Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06S4557
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: PINTO HESPANHOL
Descritores: RETRIBUIÇÃO
FÉRIAS
SUBSÍDIO DE FÉRIAS
SUBSÍDIO DE NATAL
SUCESSÃO DE LEIS NO TEMPO
Nº do Documento: SJ200704180045574
Data do Acordão: 04/18/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA.
Sumário : 1. Provando-se o carácter regular e periódico dos suplementos remuneratórios pagos ao trabalhador, no período de 1983 a 2003, a título de remuneração de trabalho suplementar e de trabalho nocturno, de subsídio de compensação de horário incómodo, subsídio de abono de viagem, subsídio de abono de carreiras auto, subsídio de compensação por horário descontínuo, subsídio de compensação por redução de horário de trabalho, subsídio de condução automóvel e prémio de motorista, os mesmos devem relevar para o cômputo da remuneração de férias e dos subsídios de férias e de Natal.
2. Já o subsídio de transporte pessoal, que se destina a compensar o trabalhador das despesas com as deslocações de casa para o local de trabalho e vice--versa, não deve ser contabilizado naquela remuneração e naqueles subsídios.
3. No domínio do Código do Trabalho, em vigor desde 1 de Dezembro de 2003, a base de cálculo do subsídio de Natal, salvo disposição legal, convencional ou contratual em contrário, reconduz-se ao somatório da retribuição base e das diuturnidades, donde, aqueles suplementos remuneratórios não relevam para o cômputo do subsídio de Natal vencido em 15 de Dezembro de 2003. *

* Sumário elaborado pelo Relator.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I
1. Em 11 de Fevereiro de 2005, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, AA instaurou acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra Empresa-A, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de € 35.094,77 já vencida, a título de diferenças de retribuição nas férias e subsídios de férias e de Natal no período compreendido entre 1983 a 2003, acrescida de juros à taxa legal supletiva desde a citação até integral pagamento.

No despacho saneador, com valor de sentença, a ré foi condenada a pagar ao autor: (a) a quantia de € 20.747,87 a título de diferenças de retribuição relativas a subsídio de férias e subsídio de Natal nos anos de 1983 a 2003, acrescida de juros de mora vencidos desde a citação e vincendos até integral pagamento à taxa legal, que está fixada em 4%; (b) a quantia que vier a ser liquidada nos termos dos artigos 378.º e seguintes do Código de Processo Civil relativamente às diferenças nas retribuições dos meses de férias em cada um dos anos de 1983 a 2003, acrescida dos juros de mora que se vencerem desde a data da sentença em que for efectuada a liquidação até integral pagamento, à taxa legal.

2. Inconformada, a ré apelou, tendo a Relação julgado a apelação totalmente improcedente, confirmando, na íntegra, a sentença recorrida.

É contra esta decisão que a ré agora se insurge, mediante recurso de revista, em que pede a revogação do acórdão recorrido ao abrigo das seguintes conclusões:
– O pagamento dos subsídios é feito sempre que casuisticamente se verifiquem os requisitos para a sua atribuição, ou seja, se não efectuar o respectivo serviço, não é efectuado o seu pagamento;
– Assim, o pagamento dos subsídios peticionados só são devidos na exacta medida do trabalho prestado e apenas enquanto persistir a situação que lhe serve de fundamento, de nada relevando o facto de ter um carácter periódico;
Os subsídios de abono de viagem e de transporte pessoal, só poderão ser pagos quando o trabalhador presta o seu serviço, pois trata-se apenas de uma forma da recorrente compensar os seus trabalhadores pelas deslocações por estes efectuadas;
– Ora, não as realizando nas férias, não terá direito a receber as respectivas importâncias;
O prémio de motorista só é devido em circunstâncias especiais, sendo certo que o recorrido só auferiu tal compensação em alguns meses, conforme consta a fls. 390 da sentença de primeira instância;
– Na retribuição não está incluído o pagamento dos subsídios peticionados, uma vez que são prestações retributivas que só têm lugar e só são pagas quando se verifica prestação de trabalho nas circunstâncias e verificados os requisitos determinados pelo AE/Empresa-A para o seu pagamento;
– O recorrido não poderia assim ter criado em relação aos referidos subsídios qualquer expectativa de que integravam a sua retribuição, porquanto a recorrente nunca os tratou como tal;
O recorrido só poderia ter tido expectativa de receber os montantes dos subsídios quando efectivamente exercia as respectivas tarefas;
– Nos termos do disposto no AE/Empresa-A, que se aplica ao contrato de trabalho do recorrido, as prestações referentes aos subsídios apenas são devidas quando se verifique o desempenho de determinadas funções em situações previstas como susceptíveis de gerarem o direito ao seu recebimento;
– O recorrido nunca reclamou o pagamento dos referidos montantes, nem manifestou qualquer descontentamento à recorrente, pelo facto de os mesmos nunca lhe terem sido pagos nas férias, respectivo subsídio e subsídio de Natal;
– No caso, verifica-se o carácter irregular das prestações, quer quanto à natureza dos serviços prestados, quer quanto ao montante efectivamente pago a esse título ao recorrido;
– Ainda que se prolonguem no tempo e sejam regulares, os referidos subsídios são prestações que dependem para que se verifique o direito ao seu recebimento da prestação de trabalho em condições específicas, além da actividade normal do trabalhador;
– A recorrente tem o direito e o dever perante os outros trabalhadores de conceder tais subsídios como de os retirar quando o trabalhador a eles não tiver direito, pois os mesmos são reversíveis, ou seja, são pagos somente quando o trabalhador efectua as respectivas tarefas;
– Ao decidir como decidiu, o acórdão recorrido violou a Lei e, em especial, o disposto nas cláusulas do AE/Empresa-A;
– Também não há lugar ao pagamento de juros anteriores à sentença, uma vez que até essa data não existe qualquer obrigação legal de pagar os referidos montantes.

O recorrido contra-alegou, defendendo a manutenção do julgado.

Neste Supremo Tribunal, o Ex.mo Procurador-Geral-Adjunto pronunciou-se no sentido de ser negada a revista, parecer que, notificado às partes, não suscitou qualquer resposta.

3. No caso vertente, as questões suscitadas são as que se passam a enunciar:

– Saber se os suplementos remuneratórios pagos pela ré ao autor, no período de 1983 a 2003, a título de remuneração de trabalho suplementar e trabalho nocturno, de subsídio de compensação de horário incómodo, subsídio de abono de viagem, subsídio de abono de carreiras auto, subsídio de compensação por horário descontínuo, subsídio de compensação por redução de horário de trabalho, subsídio de condução automóvel, prémio de motorista e subsídio de transporte pessoal (o valor do passe) relevam ou não para o cômputo da remuneração de férias e respectivo subsídio e para o subsídio de Natal [conclusões A) a R) da alegação do recurso];
Saber a partir de que momento se inicia a contagem dos juros de mora em relação à quantia líquida arbitrada [conclusão S) da alegação do recurso].

Corridos os vistos, cumpre decidir.

II
1. Os factos materiais fixados pelo tribunal recorrido não foram objecto de impugnação pelas partes, nem se vislumbra que ocorra qualquer das situações que permitam ao Supremo alterá-los ou promover a sua ampliação (artigos 722.º, n.º 2, e 729.º, n.º 3, ambos do Código de Processo Civil).

Por conseguinte, face ao disposto nos artigos 713.º, n.º 6, e 726.º do Código de Processo Civil, dá-se aqui por inteiramente reproduzida essa factualidade, sem embargo de serem discriminados, pontualmente, aqueles factos que se afigurem relevantes para a decisão do recurso.

2. A recorrente alega que não há lugar à inclusão dos referidos suplementos na remuneração de férias e dos subsídios de férias e de Natal, porquanto se tratam de acréscimos que são atribuídos em função de particularidades específicas da prestação de trabalho e que, como tal, só são devidos quando se verifique a prestação efectiva do serviço.

As instâncias, por sua vez, decidiram que os mencionados suplementos remuneratórios auferidos pelo autor, por forma regular e periódica, desde 1983 a 2003, deverão integrar a retribuição das férias e os subsídios de férias e de Natal.

2.1. O direito a férias periódicas pagas tem consagração constitucional na alínea d) do n.º 1 do artigo 59.º da Lei Fundamental, constando o seu actual regime jurídico, bem como a disciplina da retribuição do período de férias e do respectivo subsídio de férias, dos artigos 211.º a 223.º e 255.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, em vigor desde 1 de Dezembro de 2003.

Em matéria de subsídio de Natal, a norma disciplinadora é agora o artigo 254.º do Código do Trabalho.

A Lei n.º 99/2003 contém normas transitórias que delimitam a vigência do Código do Trabalho quanto às relações jurídicas subsistentes à data da respectiva entrada em vigor, pelo que, para fixar a eficácia temporal daquele Código, há que recorrer aos critérios sobre aplicação da lei no tempo enunciados naquelas normas.

No que agora releva, estipula o n.º 1 do artigo 8.º da Lei n.º 99/2003 que, «[s]em prejuízo do disposto nos artigos seguintes, ficam sujeitos ao regime do Código do Trabalho, os contratos de trabalho e os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho celebrados ou aprovados antes da sua entrada em vigor, salvo quanto às condições de validade e aos efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento», assim, o Código do Trabalho não se aplica às retribuições de férias e subsídios de férias e de Natal vencidos antes da sua entrada em vigor (dia 1 de Dezembro de 2003 — n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 99/2003).

Assim, em relação às retribuições de férias e subsídios de férias e de Natal que deveriam ter sido pagos entre 1983 e 1 de Dezembro de 2003, há que ter atender ao disposto no anterior regime jurídico das férias, feriados e faltas, previsto no Decreto-Lei n.º 874/76, de 28 de Dezembro, com as alterações conferidas pelo Decreto-Lei n.º 397/91, de 16 de Outubro, e pela Lei n.º 118/99, de 11 de Agosto, e ainda na lei do subsídio de Natal, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 88/96, de 3 de Julho.

Já quanto ao subsídio de Natal referente ao ano de 2003, que se venceu a 15 de Dezembro desse ano, portanto, em data posterior à entrada em vigor do Código do Trabalho, há que aplicar a norma pertinente daquele Código (artigo 254.º).

2.2. O artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 874/76 estabelecia que «[a] retribuição correspondente ao período de férias não pode ser inferior à que os trabalhadores receberiam se estivessem em serviço efectivo» (n.º 1), tendo os trabalhadores «direito a um subsídio de férias de montante igual ao daquela retribuição» (n.º 2).

Por seu turno, o n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 88/96 previa que «[o]s trabalhadores têm direito a subsídio de Natal de valor igual a um mês de retribuição, que será pago até 15 de Dezembro de cada ano».

Decorre do exposto que a solução do problema submetido à apreciação deste Supremo Tribunal passa, necessária e fundamentalmente, pela interpretação do termo «retribuição» empregue pelo legislador na lei das férias, feriados e faltas e na lei do subsídio de Natal, termo esse que pode corresponder, tão só, à retribuição base ou abranger a retribuição base e todas as outras prestações regulares e periódicas auferidas pelo trabalhador como contrapartida do seu trabalho.

A interpretação jurídica tem por objecto descobrir, de entre os sentidos possíveis da lei, o seu sentido prevalente ou decisivo.
A apreensão literal do texto, ponto de partida de toda a interpretação, é já interpretação, embora incompleta, pois será sempre necessária uma «tarefa de interligação e valoração, que excede o domínio literal» (cf. JOSÉ OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito, Introdução e Teoria Geral, 11.ª edição, revista, Almedina, 2001, p. 392).

Nesta tarefa de interligação e valoração que acompanha a apreensão do sentido literal, intervêm elementos lógicos, apontando a doutrina elementos de ordem sistemática, histórica e racional ou teleológica (sobre este tema, cf. KARL LARENZ, Metodologia da Ciência do Direito, 3.ª edição, tradução, pp. 439-489; BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 12.ª reimpressão, Coimbra, 2000, pp. 175-192; FRANCESCO FERRARA, Interpretação e Aplicação das Leis, tradução de MANUEL ANDRADE, 3.ª edição, 1978, pp. 138 e seguintes).

Em matéria de interpretação das leis, o artigo 9.º do Código Civil consagra os princípios a que deve obedecer o intérprete ao empreender essa tarefa, começando por estabelecer que «[a] interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada» (n.º 1); o enunciado linguístico da lei é, assim, o ponto de partida de toda a interpretação, mas exerce também a função de um limite, já que não pode «ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso» (n.º 2); além disso, «[n]a fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados» (n.º 3).

De harmonia com o disposto no artigo 82.º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de Novembro de 1969, adiante designado por LCT, o conceito de retribuição abrange «aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho» (n.º 1), compreendendo «a remuneração de base e todas as outras prestações regulares e periódicas feitas directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie» (n.º 2), sendo que «[a]té prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador» (n.º 3).

A retribuição representa, assim, a contrapartida, por parte do empregador, da prestação de trabalho efectuada pelo trabalhador, sendo que o carácter retributivo de uma certa prestação exige regularidade e periodicidade no seu pagamento, o que tem um duplo sentido, por um lado apoia a presunção da existência de uma vinculação prévia do empregador, por outro lado assinala a medida das expectativas de ganho do trabalhador.

Ora, nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 874/76, «a retribuição correspondente ao período de férias não pode ser inferior à que os trabalhadores receberiam se estivessem em serviço efectivo», o que significa que o legislador teve em vista que o trabalhador em férias não fosse penalizado em termos retributivos, sendo-lhe por isso devida a retribuição como se estivesse ao serviço.

Doutro passo, o subsídio de férias, nos termos do n.º 2 do artigo 6.º citado, é precisamente igual à retribuição durante as férias.

Assim, face ao teor literal das normas examinadas e tendo sobretudo em conta a unidade intrínseca do ordenamento jurídico e o fim visado pelo legislador ao editar as anteditas normas (ratio legis), tem, necessariamente, de considerar-se que na retribuição de férias e no respectivo subsídio deve atender-se ao todo retributivo.

Do mesmo modo, o n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 88/96, ao prever que os trabalhadores têm direito a subsídio de Natal de valor igual a um mês de retribuição, pelo seu teor literal e tendo ainda em consideração a unidade do sistema jurídico, pretendeu assegurar que o subsídio de Natal fosse, em todos os casos, de valor igual a um mês de retribuição, apontando no sentido de que, para efeito do pagamento do subsídio de Natal, deve também atender-se a todas as prestações retributivas que sejam contrapartida da execução do trabalho.

Há que atender aos instrumentos de regulamentação colectiva aplicáveis.

Em 1980, as relações de trabalho entre os Empresa-A e os trabalhadores ao seu serviço regiam-se pela PRT publicada no BTE, n.º 28/77, de 29 de Julho de 1977, p. 1742 e seguintes, de acordo com a qual «[o]s trabalhadores têm direito a um subsídio de férias de montante igual ao da retribuição mensal» (Base LXX, n.º 1) e «[t]odos os trabalhadores abrangidos pela presente portaria têm direito a receberem subsídio de montante igual ao da sua retribuição mensal por altura do Natal» (Base LXXI, n.º 1).

Em 1981, foi publicado no BTE, n.º 24, de 29 de Junho de 1981, p. 1664, um AE que previa: «[o]s trabalhadores têm direito, em cada ano, a um subsídio de férias de montante igual ao da remuneração mensal do mês de Dezembro nesse ano» (cláusula 150.º, n.º 1) e «[t]odos os trabalhadores abrangidos por este acordo terão direito a receber um subsídio correspondente à sua remuneração mensal, o qual lhes será pago com a remuneração respeitante ao mês de Novembro e corrigido em caso de aumento de vencimento no mês de Dezembro» (cláusula 151.º, n.º 1).

Pese embora os instrumentos de regulamentação colectiva referidos terem sofrido diversas alterações, as sobreditas cláusulas mantiveram a mesma redacção, correspondendo no AE publicado no BTE, n.º 21, de 8 de Junho de 1996, às cláusulas 142.ª e 143.ª, respectivamente, sendo que o n.º 1 da cláusula 162.ª desse AE dispõe que «[o]s trabalhadores têm direito à retribuição correspondente ao período de férias, a qual em caso algum poderá ser inferior à que receberiam se estivessem em serviço normal, acrescida de um subsídio de férias de montante igual ao dessa retribuição».
Ora, «se nos instrumentos de regulamentação colectiva sempre se falou em retribuições ou remunerações (vocábulos que aqui se devem ter por equivalentes), sem reserva, deve considerar-se, na falta de outros elementos interpretativos, que se quis abranger todos os segmentos que os integram» (cf. acórdão deste Supremo Tribunal, de 19 de Fevereiro de 2003, Revista n.º 4072/2002 da 4.ª Secção).

Tal como se decidiu no acórdão deste Supremo Tribunal, de 18 de Junho de 2003 (Revista n.º 3741/2002 da 4.ª Secção), que examinou idêntica questão:

« Resulta, assim, claro que a remuneração de férias e o respectivo subsídio e o subsídio de Natal deverão ser de montante igual à da retribuição que é normalmente processada a favor do trabalhador, nela se incluindo os componentes que, nos termos previstos no artigo 82.º, n.º 2, da LCT a devam integrar, o que significa que a lei ficciona, para o apontado efeito, a correspectividade entre essa retribuição e a efectiva prestação do trabalho.
E é nesse sentido que deve interpretar-se a cláusula 162.ª do Acordo de Empresa, no segmento em que manda reportar a retribuição correspondente ao período de férias àquela que os trabalhadores “receberiam se estivessem em serviço normal”. De outro modo, a determinação dela constante, no ponto em que redundasse em desfavor para o trabalhador, ficaria afastada, necessariamente, por aplicação do princípio de prevalência das fontes de direito superiores — como é o caso das normas legais imperativas —, que dimana do disposto nos artigos 13.º da LCT e 6.º, n.º 1, alínea b) [e, também, alínea c)], do Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 9 de Dezembro.
Sem dúvida que — a menos que o contrário resulte do contrato celebrado — a entidade patronal pode fazer cessar para o futuro determinados modos de prestação do trabalho que, pela sua penosidade, justificam a atribuição de prestações retributivas especiais. Daí não resulta, porém, que, enquanto essas especiais condições de prestação de trabalho se mantiverem e enquanto forem devidos os correspondentes complementos retributivos, os mesmos não devam ser considerados como integrando a retribuição, assim relevando para o cálculo da remuneração de férias e dos subsídios de férias e de Natal.»

Em idêntico sentido se pronunciaram-se, entre outros, os acórdãos da 4.ª Secção deste Supremo Tribunal, de 11 de Abril de 2000, Revista n.º 9/2000, relativo a um acréscimo remuneratório devido por trabalho nocturno, de 4 de Dezembro de 2002, Revista n.º 3606/2002, em que estavam em causa os subsídios de divisão de correio e de compensação por redução de horário de trabalho, e remunerações por trabalho nocturno e por trabalho suplementar em dias de descanso semanal, de 19 de Fevereiro de 2003, Revista n.º 4072/2002, que se reporta à remuneração por trabalho suplementar e trabalho nocturno, de 19 de Março de 2003, Revista n.º 4074/2002, sobre trabalho nocturno, trabalho suplementar, compensação por redução do horário de trabalho e divisão do correio, de 30 de Março de 2006, Revista n.º 8/2006, e de 17 de Janeiro de 2007, Revista n.º 2967/06, sobre trabalho suplementar, trabalho nocturno, redução de horário de trabalho, divisão de correio, transporte pessoal e compensação especial (telefone).

2.3. No caso, provou-se que o autor «pertence ao grupo profissional MOT (Motorista) e trabalha nos Transportes Pessoais do Sul dos Empresa-A desde 11/2/1980» [facto assente 2)] e que «trabalha sempre, por escala de serviço elaborada pela Ré, em sistema de rodízio, praticando os horários de trabalhos seguintes: (i) de 11/2/1980 a Dezembro de 2003, de 2.ª a 6.ª feira — das 0h000 às 8h00; da 01h00 às 09h00; das 02h00 às 10h00; das 02h30 às 10h30; das 03h00 às 11h00; das 04h00 às 12h00; das 05h00 às 13h00; das 06h00 às 13h00; das 08h30 às 17h30; das 09h30 às 18h30; das 13h00 às 21h00; das 13h00 às 22h00; das 15h00 às 23h00; das 16h00 às 02h00; das 17h00 às 01h00 e das 19h00 às 03h00; (ii) de 11/2/1980 a Julho de 1993, Sábados — das 0h00 às 08h00; das 08h00 às 16h00; das 122h30 às 18h30 e das 16h00 às 24h00; (iii) Domingos e Feriados — das 0h00 às 08h00; das 08h00 às 16h00; das 16h00 às 24h00 e das 17h00 à 01h00; (iv) de Julho de 1993 a Dezembro de 2003, Sábados — das 0h00 às 08h00; das 0h00 às 02h00; das 0h00 às 03h00; das 0h00 às 04h00; das 0h00 às 06h00; das 13h30 às 23h30 e das 13h00 às 17h00; (v) Domingos e Feriados — das 0h00 às 08h00; das 18h00 às 02h00 e das 21h00 às 24h00» [facto assente 3)].

Mais se apurou que a ré, «no subsídio de férias e no subsídio de Natal, apenas pagou ao Autor o vencimento base e as diuturnidades e na retribuição do mês de férias não integrou a média das quantias pagas a título de remuneração por trabalho nocturno, subsídio por compensação de horário incómodo, subsídio de abono de viagem, subsídio de abono de carreiras auto, subsídio de compensação por horário descontínuo, subsídio de condução automóvel, prémio de motorista e subsídio de transporte pessoal» [facto assente 4)].

Por outro lado, conforme se extrai dos mapas constantes do facto assente 5), o autor auferiu de forma regular e periódica: (a) em cada um dos anos de 1983 a 2003, remuneração por trabalho suplementar e por trabalho nocturno, subsídio de compensação por trabalho incómodo, subsídio de transporte de pessoal (valor do passe); (b) subsídio de abono de viagem, em cada um dos anos de 1986 a 1991, 1997, 1998, 1999, 2000, 2001, 2002 e 2003, subsídio que apenas não recebeu nos meses de Fevereiro, Agosto, Outubro, Novembro e Dezembro de 1986, Fevereiro, Maio, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro de 1987, Janeiro, Março, Junho, Agosto e Setembro de 1988, Maio, Agosto e Setembro de 1989, Fevereiro, Março, Maio, Julho e Novembro de 1990, Fevereiro, Maio, Setembro e Dezembro de 1991, Janeiro e Outubro de 1997; (c) prémio de motorista em cada um dos anos de 1987, 1988, 1989 a 1995, o qual apenas não recebeu nos meses de Maio, Junho e Julho de 1987, Maio, Junho, Julho e Outubro de 1988, Abril de 1989, Agosto de 1990, Maio, Junho, Julho, Novembro e Dezembro de 1991, Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho e Novembro de 1992, Fevereiro, Maio, Junho, Julho, Setembro, Outubro e Novembro de 1993, Janeiro, Março, Abril, Agosto e Dezembro de 1994, Janeiro, Março, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 1995; (d) subsídio de condução em cada um dos anos de 1996 a 2003, pois apenas nada recebeu no mês de Outubro de 1996; (e) subsídio de abono de carreiras auto em cada um dos anos de 1992 a 1996, que apenas não recebeu nos meses de Janeiro e Outubro de 1992; (f) subsídio de compensação por redução de horário de trabalho em cada um dos anos de 2000 a 2003, pois apenas nada recebeu nos meses de Janeiro, Março, Maio e Novembro de 2000, Outubro e Dezembro de 2001, e Agosto de 2003; (g) subsídio de turno em cada um dos anos de 2001, 2002 e 2003, pois apenas nada recebeu no mês de Novembro de 2002; (h) subsídio por horário descontínuo em cada um dos anos de 1994 a 1999, 2002 e 2003, pois apenas nada recebeu nos meses de Maio, Outubro, Novembro e Dezembro de 1994, Maio de 1995, Abril, Maio, Julho, Agosto e Dezembro de 1996, Fevereiro de 1997, Dezembro de 1999, Fevereiro, Março Abril e Maio de 2002.

Verifica-se, ainda, face aos elementos constantes nos sobreditos mapas, que o autor não auferiu de forma regular e periódica: (a) prémio de motorista nos anos de 1986, 1996 e 1997, pois apenas recebeu nos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 1986, no mês de Agosto de 1996 e no mês de Agosto de 1997; (b) subsídio de condução no ano de 1995, pois apenas recebeu nos meses de Outubro e Novembro; (c) subsídio de abono de carreiras auto nos anos de 1991 e 1997, pois apenas recebeu no meses de Dezembro de 1991, Janeiro e Fevereiro de 1997; (d) subsídio de abono de viagem no ano de 1995, pois apenas recebeu no mês de Fevereiro; (e) subsídio de turno no ano de 2000, pois apenas recebeu nos meses de Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro; (f) subsídio por horário descontínuo nos anos de 2000 e 2001, pois apenas recebeu nos meses de Janeiro, Fevereiro, Março e Outubro de 2000 e no mês de Abril de 2001.

Refira-se que, ao contrário do propugnado pela recorrente na conclusão E) da alegação do recurso, o autor auferiu o prémio de motorista, de forma regular e periódica, nos anos de 1987, 1988, 1989 a 1995, conforme se evidenciou supra.

Deste modo, está demonstrado que, nos períodos concretamente assinalados, as prestações questionadas assumiram o carácter de prestações pecuniárias, regulares e periódicas, embora de valor naturalmente variável, que integravam legitimamente a expectativa de ganho do autor, fazendo parte da respectiva retribuição mensal.

Porém, a circunstância daquelas prestações integrarem o padrão retributivo definido no artigo 82.º da LCT não significa que o valor pecuniário correspondente à média de tais retribuições, nos períodos considerados no acórdão recorrido, deva ser contabilizado nas respectivas remunerações de férias e subsídios de férias e de Natal.

Conforme se ponderou no acórdão deste Supremo Tribunal, de 30 de Março de 2006 (Revista n.º 8/2006 da 4.ª Secção):

« Defende-se, de forma praticamente pacífica, que na retribuição de férias e nos subsídios de férias e de Natal devem incluir-se todas as prestações regulares e periódicas pagas ao trabalhador como se ele estivesse em serviço efectivo, ou seja, como se ele estivesse a desempenhar o seu trabalho no concreto condicionalismo em que o costuma desempenhar (nomeadamente, condicionalismo de tempo e de risco, sem esquecer a sua antiguidade).
E que devem excluir-se de tal cômputo as prestações que são atribuídas ao trabalhador, não para retribuir o trabalho no condicionalismo em que é prestado, mas para o compensar de despesas que se presume que tenha que realizar por não se encontrar no seu domicílio, ou por ter que se deslocar deste e para este para executar o contrato de trabalho.
É o que sucede com o subsídio de refeição, o subsídio especial de refeição, o subsídio de pequeno-almoço e o subsídio de transporte pessoal, que estão em correlação estrita com o tempo de trabalho efectivo (excluindo-se do seu ciclo anual a retribuição de férias e os subsídios de férias e de Natal).
Estes subsídios visam cobrir ou minorar as despesas que o trabalhador tem que suportar com a aquisição de almoço e pequeno-almoço, fora do seu domicílio por virtude da prestação de trabalho e com o transporte do domicílio de e para o local de trabalho.
Destinam-se, pois, a fazer face a despesas concretas que o trabalhador presumivelmente tem que efectuar para executar o contrato, para “ir trabalhar”, não constituindo um ganho acrescido para o mesmo, uma mais- -valia resultante da sua prestação laboral, razão pela qual não se justifica a sua inclusão na retribuição de férias e no respectivo subsídio.»

Nesta conformidade, a remuneração de trabalho suplementar e de trabalho nocturno, de subsídio de compensação de horário incómodo, subsídio de abono de viagem, subsídio de abono de carreiras auto, subsídio de compensação por horário descontínuo, subsídio de compensação por redução de horário de trabalho, subsídio de condução automóvel e prémio de motorista tratam-se de contrapartidas pagas pela ré ao autor pela prestação do seu trabalho, e que, independentemente de estarem ou não sujeitas ao princípio da irredutibilidade, ou seja, de ser admissível que o seu pagamento cesse por deixarem de ocorrer as particulares condições de prestação do trabalho que as justificam, devem ser consideradas para o efeito de retribuição das férias e do respectivo subsídio, bem como do subsídio de Natal, enquanto se mantiver a situação que justifica tais pagamentos, sob pena de violação do princípio da não penalização remuneratória do trabalhador em virtude do gozo das férias.

Já o subsídio de transporte pessoal (o valor do passe), que se destina a compensar o trabalhador das despesas com as deslocações de casa para o local de trabalho e vice-versa, não deve ser considerado na retribuição de férias e subsídios de férias e de Natal.

As instâncias concluíram que o autor tinha direito a receber a quantia total de € 20.747,87 a título de diferenças de retribuição relativas a subsídio de férias e subsídio de Natal nos anos de 1983 a 2003, e, para tanto, tiveram em consideração o total dos suplementos remuneratórios recebidos pelo autor, com carácter regular e periódico, em cada um daqueles anos, calcularam, de seguida, o padrão retributivo médio, adoptando como divisor o módulo de tempo de doze meses, e, finalmente, multiplicaram a média mensal obtida por dois, uma vez que estavam em causa dois subsídios anuais — o subsídio de férias e o subsídio de Natal.

Uma vez que o subsídio de transporte pessoal não deve ser contabilizado nas remunerações de férias e dos subsídios de férias e de Natal, há que deduzir à quantia total de € 20.747,87 referente às diferenças de retribuição relativas a subsídio de férias e subsídio de Natal nos anos de 1983 a 2003, o dobro da soma das médias relativas ao subsídio de transporte pessoal auferido nos mesmos anos de 1983 a 2003 [(10.350$00+13.640$00+17.600$00+20.300$00+21.815$00+22.870$00+24.270$00+26.323$00+26.702$00+33.530$00+33.620$00+35.180$00+36.770$00+37.950$00+42.840$00+36.720$00+41.330$00+42.725$00+44.319$00+228,95€+262,70€) : 12 x 2], que corresponde, em euros, ao valor total de € 554,84.

2.4. O Código do Trabalho disciplina a matéria respeitante ao subsídio de Natal no artigo 254.º incluídos na Secção I («Disposições gerais») do Capítulo III («Retribuição e outras atribuições patrimoniais») do Título II («Contrato de Trabalho») do Livro I («Parte geral»).

Especificamente quanto ao valor do subsídio de Natal o n.º 1 do artigo 254.º citado dispõe que «[o] trabalhador tem direito a subsídio de Natal de valor igual a um mês de retribuição que deve ser pago até 15 de Dezembro de cada ano», sendo certo que o n.º 1 do artigo 250.º do Código do Trabalho estabelece que, «[q]uando as disposições legais, convencionais ou contratuais não disponham em contrário, entende-se que a base de cálculo das prestações complementares e acessórias nelas estabelecidas é constituída apenas pela retribuição base e diuturnidades», cuja noção é dada pelas alíneas a) e b) do n.º 2 do sobredito artigo 250.º
Ora, o subsídio de Natal «é uma prestação “complementar” porque não tem correspectividade directa com certa quantidade de trabalho» (cf. MONTEIRO FERNANDES, Direito do Trabalho, 12.ª edição, Almedina, Coimbra, 2004, p. 470).

Para ROMANO MARTINEZ (Direito do Trabalho, 2.ª edição, Almedina, Coimbra, 2005, p. 571) «os complementos salariais representam acrescentos à retribuição base e são devidos ao trabalhador, isto é, são obrigatórios. De entre os complementos salariais importa distinguir aqueles que são certos dos incertos. Os complementos salariais certos correspondem a prestações fixas que se vencem periodicamente, sendo, por via de regra, pagas ao mesmo tempo que a remuneração base. Como complementos salariais certos podem indicar-se os subsídios anuais, com destaque para o subsídio de férias (artigo 255.º, n.º 2, do CT) e o subsídio de Natal (artigo 254.º do CT), podendo ainda aludir-se ao subsídio da Páscoa.»

Face ao enquadramento jurídico enunciado, conclui-se que, no domínio do Código do Trabalho, a base de cálculo do subsídio de Natal - salvo disposição legal, convencional ou contratual em contrário - reconduz-se ao somatório da retribuição base e das diuturnidades, já que o «mês de retribuição» a que se refere o n.º 1 do artigo 254.º do Código do Trabalho terá de ser entendido de acordo com a regra supletiva constante no n.º 1 do artigo 250.º do mesmo Código, nos termos do qual a respectiva base de cálculo se circunscreve à retribuição base e diuturnidades.

Consequentemente, à luz do regime do Código do Trabalho, não relevam para o cômputo do subsídio de Natal os suplementos remuneratórios em causa, e não havendo, no caso vertente, disposição legal, convencional ou contratual em contrário, há, também, que deduzir à quantia total de 20.747,87 referente às diferenças de retribuição relativas a subsídio de férias e subsídio de Natal nos anos de 1983 a 2003, o valor considerado pelas instâncias a título de subsídio de Natal de 2003.

No ano de 2003, as instâncias consideraram que «o total das quantias recebidas pelo Autor com carácter regular e periódico a título de remuneração por trabalho suplementar, remuneração por trabalho nocturno, subsídio de compensação por redução de horário de trabalho, subsídio de compensação por horário incómodo, abono de viagem, subsídio de turno, subsídio de compensação por horário descontínuo, subsídio de condução e subsídio de transporte de pessoal é de 8.813,11 euros, pelo que a média mensal é de 734,43 euros e, por isso, a quantia devida ao Autor [a] título de diferenças nos subsídios de férias e de Natal é de 1.468,86 € (8.813,11 : 12 meses = 734,43 € x 2 = 1.468,86 €)».

Assim, o valor considerado como diferença de retribuição no concernente ao subsídio de Natal do ano de 2003 foi de € 734,43 (€ 8.813,11 : 12).

Esse valor inclui a média mensal relativa ao subsídio de transporte pessoal auferido no ano de 2003, no valor de € 21,89 (€ 262,70 : 12), verba já tida em conta no cálculo da quantia de € 554,84 relativa ao subsídio de transporte pessoal que não deve ser contabilizado nas remunerações de férias e dos subsídios de férias e de Natal, pelo que, a título de diferença de retribuição quanto ao subsídio de Natal de 2003 há apenas que deduzir a quantia de € 712,54 [€ 734,43 – (€ 262,70 : 12)].

Em suma, à quantia de € 20.747,87 considerada pelas instâncias como valor das diferenças de retribuição relativas aos subsídios de férias e de Natal nos anos de 1983 a 2003 importa deduzir a quantia de € 554,84 contabilizada em relação ao subsídio de transporte pessoal auferido naquele período, bem como a quantia de € 712,54 atinente à diferença de retribuição quanto ao subsídio de Natal de 2003.

O autor tem, pois, direito a receber a quantia de € 19.480,49 [€ 20.747,87 – (€ 554,84 + € 712,54)], a título de diferenças de retribuição relativas aos subsídios de férias e de Natal nos anos de 1983 a 2003, pelo que procedem, parcialmente, as conclusões A) a R) da alegação do recurso.
Apenas se acrescentará, conforme se nota no citado acórdão de 30 de Março de 2006, que «o simples facto de o A. não ter reclamado, até à propositura da acção, o pagamento da média mensal dos subsídios nas retribuições de férias e nos subsídios de férias e de Natal, que agora reclama, não envolve, por qualquer forma, a perda, por renúncia ou outra, do direito que peticiona, como o revela, desde logo, o regime consagrado pelo artigo 38.º da LCT sobre a prescrição de créditos laborais, aliás, não invocado pela R.. Nem, obviamente, podia condicionar, como não condicionou, a interpretação a que se chegou sobre o carácter retributivo ou não das prestações em causa e seu reflexo no cálculo das retribuições de férias e subsídios de férias e de Natal.»

3. Em derradeiro termo, a ré propugna que sobre as diferenças retributivas que foi condenada a pagar ao autor a título de diferenças de retribuição relativas a subsídio de férias e subsídio de Natal nos anos de 1983 a 2003, apenas incidem juros de mora a partir da data da sentença, uma vez que até essa data não existia qualquer obrigação legal de pagar aquelas diferenças retributivas.

Mas não tem razão.

Tanto a obrigação de pagar subsídio de férias como a obrigação de pagar subsídio de Natal inserem-se num contrato com prestações de execução continuada (contrato de trabalho) e tais obrigações têm prazo certo (como decorre do artigo 6.º, n.os 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 874/76, de 28 de Dezembro, e artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 88/96, de 3 de Julho). E não sendo tais obrigações cumpridas no tempo devido, o devedor fica constituído em mora, independentemente de interpelação. A mora verifica-se com o vencimento da obrigação, não satisfeita - artigo 805.º, n.º 2, alínea a), do Código Civil - ficando o devedor constituído na obrigação de indemnizar — artigo 804.º, n.º 1, do citado Código.

Tratando-se de obrigações pecuniárias, como sucede no caso dos autos, a indemnização corresponde aos juros a contar do momento da constituição em mora (artigo 806.º do Código Civil).

Por outro lado, o artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 69/85, de 18 de Março, aqui aplicável, prescreve que a entidade empregadora fica constituída em mora se, sem culpa do trabalhador, este não receber a retribuição na data do seu vencimento, sendo que não resulta da factualidade apurada que o não recebimento integral das remunerações de férias e subsídios de férias e de Natal seja imputável ao autor.

Sendo assim e estando provado que a ré não procedeu ao pagamento integral dos subsídios de férias e de Natal em causa nas datas dos seus vencimentos, embora dispusesse de todos os elementos para proceder ao correspondente pagamento, deve concluir-se que a ré se constituiu em mora nas datas dos respectivos vencimentos.

Acontece que o autor pediu a condenação da ré no pagamento de juros «desde a citação, até integral pagamento», pelo que, assim, condenaram as instâncias.

Justifica-se, ainda, salientar, na esteira da posição acolhida no acórdão deste Supremo Tribunal, de 18 de Janeiro de 2006 (Revista n.º 2840/2005 da 4.ª Secção), que «a situação em apreço se configura como um caso de iliquidez aparente, em que o devedor sabe ou pode saber quanto deve, e não de iliquidez real, a contemplada na 1.ª parte do n.º 3 do artigo 805.º do Código Civil. E não se diga que só no momento da decisão judicial ficou firmado (e a ré teve conhecimento) que as médias anuais de retribuição por trabalho suplementar e trabalho nocturno e dos restantes subsídios […] integravam a retribuição de férias e os subsídios de férias e de Natal. Na verdade, o facto de só por decisão do tribunal a ré ter sido convencida desse facto não justifica o não pagamento de juros, na medida em que, nos termos do artigo 6.º do Código Civil, “a ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento, nem isenta as pessoas das sanções nela cominadas”. […]. É evidente que a ré pode discordar deste entendimento e querer discutir a questão em tribunal, esperando que a sua posição prevaleça, mas este é um risco que terá de correr por sua conta e que de forma nenhuma poderá afectar os direitos os autor a ser indemnizado do prejuízo decorrente do não cumprimento pontual da obrigação.»

Improcede, pois, a conclusão S) da alegação do recurso.

III
Pelo exposto, decide-se conceder parcialmente a revista e revogar o acórdão recorrido na parte em que condenou a ré a pagar ao autor as diferenças das retribuições de férias e de subsídios de férias e de Natal nos anos de 1983 a 2003, quanto ao subsídio de transporte pessoal e ao subsídio de Natal do ano de 2003, absolvendo-se a ré do respectivo pedido.

Assim, o autor tem direito a receber a quantia de € 19.480,49, a título de diferenças de retribuição relativas ao subsídio de férias e ao subsídio de Natal nos anos de 1983 a 2003, bem como a quantia que vier a ser liquidada nos termos dos artigos 378.º e seguintes do Código de Processo Civil relativamente às diferenças nas retribuições dos meses de férias em cada um dos anos de 1983 a 2003, nas quais não serão tidas em conta as quantias relativas ao subsídio de transporte pessoal auferido.

No mais, nomeadamente quanto à condenação em juros de mora, mantém-se o decidido no acórdão recorrido, por remissão para a sentença da primeira instância.

Custas, nas instâncias e na revista, a cargo do autor e da ré, na proporção do respectivo decaimento.

Lisboa, 18 de Abril de 2007
Pinto Hespanhol (relator)
Vasques Dinis
Bravo Serra