Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 4.ª SECÇÃO | ||
Relator: | JÚLIO GOMES | ||
Descritores: | INTERPRETAÇÃO DE CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO | ||
Data do Acordão: | 06/22/2022 | ||
Nº Único do Processo: | | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA. | ||
Sumário : | I- A letra da convenção é não apenas o ponto de partida da interpretação, mas o limite da mesma; II- Se uma interpretação proposta não tiver o mínimo de apoio no teor literal da cláusula torna-se desnecessário recorrer a outros elementos, já que o recurso aos mesmos não permite fazer vingar tal interpretação, carecendo a mesma do referido mínimo de apoio na letra da cláusula. | ||
Decisão Texto Integral: | Processo n.º 14406/20.5T8SNT.L1.S1 O Réu contestou.
Foi proferido saneador-sentença com o seguinte dispositivo: “Destarte, decido: A) Julgar a ação procedente, por provada e em consequência: i. Condeno a R. Banco BPI, SA, a reconhecer ao A. AA, o direito a receber a pensão completa do Centro Nacional de Pensões, deduzida do valor correspondente à percentagem de 33,33 %, correspondente a 7 anos de descontos para a Segurança Social enquanto trabalhador bancário, aplicando uma regra pro-rata temporis no apuramento da parte da pensão do CNP a entregar ao Banco, respeitante aos descontos efetuados pelo A. para a Segurança Social enquanto trabalhador bancário; ii. Condeno a R. a pagar ao A. todas as quantias que descontou da pensão devida ao A., para além da percentagem mencionada em i) desde fevereiro de 2018, computadas até setembro de 2020 em € 8.973,46 (oito mil, novecentos e setenta e três euros e quarenta e seis cêntimos), as quais serão acrescidas (sobre o respetivo valor) dos juros vencidos e vincendos até integral pagamento do valor em dívida, nos termos que vierem a ser liquidados”.
O Réu interpôs recurso per saltum, apresentando as seguintes Conclusões:
1. A interpretação das cláusulas regulativas de convenção coletiva de trabalho deve fazer-se de acordo com as regras de interpretação da lei, em particular de acordo com o disposto no artigo 9.º do Código Civil, como vem sendo entendimento da Jurisprudência, como recentemente foi defendido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2019, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 55, de 19 de março de 2019. 2. Na interpretação da cláusula 136.ª do ACT do sector bancário, deve atender-se aos seus elementos literal, sistemático, histórico e teleológico. 3. No que respeita ao elemento literal, a redação da cláusula 136.ª do ACT do sector bancário (cláusula que veio a ser substituída pela cláusula 94.ª do ACT do sector bancário) é clara nos dois aspetos que aqui relevam. 4. Primeiro, que nos casos em que benefícios da mesma natureza sejam atribuídos por 5. Segundo, que o benefício a “abater” é o que decorre de contribuições feitas no período de serviço contado pelo Banco para o cálculo da pensão a pagar por este, pois, como se refere no n.º 2 daquela cláusula estão em causa os benefícios decorrentes de contribuições. 6. A “pensão de abate” é, assim, o benefício do CNP pelo tempo de carreira ao serviço do banco (pensão teórica) que resulta das contribuições feitas no período em apreço, apurado segundo as regras do regime geral da segurança social, que são as regras aplicáveis ao cálculo do benefício a pagar pelo CNP. 7. As cláusulas aludem, literalmente, ao benefício decorrente das contribuições com fundamento na prestação de serviço que seja contado na antiguidade do trabalhador. 8. Acresce ainda que, quando no Acordo Coletivo se pretendeu exprimir o critério pro rata temporis tal foi feito de modo particularmente claro e direto (n.º 3 da cláusula 98.ª) sem qualquer semelhança com a redação da analisada cláusula 94.ª. 9. O elemento sistemático é também conducente ao mesmo resultado interpretativo. 10. A norma em causa insere-se no sistema de previdência e, no caso concreto, na conjugação de dois regimes de reforma: o regime de segurança social do sector bancário e o regime geral de segurança social. 11. Para isso, por se tratar de sum sistema previdencial, remete para as regras de cálculo utilizadas pelo regime geral da segurança social. 12. A fim de as utilizar e não de aproveitar os seus resultados. 13. A inserção sistemática da cláusula 136.ª do ACT do sector bancário impõe a sua interpretação no sentido da aplicação das mesmas regras que servem para o cálculo da pensão do CNP. 14. São essas as regras aplicadas pela Recorrente, para apuramento da “pensão de abate”. 15. Este sentido saí reforçado, por um lado, por não haver dúvidas quanto à aplicação das regras de cálculo do regime da segurança social quando não há tempo “extra-banco” e, por outro lado, pela redação da cláusula 94.ª do atual ACT do Sector Bancário. 16. Ao invés não há qualquer elemento do sistema que aponte para a interpretação que defende o Recorrido, ou seja, não há qualquer norma no sistema em que insere a cláusula 136.ª do ACT do sector bancário e a cláusula 94.ª que lhe sucedeu, que contenha norma para o cálculo de benefícios de pensão em razão de qualquer critério de pro rata temporis. 17. O montante da pensão do CNP é igual ao produto da remuneração de referência pela taxa global de formação da pensão e pelo fator de sustentabilidade., como resulta do disposto no artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio 18. E a remuneração de referência é definida no artigo 28.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio, pela fórmula TR/(nx14), em que TR representa o total das remunerações anuais revalorizadas de toda a carreira contributiva e n o número de anos civis com registo de remunerações, até ao limite de 40. 19. São estas as regras do sistema a que apela a cláusula 136.ª do ACT do sector bancário e que, com recurso ao elemento sistemático, devem aplicar-se no apuramento da parte da pensão a pagar pelo CNP que há-de ser entregue pelo Recorrido ao Recorrente. 20. E são essas as regras aplicadas pelo Recorrente, para apuramento da “pensão de abate”. 21. Por fim, o elemento teleológico é particularmente relevante na tarefa interpretativa, pois a norma da cláusula 136.ª do ACT do sector bancário tem por fim coordenar o percebimento de benefícios por trabalhadores submetidos a diferentes regimes de forma a impedir que, por força do mesmo período contributivo, o trabalhador possa ver-lhe atribuídos benefícios cumulados. 22. É uma expressão do princípio da não acumulação de prestações plasmado no artigo 67.º, n.º 1 da Lei de Bases da Segurança Social (Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro). 23. A não acumulação de prestações não pode alcançar-se com recurso, para a repartição da pensão a pagar pelo CNP, a um critério de “regra de três simples pura”. 24. Tal conclusão ofende diretamente o fim a que se propõe a cláusula 136.ª do ACT do sector bancário e a cláusula 94.ª que lhe sucedeu, que é, precisamente, abater à pensão paga pelo Banco Recorrente, a pensão (ou parte de pensão) que for paga ao Recorrido pelo CNP que respeite ao tempo de Banco. 25. O entendimento do Recorrente é, de resto, o que conduz a um resultado mais equitativo. 26. É bom notar que a carreira extra-banco pode ser mais favorável ao trabalhador, o que sucede no caso de as remunerações registadas nesse período serem superiores às registadas na carreira ao serviço do Banco. 27. Por isso, acrescenta-se, a este propósito, que o entendimento do Recorrente assegura, inclusivamente, que nesses casos, em que a pensão teórica extra-banco seja mais favorável ao pensionista (por as remunerações auferidas nesse período serem superiores), não veja este o seu benefício penalizado. 28. A questão não é meramente teórica, tendo sido objeto do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22/11/2017, disponível em www.dgsi.pt. 29. Como sucedeu no caso julgado no referido douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22/11/2017, em que estava em causa uma pensão da Caixa Geral de Aposentações e em que o Banco ali Réu reconhecera parte da carreira na CGA, verificou-se que as remunerações auferidas pelo trabalhador no período extra-banco eram superiores àquelas que auferira no período que o Banco lhe contara, tendo o Tribunal concluído que não era aplicável a regra de pro rata temporis, que aquele Banco aplicara. 30. O Tribunal da Relação de Évora acolheu o entendimento aqui defendido pelo Recorrente que, naquele caso, era favorável ao pensionista. 31. O elemento teleológico da norma não consente, assim, outra interpretação que não seja a que lhe dá o Recorrente. 32. A interpretação da cláusula 136.ª do ACT do sector bancário e da cláusula 94.ª que lhe sucedeu, com recurso aos elementos de interpretação literal, sistemático e teleológico, conduz ao resultado alcançado pelo Recorrente. 33. A interpretação preconizada pela douta Sentença recorrida olvida que para o cálculo do beneficio pago pelo CNP concorre, nos termos do disposto no artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio, não só o tempo (por via da taxa de formação a pensão) mas também as remunerações (por via da remuneração de referência que é definida no artigo 28.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio, pela fórmula TR/(nx14), em que TR representa o total das remunerações anuais revalorizadas de toda a carreira contributiva e n o número de anos civis com registo de remunerações, até ao limite de 40). 34. Em suma: porque a cláusula 136.ª do ACT do sector bancário (tal como a cláusula 94.ª do actual ACT do sector bancário) se refere expressamente a benefícios decorrentes de contribuições para o regime geral de segurança social e porque o benefício pago pelo regime geral de segurança social (através do CNP) é apurado considerando, além do tempo de carreira contributiva (que determina a taxa de formação da pensão), os montantes das contribuições feitas ao longo da carreira contributiva (por via da determinação da remuneração de referência), torna-se imperioso calcular as duas pensões teóricas respeitantes a cada um dos períodos em causa e, em função desses resultados, repartir o benefício pago pelo CNP. 35. Entendimento que foi sufragado pelos doutos Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 10/10/2016 e do Tribunal da Relação de Lisboa de 25/09/2017, que se juntaram aos autos. 36. Mais recentemente, e já posteriormente à mencionada douta Jurisprudência do Venerando Supremo Tribunal de Justiça, foi também este o entendimento versado nas três doutas sentenças proferidas pelo Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho do Porto, Juiz 1, de 20/02/2020 e de 01/10/2020, e Juiz 2 de 25/04/2020, já juntas aos autos. 37. E é também a douta opinião dos Senhores Professores Doutores Bernardo Lobo Xavier e Maria do Rosário Palma Ramalho expressa nos doutos Pareceres de Direito juntos aos autos. 38. O entendimento sufragado pelo Recorrido, viola também o disposto no artigo 63.º, n.º 4 da Constituição da República. 39. Ao remeter-se o cálculo da “pensão de abate” para uma “regra de três simples” está o Recorrido, inevitavelmente, a transferir para si, como pensionista, parte do benefício que o Banco deve abater à mensalidade que está obrigado a pagar, potenciando, ilegalmente e em afronta àquele comando constitucional, o benefício que a pensionista teria a receber se isoladamente lhe fosse considerada apenas a carreira contributiva extra-banco. 40. O efeito de tal entendimento é, efetivamente, a violação do preceito constitucional vertido no artigo 63.º, n.º 4 da Constituição da República que determina que “Todo o tempo de trabalho contribui, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, independentemente do sector de atividade em que tiver sido prestado.”. 41. A interpretação dada pelo Recorrido à cláusula 136.ª do ACT do sector bancário e à cláusula 94.ª do atual ACT do sector bancário, é, assim, materialmente inconstitucional por violação do artigo 63.º, n.º 4 da Constituição. 42. A douta Sentença recorrida deve, pelos fundamentos expostos, ser revogada, concedendo-se provimento ao Recurso e, consequentemente, absolvendo-se o Recorrente dos pedidos. 43. Ao decidir como decidiu, a douta sentença violou o disposto na cláusula 136.º do Acordo Coletivo de Trabalho do sector bancário (BTE n.º 3 de 22/01/2011 - data de distribuição: 24/01/2011) cláusula que veio a ser substituída, com redação similar, pela cláusula 94.º do Acordo Coletivo de Trabalho do sector bancário (BTE n.º 29 de 08/08/2016), os artigos 26.º e 28.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio e, bem assim, violou também o disposto no artigo 63.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa. E concluía pedindo que, concedendo-se provimento ao recurso, a ação fosse julgada totalmente improcedente. O Autor contra-alegou. O Ministério Público, em cumprimento do disposto no artigo 87.º, n.º 3 do CPT emitiu Parecer no sentido da improcedência do recurso. O Recorrente respondeu ao Parecer.
Fundamentação De Facto Foram provados os seguintes factos: 1. A R. é uma instituição de crédito e exerce a atividade bancária. 2. Participou nas negociações e outorgou o ACT para o Sector Bancário, cuja versão integral se encontra publicada no B.T.E., 1ª Série, n.º 29, de 08/08/2016, pg. 2339 e ss., instrumento de regulamentação coletiva de trabalho que aplicou e aplica aos trabalhadores integrados nos seus quadros ou que deles fizeram parte. 3. O A. encontra-se filiado no ... Sindicato, que também usa o nome de Sindicato ..., onde figura como sócio n.º ... (cf. Doc.1). 4. O A. foi admitido ao serviço da R. em março de 1983. 5. Por carta enviada em 10.01.2017, a R. informou o A. da sua passagem à situação de reforma no sector bancário, a 31 de março de 2017. 6. O A. foi posteriormente informado por carta do Centro Nacional de Pensões, datada de 30/05/2019, de que o requerimento de pensão oportunamente apresentado foi DEFERIDO, sendo que a pensão por VELHICE com início 06/02/2018, fixou-se em € 826,11 Euros. 7. O A. passou então à situação de reforma, integrado no nível 13 do ACT para o Sector Bancário. 8. Na presente data a R. entrega ao A. uma pensão de reforma, pagável 14 vezes por ano, com a pensão base de € 1.485,12 Euros, diuturnidades no valor de € 252,36 Euros e anuidades no valor de €33,65. 9. O A. remeteu à R. a informação prestada pela Segurança Social, relativamente ao valor que lhe iria ser pago a título de Pensão de Reforma, pelo CNP. 10. Tendo a R. respondido através de carta remetida ao A., datada de 25/06/2019 com o seguinte teor: “Exmo. Senhor, Acusa-se a receção do documento do Centro Nacional de Pensões (CNP) que remeteu com a comunicação do deferimento da sua pensão de reforma por velhice, com início em 06/12/2018, que se agradece. No seguimento dos anteriores contactos sobre o assunto informa-se que, nos termos da cláusula 94.ª do ACT do sector bancário, ao montante da pensão de reforma paga pelo BPI passará a ser deduzido, a partir do processamento do mês de julho e com efeitos reportados a 06-02-2018, o valor atual de € 519,31 decorrente das contribuições para a segurança social efetuadas pelo Banco (…) 11. À data da propositura da ação, a R. deduzia à pensão de reforma do Centro Nacional de Pensões o valor de € 522,93.
12. A R. encontra-se a deduzir, em cada momento, 62,86 %, do valor da pensão paga pelo Centro Nacional de Pensões ao A.
13. Entre 6 de fevereiro de 2019, data em que o A. se reformou para efeitos do CNP e outubro de 2020, a R. deduziu da pensão paga pelo CNP o valor de € 19.684,06.
14. De 07/1970 a 04/1983 o A. efetuou descontos para a Segurança Social decorrentes da prestação de atividade dependente remunerada a entidade não bancária.
15. De 03/1983 a 12/2010 o A., enquanto trabalhador bancário, efetuou os descontos obrigatórios para a Caixa de Abono de Família dos Empregados Bancários (CAFEB).
16. A CAFEB foi extinta por integração no Instituto de Segurança Social, I.P. (ISS, I.P.), passando os seus beneficiários a serem aqui integrados.
17. Assim, a partir de janeiro de 2011, o A. passou a descontar para a Segurança Social, até passar à situação de reforma (1/2018).
De Direito
A questão colocada no presente recurso tem sido decidida reiterada e recentemente por este Tribunal de modo uniforme – sirva de exemplo o Acórdão proferido no processo n.º 2095/20.1T8BRR.S1 a 15 de setembro de 2021 (LEONOR RODRIGUES), no qual se faz referência a numerosa jurisprudência deste Tribunal sempre no mesmo sentido decisório. O presente recurso de revista não acrescenta qualquer argumento novo pelo que na fundamentação da presente decisão remete-se para o Acórdão precedente proferido no processo n.º 2276/20.8VCT.S1, do mesmo Relator, de acordo com o disposto no artigo 663.º, n.º 5 in fine do CPC, aplicável ao recurso de revista por força do artigo 679.º do CPC.
Nesse processo escreveu-se o seguinte, na fundamentação de direito da decisão:
“A mencionada cláusula 136.ª do ACT do setor bancário tinha o seguinte teor: Cláusula 136.ª “Âmbito 2. Para efeitos da segunda parte do número anterior, apenas serão considerados os benefícios decorrentes de contribuições para Instituições ou Serviços de Segurança Social com fundamento na prestação de serviço que seja contado na antiguidade do trabalhador nos termos das Cláusulas 17.ª e 143.ª.
É a partir da interpretação desta cláusula e invocando os elementos literal, sistemático e teleológico que o Recorrente conclui que “a “pensão de abate” é, assim, o benefício do CNP pelo tempo de carreira ao serviço do banco (pensão teórica) que resulta das contribuições feitas no período em apreço, apurado segundo as regras do regime geral da segurança social, que são as regras aplicáveis ao cálculo do benefício a pagar pelo CNP” (Conclusão 6.ª)[2], defendendo também que “porque a cláusula 136.ª do ACT do sector bancário (tal como a cláusula 94.ª do atual ACT do setor bancário) se refere expressamente a benefícios decorrentes de contribuições para o regime geral de segurança social e porque o benefício pago pelo regime geral de segurança social (através do CNP) é apurado considerando, além do tempo de carreira contributiva (que determina a taxa de formação da pensão), os montantes das contribuições feitas ao longo da carreira contributiva (por via da determinação da remuneração de referência), torna-se imperioso calcular as duas pensões teóricas” (Conclusão 25.ª). Este Tribunal tem reiteradamente afirmado que a interpretação da parte normativa das convenções coletivas deve seguir as regras da interpretação da lei. A este respeito o artigo 9.º do Código Civil, embora afirme no seu n.º 1 que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, afirma, depois, que “não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” (n.º 2) e que “na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (n.º 3). A letra da lei – aqui a letra da cláusula da convenção – é não apenas o ponto de partida da interpretação, mas o limite da mesma, o que é de particular importância nesta sede já que as partes de uma convenção não devem obter pela interpretação da convenção pelo tribunal o que não lograram obter nas negociações. Ora da letra da cláusula resulta tão-só a garantia de benefícios pelas instituições de crédito, sendo que caso benefícios da mesma natureza sejam atribuídos por Instituições ou Serviços de Segurança Social, aos trabalhadores e seus familiares, as instituições de crédito apenas garantirão a diferença entre o valor desses benefícios e o valor dos benefícios previsto no ACT. Por outro lado, e para o cálculo desta diferença apenas são relevantes os benefícios decorrentes de contribuições para Instituições ou Serviços de Segurança Social respeitantes a períodos que contam para a antiguidade do trabalhador ao serviço das instituições de crédito. A cláusula refere-se única e exclusivamente ao valor dos benefícios o que, obviamente, e como este Tribunal teve já ocasião de referir, não coincide (nem se confunde) com o valor das contribuições[3]. E quando se refere no seu n.º 2 às contribuições é para mandar atender aos benefícios decorrentes das contribuições em um determinado período e, portanto, para esclarecer qual o período de tempo relevante – o período de tempo relevante para a antiguidade do trabalhador ao serviço da instituição de crédito, mas em que houve contribuições para outras instituições ou serviços de Segurança Social. Em suma, a cláusula nunca refere o valor das contribuições. E partindo da presunção do legislador que se sabe exprimir adequadamente há que concluir que não se pretendeu atribuir qualquer relevância ao valor em concreto dessas contribuições. Acresce que não há qualquer remissão para o Decreto-Lei n.º 187/2007, nem qualquer referência ao cálculo de duas pensões como pretende o Recorrente. Uma vez que a tese do Recorrente não tem o mínimo de apoio na letra da cláusula, como, aliás, este Tribunal já teve ocasião de afirmar recentemente[4], torna-se desnecessário apreciar os outros argumentos aduzidos, já que os mesmos não poderiam fazer vingar uma interpretação sem esse arrimo mínimo. Acrescente-se, apenas, que não se vislumbra qualquer inconstitucionalidade nesta cláusula a qual se limita a cumprir o desiderato constitucional do aproveitamento integral de todo o tempo de trabalho[5] para o cálculo da pensão (artigo 63.º n.º 4 da Constituição)”.
Decisão: Negada a revista. Junte-se aos autos cópia do Acórdão proferido no processo 2276/20.8VCT.S1. Custas pelo Recorrente
Lisboa, 22 de junho de 2022
Júlio Gomes (Relator) Ramalho Pinto Domingos Morais
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