Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
8040/15.9T8GMR.G1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO (CÍVEL)
Relator: FERREIRA LOPES
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANOS FUTUROS
DANOS PATRIMONIAIS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DANO BIOLÓGICO
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
JUROS DE MORA
INICIO DA MORA
PERDA DE VEÍCULO
PRIVAÇÃO DO USO DE VEICULO
SEGURADORA
Data do Acordão: 12/10/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO PARCIAL À REVISTA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - O dano biológico, isto é a lesão do direito ao corpo e à saúde do lesado, que se traduz em incapacidade funcional, ainda que compatível com o exercício da actividade profissional, mas exigindo esforços suplementares, é causa de danos patrimoniais futuros indemnizáveis (art. 564.º, n.º 2, do CC).

II - Embora a lei privilegie a “reconstituição natural” sobre a indemnização em dinheiro no art. 566.º, n.º 1, do CC, é lícito ao obrigado à indemnização recusar pagar a reparação da viatura quando se prova que o custo da mesma é superior, não só ao valor comercial do veículo à data do acidente, como também ao custo de aquisição de um veículo com características idênticas ao sinistrado e que satisfaça as mesmas utilidades ao lesado.

III - Revelando-se economicamente inviável a reparação do veículo sinistrado, se o lesado recusou injustificadamente a indemnização em dinheiro oferecida pela perda da viatura, não pode depois reclamar uma indemnização pela privação do uso subsequente ao momento em que a ré colocou ao seu dispor o pagamento da indemnização.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



AA instaurou ação declarativa sob a forma de processo comum contra Caravela - Companhia de Seguros, S.A., pedindo a condenação da ré no pagamento ao Autor das seguintes quantias:

a) montante não inferior a € 240.094,20, relativo a danos patrimoniais e não patrimoniais já quantificados;

b) o montante que vier a ser liquidado, relativo a danos, patrimoniais e não patrimoniais, futuros: a) decorrentes do pagamento de uma quantia mensal de € 555,40, a título de perdas de vencimento mensal ilíquido, acrescida de uma quantia anual € 505 a título de subsídio de Natal, de uma quantia anual € 505 a título de subsídio de férias e de uma quantia anual de € 505 a título de férias, quantias cujo pagamento deverá ser contabilizado desde a data da ocorrência do acidente de viação descrito nos autos e até à data da futura consolidação médico-legal das lesões sofridas pelo autor em consequência do mesmo; b) decorrentes da necessidade atual e futura, por parte do autor, de efetuar vários exames médicos de diagnóstico e de aferição da consolidação das lesões e sequelas descritas na petição inicial; c) decorrentes da necessidade atual e futura, por parte do autor, de acompanhamento médico periódico nas especialidades de Neurocirurgia, Ortopedia, Fisiatria, Fisioterapia, Reabilitação Funcional, Psiquiatria e Cirurgia Plástica, para superar as consequências físicas e psíquicas das lesões e sequelas referidas; d) decorrentes da necessidade atual e futura, por parte do autor, de realizar tratamento fisiátrico duas vezes por ano, sendo que cada tratamento deverá ter a duração mínima de vinte sessões, para superar as consequências físicas e psíquicas das lesões e sequelas referidas; e) decorrentes da necessidade atual e futura, por parte do autor, de ajuda medicamentosa – antidepressivos, ansiolíticos, anti-inflamatórios e analgésicos -para superar as consequências físicas das lesões e sequelas referidas; f) decorrentes da necessidade atual e futura, por parte do autor, de se submeter a várias intervenções cirúrgicas a nível da anca (colocação de próteses em numero indeterminado a nível da anca) e plásticas, a vários internamentos hospitalares, de efetuar várias despesas hospitalares, de efetuar a vários tratamentos médicos e clínicos, de ajudas técnicas, de efetuar várias deslocações a hospitais e clínicas para tratamento e correção das lesões e sequelas referidas; g) decorrentes de uma quantia diária a título de privação de uso do veículo de matricula ……UX, propriedade do autor, calculada desde o dia da ocorrência do acidente e até à efetiva e integral reparação do veículo, à razão de € 25 por dia; h) decorrentes de uma quantia diária a titulo de parqueamento/depósito do veículo de matricula …….UX, propriedade do autor, calculada desde o dia da ocorrência do acidente e até à efetiva e integral reparação do mesmo, à razão de € 6 por dia, acrescida de IVA à taxa legal em vigor;

c) o montante correspondente a: a) no que concerne aos danos materiais, os juros vencidos e vincendos calculados à taxa legal anual em vigor, sobre o montante oferecido pela ré ao autor no valor de € 2820, contados a partir do dia …-02-2015 e até à data da decisão judicial ou até à data que vier a ser estabelecida na decisão judicial; b) no que concerne aos danos materiais, os juros vencidos e vincendos calculados no dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso, sobre a diferença entre o montante oferecido pela ré ao autor no valor de € 2820 e o montante que vier a ser fixado na decisão judicial, contados a partir do dia …-02-2015 e até à data da decisão judicial ou até à data que vier a ser estabelecida na decisão judicial; c) no que concerne aos danos corporais, os juros vencidos e vincendos calculados no dobro da taxa legal anual prevista na lei aplicável ao caso sobre o montante da indemnização que vier a ser fixado a final pelo tribunal e contados desde a data de …-04-2015 e até à data da decisão judicial ou até à data que vier a ser estabelecida na decisão judicial ou desde a data da sua citação e até efetivo e integral pagamento; d) ou, caso assim se não entenda, os juros vencidos e vincendos a incidir sobres as referidas indemnizações calculados à taxa legal anual, a contar da data da citação da Ré e até efetivo e integral pagamento.

Como fundamento do pedido, alegou a ocorrência de um acidente de viação entre o veículo por si conduzido e um outro segurado na Ré, com culpa exclusiva da condutora do veículo seguro, do qual resultaram os danos de natureza patrimonial e não patrimonial que descreve e de que pretende ser ressarcido.

A ré contestou, impugnando parte da factualidade alegada pelo autor, sustentando que ambos os condutores contribuíram para a ocorrência do embate, que a reparação do veículo pertencente ao autor não é economicamente viável e que não são devidos os montantes peticionados; termina pedindo seja a ação julgada tendo em conta a contribuição de ambos os condutores para a produção do acidente.

Tramitados os autos, e realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que na parcial procedência da acção, condenou a Ré a pagar ao Autor:

a). a quantia de € 41.250,00 acrescida de juros moratórios, às taxas legais sucessivamente emergentes do disposto no artº. 559º/1 do Código Civil, contados desde a data da presente sentença e até integral pagamento;

b). a quantia de € 49.984,30 ((tendo em conta que a Ré já liquidara ao Autor €30.000,00), acrescida de juros moratórios sobre a quantia de € 47.164,30 (quarenta e sete mil, cento e sessenta e quatro euros e trinta cêntimos), às taxas legais sucessivamente emergentes do disposto no artº. 559º/1 do Código Civil, desde 15 de Dezembro de 2015 e até integral pagamento;

c). na quantia indemnizatória, na proporção de 75%, que se vier a liquidar em incidente póstumo relativamente: i). ao futuro agravamento do défice funcional permanente da integridade física; ii). aos futuros dispêndios com intervenção cirúrgica para colocação de prótese total da anaca definitiva e eventual artroscopia ao joelho esquerdo e respectivos tratamentos médicos e clínicos, internamentos e despesas hospitalares para optimização da situação da anca e desse joelho; iii). aos futuros dispêndios com a ajuda medicamentosa de analgésicos em SOS para tratamento das consequências do embate; iv). aos futuros dispêndios com consultas e tratamentos de fisioterapia, com regularidade e tipologia a fixar pelo médico assistente; iv). aos futuros dispêndios com canadianas e veículos automóveis com caixa automática, absolvendo a Ré no mais que vinha peticionado.


Inconformado, apelou o Autor para a Relação de Guimarães, mas sem sucesso pois que aquele Tribunal negou provimento à apelação, confirmando inteiramente a sentença.


Ainda inconformado, o Autor interpôs recurso de revista excepcional, cujas alegação rematou com extensas e repetitivas conclusões, que por isso aqui não se transcrevem, que se sintetizam por súmula:

1ª. O Autor não concorda com a repartição de culpas na proporção de 25% para o Autor e 75% para a condutora do veículo segurado na Ré, entendendo, pelo contrário, que esta deve ser considerada como única e exclusiva culpada pela produção do acidente descrito nos autos.

2ª. O Autor/Recorrente não concorda com a absolvição e a não condenação da Ré em indemnizar o Autor a título de perdas salariais/perda de chance registadas desde …/02/2015 (dia da ocorrência do acidente dos autos) e até ao dia …/08/2018 (dia da consolidação médica das lesões) num total de 1.282 dias.

3ª. O Autor/Recorrente não concorda com a absolvição da Ré e a não condenação da Ré em pagar ao Autor uma quantia diária a título de privação de uso do seu veículo ligeiro de passageiros matricula …….UX desde o dia …/02/2015 (dia da ocorrência do acidente dos autos) e até à data em que a Ré colocar à disposição do Autor o dinheiro correspondente à indemnização devida a titulo de custo de reparação da mesma viatura matricula ………UX, montante esse cuja total e integral concretização e quantificação se deverá relegar para posterior incidente de liquidação (artigo 358.- do CP. Civil).

4ª. O Autor/Recorrente não concorda com o valor indemnizatório que lhe foi atribuído a título de custo de reparação da sua viatura matrícula ……….UX.

5ª. O Autor/Recorrente não concorda com o valor indemnizatório que lhe foi atribuído a título de danos futuros pela "perda da capacidade de ganho", na medida em que em termos de repercussão permanente da atividade profissional, o défice funcional de que ficou padecer em virtude das lesões e sequelas sofridas, é incompatível e impeditivo do exercício da actividade profissional "operador agrícola" e de outras categorias profissionais semelhantes que exijam boa mobilidade, força, resistência ao esforço e velocidade dos membros inferiores e que sejam predominantemente efectuadas de pé e sentadas.

6ª. O Autor/Recorrente não concorda com o valor indemnizatório que lhe foi atribuído a título de "dano biológico" em consequência da perda ou diminuição de capacidades funcionais decorrente do Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 16 pontos que lhe foi fixado.

7ª. O Autor/Recorrente não concorda com o valor indemnizatório que lhe foi atribuído a título de danos não patrimoniais.

8ª. O Autor/Recorrente, não concorda com a absolvição e a não condenação da Ré em pagar ao Autor juros de mora no dobro da taxa legal prevista sobre as indemnizações concedidas ao Autor a titulo de danos patrimoniais e danos não patrimoniais, nem concorda com o momento a partir do qual são devidos juros de mora em dobro da taxa legal prevista sobre as indemnizações concedidas ao Autor a titulo de danos patrimoniais e danos não patrimoniais.


Contra alegou a Recorrida pugnando pela não admissibilidade da revista excepcional; se assim não se entender, deve o recurso ser julgado improcedente e confirmado o acórdão.    

Por acórdão da Formação foi admitida a revista excepcional, salvo quanto à apreciação da culpa no acidente, por a Formação não ver utilidade na reapreciação de uma questão que mereceu resposta coincidente das duas instâncias.

Relativamente às demais questões – danos patrimoniais futuros, face à categoria de dano biológico, danos não patrimoniais, juros agravados, indemnização por privação do uso - entendeu a Formação que se justifica a pronúncia do Supremo Tribunal por respeitarem a matérias em “que a jurisprudência ainda não pode considerar-se estabilizada.”

Delimitado o âmbito do recurso, há que conhecer das questões enunciadas, começando por recordar a matéria de facto que a Relação deu como provada.


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Fundamentação.

Os factos:

1. O Autor nasceu em … de janeiro de 1981 - cfr. documento junto a fls.29 verso.

2. No passado dia … de fevereiro de 2015, cerca das 16 horas e 30 minutos, na Rua …, freguesia de …, concelho de …, distrito de …, ocorreu um embate entre o veículo ligeiro, de passageiros, de serviço particular, com a matrícula ……...FZ, de propriedade e conduzido por BB, e o veículo ligeiro, de mercadorias com a matrícula ……..UX, de propriedade e conduzido pelo Autor.

3. Entre aquela BB, nas qualidades de proprietária e/ou condutora habitual do veículo com a matrícula ……...FZ e a Ré seguradora existia, à data do embate, um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel, válido e eficaz, titulado pela apólice nº …………., mediante o qual a primeira transferiu para aquela seguradora a respectiva responsabilidade civil automóvel emergente da circulação rodoviária daquele ……..FZ– cfr. documento junto a fls.65, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

4. A Ré, com a matrícula e NIPC 50…49, alterou a sua denominação social de Macif Portugal - Companhia de Seguros, SA para Caravela - Companhia de Seguros, SA, com efeitos a partir de 20 de Janeiro de 2015, data da publicação oficial dessa alteração, conforme An. 1 - 20150120 à inscrição n.º 28 (apresentação n.º 154/20150108).

5. No dia, hora e local acima mencionados, ambos os veículos circulavam na referida Rua de … no sentido de marcha …/… .

6 e 7. (…).

8. Em consequência do embate resultaram estragos no ……….UX, nomeadamente em toda a sua parte lateral direita traseira e parte frontal esquerda, com inutilização, nomeadamente, das seguintes peças: para choques frente, grelhas do para choques da frente, frisos do para choques da frente, spoiler frente, grelha radiador, capôt, dobradiças, amortecedores capota, borrachas, faróis, piscas, guarda lamas, cober cava de rodas, travessas, chapa frontal, cave de roda para brisas, deposito limpeza, portas, vidros das portas, elevadores dos vidros das portas, fechos batentes, frisos, forros, retrovisores, airbags, tablier, braços de suspensão, amortecedores, manga de eixo, caixa de direcção, volante, sensor airbag, radiador, suporte condensador, grelha, caixa velocidades eixo traseiro, cablagem ventoinha, bateria, fusíveis, sistema eléctrico, conforme relatório de peritagem realizado em …-02-2015 pelos serviços técnicos da Ré – cfr. documentos juntos a fls.49 verso e a fls.84 e seg. do apenso A., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

9. A reparação do veículo propriedade do Autor, de matrícula …………UX, em consequência dos danos causados pelo acidente de viação melhor descrito nos presentes autos, recorrendo a peças novas e originais da marca, orçou a quantia de 18.415,02€ (dezoito mil quatrocentos e quinze euros e dois cêntimos) acrescida do IVA à taxa legal cfr. documentos juntos a fls.49 verso e a fls.84 e seg. do apenso A., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

10. A Ré, através do seu gestor de processo de nome CC, expressamente assumiu e reconheceu por escrito perante o Autor, a responsabilidade e culpa da condutora do veículo ………FZ na produção do embate na proporção de 75% (setenta e cinco por cento) - cfr. documento junto a fls. 50, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

11. A Ré, por conta de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais que advieram para o Autor em consequência do embate, desde essa data de …/04/2015 até à presente data, ainda não apresentou ao Autor qualquer proposta de indemnização para além da referida em 12.

12. Em …-02-2015, por conta dos estragados causados no ………..UX e após peritagem deste, a Ré através do seu gestor de processo apresentou ao Autor uma proposta consolidada e final de 2.820,00 € (dois mil oitocentos e vinte euros), já deduzido o valor do salvado que ficaria na posse do Autor - cfr. documento junto a fls.51 e seg., cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

13. O Autor recebeu da Ré a quantia de 10.000,00 € (dez mil euros) por conta da indemnização devida a final e no âmbito de transacção homologada aos … de Novembro de 2015 nos autos de providência cautelar de arbitramento de reparação provisória, que com o 8368/15.8…, correram termos pelo Tribunal da Comarca de … - … - Instância ….- Secção ….. - … (actualmente correspondente ao apenso A) – cfr. fls.120 desse apenso A.

14. Nessa transacção a Ré declarou que “o pagamento ora acordado não significa uma assunção total e exclusiva da responsabilidade da condutora do veículo seguro, com a matrícula ……….FZ, na produção do acidente, antes entendendo haver uma contribuição de ambos os condutores para a eclosão do sinistro” – cfr. o teor da transacção a fls.116 verso do apenso A., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

15. Em … de Janeiro de 2017, o Autor recebeu da Ré nova quantia de 10.000,00 € (dez mil euros) por conta da indemnização devida a final – cfr. documento de fls.281 e 281 verso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

16. O Autor recebeu da Ré nova quantia de 10.000,00 € (dez mil euros) por conta da indemnização devida a final e no âmbito de transacção homologada aos … de Janeiro de 2018 nos autos de providência cautelar de arbitramento de reparação provisória que correram termos no apenso B – cfr. fls.24 desse apenso.

17. Nessa transacção a Ré declarou que “o pagamento ora acordado não significa uma assunção total e exclusiva da responsabilidade da condutora do veículo seguro, com a matrícula ……….FZ, na produção do acidente, antes entendendo haver uma contribuição de ambos os condutores para a eclosão do sinistro”.

18. No local do acidente, a Rua do … descreve uma recta com pelo menos 230 (duzentos e trinta) metros de extensão, com inclinação descendente no sentido …….. – ……..

19. É ladeada por passeios, muros e montados.

20. Atento o sentido ……. – …….., e antes do local do acidente existe a seguinte sinalização de trânsito: a) Sinais verticais A16A (aproximação de passagem para peões), A18 (curva à esquerda) e M20 (bandas cromáticas).

21. Atento o sentido ……… – …….., e depois do local do acidente existe a seguinte sinalização de trânsito: Marcas M11 (passagem para peões) e H7 (passagem para peões)

22. Antes do local do embate, ainda de acordo com o mesmo sentido de marcha, existe uma lomba.

23. O FZ seguia numa fila compacta de veículos, encabeçada por um tractor, cuja marcha, por si imposta ao restante tráfego, era à volta de 20 km/h.

24. O FZ constituía o quarto veículo da fila, existindo dois veículos entre si e o tractor.

25. A condutora do FZ decidiu colocar-se à frente do tractor.

26. Iniciando a manobra de ultrapassagem a um outro veículo automóvel que circulava à sua frente na hemi-faixa de rodagem direita e no mesmo sentido de marcha.

27. Sem sinalizar previamente a sua presença e essa manobra

28. Sem verificar que não circulava nenhum veículo, no mesmo sentido, quer na sua traseira, quer paralelamente.

29. Flectindo à esquerda e invadindo a hemi-faixa de rodagem contrária esquerda, atento o seu sentido de marcha, e por onde já circulava o UX em ultrapassagem.

30. Vindo de trás.

31. E a velocidade superior a 70 km/h.

32. Quando UX estava já prestes a passar pelo FZ.

33. Embatendo com a sua parte lateral esquerda da frente na parte lateral direita traseira do UX.

34. Que, em consequência, foi projectado para a sua esquerda, acabando por invadir a berma esquerda, atento o seu sentido de marcha, onde embateu contra um muro e se imobilizou.

35. O Autor ainda se desviou para a sua esquerda e travou, deixando marcados no pavimento rastos de travagem com uma extensão de 13,50 mts., no que concerne ao rodado direito, e de 15,20 mts., no que respeita ao rodado esquerdo.

36. Esses rastos de travagem iniciam-se antes da passagem para peões e terminam depois da mesma.

37. A extensão dos rastos de travagem seria superior não tivesse a marcha do veículo sido interrompida pelo muro.

38. No local onde o UX embateu o muro apresentava uma face virada para Seide, na perpendicular em relação ao eixo da via, cortando o passeio até aí existente.

39. A condutora do FZ não conseguiu evitar a colisão contra o referido muro, mas fê-lo mais à frente, a 11,50 metros do UX, com a lateral esquerda, e numa zona em que o muro é paralelo à estrada.

40. A condutora do FZ apenas conseguiu imobilizar a sua marcha a cerca de 25 (vinte e cinco) metros de distância do local onde ocorreu o embate.

41. Em consequência do supra descrito o Autor deu entrada no serviço de urgências do Centro Hospitalar do ………, E.P.E. no dia …/02/2015, pelas 17h31m, onde foi examinado, com o diagnóstico de politraumatizado, apresentando múltiplas lesões traumáticas do foro ortopédico, designadamente: 1. Traumatismo do MIE, 2. Fractura - luxação da anca esquerda, com fractura cominutiva da parede posterior do acetábulo esquerdo e com ascensão posterior da cabeça femural.

42. Teve alta hospitalar nesse mesmo dia …/02/2015. .

43. No dia …/02/2015, por persistência das queixas dolorosas em consequência do embate, descrito nos presentes autos, deu entrada e foi observado no Serviço de Urgências do Centro Hospitalar do ……., E.P.E.

44. O Autor, no dia …/02/2015, por persistência das queixas dolorosas em consequência do embate, recorreu foi novamente àquele serviço de urgência, tendo ficado internado no Centro Hospitalar …, E.P.E., onde foi submetido às seguintes intervenções cirúrgicas e tratamentos: 1. Redução e colocação de tracção esquelética a …/02/2015; 2. Redução cruenta e osteossíntese do acetabulo esquerdo com parafuso de 3,5mm e placa de reconstrução de 10 furos a …/02/15, com extracção de fragmento ósseo intra-articular.

45. Foi submetido a exérese do fragmento ósseo e a osteossíntese da fractura do acetabulo a …/02/2015.

46. Após cirurgia apresentou sinais inflamatórios da sutura com drenagem abundante, foi identificado micro-organismo e iniciou antibioterapia, e iniciou drenagem da ferida operatória com 7 dias P.O.

47. O Autor teve alta hospitalar no dia …/03/2015.

48. Após o que começou a ser acompanhado em consulta externa na especialidade de Ortopedia no Centro Hospitalar do Médio Ave, E.P.E..

49. Em …/04/2015 foi observado, a mando da Ré, no Hospital …, …, sito na Rua …., n.º …, …, tendo-lhe sido atribuída incapacidade temporária absoluta pelo período de 120 dias - cfr. documento de fls. 76 e 76 verso do apenso A., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

50. O Autor, tem indicação para tratamento fisiátrico de reabilitação funcional e desde Maio de 2015 e até à presente data, tendo realizado a expensas suas várias sessões de fisioterapia.

51. O Autor, para se locomover, tem que recorrer à ajuda de muletas/canadianas.

52. O Autor encontra-se actualmente a realizar sua recuperação funcional e fisioterapia, tratamentos esses que terão a duração indeterminada.

53. Findos esses tratamentos e em consequência do embate, o Autor foi submetido às seguintes intervenções: a) em …/11/2016, extracção de placa a parafusos do acetabulo; PTA não‐cimentada esquerda (BlOMET); b) em …/12/2016 foi internado por drenagem purulenta da ferida operatória com 8 dias de evolução ‐ isolado MRSA, 36 tendo havido má resposta a vancomicina, que esteve sempre em níveis subterapeuticos; c) em …/12/2016, efectuou uma lavagem articular com troca de componentes móveis; d) perante nova drenavem purulenta foi decidido em RS propor extracção de PTA e colocação de espaçador, tendo sido isolado enterococcus e medicado com gentantina ev.; e) em …/01/2017 foi submetido a extracção de PTA e colocação de espaçador Biomet, tendo sido medicado 3‐4 semanas com linezolide para MRSA e ciprofloxacina para enterococcus; f). em …/01/2017 efectuou drenagem na porção distal da ferida cirúrgica, hoje em escassa quantidade.

54. O Autor passou a locomover‐se e mantém com espaçador da anca (provisória).

55. O Autor ficou a aguardar e aguarda por colocação de PTA (Prótese Total da Anca) definitiva que se prevê seja colocada.

56. E, eventualmente, por intervenção artroscópica ao joelho esquerdo.

57. E terá que ser submetido, aos respectivos internamentos hospitalares.

58. Terá de efectuar as correspondentes despesas hospitalares.

59. Terá de efectuar a vários tratamentos médicos e clínicos para tratamento e optimização da situação do joelho esquerdo e da anca.

60. Terá necessidade de ajudas técnicas, nomeadamente, canadianas.

61. O Autor tem e terá que ser, novamente e de forma periódica, avaliado em consultas de fisioterapia e terá de efectuar tratamentos de fisioterapia de manutenção, com a regularidade e tipologia a fixar pelo médico assistente.

62. Actualmente, o Autor encontra-se incapacitado para a profissão de “operador agrícola”.

63. Em consequência do embate, o Autor ficou com as seguintes sequelas no membro inferior esquerdo: apresenta cicatriz irregular, nacarada com zonas rosadas, medindo 26 cm por 1 cm de maiores dimensões, que se estende desde face lateral do terço proximal da coxa até à nádega esquerda; cicatriz transversal com 3,5 cm por 1cm na face anterior do joelho; usa palmilha compensadora no sapato por dismetria de membros (membro inferior esquerdo mais curto que o direito de cerca de 2 cm); atrofia da coxa de 3 cm (53,5 cm vs 56,5 cm à direita); atrofia da perna de 3 cm (38,5 cm vs 3741,5 cm à direita); rigidez marcada da anca com flexão a 60°‐70°, com perda das rotações, adução / abdução e extensão limitadas); articulação do joelho com mobilidades conservadas notando‐se crepitação articular à mobilização e ligeira laxidez lateral; tibiotársica (tornozelo) com mobilidades conservadas e simétricas.

64. E ficou a padecer de limitação de movimentos e mobilidade a nível do membro inferior esquerdo e da anca, com impossibilidade de se agachar, de se ajoelhar, de correr, de exercer força ou sustentar-se sob a perna esquerda e anca, de efectuar qualquer movimento brusco ou que exija potência, de saltar, de subir andaimes.

65. De subir e descer caminhos desnivelados sem canadianas.

66. O Autor claudica na marcha.

67. O Autor necessita e necessitará de ajuda medicamentosa com analgésicos em SOS para superar as consequências e sequelas supra descritas, com a regularidade e tipologia a ser definida pelo médico assistente.

68. O Autor tem dificuldades acrescidas na condução de viaturas ligeiras com caixa manual.

69. O Autor tem necessidade, como ajuda técnica, de recorrer à condução de viaturas com caixa automática.

70. Em virtude das lesões e sequelas sofridas, o Autor ficou a padecer de um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico‐Psíquica fixável em 16 (dezasseis pontos), sendo de perspectivar a existência de dano futuro.

71. E previsível agravamento desse défice, durante toda a sua vida, tornando mais penoso o desempenho das suas tarefas diárias, sejam actividades domésticas, laborais, recreativas, sociais ou sentimentais e dificultando a sua produtividade.

72. Tal défice funcional é incompatível e impeditivo do exercício da actividade profissional “operador agrícola” e de outras categorias profissionais semelhantes que exijam boa mobilidade, força, resistência ao esforço e velocidade dos membros inferiores e que sejam predominantemente efectuadas de pé e sentadas.

73. O Autor necessita diariamente de descansar por vários períodos de tempo já que não consegue manter-se muito tempo de pé.

74. O Autor sofreu 125 dias de défice funcional temporário total.

75. O Autor sofreu 1157 dias de défice funcional temporário parcial.

76. Decorreram 1282 dias de repercussão temporária na actividade profissional total do Autor desde a data do sinistro até à data de consolidação médico-legal das lesões em 8 de agosto de 2018.

77. Em consequência do embate, o Autor teve de ser submetido a vários tratamentos, internamentos hospitalares, de recorrer a consultas médicas, de ajuda medicamentosa, exames clínicos, de efectuar várias deslocações em transporte publico e de táxi a hospitais e a clínicas, no que despendeu as quantias de € 2.491,46 (dois mil quatrocentos e noventa e um euros e quarenta e seis cêntimos).

78. O Autor sofreu dores aquando do embate, dos internamentos e tratamentos hospitalares e do período de convalescença.

79. De grau 6 numa escala crescente de 1 a 7.

80. As quais se exacerbam e agravam com as mudanças de temperatura e com os esforços.

81. As quais o Autor não sentia antes do embate.

82. O Autor, por vezes, tem dificuldades em dormir com as dores a nível da anca e do membro inferior esquerdo.

83. À data do embate, o Autor era uma pessoa sem qualquer incapacidade física ou estética que lhe dificultasse a sua normal vida pessoal e profissional.

84. Era uma pessoa saudável, dinâmica, expedita, diligente e trabalhadora, alegre, confiante, cheia de projectos para o futuro, cheia de vida, com vontade e alegria de viver.

85. Calma, amante da vida, confiante, detentora de um temperamento afável e generoso que lhe permitia bons relacionamentos com as outras pessoas.

86. Em consequência do embate, o Autor tornou-se uma pessoa triste, introvertida, angustiada, sofredora, triste, infeliz, desgostosa, insegura, nervosa, inibida e diminuída fisicamente e esteticamente, receosa de que o seu estado de saúde piore e desgostosa da vida.

87. As cicatrizes referidas em I.63 causam ao Autor desgosto e inibição e desfavorecem-no esteticamente.

88. Em grau 5 numa escala crescente de 1 a 7.

89. Em consequência das referidas lesões e sequelas, o Autor sofre desconforto e dor na adopção de certas posições durante o acto sexual.

90. Com uma repercussão permanente na actividade sexual de grau 3 numa escala crescente de 1 a 7.

91. Em consequência do embate, o Autor não pode e não poderá praticar qualquer actividade desportiva que implique esforços e caminhada prolongada, designadamente a prática de futebol, bicicleta e corrida.

92. O que confere ao Autor uma repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer de grau 3 numa escala crescente de 1 a 7.

93. A reparação do ………..UX recorrendo a peças de concorrência, a peças usadas e aproveitando as peças estragadas orça a quantia de cerca de 10.000,00 € (dez mil euros) acrescida do IVA à taxa legal.

94. As dificuldades económicas do Autor impossibilitam-no de proceder e pagar de imediato a reparação do UX.

95. Desde a data do embate que o UX não pode circular na via pública.

96. O UX era o único e diário meio de transporte do Autor.

97. Desde a data do embate, o Autor tem recorrido a táxis, a transportes públicos e a empréstimos de outros veículos, com os inerentes incómodos.

98. Desde a data do embate que o UX se encontra na oficina propriedade de DD.

99. O valor de venda no mercado do UX era, imediatamente antes do embate, de pelo menos, € 4.275,00 e nunca mais de € 4.500,00.

100. O salvado do UX valia, à data do sinistro, € 555,00.

101. Com € 3.945,00, acrescidos do produto da venda do salvado (€ 555,00), era e é possível ao Autor adquirir no mercado nacional um veículo com características semelhantes às do UX.

102. A Ré não liquidou ao Autor os 75% da perda total porque o Autor não os aceitou.

103. O Autor não aceitou a regularização com repartição de responsabilidades, imputando-lhe 25%, nem facultou à Ré a documentação necessária para que esta avançasse com o pagamento de 75% da indemnização.

104. Os valores referidos em I.9 e I.93 poderão aumentar aquando da desmontagem do UX, devido a prováveis danos ocultos.

E foi considerado não provado:

(…)

12. Na altura do embate, o Autor sofreu angústia de poder a vir a falecer.

13. O Autor passou a ser acompanhado a mando, por conta e a expensas da Ré, no Hospital de ………., … .

14. O Autor, findas essas novas intervenções cirúrgicas, terá que ser novamente e de forma periódica, avaliado em novas consultas de várias especialidades médicas.

15. Designadamente Ortopedia, Psiquiatria, Neurocirurgia, Medicina Física, Reabilitação Funcional, Cirurgia Plásticas, cuja duração será de duração superior a um/dois anos.

16. Actualmente o Autor encontra-se com Incapacidade Temporária Absoluta (I.T.A) para todo e qualquer tipo de trabalho.

17. E para o exercício da sua profissão habitual.

18. No início do ano de 2015 e antes do embate, o A. apresentou-se para uma entrevista de trabalho junto da firma propriedade de EE, que manifestou interesse na contratação dos seus serviços, solicitando a sua comparência na sua sede com a finalidade de formalizar contrato de trabalho, o qual teria início em Fevereiro de 2015.

19. Onde iria desempenhar as funções de “Operador agrícola”, mediante a remuneração base mensal de 505,00€ (quinhentos e cinco euros), acrescida da quantia mensal de 50,40€ (cinquenta euros e quarenta cêntimos) a título de subsídio de alimentação.

20. Em consequência do embate, o Autor ficou com as seguintes sequelas no períneo: cicatriz cirúrgica rosada com 9 cm por 0,5 cm localizada na região perineal à esquerda.

21. O Autor necessita de ajuda externa de terceira pessoa para se calçar.

22. No plano psíquico, o Autor ficou a padecer de síndrome pós stress-traumático: a) mantém recordações recorrentes do acidente; b) dificuldades de concentração; c) sintomatologia fóbica relativamente à problemática rodoviária; d) insónias com o sono agitado; e) alteração da qualidade de sono com sonhos recorrentes acerca do acidente (pesadelos); f) dificuldade de relacionamento com colegas e familiares; g) alterações afectivas; h) sintomatologia depressiva e caracterial com irritabilidade fácil; i) perturbações de pânico; j) modificações de humor, do carácter evivência mais tristonha; k) síndrome depressivo prolongado; l) ansiedade relativamente à sua situação clínica actual e futura; m) maior irritabilidade e nervosismo; n) maior ansiedade; o) labilidade emocional; p) sentimentos de revolta; q) transtorno de ansiedade com manifestações fóbicas em personalidade evitante; r) o acidente sofrido exacerbou medos e inibições, aumentando a dificuldade para lidar com a situações da vida corrente que constituíam um desafio à sua confiança e autonomia; s) determinando esta plêiade de sintomas uma menor qualidade da sua vivência, intra e interpessoal.

23. O Autor padece de alterações de humor, do sono e alterações afectivas.

24. Em consequência do embate, o Autor tornou-se uma pessoa deprimida e abalada psiquicamente.

25. Em consequência das referidas lesões e sequelas, o Autor ficou a padecer de diminuição da libido.

26. O Autor necessita e necessitará de antidepressivos, ansiolíticos, anti-inflamatórios e medicação psicofarmológica para superar as consequências e sequelas supra descritas.

27. Em virtude das lesões e sequelas sofridas, o Autor ficou a padecer de um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico‐Psíquica fixável em 20 (vinte pontos).

28. Em virtude das lesões e sequelas sofridas, o Autor ficou a padecer de uma Incapacidade Permanente Parcial (IPP) fixável em 54% (cinquenta e quatro por cento).

29. O défice referido em I.70 poderá reduzir sucessivamente o período de vida activa do Autor.

30. O Autor deixou de auferir a quantia total de € 28.469,38 (vinte e oito mil, quatrocentos e sessenta e nove euros e trinta e oito cêntimos), a título de salários e subsídios de alimentação, férias e natal.

31. Em consequência do embate, o UX sofreu uma redução do seu valor comercial nunca inferior a €500 (quinhentos euros).

32. O DD exige ao Autor, a título de parqueamento uma quantia diária de €6 (seis euros) acrescida do IVA à taxa legal.


O direito.

Estamos perante um recurso de revista excepcional, em que os poderes da conferência julgadora se circunscrevem às questões suscitadas no recurso relativamente às quais foi, no acórdão da Formação de apreciação preliminar, decidido que se verificam algum ou alguns dos pressupostos específicos que, para aquele efeito, são enunciados no nº1 do art. 672º do CPC.

Consequentemente, o objecto do recurso, assim delimitado, não abarca quaisquer outras questões que hajam sido enunciadas no recurso.

Isso significa, no caso em apreciação, que o recurso não abarca a questão da culpa na eclosão do acidente, encontrando-se definitivamente decidido que para ele contribuiu o Autor na proporção de 25%, e a condutora do veículo segurado na Ré na proporção de 75%.

 Restam assim para decidir as seguintes questões:

- Danos patrimoniais futuros;

- Valor da indemnização por danos não patrimoniais;

- Juros agravados e data da constituição em mora;

- Indemnização pela privação do uso veículo.


Abordemos cada uma delas.

O Recorrente começa por se insurgir contra a decisão da Relação que julgou improcedente o pedido de €28.469,38 relativo a perdas salariais sofridas entre o dia do acidente (04.02.2015), e a data da consolidação médico/legal das lesões (08.08.2018), num total de 1282 dias.

Justifica a sua pretensão com o facto dado como provado no nº 76 – “decorreram 1282 dias de repercussão temporária na actividade profissional do Autor desde a data do sinistro até à data da consolidação médico-legal das lesões em 08.08.2018 – nada mais adiantando em abono da sua pretensão.

É manifesta a sua falta de razão.

Como a Relação explicou este pedido baseava-se em factos que não logrou provar, e que constam dos nºs 18,19 e 30 da matéria de facto não provada.  O Recorrente não avança com nenhum argumento novo, como se o acórdão recorrido nada tivesse decidido nesta parte, pelo que não há qualquer fundamento para reverter a decisão da Relação.

A indemnização por danos patrimoniais futuros.

A este título o Autor havia peticionado uma indemnização “não inferior a €200.000,00 pela perda de capacidade de ganho”, e ainda €50.000,00 a título de indemnização por dano biológico.

O acórdão recorrido, na esteira do decidido na sentença, julgou equitativa a indemnização de €100.000,00 a título de danos patrimoniais futuros, considerando que Autor ficou afectado de défice funcional de 16 pontos em consequência das lesões sofridas no acidente, e que “as sequelas de que ficou a padecer são compatíveis com outras profissões da área da sua preparação técnico-profissional”. E considerando a culpa do Autor na eclosão do acidente, as instâncias fixaram em €75.000,00 a indemnização.

O Recorrente reitera que deve a indemnização por danos futuros distinguir a perda de capacidade de ganho por estar impedido de exercer a sua categoria profissional, da indemnização pelo chamado dano biológico, por ter visto “diminuídas as suas capacidades funcionais”. Com o primeiro fundamento reclama uma indemnização de €200.000,00 e pelo segundo a indemnização de €50.000,00.

Sobre o cálculo da indemnização rege o art. 564º do Cód. Civil, segundo o qual:

1. O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão.

2. Na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros desde que sejam previsíveis.


O Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a decidir que o dano biológico, isto é, a lesão do direito ao corpo e à saúde do lesado, que se traduz em incapacidade funcional, ainda que compatível com a actividade profissional mas exigindo esforços suplementares para a desenvolver, é causa de danos patrimoniais futuros indemnizáveis (cf. Acórdãos de 20.10.2011, Lopes do Rego, de 21.03.2013, Salazar Casanova, de 06.12.2017, Tomé Gomes, e de 19.09.2019, Maria do Rosário Morgado, todos em www.dgsi.pt).

Como se decidiu no último aresto citado, “na jurisprudência dos tribunais superiores, maxime do Supremo Tribunal de Justiça, mostra-se consolidado o entendimento de que a limitação funcional, ou dano biológico, em que se traduz essa incapacidade é apta a provocar no lesado danos de natureza patrimonial e não patrimonial. E tem sido considerado que, no que aos primeiros respeita, os danos decorrentes de uma lesão física não se reconduzem apenas à redução da capacidade de trabalho, já que, antes de mais, se traduzem numa lesão do direito fundamental à saúde e à integridade física”. (cf. ainda os Acórdãos do STJ de 04.06.2015, P. 1166/10, de 28.01.2016, P. 7793/09).

Ou, como decidido no Ac. STJ de 12.07.2018, CJ, AcSTJ, 2º, pag. 183, “a compensação por dano biológico tem como fundamento a perda ou diminuição de capacidades funcionais que, mesmo não importando perda ou redução da capacidade para o exercício profissional da actividade habitual, impliquem ainda assim um maior esforço no exercício dessas actividades e/ou supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal, no decurso do tempo de vida expectável, mesmo fora do quadro da sua profissão habitual.”

Olhando para a matéria de facto provada é fora de dúvida que o Autor, além de ter ficado afectado de um défice funcional permanente de integridade físico-psíquico de 16 pontos, viu afectada a sua capacidade pessoal e profissional.

Mostram-no os factos dos nºs 62 a 72, dos quais resulta que “o défice funcional é impeditivo do exercício da actividade profissional de operador agrícola, e de outras categorias profissionais semelhantes que exijam boa mobilidade, força, resistência ao esforço e velocidade dos membros inferiores e que sejam predominantemente efectuadas de pé e sentadas.

Este défice funcional, impeditivo do exercício de actividades profissionais que exijam força, destreza e resistência física é um efectivo dano patrimonial futuro previsível à luz do art. 564º/2 do CCivil, como tem sido decidido este Tribunal.


A questão do quantum indemnizatório.

A fixação de indemnização por danos patrimoniais futuros é consabidamente difícil sobretudo quando são imprecisos os elementos que influem no cálculo da indemnização.

É o que se passa no caso presente em que ignora a situação profissional do Autor à data do acidente (onde trabalhava, que vencimento auferia, etc.), indiciando-se apenas que teria a categoria profissional de “operador agrícola” (ponto 72).

Num quadro de imprecisão factual quanto aos elementos relevantes para o cálculo da indemnização, o tribunal, nos termos do nº 3 do art. 566º deve julgar segundo “critérios de equidade dentro dos limites provados” (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I 10ª edição, pag. 912).

Foi assim que procedeu o acórdão recorrido, valorando equitativamente o dano patrimonial futuro em €100.000,00, valor que por força da culpa do Autor no acidente reduziu para €75.000,00.

A pretensão do Recorrente no sentido de ser autonomizada a indemnização pelo dano biológico da indemnização pela perda da capacidade de ganho carece de fundamento.

A Relação explicitou claramente que a indemnização atribuída “engloba quer a vertente laboral quer a vertente pessoal indemnizatória resultante das sequelas sofridas em resultado do acidente.”

E nada obsta a que assim seja.

O que importa é que na fixação da indemnização pelo dano patrimonial futuro o julgador atenda não apenas à eventual perda de rendimentos salariais em função do nível de incapacidade laboral do lesado, mas também ao dano biológico sofrido.

Foi justamente assim que decidiu o Acórdão deste Tribunal de 10.10.2012 (Lopes do Rego) invocado pelo Recorrente, numa situação com alguma semelhança com a do presente (lesada com 20 anos à data do acidente, que ficou afectada com IGP de 17,06%, sujeita a evolução desfavorável, convergindo para o valor de 22%, com relevantes limitações funcionais, redutoras das possibilidades de exercício ou reconversão profissional futura, implicando um esforço acrescido no exercício das actividades profissionais e pessoais), em que foi fixada uma única indemnização pelo dano patrimonial futuro, embora o Supremo tenha acrescentado à indemnização fixada na Relação, €50.000,00, a quantia de €10.000,00 como compensação pelo dano biológico.

Neste sentido decidiu o Acórdão do STJ de 26.01.2012, CJ, AcSTJ, 1º, pag. 288: “Não é autonomamente indemnizável o dano biológico do lesado que ficou afectado na sua capacidade laboral em 40%, quando é indemnizado pelos danos futuros emergentes da perda de capacidade laboral.”

Revertendo ao caso dos autos.

Para o juízo de equidade, relevam: i) a idade do lesado; ii) o seu grau de incapacidade permanente; iii) as suas potencialidades de aumento de ganho em profissão ou actividade económica alternativa; iv) outros que relevem casuisticamente, como no caso dos autos, em que actividade profissional do Autor exige o uso da força e destreza física.

O Autor ficou afectado de uma IPG de 16 pontos, mas não se sabe em que medida estas limitações se refletem, agora e no futuro no seu rendimento económico, pois não se apurou se trabalhava efetivamente como operador agrícola e o rendimento que auferia

Sabe-se que tinha 33 anos à data do acidente, uma esperança de vida de mais 40 anos, que ficou com sequelas que o limitam fortemente para actividades profissionais que exijam boa disponibilidade física, força, é dizer dentro da sua área de preparação técnico-profissional.

 Neste contexto, importa atentar na jurisprudência mais recente do Supremo Tribunal de Justiça em matéria de dano patrimonial futuro em casos com alguma semelhança:

Acórdão de 14.12.2016, P. 37/13: lesado com 43 anos à data do acidente; IPG de 11 pontos, que se repercute na actividade profissional, obrigando a esforços físicos acrescidos, sendo anteriormente robusto e saudável: considerou-se adequada a indemnização de €30.000,00;

Acórdão de 13.07.2017, P. 3214/11: lesado com 36 anos à data do acidente; IPG de 30%, que não o impede de exercer a sua actividade profissional de electricista, embora implique esforços suplementares nesse exercício, não conseguindo fazer parte do trabalho e realizar certas tarefas, como subir escadotes: €100.000,00 de indemnização;

Acórdão de 19.09.2019, P. 2706/17: lesado com 45 anos à data do acidente, com défice funcional de 32 pontos que o impedem de exercer a sua profissão habitual de serralheiro mecânico, bem como qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico profissional: €200.000,00.

Acórdão de 10.12.2019, P. 497/15: lesada com 17 anos à data do acidente; IPG não concretamente apurada, mas não inferior a 14,5 pontos nem superior a 21,6 pontos, a exigir esforços suplementares na actividade profissional habitual: €70.000,00;


Tendo presente estes dados, é manifestamente excessiva a pretensão do Autor de a indemnização por dano patrimonial futuro ser fixada em €250.000,00.

Mas também nos parece que as instâncias não valoraram suficientemente o facto de as sequelas das lesões serem impeditivas do exercício da actividade profissional de operador agrícola, e de outras categorias profissionais semelhantes que exijam boa mobilidade, força, resistência ao esforço e velocidade dos membros inferiores e que sejam predominantemente efectuadas de pé e sentadas.

E não se vê que seja fácil ao Autor reconverter-se a outra área profissional.

Tudo ponderado, designadamente a idade do Autor à data do acidente, uma esperança de vida ainda longa, o grau de IPG e as limitações de que ficou afectado e o seu previsível agravamento, afigura-nos mais adequada a indemnização de €120.000,00.

E considerando a repartição de culpas no acidente, se fixa em €90.000,00.

A indemnização por danos não patrimoniais.

A este título a sentença e o acórdão fixaram a indemnização no valor de €55.000,00, reduzida à medida da responsabilidade da Ré, €41.250,00.

Pretende o Recorrente que a indemnização suba para €200.000,00.

Como é consabido, a indemnização por danos não patrimoniais, admitida no art. 496º do CCivil, visa compensar o lesado pelos danos não susceptíveis de avaliação pecuniária, como sejam as dores, físicas e morais, os prejuízos estéticos, etc., com uma quantia pecuniária que possa lhe proporcionar momentos de prazer que contribuam para atenuar a dor sofrida.

A indemnização é fixada equitativamente (art. 496º/3), devendo o julgador orientar-se em harmonia com os padrões de cálculo da jurisprudência mais recente, de modo a salvaguardar as exigências da igualdade no tratamento do caso análogo (art. 8º/3 do CC)

Como referido no recente Acórdão deste Tribunal de 07.09.2020 (P. 5466/15), “são de ponderar circunstâncias várias, como a natureza e grau das lesões, as sequelas físicas e psíquicas, as intervenções cirúrgicas eventualmente sofridas e seu grau de risco inerente, os internamentos e a sua duração, o quantum doloris, o dano estético, o período de doença, a situação anterior e posterior da vítima em termos de afirmação social, apresentação e auto estima, alegria de viver, a idade, a esperança de vida e perspectiva de futuro.”

A factualidade apurada revela que o Autor sofreu danos não patrimoniais graves.

Mostram-no os internamentos hospitalares e as intervenções cirúrgicas a que foi submetido (nºs 44 a 46 e 53); as sequelas no membro inferior esquerdo (63); as consultas de fisioterapia; as limitações físicas, designadamente, a impossibilidade de correr e de se agachar, quando anteriormente não tinha qualquer limitação; claudicação na marcha; 125 dias de ITA e 1.157 dias de ITP; quantum doloris de 6 numa escala de 7; prejuízo estético, limitações na actividade sexual.

Este quadro evidencia gravidade suficiente para justificar a indemnização (nº1 do art. 496º), sendo que o valor fixado nas instâncias se mostra equilibrado e conforme com a jurisprudência mais recente.

Veja-se o caso decidido pelo Acórdão de 07.09.2020, supra referido: lesado com lesões muito mais graves que as do Autor ( sofreu esmagamento dos membros inferiores, com amputação traumática do membro inferior direito), em que a indemnização foi fixada em €60.000,00.

Ou o caso apreciado pelo Acórdão de 21.01.2016, P. nº 1021/13, em que foi fixada em €50.000,00 a indemnização por danos não patrimoniais, a jovem de 27 anos, com múltiplos traumatismos, sequelas psicológicas, quantum doloris de grau 5, dano estético de 2 pontos, incapacidade parcial de 16 pontos, repercussão nas actividades desportivas e de lazer, claudicação na marcha e rigidez da anca direita).

Pode citar-se ainda o já citado Acórdão de 19.09.2019 que fixou em €50.000,00 a indemnização no caso em que o lesado, com 45 à data do acidente, com IPG de 32 pontos, internamento hospitalar, intervenção cirúrgica, dores físicas muito intensas, repercussões na actividade profissional e particular que deixou de poder exercer ou praticar.

Neste contexto, o valor fixado pelas instâncias é equilibrado, dentro dos padrões da jurisprudência em casos com alguma semelhança, e por isso se confirma.


A indemnização pela reparação do veículo.

O acórdão recorrido considerou que se trata de um caso de perda total, o que justificou nos termos seguintes:

A reparação do veículo matrícula …….UX mostra-se economicamente inviável e manifestamente desproporcionada ao ressarcimento do dano patrimonial em causa, sendo excessivamente onerosa para a devedora/ré a obrigação de suportar o custo inerente à reparação de tal veículo, tal como entendeu a decisão recorrida.

Como tal, resta considerar o veículo matrícula …… UX em situação de perda total, devendo a obrigação ser cumprida em dinheiro, tendo por base o valor apurado como sendo o do custo de aquisição no mercado de um veículo com as mesmas características, que cumpra as mesmas funções que estavam destinadas ao veículo sinistrado, e não através do valor de reparação do veículo.

Sendo assim, deve atender-se ao valor de indemnização fixado na sentença recorrida, do que decorre que o recorrente tem direito, a este título, à quantia de € 2.958,70 pela perda total do seu veículo, correspondente a 75% do valor de € 3.945,00 (= € 4.500,00 - € 555,00), conforme se decidiu na sentença recorrida.

O Recorrente discorda do decidido, pretendendo que a Ré seja condenada a pagar-lhe o custo da reparação do veículo, no valor de €22.640,47 (€18.415,00 + IVA), se a reparação for feita com peças novas, ou €10.000,00 + IVA, se com recurso a peças usadas.

Isto porque entende que o UX é susceptível de reparação e não ter disponibilidade económicas para avançar para a reparação.

Vejamos.

O argumento de que o veículo UX é reparável não é, com o devido respeito, decisivo. O que importa saber é se “a reconstituição natural”, que é a regra na obrigação de indemnização (art. 566º do CC), é excessivamente onerosa.

Constitui entendimento jurisprudencial consolidado que a reparação da viatura será excessivamente onerosa por confronto com a indemnização por equivalente, se for superior ao necessário para adquirir no mercado veículo com características idênticas ao sinistrado e que satisfizesse as mesmas utilidades ao lesado.

E que a questão de saber se a reparação é excessivamente onerosa deve ser resolvida distinguindo o denominado “valor venal” ou comercial do veículo sinistrado, do valor de uso que esse bem representa para o seu titular, sendo este último valor a carecer de ser confrontado com o custo da reparação.

Assim, decidiu o douto Acórdão da Relação do Porto de 16.03.2015, CJ, II, pag. 185, “para se concluir pela excessiva onerosidade da reconstituição natural não basta um qualquer excesso do custo da reparação, face ao valor do veículo sinistrado, necessário se torna apurar que o valor apontado como venal ou comercial permite efectivamente a aquisição de um veículo idêntico ou similar ao acidentado e que de igual modo satisfaça as necessidades do lesado.”

No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.10.2010, P. 17/07, (Garcia Calejo), decidiu-se que “em relação a um veículo automóvel acidentado, sendo a sua reparação integral possível, deve privilegiar-se a sua reconstituição natural, salvo se se revelar excessivamente onerosa, o que corresponde a que o encargo seja exagerado, desmedido, desajustado para o obrigado, transcendendo-se os limites de uma legítima indemnização.”

Tendo presente estes princípios, é fácil concluir pela justeza da decisão da Relação.

Provou-se que o valor comercial do UX antes do acidente não excedia os €4.500,00; que uma reparação, ainda que com peças da concorrência e usadas, ficaria em cerca de €10.000,00 mais IVA, portanto €12.300,00; e com € 3.945,00, acrescidos do produto da venda do salvado (€ 555,00), era e é possível ao Autor adquirir no mercado nacional um veículo com características semelhantes às do UX.

Tanto basta para concluir que a reparação do veículo não é economicamente viável, já que superior em 200% ao valor venal do veículo, sendo que este valor permitia ao Autor a aquisição de uma viatura similar à acidentada.

Com o que improcede nesta parte o recurso.

Indemnização pelo dano da privação do uso.

A este título, a Relação considerou que o Autor tem direito a ser indemnizado pelo dano da privação do uso da viatura relativamente ao período que decorreu entre o dia do acidente e o dia 25.02.2015, data em que a Ré lhe fez uma proposta de indemnização, 21 dias, no valor diário de €18,75 (€25,00x75%), no total de €393,75.

Pelo contrário, o Recorrente defende que a Recorrida deve ser condenada a pagar-lhe uma indemnização pela privação do uso do veículo desde o acidente, à razão de €25,00/dia, o que à data de 24.05.2017 perfazia €39.275,00, e ainda o que vier a liquidar-se pelo tempo que decorrer até que a Ré lhe disponibilize o dinheiro necessário à reparação.

Como flui das respectivas conclusões, todo o raciocínio do Recorrente assenta na alegação de que a reparação do veículo era viável, o que, como já vimos, não era o caso.

Provou-se que o Autor não aceitou a proposta da Ré de regularização com repartição das responsabilidades, assumindo aquela 75% da responsabilidade, o que veio a verificar-se ser uma proposta razoável.

Ora, nos termos do art. 42º do DL nº 291/2007 de 21.08, que aprovou o regime do sistema do seguro obrigatório, a obrigação da seguradora facultar ao lesado um veículo de substituição, “cessa no momento em que a empresa de seguros coloca à disposição do lesado o pagamento da indemnização.”

Concorda-se com a decisão recorrida quando ponderou que “perante a matéria dada como provada, resta concluir que se mostra injustificada a recusa do lesado, ora recorrente, em aceitar a indemnização em dinheiro oferecida pela ré, o que afasta a responsabilidade da recorrida relativamente ao período de imobilização do veículo subsequente ao momento em que colocou à disposição do autor o pagamento da indemnização em causa.”

Também nesta parte o recurso improcede.

Resta apreciar a questão da taxa dos juros de mora e termo inicial da obrigação.

Pretende o Recorrente que a taxa de juros seja fixada no dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso, nos termos dos art. 38º e 39º do DL nº 21/2007, por falta de apresentação de proposta razoável de indemnização pela Ré.

O acórdão recorrido analisou exaustivamente esta matéria, tendo concluído “que resulta evidente que não se verificam os pressupostos para o agravamento de juros moratórios previsto no artigo 38.º, n.º 2 do DL 291/2007, de 21-08, para que remete o artigo 39.º, n.º 2 do mesmo diploma, tanto mais que, como prevê o n.º 1 do citado artigo 39.º, a posição prevista na alínea c) do n.º 1 ou na alínea b) do n.º 2 do artigo 37.º consubstancia-se numa proposta razoável de indemnização, no caso de a responsabilidade não ser contestada e de o dano sofrido ser quantificável, o que no caso não se verificou.

Pelo exposto, improcedem as conclusões da apelação relativas à questão em análise, sendo devidos juros moratórios, à singela taxa legal, sobre a indemnização devida e fixada, nos exatos termos que constam da sentença recorrida”.

O Recorrente nenhum argumento ou razão aduz contra este entendimento, alegando na revista como se nada tivesse sido dito/decidido pela Relação.

Concordamos inteiramente com o que a este propósito decidiu a Relação, pelo que também nesta parte se confirma o acórdão recorrido.


Decisão.

Pelo exposto, concede-se parcial provimento à revista, fixando-se em €90.000,00 a indemnização por dano patrimonial futuro que a Ré deve pagar ao Autor, e confirmando-se no mais o douto acórdão recorrido.

Custas por Autor e Ré na medida do decaimento.


Lisboa, 10.12.2020

                                                                              

Ferreira Lopes (Relator)

Manuel Capelo

Tibério Silva

Nos termos do art. 15º-A do Dl nº 10-A de 13.03, aditado pelo DL nº 20/20 de01.05, o relator declara que o presente acórdão tem o voto de conformidade dos restantes juízes que compõem este colectivo.