Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
034018
Nº Convencional: JSTJ00004259
Relator: VERA JARDIM
Descritores: RECURSO OBRIGATORIO
ALEGAÇÕES
MINISTERIO PUBLICO
FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ197405080340183
Data do Acordão: 05/08/1974
Votação: MAIORIA COM 3 VOT VENC
Referência de Publicação: DR IS DE 74/05/25, PÁG. 650 - BMJ Nº 237 ANO 1974 PÁG. 95 - RTJ ANO 92 PÁG 216
Tribunal Recurso:
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO.
Decisão: TIRADO ASSENTO.
Indicações Eventuais: ASSENTO DO STJ.
Área Temática: DIR PROC PENAL - RECURSOS.
Legislação Nacional: CCIV66 ARTIGO 9.
CPP29 ARTIGO 110 PAR1 ARTIGO 116 ARTIGO 646 N6 ARTIGO 647 PAR1 PAR2 ARTIGO 669 ARTIGO 670.
CPC67 ARTIGO 690 N1 N2 N5 ARTIGO 766 N3 ARTIGO 768 N3.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1964/10/14 IN BMJ N140 PAG356.
ACÓRDÃO STJ DE 1972/07/14 IN BMJ N218 PAG173.
ACÓRDÃO STJ DE 1972/11/22 IN BMJ N221 PAG151.
ACÓRDÃO STJ DE 1973/06/14 IN BMJ N228 PAG131.
ACÓRDÃO STJ PROC32336 DE 1967/02/08.
ACÓRDÃO STJ DE 1967/11/07 IN BMJ N171 PAG272.
ACÓRDÃO STJ DE 1967/12/13 IN BMJ N172 PAG155.
ACÓRDÃO STJ DE 1968/01/17 IN BMJ N173 PAG232.
Sumário :
Nos casos em que o recurso, em processo penal, e interposto pelo representante do Ministerio Publico em obediencia a ordem generica do seu superior hierarquico, o onus de alegar, quando houver conformidade com a decisão recorrida, satisfaz-se com a produção de uma alegação em que invoque tal ordem.
Decisão Texto Integral:
O representante do Ministerio Publico junto do Tribunal da Relação de Lourenço Marques interpos recurso, nos termos do disposto no artigo 669 do Codigo de Processo Penal, invocando oposição entre o acordão de 13 de Fevereiro de 1973 e o acordão de 17 Dezembro de 1971, ambos daquela Relação, alegando:
Neste ultimo decidiu-se não se tomar conhecimento do recurso porquanto, tendo o Ministerio Publico recorrido em obediencia a ordem generica do seu superior hierarquico, expresso em circular, não estava dispensado de apresentar as razões da sua discordancia em relação ao decidido, conforme preceitua o artigo 690, n. 1, do Codigo de Processo Civil. Por sua vez, o primeiro, tambem proferido em processo de policia correcional, entendeu que nos recursos interpostos por ordem do superior hierarquico não e necessario manifestar discordancia com a decisão recorrida e que o onus de alegar referido naquela disposição do Codigo de Processo Civil fica preenchido com uma simples alegação, ainda que nela se mostre concordancia com a decisão recorrida, o que conduziu ao conhecimento do recurso.
Quer da primeira decisão quer da segunda não era admissivel recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. Na primeira hipotese por não se ter tomado conhecimento do objecto do recurso, não sendo, por isso, a decisão condenatoria, e no ultimo por se tratar de decisão absolutoria, isto de acordo com o disposto no artigo 646, n. 6, do Codigo de Processo Penal.
Verifica-se, pois, haver oposição entre os referidos acordãos, que foram proferidos no dominio da mesma legislação e sobre a mesma questão de direito, ou seja, se o disposto no artigo 690, n. 1, do Codigo de Processo Civil e aplicavel aos recursos interpostos pelo Ministerio Publico por imposição generica ou especifica do superior hierarquico ou se basta alegação manifestando concordancia com a decisão recorrida, pedindo-se a sua confirmação, se assim o entender o recorrente, não estando a hipotese tambem compreendida no n. 5 do referido artigo, que apenas se refere aos recursos interpostos por imperativo legal.
Proferido o acordão de folhas 22 pela secção, nos termos do disposto no artigo 766 do Codigo de Processo Civil, decidiu-se ali existir a invocada oposição e estarem preenchidos todos os requisitos para que o Tribunal pleno se pronuncie sobre a questão suscitada.
Tal decisão, porem, não vincula o tribunal pleno, conforme se dispõe no n. 3 do referido artigo 766, que deve, em primeiro lugar, pronunciar-se pela existencia de oposição.
Esta, como ali se decidiu, não sofre duvida, como se ve dos mencionados acordãos e do que ficou transcrito.
Na verdade, enquanto o acordão de 17 de Dezembro de 1971 decidiu que a ordem do superior hierarquico, expressa em circular, não dispensava o agente do Ministerio Publico respectivo de formular os motivos da sua discordancia com o decidido, nos termos do disposto no artigo 690, n. 1 do Codigo de Processo Civil, o acordão de 13 de Fevereiro de 1973, julgou por forma diferente, entendendo que onus de alegar e de formular conclusões, quando verificada aquela situação, fica preenchido com uma simples alegação, ainda que nela se mostre concordancia com a decisão recorrida.
Havendo, pois, conflito de jurisprudencia, impõe-se ao tribunal pleno resolve-lo e lavrar assento, nos termos do disposto no artigo 768, n. 3, do Codigo de Processo Civil.
Na alegação produzida defende o excelentissimo representante do Ministerio Publico junto deste Supremo Tribunal de Justiça que a questão deve ser decidida no sentido de que não e necessaria a especificação da norma juridica violada na alegação de recurso interposto pelo Ministerio Publico por determinação hierarquica, quando ha concordancia com a decisão recorrida.
Como se sabe, a fonte do recurso esta na inconformidade com a decisão, sendo pois aquele um meio de impugnar esta. Quer dizer, o recurso e um meio de por em causa a decisão, que e submetida a fiscalização do tribunal para onde se recorre, e tende a sua alteração ou anulação.
Ha, porem, casos em que a finalidade do recurso se contem, essencialmente, na fiscalização da decisão, embora o tribunal de recurso possa, em certos casos, ao exercer aquela fiscalização, altera-la ou anula-la.
Na primeira hipotese, aquele que impugna a decisão tem o onus de alegar e de formular conclusões, isto e, deve expor os seus motivos de discordancia e indicar os fundamentos por que pede a alteração ou anulação - artigo 690 do Codigo de Processo Civil.
Na segunda hipotese, sendo o recurso imposto, o recorrente não e obrigado a indicar aqueles motivos, que podem não existir, nem a formular conclusões, dado que a finalidade e fazer chegar ao tribunal de recurso a decisão para que este exerça sobre ela a sua censura, apreciando a sua correcção, ou seja, que exerça sobre ela aquela fiscalização.
Em qualquer delas, como se deixa ver do exposto, a actividade do tribunal de recurso e identica, embora na segunda não existam motivos de discordancia do recorrente e, portanto, o tribunal não tenha de controlar a correcção de fundamentos do recurso - o que quer dizer que a apreciação se refere apenas a decisão e a pureza dos seus fundamentos, e so nisso, pois o recorrente não lhe faz oposição e, consequentemente, funda o recurso apenas em um dever legal de recorrer, não em motivos que o levem a pedir a alteração ou anulação.
No ambito do processo penal, que e o que agora nos interessa, o recurso obrigatorio tem por finalidade uma nova apreciação da causa, precisamente com o o fim, ja indicado, de se exercer uma fiscalização sobre a decisão o que, por vezes, se traduz em uma garantia para o Reu, pois a lei entende que, em certos casos (artigo 473, paragrafo unico, do Codigo de Processo Penal) a gravidade da sanção penal aplicada impõe uma reapreciação da causa e, portanto, um novo juizo sobre os elementos fornecidos pelo processo.
Mas o recurso obrigatorio pode ter por base tambem a propria natureza do crime (artigo 116 do Codigo de Processo Penal), uma determinada posição processual (artigo 110, paragrafo 1, do mesmo Codigo) ou ainda a contradição em relação a jurisprudencia fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça em Tribunal pleno (artigo 670 do citado Codigo).
Por outro lado, a lei, em certos casos especiais, impõe, e por motivos diversos, a obrigatoriedade do recurso.
A par disto, quer dizer, paralelamente aquelas hipoteses, expressamente previstas na lei, de recurso obrigatorio, devera o Ministerio Publico recorrer mesmo das decisões com as quais se tenha conformado, se lho ordenar o seu superior hierarquico (artigo 647, paragrafo 2, do Codigo de Processo Penal).
Assim, em processo penal, como se deixa ver claramente do paragrafo 1 do citado artigo 647, a obrigatoriedade e sempre do Ministerio Publico - e nem outra coisa seria admissivel - mas este tem ainda o dever de recorrer quando tal lhe for ordenado pelo seu superior hierarquico.
Ha, desta forma, que distinguir: uma coisa e a obrigatoriedade de recorrer derivada directamente da lei e estabelecida para casos em que se entenda necessaria a fiscalização da decisão pelo Tribunal superior, outra e o dever de recorrer por ordem do superior hierarquico, embora o agente do Ministerio Publico concorde com a decisão.
A primeira ja vimos em que se funda; a segunda, isto e, o dever de recorrer em cumprimento de ordem do superior hierarquico, tem origem no facto de caber aos orgãos superiores da magistratura do Ministerio Publico a orientação da posição dos seus agentes junto dos tribunais, em ordem a assegurar-se a defesa dos interesses cuja protecção esta a cargo da mesma magistratura.
No primeiro caso, como ja se notou e tem sido uniformemente entendido pela jurisprudencia, a propria obrigação legal de recorrer, se existe concordancia com o julgado, dispensa o recorrente do onus de formular conclusões e de indicar, o que se tornaria impossivel, a disposição da lei ofendida: a interposição do recurso destina-se, repete-se, tão-somente a possibilitar uma nova apreciação da causa.
Vamos ver, de seguida, se a solução deve ser a mesma para o segundo caso.
A ordem para a interposição do recurso pode resultar: a) Da inconformidade com a decisão; b) De um interesse superior, dadas certas circunstancias, que se traduza na conveniencia de a decisão ser submetida a fiscalização, ou a censura, do Tribunal superior.
Na hipotese da alinea a) não sofre duvida que, existindo inconformidade, ha motivos de discordancia e que, portanto, estes conduzem a produção de fundamentos e a formulação de um pedido expresso de alteração ou de anulação.
E que, na verdade, o que vale e a posição do Ministerio Publico, não aquela (pessoal) do magistrado que o representa junto do Tribunal que proferiu a decisão.
E se aquela e de inconformidade, este não pode deixar de estar sujeito a regra geral que lhe impõe o onus de alegar e de formular conclusões.
Efectivamente, o Ministerio Publico tem, neste capitulo, uma posição em tudo identica a das outras partes no processo, e se o recurso não e obrigatorio por efeito da lei, o Tribunal superior deve saber porque recorre, pois em tal caso trata-se de uma verdadeira impugnação.
Portanto, em tal hipotese e insuficiente a simples manifestação da vontade de recorrer, embora se invoque a ordem do superior hierarquico.
A hipotese da alinea b) parece diametralmente oposta a da alinea a).
Naquela, referida a uma generalidade de casos, pode não existir inconformidade com a decisão, pretendendo-se apenas que esta seja submetida a censura do tribunal superior, - tratando-se, pois, de uma situação paralela a da obrigatoriedade legal de recurso.
Mas relativamente a mesma pode, na verdade, perguntar-se, em primeiro lugar, qual e o meio pelo qual o tribunal superior se deve assegurar da existencia da ordem e dos termos em que foi formulado, e, em segundo, se o recorrente, em tais casos, esta dispensado dos deveres que, segundo a lei, normalmente lhe incumbem.
No fundo, a analise resume-se a isto: saber se os recursos interpostos por virtude de tais instruções devem ser submetidos ao mesmo regime dos chamados recursos obrigatorios.

Este tribunal ja decidiu que os recursos interpostos por virtude de tais instruções não podem equiparar-se, para efeitos do n. 5 do artigo 690 do Codigo de Processo Civil, aos interpostos por imperativo directo da lei (conferir, por todos, acordão de 14 de Outubro de 1964, no Boletim do Ministerio da Justiça, n. 140, pagina 356). Mas tambem tem entendido que, em tais casos, embora o Ministerio Publico não esteja dispensado do onus de alegar, que fica satisfeito com uma exposição sucinta sobre o objecto do recurso, não e exigivel a especificação da lei violada (conferir os seguintes acordãos: de 7 de Novembro de 1967, no Boletim, n. 171, pagina 272, de 13 de Dezembro de 1967, no Boletim, n. 172, pagina 155, de 17 de Janeiro de 1968, no Boletim, n. 173, pagina 232, de 14 de Julho de 1972, no Boletim, n. 218, pagina 173, de 22 de Novembro de 1972, no Boletim, n. 221, pagina 151, e de 14 de Junho de 1973, no Boletim, n. 228, pagina 131).
Na verdade, seria absurdo que, em tais casos, se exigisse a indicação da norma violada, dado que nem sequer existem motivos de discordancia relativamente a decisão.
Ora bem: se existem instruções que impõem a obrigatoriedade da interposição do recurso, referidas a uma generalidade de casos, isto e, se a determinação superior e de caracter geral, o que esta na origem da interposição e essa determinação, não uma divergencia relativamente a decisão.
Dai que o recorrente, que funda a sua posição naquela, não possa dar cumprimento as disposições legais que lhe impõem o dever referido no n. 2 do artigo 690 do Codigo de Processo Civil.
Com efeito, se a obrigatoriedade do recurso deriva não so dos casos expressamente indicados na lei mas tambem de uma determinação superior, permitida por lei, esta ultima assemelha-se a primeira, tendo como esta uma origem, ou fonte, legal, pois não tem por base uma inconformidade com a decisão.
Quer dizer, trata-se de um desvio em que prevalece, não o que e comum a todos os recursos (conferir supra), mas um interesse especial definido pelo proprio Ministerio Publico e que se pretende ver fiscalizando de maneira semelhante ao que se passa naqueles casos em que a lei impõe directamente o recurso, com a diferença apenas que nestes casos o interesse e permanente e definido directamente pela lei (conferir acordão de 8 de Fevereiro de 1967, processo n. 32336).
Quer tudo isto significar, como se diz no citado acordão de 14 de Junho de 1973, que o conteudo da alegação do recorrente ha-de corresponder a natureza voluntaria ou necessaria do recurso.
Se este e interposto, voluntariamente, pela parte ou pelo Ministerio Publico, o recorrente ha-de pedir a alteração ou anulação da decisão recorrida indicando os fundamentos em que se baseia para tal; se e interposto pelo Ministerio Publico, por imposição da lei, o recorrente esta dispensado de alegar, mas se o fizer, tanto pode pedir a alteração ou a anulação, como a manutenção da decisão recorrida, porque, sendo obrigado a recorrer, e imperativo da logica que exponha o ponto de vista que se lhe apresente como legal; se e interposto pelo Ministerio Publico em razão de ordem do superior hierarquico, não esta dispensado de alegar, mas, ao faze-lo, tomara uma das seguintes posições: ou expora a opinião do seu superior, se esta lhe houver sido transmitida, ou estara livre de pedir a alteração, a anulação ou a confirmação da decisão em recurso.
Por tudo o que vem de ser exposto, acordam os juizes do Supremo Tribunal de Justiça em decidir o conflito de jurisprudencia mediante a formulação do seguinte assento:
Nos casos em que o recurso, em processo penal, e interposto pelo representante do Ministerio Publico em obediencia a ordem generica do seu superior hierarquico, o onus de alegar, quando houver conformidade com a decisão recorrida, satisfaz-se com a produção de uma alegação em que se invoque tal ordem.
Não e devido imposto de Justiça.

Lisboa, 8 de Maio de 1974.

Adriano Vera Jardim (Relator) - Eduardo Correia Guedes
- Jose Antonio Fernandes - João Moura - Falcão Garcia
- Rodrigues Bastos - Daniel Ferreira - Abel de Campos
- Manuel Arelo Ferreira Manso - Alfredo de Azevedo Soares - Jose Garcia da Fonseca - Oliveira Carvalho
- Arala Chaves (Vencido. O n. 5 do artigo 690 do Codigo de Processo Civil - aplicavel por igual ao civel e ao crime - so exclui das exigencias formulados nos outros numeros do preceito os recursos interpostos pelo Ministerio Publico por imposição imposição da lei.
O sentido restritivo da disposição resulta do elemento literal e e completamente eliminado pelo elemento historico (conferir Projecto de Revisão do Codigo de Processo Civil, volume II, pagina 22).
Restringiu-se para não conceder o mesmo tratamento excepcional aos recursos interpostos por ordem superior.
Obrigado, pelo artigo 9 do Codigo Civil, a reconstituir, a partir dos textos, o pensamento da lei, não pode o interprete afastar-se, no caso, do elemento literal porque este corresponde totalmente aquele pensamento.
Ora, no n. 1 do artigo 690 não esta formulada a obrigação de apresentar uma qualquer alegação, sim uma peça que indique os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
E sempre o recorrente podera desobrigar-se, sem omitir a sua opinião, indicando os fundamentos possiveis da alteração a que o recurso visa).
Bruto da Costa (Vencido pelas razões do douto voto antecedente, com o aditamento de que o assento amplia a função jurisdicional, imprimindo-lhe caracter consultivo, o que e manifestamente ilegal).
Albuquerque Bettencourt (Vencido pelos mesmos fundamentos do douto voto do excelentissimo Conselheiro Arala Chaves).