturas de alta cilindrada, sem meios de riqueza advindo de tal prática, de um cidadão que pese tal comportamento trabalhava e se mantinha activo;
7ª. Deverá ter tratamento diferenciado em relação a outro tráfico que envolve quantidades mais significativas, meios logísticos e capital cuja notória observação seja facilmente constatada aos olhos do comum mortal;
8. O arguido mantinha hábitos de trabalho cumprindo horários e tarefas profissionais.;
9ª. Evidenciou responsabilização, assumindo a verdade incriminadora e consciência do seu erro da sua conduta;
10ª. .Para condutas iguais o tribunal penalizou o arguido AA sobremaneira em relação aos demais, existindo nesta parte erro notório na apreciação da prova. - artigo 410 , n.° 2, alínea c, do CPP.
11ª .Foram, pois, violadas as disposições legais dos artigos 40°. 70° e 71° do Código Penal.
O magistrado do Ministério Público, na resposta à motivação do recorrente, entende que a medida da pena se mostra correcta e equilibrada, já que teve em conta todas as circunstâncias, sobrelevando as agravantes, em muito, as atenuantes, devendo, em consequência, ser negado provimento ao recurso, e manter-se integralmente acórdão recorrido.

III - DD:
1ª. Não se verificam os pressupostos necessários para que o tribunal a quo decidisse pela rejeição do recurso por manifesta improcedência - art°. 420°, n° 1, do C.P.P. Efectivamente,
2ª. Havia sido alegado, motivado e concluído que: os critérios de escolha e determinação da medida da pena, impostos pelo art°. 71° do C.P. não foram devidamente ponderados pelo tribunal recorrido.
3ª. O Tribunal a quo não ponderou, devidamente, as condições sócio-económicas do recorrente.
4ª. Nem levou em devida conta, para a determinação da medida da pena, facto de ter a seu cargo 2 filhos menores, que vão sobrevivendo com a ajuda da mãe do arguido, e dos pais da companheira, necessitando a breve trecho da força do trabalho do arguido para fazer face as despesas cada vez mais prementes; tem visitas regulares da companheira e dos filhos; tem hábitos de trabalho, tal como resultou provado no acórdão recorrido.
5ª. O recorrente na data da prática dos factos era um jovem de 26 anos.
6ª. Estas circunstâncias, não fazendo parte do tipo de crime, depõem a favor do recorrente, levando a crer que a sua jovem idade, ocupação laboral que evidenciava, a estabilidade familiar que demonstra (ou), se tivessem sido devidamente ponderadas e analisadas, tornam o recorrente apto a uma fácil recuperação, retomando uma vida normal, regendo a sua conduta por valores condizentes com a lei, tornando-se um cidadão útil, o que vai ao encontro dos seus desejos.
7ª. Considerando tais elementos e dado a conduta do arguido se afigurar subsumível ao tipo legal de crime previsto no art°. 21° n° 1 do Dec. Lei n°.15/93, de 22 de Janeiro, o qual prevê uma pena de quatro a doze anos de prisão, reputa-se como adequada e suficiente a pena de 4 anos e seis meses de prisão pelo cometimento de tal ilícito.
8ª. De igual sorte, e atendendo a que a pena prevista para o cometimento do crime de detenção ilegal de arma consente, em alternativa, pena de prisão ou multa, e admitindo que esta não satisfaça, in totum, as finalidades da punição, a pena de 12 (doze) meses de prisão é manifestamente desadequada e desproporcionada.
9ª. Operando a medida da pena de prisão entre o limite mínimo de l mês e o máximo de 2 anos, a pena de 3 meses de prisão mostra-se adequada e suficiente às finalidade reclamadas pela punição.
10ª. Estabelecendo o adequado cúmulo jurídico das penas parcelares, reputa como adequada a pena única de 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de prisão.
11ª. Assim se decidindo, permitir-se-ia ao recorrente, a curto prazo, abraçar uma nova vida, inserindo-se novamente na sociedade, prosseguindo com a sua predisposição para o trabalho, que resultou provada no acórdão recorrido, tentando evitar, deste modo, a quebra da sua inserção na comunidade, concedendo-lhe a possibilidade de não se afastar, por muito tempo, dos hábitos de trabalho que criou.
12ª. Considerando o exposto, subsumindo nas disposições conjugadas dos artºs. 40° e 71° do C.P., constata-se que a pena aplicada não respeitou os critérios da sua determinação, pelo que o tribunal a quo violou as aludidas normas.
13ª. Sendo que a sua correcta interpretação, as exigências de prevenção e todas as circunstâncias que depõem a favor do recorrente, impunham ao tribunal a quo a aplicação ao recorrente da pena concreta de 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de prisão.
Pede, pois, a revogação da decisão recorrida, com a condenação do recorrente na pena única de 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de prisão.
O Ministério Público respondeu à motivação, considerando ser manifesta a improcedência do recurso, uma vez que as condições sócio-económicas invocadas pelo recorrente para a redução das penas, parcelares e única, em que foi condenado, não foram dadas como provadas, e também o argumento da idade só poderia ganhar verdadeira relevância se, à data dos factos, ainda não tivesse atingido 21 ano, não alegando nenhum fundamento válido para a diminuição das penas.

3. Neste Supremo Tribunal a Exmª Procuradora-Geral Adjunta teve intervenção nos termos do artigo 426º do Código de Processo Penal.
Colhidos os vistos, teve lugar a audiência, com a produção de alegações, cumprindo apreciar e decidir.
As instâncias consideraram provados os seguintes factos:
2.1.1. O arguido AA decidiu, pelo menos desde o dia 16 de Fevereiro de 2002, levar a cabo a actividade de venda de substâncias estupefacientes a consumidores junto ao nº 38 da Rua dos Pelames, na cidade do Porto;
2.1.2. Para o ajudar na referida actividade, o arguido AA socorreu-se da ajuda do arguido BB e recrutou o arguido CC;
2.1.3. Assim, actuando sob as ordens e instruções do arguido AA e de comum acordo com este, no dia 16.02.2002, por volta das 9:30/10:00 horas, o arguido CC chegou à Rua dos Pelames, na cidade do Porto;
2.1.4. Alguns minutos depois, chegou também ao local o arguido AA, que entrou para o nº 38 da referida artéria, sendo, então, seguido pelo arguido CC;
2.1.5. Passados cerca de 5 minutos, os dois arguidos saíram do referido nº ... da Rua dos Pelames e começaram, em conjunto, a vender "pacotes" de heroína e cocaína a indivíduos que, para o efeito, acorriam ao local;
2.1.6. Por volta das 14:00 horas, apareceu na Rua dos Pelames o arguido BB, que substituiu o arguido AA na venda de estupefacientes que este vinha efectuando desde que ali chegara;
2.1.7. Os arguidos CC e BB mantiveram-se a vender heroína e cocaína no referido local cerca de 30 minutos, tendo, depois, ido embora;
2.1.8. No referido dia 16 de Fevereiro de 2002, os arguidos AA, BB e CC fizeram, entre os três, pelo menos 500 vendas de heroína e de cocaína;
2.1.9. Dessas vendas, cerca de 50 foram feitas pelo arguido BB após ter substituído o arguido AA;
2.1.10. No dia 17.02.2002, também por volta das 9:30/10:00 horas, o arguido CC, actuando sob as ordens e instruções do arguido AA e de comum acordo com este, dirigiu-se, de novo, à Rua dos Pelames, na cidade do Porto;
2.1.11. Alguns minutos depois, chegou ao local o arguido AA, que, tal como no dia anterior, entrou para o nº 38 da referida rua, sendo, de novo, seguido pelo arguido CC;
2.1.12. Passados cerca de 5 minutos, os dois referidos arguidos saíram do nº ... da Rua dos Pelames e, em conjunto, começaram a vender heroína e cocaína a indivíduos que, para o efeito, acorriam ao local;
2.1.13. Por volta das 12:00 horas, apareceu no local o arguido BB, que voltou a substituir o arguido AA na venda de estupefacientes que este vinha efectuando desde que ali chegara, tendo o AA abandonado o local e o arguido CC passado a actuar sob as ordens e instruções do BB;
2.1.14. Os arguidos CC e BB mantiveram-se a vender heroína e cocaína no referido local até hora não concretamente apurada;
2.1.15. No referido dia 17.02.2002, os arguidos AA, BB e CC fizeram, entre os três, também pelo menos 500 vendas de heroína e de cocaína;
2.1.16. Dessas vendas, cerca de 100 foram feitas pelo arguido BB após substituir o arguido AA;
2.1.17. No dia 2 de Março de 2002, pelas 9:20 horas, junto ao sobredito nº ... da Rua dos Pelames, os arguidos AA e CC deram, mais uma vez, início à actividade de venda de substâncias estupefacientes;
2.1.18. O arguido AA, que se encontrava rodeado por vários consumidores e segurava na mão esquerda várias embalagens, dizia em voz alta "é da boa; esta é a melhor; esta é que é boa";
2.1.19. Foi, então, interceptado por agentes da P.S.P., que tinham conseguido passar despercebidos e se encontravam junto ao consumidores que rodeavam o arguido AA;
2.1.20. Na ocasião, foram apreendidas ao arguido AA 317 (trezentas e dezassete) embalagens de plástico - que eram as que tinha na mão e lançou ao solo, mais as que tinha no bolso do blusão - contendo um produto em pó, com o peso bruto de 46,715 gramas e liquido de 27,969 gramas, laboratorialmente identificado como heroína;
2.1.21. Posteriormente, já nas instalações da polícia, foi ainda apreendido ao arguido AA o seguinte:
- vinte três embalagens de plástico contendo um produto sólido, com o peso bruto de 1,799 gramas, e líquido de 1,025 gramas, laboratorialmente identificado como cocaína;
- uma embalagem de plástico contendo um produto em pó, com o peso bruto de 157 miligramas e líquido de 85 miligramas, laboratorialmente identificado co- mo heroína;
- a quantia de 450 euros, em notas e moedas.
2.1.22. Simultaneamente à descrita intercepção do arguido AA, foi também interceptado o arguido CC no corredor de acesso ao falado imóvel nº ...;
2.1.23. O referido arguido tinha com ele um canto plástico acondicionando 694 embalagens de plástico - que lançou ao solo, mal se apercebeu da iminente intercepção - contendo um produto sólido com o peso bruto de 72,162 gramas e líquido de 33,823 gramas, laboratorialmente identificado como cocaína;
2.1.24. Posteriormente, já nas instalações da polícia, foi ainda encontrado na posse do arguido CC o seguinte:
- uma embalagem de plástico contendo um produto em pó, com o peso bruto de 121 miligramas e liquido de 53 miligramas, laboratorialmente identificado como heroína;
- vários pedaços de um produto vegetal prensado, com o peso liquido de 445 miligramas, laboratorialmente identificado como canabis;
- a quantia de 113,50 euros, em notas e moedas.
2.1.25. Ainda no dia 2.03.2002 foram apreendidos ao arguido AA o motociclo de marca "Kawasaki", modelo "ZX-9R", o veículo automóvel ligeiro de mercadorias, tipo furgão de caixa fechada, de marca "Toyota", modelo "Hiace", matrícula HQ, bem como o seguinte:
- um papel com vários apontamentos telefónicos manuscritos;
- os documentos e chaves dos referidos veículos;
- uma cobertura de "poliester", de cor cinzenta, própria para motociclos;
- uma saca plástica contendo a quantia de 983,90 euros, em moedas, uma saca plástica contendo a quantia de 322,90 euros, em moedas, um vale do correio do Centro Distrital da Segurança Social do Porto, emitido a favor do arguido CC, pelo montante de 138,27 euros, e documentos e papeis, que se encontravam dentro do veículo "Toyota.
2.1.26. No mesmo dia 2.03.2002 foi realizada uma busca à residência dos arguidos AA e BB, sita na Rua do Outeiro, nº 42, 1º Esqº, em Gondomar, tendo sido apreendido o seguinte:
- um produto vegetal prensado, com o peso liquido de 294 miligramas, laboratorialmente identificado como canabis (resina);
- um saco plástico contendo a quantia de 52,50 euros, em moedas;
- o telemóvel de marca "Nokia", modelo 3310, com o EMEI nº 350139/80/316450/0;
- um cartão de carregamento de telemóvel da operadora "Vodafone", com o nº 914712786;
- um televisor da marca "Sony", modelo "Trinitron", respectivo comando e cabo de ligação;
- um DVD de marca "Sony", modelo "DVP-5715" e respectivo comando;
- um "Hi-Fi" de marca "Sony", composto por quatro módulos e respectivas colunas da mesma marca, com comando e cabos de ligação;
- um móvel;
- três sabres, sendo um com o revestimento de cor preta e os outros dois de cor castanha";
- uma máquina fotográfica de marca "Canon", modelo "AE1Program", com objectiva;
- uma caixa de moedas com a inscrição "Colecção Portugal em Prata";
- um televisor de marca "Mitsai", modelo "Techno";
- um vídeo-gravador de marca "Sanyo", modelo "VHR-M271SP";
- um capacete de cores verde, branco e preto, com a inscrição "Nau";
- duas máquinas fotográficas, sendo uma de marca "Sony", modelo "Cyber-Shot", e a outra de marca "Olympus";
- o telemóvel de marca "Motorola", com cartão da operadora "Vodafone";
- vários documentos e papeis.
2.1.27. No mesmo dia foi apreendido ao arguido BB o motociclo de marca "Aprilia", modelo "Pegaso", matrícula SM;
2.1.28. Realizada, no dia 3.03.2002, busca à residência do arguido DD, situada na Travessa S. Sebastião, nº 29, casa 8, no Porto, foi apreendido o seguinte:
- 265 embalagens de plástico contendo um produto em pó, com o peso bruto de 36,277 gramas e liquido de 13,701 gramas, laboratorialmente identificado como heroína;
- 14 embalagens de plástico contendo um produto em pó com o peso bruto de 1,609 gramas e liquido de 804 miligramas, laboratorialmente identificado como heroína;
- um plástico contendo um produto em pó, com o peso bruto de 33,140 gramas e liquido de 32,314 gramas, laboratorialmente identificado como heroína;
- um produto vegetal prensado, com o peso liquido de 1,114 gramas, laboratorialmente identificado como canabis (resina);
- uma balança de precisão, marca "Shoehnle", de cor branca;
- um telemóvel de marca "Nokya", modelo 8210, de cor azul;
- um capacete marca "AGV";
- umas matracas;
- uma pistola de alarme, sem número de série, marca "F.T.", modelo "GT 28", calibre 8 mm, de carregamento por carregador, com capacidade para seis cartuchos metálicos, carregados sem projéctil, de percussão central, com cão, de fabrico italiano, alterada nas suas características através da adaptação de um cano de alma estriada, com seis centímetros de comprimento, para ser utilizada com cartuchos metálicos, carregados com carga de pólvora e projéctil (bala), de calibre 6,35 mm/ .25 AUTO, de percussão central, tendo-lhe sido obstruído o orifício que tinha na parte superior da arma para a saída de fumos (gases) provenientes da deflagração de cartuchos de alarme, arma esta que foi cromada de cor branca prateada e gravada a marca "Astra Cal. 6,35" , na parte esquerda da corrediça, em bom estado de conservação e funcionamento;
- 9 cartuchos metálicos carregados com carga de pólvora e projéctil (bala), próprios para armas de calibre 6,35 mm/ .25 AUTO, em bom estado de conservação;
- diversos documentos e papeis manuscritos.
2.1.29. Ao arguido DD foi ainda apreendido o seguinte:
- a quantia de 80 euros, em notas;
- três anéis em ouro, um com pedra preta, outro com pedra branca e o outro com quatro pedras brancas, e uma pulseira em ouro;
- o motociclo de marca "Suzuki", modelo "GS500", matrícula TU;
2.1.30. Realizada, no dia 2.03.2002, busca à residência do arguido FF, situada na Rua dos Pelames, nº 38, 2º, no Porto, foi apreendido o seguinte:
- três telemóveis, sendo um da marca "Philips", com o respectivo cartão da "Telecel" inserido, o outro da marca "Nokia", modelo 5130, e o restante da marca "Sansung", com cartão da "TMN";
- três carregadores de telemóveis sendo um da marca "Philips", outro da marca "Sansung" e o restante do modelo "TC98A";
- documentos e papeis manuscritos.
2.1.31. Ainda durante a operação que levou à detenção dos arguidos AA e CC e às buscas no nº 38º da Rua dos Pelames, elementos da P.S.P. procederam igualmente à apreensão do seguinte:
- a quantia de 1061,49 euros, em notas e moedas, que se encontrava dentro de um saco plástico preto, por detrás da porta de acesso ao referido imóvel nº 38, lá colocada pelos arguidos AA e CC;
- 491 embalagens de plástico contendo um produto em pó, com o peso bruto de 73,434 gramas e líquido de 46,221 gramas, laboratorialmente identificado como heroína, que se encontravam acondicionadas num canto plástico, escondidas no bolso de umas calças penduradas no estendal do corredor de acesso ao acima referido imóvel, lá colocadas pelos arguidos AA e CC, como reserva, caso esgotassem as indicadas embalagens que tinham consigo para venda e lhes foram apreendidas.
2.1.32. Os produtos estupefacientes referidos nos pontos 2.1.20. (317 embalagens de heroína), 2.1.21. (23 embalagens de cocaína e uma embalagem de heroína), 2.1.23.(694 embalagens de cocaína ) e 2.1.31. (491 embalagens de heroína) apreendidos nas supra descritas circunstâncias eram destinados à venda pelos arguidos AA e CC;
2.1.33. A heroína apreendida na residência do arguido DD era ali guardada por este a pedido de pessoa cuja identidade não foi possível apurar;
2.1.34. A quantia de 450 euros apreendida ao arguido AA, a quantia de 113,50 euros encontrada na posse do arguido CC e a quantia de 1.061,49 euros encontrada atrás da porta de acesso ao nº 38 da Rua dos Pelames eram provenientes da venda de substâncias estupefacientes;
2.1.35. Os arguidos AA e CC, ao agirem nos termos descritos nos dias 16.02.2002, 17.02.2002 e 3.03.2002, fizeram-no de comum acordo e em conjugação de esforços;
2.1.36. O arguido BB, ao agir nos termos descritos nos dias 16.02.2002 e 17.02.2002, fê-lo de comum acordo e em conjugação de esforços com os arguidos AA e CC;
2.1.37. Os arguido AA e CC conheciam perfeitamente a natureza
e características dos produtos que venderam e dos produtos que lhes foram apreendidos nas descritas circunstâncias, bem sabendo eles que a venda e detenção dos mesmos lhes estava vendada por lei;
2.1.38. O arguido BB conhecia perfeitamente a natureza e características dos produtos que vendeu nas descritas circunstâncias, bem sabendo ele que a venda e detenção dos mesmos lhe estava vendada por lei;
2.1.39. O arguido DD conhecia perfeitamente a natureza e características dos produtos que lhe foram apreendidos nas supra descritas circunstâncias, bem sabendo ele que a detenção dos mesmos lhe estava vedada por lei;
2.1.40. Ao agir nos termos descritos, os arguidos AA, BB, CC e DD fizeram-no de forma deliberada, livre e consciente;
2.1.41. O arguido DD conhecia as características da pistola que lhe foi apreendida, concretamente que se tratava de arma adaptada a calibre 6,35 mm, e que não a podia manifestar e registar, pelo que bem sabia que a sua detenção lhe estava vedada por lei, tendo, também aqui, agido deliberada, livre e conscientemente;
2.1.42. No processo comum colectivo nº 427/95, da 4ª Vara Criminal do Círculo do Porto, por acórdão de 29.01.96, transitado, o arguido DD foi condenado na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão, pela prática, em 26.07.95, dos crimes de roubo, sequestro e furto de uso de veículo;
2.1.43. Tal condenação não constituiu, pois, suficiente prevenção ou advertência para afastar o arguido DD da criminalidade;
2.1.44. No processo comum colectivo nº 466/95, da 2ª Vara Criminal do Círculo do Porto, por acórdão de 16.02.96, transitado, o arguido CC foi condenado na pena de 2 anos de prisão pela prática, em 01.03.95, de crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, tendo estado em cumprimento de tal pena desde o dia 23.03.1995 até ao dia 23.03.1997, data em que saiu em liberdade;
2.1.45. Tal condenação não constituiu, pois, suficiente prevenção ou advertência para afastar o arguido CC da criminalidade;
2.1.46. No processo comum colectivo nº 310/95, da 1ª Vara Criminal do Círculo do Porto, por acórdão de 7.11.95, transitado, o arguido BB foi condenado na pena de 7 anos de prisão pela prática, em 10.07.94, do crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelos artºs 21º, nº 1, e 24º, al c), do DL. 15/93, de 22/01, tendo estado em cumprimento de tal pena desde o dia 10.07.1995 até ao dia 10.07.2001, data em que saiu em liberdade;
2.1.47. Tal condenação não constituiu, pois, suficiente prevenção ou advertência para afastar o arguido BB da criminalidade;
2.1.48. O arguido BB encontrava-se no interior da residência sita na Rua do Outeiro nº ..., em Gondomar, quando foi realizada a busca;
2.1.49. O motociclo de marca "Kawasaki" apreendido ao arguido AA pertence-lhe, já havia sido apreendido à ordem de outro processo e posteriormente devolvido;
2.1.50. O veículo automóvel ligeiro de mercadorias marca "Toyota", modelo "Hiace", matrícula HQ, pertence à mãe do arguido AA, GG;
2.1.51. As quantias de 983,90 euros e 322,90 euros apreendidas no interior do referido veículo automóvel pertenciam igualmente à mãe do arguido AA, GG;
2.1.52. O arguido AA nasceu no seio de uma família de estrato sócio-económico desfavorecido;
2.1.53. Iniciou a frequência escolar em idade própria, tendo concluído o 4º ano de escolaridade com cerca de 14 anos;
2.1.54. O seu percurso escolar ficou marcado pelo absentismo e por dificuldades de aprendizagem;
2.1.55. Ainda aos catorze anos começou a viver em união de facto com a sua actual mulher, com quem acabou por casar;
2.1.56. Do casamento nasceram dois filhos, ainda menores, um dos quais é doente;
2.1.57. Pouco tempo após o casamento começou a trabalhar com a mãe no transporte e venda de peixe, actividade que desenvolvia em simultâneo com a de pintor da construção civil;
2.1.58. Também trabalhou numa tipografia e num oculista;
2.1.59. À data dos factos ajudava a mãe no transporte de peixe para esta vender, utilizando a carrinha daquela, transportando também com a mesma mercadorias para outras vendedoras;
2.1.60. Iniciou-se no consumo de haxixe e passou, posteriormente, a consumir cocaína, na forma fumada;
2.1.61. Já se submeteu a tratamento para deixar o consumo de produtos estupefacientes;
2.1.62. No meio prisional tem mantido um comportamento adequado às regras institucionais, estando a trabalhar nos balneários;
2.1.63. É visitado regularmente pela mulher, filha mais velha, mãe, irmãos e cunhado;
2.1.64. É considerado uma pessoa prestável, humilde e educada;
2.1.65. O arguido BB é o oitavo, por ordem de nascimento, de um conjunto de catorze descendentes, oriundos de uma família de estrato sócio-económico desfavorecido;
2.1.66. Apenas o pai trabalhava, sendo a mãe doméstica;
2.1.67. Frequentou o sistema de ensino normal, embora não tenha concluído o 4º ano de escolaridade em virtude de ter sido expulso do estabelecimento de ensino que frequentava;
2.1.68. Só posteriormente, em regime nocturno, veio a concluir o 5º ano de escolaridade;
2.1.69. Cerca dos catorze anos começou a trabalhar com mecânico, actividade que exerceu durante dois anos;
2.1.70. Posteriormente teve diversos empregos, desempenhados de modo irregular;
2.1.71. Começou a consumir produtos estupefacientes no ano de 1994;
2.1.72. Antes de detido vivia com uma irmã, o cunhado, os sobrinhos e a companheira;
2.1.73. Trabalhava na empresa "Empresa-A";
2.1.74. Era considerado um bom trabalhador, sendo assíduo e bom colega;
2.1.75. No meio prisional tem mantido um comportamento em conformidade com as normas institucionais;
2.1.76. Encontra-se ocupado no sector de mecânica auto;
2.1.77. É visitado regularmente pelas irmãs, sobrinhos, companheira e mãe desta;
2.1.78. O arguido CC descende de um agregado familiar numeroso e de modesta condição sócio-económica;
2.1.79. Após a conclusão da 4ª classe, e por imposição de dificuldades de ordem económica, iniciou-se em termos laborais como carpinteiro junto de um tio;
2.1.80. Posteriormente trabalhou num escritório como estafeta, também para um familiar;
2.1.81. Começou a consumir produtos estupefacientes há cerca de 8 anos;
2.1.82. Efectuou um tratamento no C.A.T. e antes de detido encontrava-se em tratamento no Hospital Joaquim Urbano;
2.1.83. No meio prisional tem mantido um comportamento formalmente de acordo com as normas institucionais;
2.1.84. Encontra-se a trabalhar na faxina e frequenta o 2º ano do ciclo;
2.1.85. O pai do arguido DD faleceu quando este tinha quatro anos de idade;
2.1.86. Tal circunstância, associada ao facto de a mãe não possuir condições económicas e habitacionais que assegurassem o processo educativo dos filhos levou a que estes fossem colocados em amas, com sucessivas mudanças de local de acolhimento;
2.1.87. Durante esse período, embora não coabitando com a mãe, os menores beneficiaram sempre das visitas da mesma;
2.1.88. Prosseguiu a escolaridade obrigatória até aos catorze anos de idade, tendo o seu percurso escolar ficado marcado por algum insucesso e desinteresse pela actividade escolar;
2.1.89. Em anterior período de reclusão frequentou o 7º, 8º e 9º anos (por unidades capitalizáveis);
2.1.90. Iniciou-se em termos profissionais como empregado de mesa, actividade que manteve durante cinco anos e junto de várias entidades patronais, após o que trabalhou como ajudante de motorista;
2.1.91. Começou a consumir haxixe aos doze anos e posteriormente começou a consumir drogas duras;
2.1.92. Já fez um tratamento no C.A.T.;
2.1.93. Viveu em união de facto, tendo dois filhos menores dessa relação;
2.1.94. No meio prisional mantém um comportamento ajustado às normas institucionais;
2.1.95. Até ao momento não formulou qualquer pedido de trabalho;
2.1.96. Tem recebido visitas regulares da companheira e filhos;
2.1.97. A companheira é apoiada economicamente pela família de origem e pela mãe do arguido;
2.1.98. Nada consta do C.R.C. do arguido AA».

2.2. Matéria de facto não provada:

2.2.1. Que os arguidos AA e BB firmaram acordo para levarem a cabo, conjunta e concertadamente, a actividade de venda de substâncias estupefacientes, pelo menos cerca de três meses antes do dia 2 de Março de 2002;
2.2.1. Que para expandirem o "negócio" recrutaram o arguido CC;
2.2.2. Que os arguidos AA e BB recrutaram os arguidos DD e FF como responsáveis pela preparação, doseamento e embalagem das substâncias estupefacientes nas respectivas residências, sendo que a do segundo servia também como refúgio, em caso de intervenções policiais;
2.2.3. Que os arguidos AA e BB recrutaram "capiadores" para conduzirem consumidores perante eles e, concomitantemente, avisarem da presença de elementos policiais nas imediações onde se processava a venda;
2.2.4. Que os arguidos vendiam diariamente em média cerca de 500 doses" de heroína e igual número de cocaína, duplicando estes números aos sábados e domingos;
2.2.5. Que os produtos estupefacientes aprendidos tinham sido preparados por qualquer dos arguidos;
2.2.6. Que os demais produtos estupefacientes apreendidos e não constantes do ponto 2.1.32. da matéria de facto provada eram destinados à venda por parte de qualquer dos arguidos;
2.2.7. Que a quantia de 80 euros apreendida na residência do arguido DD (constante do ponto 2.1.29. da matéria de facto provada) era proveniente das vendas de produtos estupefacientes;
2.2.8. Que as quantias aprendidas dentro da viatura de marca "Toyota" (983,90 euros e 322,90 euros) eram provenientes das vendas de produtos estupefacientes;
2.2.9. Que a quantia aprendida na residência dos arguidos AA e BB era proveniente das vendas de produtos estupefacientes;
2.2.10. Que os arguidos DD e FF agiram de comum acordo e em conjugação de esforços com os arguidos AA, BB e CC, sob a liderança dos dois primeiros;
2.2.11. Que os bens apreendidos foram adquiridos pelos arguidos com dinheiro obtido através da actividade de venda de substâncias estupefacientes;
2.2.12. Que o arguido BB dormia quando foi realizada a busca à sua residência;
2.2.13. Que era para adquirir haxixe que se deslocava ao local onde foi fotografado, devendo ser enquadradas nesse contexto as fotografias constantes dos autos;
2.2.14. Que, para além de ser cunhado do arguido AA, não tem qualquer relação com os demais arguidos, conhecendo-os apenas por serem vizinhos e terem alguns idades próximas da sua;
2.2.15. Que no local referenciado nos autos foram detidas inúmeras pessoas, entre as quais uma tal "Quina", já anteriormente conotada condenada por tráfico de droga, e mais, recentemente, um tal "..." e outros;
2.2.16. Que o motociclo que lhe foi apreendido adquiriu-o através de leasing, encontrando-se vinculado aos respectivos pagamentos, que vinha cumprindo com o produto dos seu trabalho;
2.2.17. Que não tem quaisquer outros bens (casa, carros, numerário ou outros) que o conotem com o tráfico de estupefacientes;
2.2.18. Que o arguido AA não estava relacionado com ninguém e que apenas conhece os co-arguidos por serem todos oriundos dos mesmo bairro;
2.2.19. Que o arguido DD é estimado e considerado no meio onde vive;
2.2.20. Que o arguido CC encetou tratamento no estabelecimento prisional;
2.2.21. Que o arguido DD esteve em cumprimento de pena até ao dia 26.01.1999 no âmbito do Proc. Comum Colectivo nº 427/95, da 4ª Vara Criminal do Círculo do Porto».

4. Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões da motivação, cabe apreciar, neste enquadramento, o recurso de cada um dos recorrentes.
I- BB:
(i)- O recorrente, e tanto quanto se pode apreender das conclusões da motivação que não estão conformes às exigências impostas pelo artigo 412º, nº 2, d Código de Processo Penal (CPP), delimita ao objecto do recurso as seguintes questões:
- valoração da prova pelas instâncias (conclusões 1ª a 5ª);
- violação do princípio in dubio pro reo (conclusões 6ª a 8ª);
- integração do crime de tráfico de menos gravidade - artigo 25º do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro (conclusão 12ª);
- determinação da medida da pena (conclusões 9ª a 11ª).

(ii)- Nos termos do artigo 434º do CPP, o recurso para o Supremo Tribunal visa exclusivamente o reexame das questões de direito, sem prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios referidos no artigo 410º, nº 2 do CPP.
A discussão relativa à matéria de facto e ao modo como as instâncias decidiram quanto aos factos, e sobre a valoração da prova produzida, está, assim, excluída dos poderes de cognição do Supremo Tribunal, não podendo, pois, constituir objecto de recurso.
Os fundamentos invocados e condensados nas conclusões 1ª a 5º referem exclusivamente discordâncias sobre o modo como foram valoradas provas e quanto à convicção das instâncias sobre os factos.
Não há, por isso, que apreciar, nesta parte, a motivação do recorrente.

(iii)- E de idêntico modo no que respeita à invocada violação do princípio in dubio pro reo, que, aliás, no contexto e na forma, não constitui mais de que uma outra perspectiva de colocar precisamente a mesma questão relativa ao julgamento sobre a matéria de facto.
Sempre se dirá, apesar disso, que o princípio in dubio pro reo constitui um limite normativo do princípio da livre apreciação inscrito no artigo 127º do Código de Processo Penal, impondo a orientação vinculativa para os casos de dúvida sobre os factos, e que nessa medida de imposição de sentido (pro reo) limita a liberdade de apreciação do juiz.
Porém, para poder ser apreciada e conhecida, a violação do princípio in dubio tem de resultar dos próprios termos da decisão recorrida, dada a limitação dos poderes de cognição do Supremo Tribunal às questões de direito.
Por isso, e neste limite de apreciação, não existe violação do princípio se dos termos das decisões das instâncias se não retirar que estas, colocadas perante uma dúvida sobre a prova, tenham optado por uma solução desfavorável ao arguido (cfr. acórdão do Supremo Tribunal, de 19 de Fevereiro de 2003, proc. 4632/02).
No caso, como se vê pela enunciação dos factos provados e pela respectiva fundamentação, da decisão recorrida não se extrai que as instâncias que as proferiram tenham sido, em algum momento, colocadas em estado de dúvida razoável sobre a prova.
Improcede, pois, este motivo de impugnação.

(iv)- Situando-se já no domínio dos factos provados, o recorrente considera que a sua actuação integra apenas um crime de tráfico de menor gravidade, previsto no artigo 25º do Decreto-Lei nº 15/93.
O artigo 21º, nº 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, define o crime de tráfico e outras actividades ilícitas sobre substancias estupefacientes, descrevendo de maneira assumidamente compreensiva e de largo espectro a respectiva factualidade típica: «Quem , sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver [...], plantas, substâncias ou preparados compreendidos nas Tabelas I a IV, é punido com a pena de prisão de 4 a 12 anos».
O artigo 21º, nº 1, do Decreto-Lei nº 15/93 contém, pois, a descrição fundamental - o tipo essencial - relativa à previsão e ao tratamento penal das actividades de tráfico de estupefacientes, construindo um tipo de crime que assume, na dogmática das qualificações penais, a natureza de crime de perigo. A lei, nas condutas que descreve, basta-se com a aptidão que revelam para constituir um perigo para determinados bens e valores (a vida, a saúde, a tranquilidade, a coesão inter-individual das unidades de organização fundamental da sociedade), considerando integrado o tipo de crime logo que qualquer das condutas descritas se revele, independentemente das consequências que possa determinar ou efectivamente determine: a lei faz recuar a protecção para momentos anteriores, ou seja, para o momento em que o perigo se manifesta.
A construção e a estrutura dos crimes ditos de tráfico de estupefacientes, como crimes de perigo, de protecção (total) recuada a momentos anteriores a qualquer manifestação de consequências danosas, e com a descrição típica alargada, pressupõe, porém, a graduação em escalas diversas dos diferentes padrões de ilicitude em que se manifeste a intensidade (a potencialidade) do perigo (um perigo que é abstracto-concreto) para os bens jurídicos protegidos. De contrário, o tipo fundamental, com os índices de intensidade da ilicitude pré-avaliados pela moldura abstracta das penas previstas, poderia fazer corresponder a um grau de ilicitude menor uma pena relativamente grave, com risco de afectação de uma ideia fundamental de proporcionalidade que imperiosamente deve existir na definição dos crimes e das correspondentes penas.
Por isso, a fragmentação por escala dos crimes de tráfico (mais fragmentação dos tipos de ilicitude do que da factualidade típica, que permanece no essencial), respondendo às diferentes realidades, do ponto de vista das condutas e do agente, que necessariamente preexistem à compreensão do legislador: a delimitação pensada para o grande tráfico (artigos 21º e 22º do Decreto-Lei no 15/93), para os pequenos e médios traficantes (artigo 25º) e para os traficantes-consumidores (artigo 26º). (Cfr.. v. g., LOURENÇO MARTINS, "Droga e Direito", ed. Aequitas, 1994, pág. 123; e, entre vários, o acórdão deste Supremo Tribunal, de 1 de Março de 2001, na "Colectânea de Jurisprudência", ano IX, tomo I, pág. 234).
O artigo 25º do Decreto-Lei nº 15/93, epigrafado de "tráfico de menor gravidade", dispõe, com efeito, que «se, nos casos dos artigos 21º e 22º a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade e as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações», a pena é de prisão de 1 a 5 anos (alínea a)), ou de prisão até 2 anos ou multa até 240 dias (alínea b)), conforme a natureza dos produtos (plantas, substancias ou preparações ) que estejam em causa.
Trata-se, como é entendido (v. g., o acórdão deste Supremo Tribunal, cit. de 1 de Março de 2001, com extensa indicação de referências jurisprudenciais), de um tipo privilegiado em razão do grau de ilicitude em relação do tipo fundamental de artigo 21º. Pressupõe, por referência ao tipo fundamental, que a ilicitude do facto se mostre «consideravelmente diminuída» em razão de circunstâncias específicas, mas objectivas e factuais, verificadas na acção concreta, nomeadamente os meios utilizados pelo agente, a modalidade ou as circunstâncias da acção, e a qualidade ou a quantidade dos produtos.
A essência da distinção entre os tipos fundamental e privilegiado reverte, assim, ao nível exclusivo da ilicitude do facto (consideravelmente diminuída), mediada por um conjunto de circunstâncias objectivas que se revelem em concreto, e que devam ser conjuntamente valoradas por referência à matriz subjacente à enumeração exemplificativa contida na lei, e significativas para a conclusão (rectius, para a revelação externa) quanto à existência da considerável diminuição da ilicitude pressuposta no tipo fundamental, cuja gravidade bem evidente está traduzida na moldura das penas que lhe corresponde. Os critérios de proporcionalidade que devem estar pressupostos na definição das penas, constituem, também, um padrão de referência na densificação da noção, com alargados espaços de indeterminação, de «considerável diminuição de ilicitude».
A diversificação dos tipos apenas conforme o grau de ilicitude, com imediato e necessário reflexo na moldura penal, não traduz, afinal, senão a resposta a realidades diferenciadas que supõem respostas também diferenciadas: o grande tráfico e o pequeno e médio tráfico. Mas estas são noções que, antes de se constituírem em categorias normativas, surgem como categorias empíricas susceptíveis de apreensão directa da realidade das coisas. A justeza da intervenção, para a adequada prossecução também de relevantes finalidades de prevenção geral e especial, justifica as opções legais tendentes à adequada diferenciação do tratamento penal entre os grandes traficantes (artigos 21º, 22º e 24º) e os pequenos e médios(artigo 25º), e ainda daqueles que desenvolvem um pequeno tráfico com a finalidade exclusiva de obter para si as substâncias que consomem (artigo 26º).
Os critérios de integração diferencial, delimitados na generalidade da aproximação ou nos limites da descrição típica, têm de ser testados na ponderação imposta, em concreto, pelas circunstâncias do caso, devendo ser considerados na determinação da gravidade da ilicitude, tanto os meios utilizados, como as circunstâncias da acção e a qualidade a quantidade dos produtos.
Os factos provados relativamente ao recorrente - e salientem-se os factos descritos nos pontos 2.1.1, 2.1.8 e 2.1.15 - não se acolhem na noção de ilicitude «consideravelmente diminuída».
A conjugação e o acordo para a actividade, em circunstâncias aproximadas já a um nível de organização mínima, a qualidade do produto estupefaciente em causa, a dimensão quantitativa e a disseminação que se produziu, acentuada mesmo em "tráfico de rua", envolvem um grau de intensidade e uma projecção externa e objectiva da ilicitude que se não pode considerar diminuta, nem, muito menos, «consideravelmente diminuída».
A conduta do recorrente integra, assim, o crime de tráfico p.e p. no artigo 21º, nº 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro.

(v)- Nesta qualificação que foi considerada na decisão recorrida, o recorrente discute, finalmente, a medida da pena, não estritamente fundamentado em circunstâncias objectivas e pessoais, mas essencialmente na comparação com as penas em que foram condenados os co-arguidos.
Dispõe o artigo 40º do Código Penal que «a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade» - nº 1, e que «em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa» - nº 2.
Não tendo o propósito de solucionar por via legislativa a questão dogmática dos fins das penas, a disposição contém, no entanto, imposições normativas específicas que devem ser respeitadas; a formulação da norma reveste a «forma plástica» de um programa de política criminal cujo conteúdo e principais proposições cabe ao legislador definir e que, em consequência, devem ser respeitadas pelo juiz (cfr., Anabela Miranda Rodrigues, "O modelo de prevenção na determinação da medida concreta da pena privativa de liberdade", in Problemas Fundamentais de Direito Penal, Colóquio Internacional de Direito Penal em Homenagem a Claus Roxin, págs. 179 e segs.).
A norma do artigo 40º condensa, assim, em três proposições fundamentais o programa político criminal sobre a função e os fins das penas: protecção de bens jurídicos e socialização do agente do crime, senda a culpa o limita da pena mas não seu fundamento.
Neste programa de política criminal, a culpa tem uma função que não é a de modelar previamente ou de justificar a pena, numa perspectiva de retribuição, mas a de «antagonista por excelência da prevenção», em intervenção de irredutível contraposição à lógica do utilitarismo preventivo (cfr. idem, ibidem).
O modelo do Código Penal é, pois, de prevenção, em que a pena é determinada pela necessidade de protecção de bens jurídicos e não de retribuição da culpa e do facto. A fórmula impositiva do artigo 40º determina, por isso, que os critérios do artigo 71º e os diversos elementos de construção da medida da pena que prevê sejam interpretados e aplicados em correspondência com o programa assumido na disposição sobre as finalidades da punição; no (actual) programa político criminal do Código Penal, e de acordo com as claras indicações normativas da referida disposição, não está pensada uma relação bilateral entre culpa e pena, em aproximação de retribuição ou expiação.
O modelo de prevenção - porque de protecção de bens jurídicos - acolhido determina, assim, que a pena deva ser encontrada numa moldura de prevenção geral positiva e que seja definida e concretamente estabelecida também em função das exigências de prevenção especial ou de socialização, não podendo, porém, na feição utilitarista preventiva, ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
O conceito de prevenção significa protecção de bens jurídicos pela tutela das expectativas comunitárias na manutenção (e reforço) da validade da norma violada (cfr. Figueiredo Dias, "Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime", pág. 227 e segs.).
A medida da prevenção, que não podem em nenhuma circunstância ser ultrapassada, está, assim, na moldura penal correspondente ao crime. Dentro desta medida (protecção óptima e protecção mínima - limite superior e limite inferior da moldura penal), o juiz, face à ponderação do caso concreto e em função das necessidades que se lhe apresentem, fixará o quantum concretamente adequado de protecção, conjugando-o a partir daí com as exigências de prevenção especial em relação ao agente (prevenção da reincidência), sem poder ultrapassar a medida da culpa.
Nesta dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e os critérios do artigo 71º do Código Penal têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para codeterminar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente; a idade, a confissão; o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.
Nos tráficos de droga, quer pelo perigo para que produzem para eminentes bens jurídico-pessoais, quer pela danosidade social que lhes está associada, e que provoca uma forte atitude comunitária de rejeição, as exigências de prevenção geral são intensamente determinantes, para protecção dos valores que são afectados e para apaziguamento dos sentimentos dos cidadãos e reposição e reforço da confiança na integridade das normas e dos valores que protegem.
As finalidades utilitaristas da prevenção geral têm, por isso, de ser avaliadas e determinadas no plano da gravidade concreta do facto ilícito, e conjugadas com as finalidades de prevenção especial, mediadas, ou limitadas, pela consideração da culpa do agente.
No caso, os factos provados no que respeita ao recorrente (pontos 2-1.5, 2.1.8, 2.1.15 e 2.1.35) revelam que este praticou actos que se integram no que se designa, na vulgata, por "tráfico de rua", em conjugação com outros co-arguidos, mas sem ter um papel de orientação ou decisão; pelos factos especificamente concretizados, vê-se que, em dois dias, vendeu 150 (50 + 100) doses de heroína. Na dimensão do grau do ilícito é esta apenas a actuação comprovada, não sendo, fora destes factos, pensáveis hipotéticas projecções passadas ou possíveis intenções futuras.
Perante tais factos, o grau de ilicitude pode ser considerado na escala inferior da moldura do artigo 21º, nº 1, do Decreto-Lei nº 15/93, e na ponderação desse limite deve ser fixada a media de prevenção.
As exigências de prevenção especial são relevantes: o recorrente revela algumas dificuldades na apreensão e interiorização de valores comunitários afectados, tanto que uma anterior condenação por crime de tráfico de estupefacientes e a pena que cumpriu não impediram que voltasse a praticar factos da mesma natureza.
Nesta perspectiva, a avaliação dos factos e da personalidade foi devidamente ponderada na decisão recorrida, não havendo motivos para decidir diversamente.
Improcede, pois, o recurso.

II- AA:
5. O recorrente discute apenas a medida da pena, por si e na comparação que faz em relação aos demais co-arguidos (no que, com impropriedade, considera um «erro notório na apreciação da prova» - conclusão 10ª).
Tendo como referência, nos termos sublinhados, as finalidades das penas, as exigências de prevenção geral são mais intensas, uma vez que a conduta do recorrente revela um grau de ilicitude de maior densidade no contexto da situação de facto provada.
O recorrente vem referido como sendo o centro da actividade de "tráfico de rua" a que se dedicava (pontos 2.1.1 a 2.1.20), pertencendo-lhe a iniciativa, a "direcção" e a decisão sobre a actuação dos restantes co-arguidos, que aparecem numa veste de "colaboradores".
As exigências de prevenção geral são, assim, mais intensas.
A função de prevenção geral deve ser, porém, coordenada com as necessidades de prevenção especial de socialização, de modo a que a pena a aplicar possa ser adequada à prevenção da reincidência, e a possibilitar, na máxima medida ainda permitida pela prevenção geral, o reencaminhamento para os valores.
Nestes termos, tendo em consideração que o recorrente não tem antecedentes de afectação de valores penalmente tutelados, julga-se adequada a pena de seis anos de prisão.

III- DD:
6. O recorrente, para além de considerar que o tribunal da Relação não deveria ter rejeitado o seu recurso por manifesta improcedência, discute a medida da pena que lhe foi aplicada relativamente ao crime de tráfico, por não terem sido ponderadas todas as circunstâncias pessoais, e não ser exigida pelas necessidades de prevenção no que respeita ao crime de detenção de arma.
Os factos respeitantes ao recorrente estão descritos nos pontos 2.1.27, 2.1.28, 2.1.32 e 2.1.90: guardava em casa, a «pedido de pessoa cuja identidade não foi possível apurar», as quantidades de produtos estupefacientes referidas - 13,7 gr., 804 mg. e 32,214 gr. de heroína e 1,114 gr. de "cannabis".
O recorrente não discute a qualificação jurídico-penal (artigo 21º, nº 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro) que as instâncias acordaram aos factos referidos.
No entanto, a qualificação jurídica dos factos não está - salvo nas projecções in pejus - dependente da perspectiva do recorrente, impondo-se, dentro do objecto do recurso, ao conhecimento oficioso do tribunal - jura novit curia.
Mas, nesta medida, a simples guarda das referidas quantidades de produto, sendo o recorrente também consumidor, sem a prova de que se destinassem a transacção, ou que o recorrente lhe estivesse associado, aponta, na escala de gravidade de cada uma das variadas condutas típicas e tendo em conta a modalidade e as circunstâncias da acção, para um grau de ilicitude que pode ser entendido como consideravelmente diminuído, nos termos referidos da composição do artigo 25º do Decreto-Lei nº 15/93 e na distinção de escala com as situações para que prevê o artigo 21º do mesmo diploma.
Integrado o artigo 25º, a pena, satisfazendo as imposições de prevenção geral, deve ser encontrada na medida da menor ilicitude, e ter em consideração as condições pessoais do recorrente, com a relevância exigida pela função de prevenção especial, mais fortes, dado que o recorrente manifesta algum refracção aos valores penalmente tutelados, como vem revelado pela condenação anterior por crimes contra a propriedade e contra as pessoas.
Na realização das aludidas finalidades, julga-se adequada, pela prática do crime p. e p. no artigo 25º do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, a pena de dois anos e seis meses de prisão.
No que respeita à detenção de arma, p.e p. no artigo 6º da Lei nº 22/97, de 27 de Junho, considerando que as exigências de prevenção geral justificam a aplicação de uma pena privativa de liberdade, dado o perigo que representa a detenção de armas fora das condições legais, julga-se, no caso, adequada a satisfazer tais finalidades a pena de quatro meses de prisão.
Em cúmulo jurídico, nos termos do artigo 77º, nº 1, do Código Penal, fixa-se ao recorrente DD a pena única de dois anos e oito meses de prisão.

7. Nestes termos, acordam neste Supremo Tribunal em:
I- Negar provimento ao recurso do arguido BB;
II- Conceder parcial provimento ao recurso do arguido AA, condenando-o pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no artigo 21º, nº 1, do Decreto-Lei n 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de seis anos de prisão; e
III- Conceder provimento ao recurso do arguido DD, condenando-o pela prática de um crime p. e p. no artigo 25º do Decreto-Lei nº 15/93 de 22 de Janeiro, na pena de dois anos e seis meses de prisão; e por um crime de detenção de arma, p. e p. no artigo 6º da Lei nº 22 /97, de 27 de Junho, na pena de quatro meses de prisão; e em cúmulo na pena única de dois anos e oito meses de prisão.
Taxa de justiça: 4 Ucs pelos recorrentes BB e AA.

Lisboa, 28 de Abril de 2004
Henriques Gaspar (relator)
Antunes Grancho
Silva Flor
Soreto de Barros