Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
392/10.3TTFAR.E2.S1
Nº Convencional: 4ª. SECÇÃO
Relator: GONÇALVES ROCHA
Descritores: CONTESTAÇÃO
AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Data do Acordão: 10/13/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL LABORAL - PROCESSO EMERGENTE DE ACIDENTE DE TRABALHO / FASE CONTENCIOSA / CONTESTAÇÃO.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO DO TRABALHO (CPT): - ARTIGOS 100.º, N.º 2, 112.º, N.ºS 1 E 2, 129.º, N.ºS1 E 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DAS RELAÇÕES:

-RC, 9/12/93, C.J., 95/5; RL, DE 13/1/93, C.J., 167/1 E 29/6/94, C.J., 183/3; RP, DE 20/1/03, C.J. 228/3; E RE, DE 27/3/2007, C.J., 265/2.
-RE, DE 7/6/2006, C.J., 247/2.

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ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO:

-DE 22/2/72, A.D. 124/552, E DE 25/11/75, A.D. 169/113.

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ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 18/6/82, A.D. 251/1452, DE 18/7/86, B.M.J. 359/596.
-DE 18/2/2009, PROC. Nº 2590/08, ORIENTAÇÃO QUE TINHA SIDO SEGUIDA TAMBÉM NO ACÓRDÃO DE 14/12/2006, DOCUMENTO N.º SJ20061214007894, AMBOS CONSULTÁVEIS EM WWW.DGSI.PT
Sumário :

I – Conforme resulta do nº 1 do artigo 129º do CPT, a defesa dos demandados num processo de acidente de trabalho tem de ser invocada na contestação.

II- Não tendo qualquer das partes suscitado nesta peça processual a questão da descaracterização do acidente de trabalho mortal sofrido pela vítima, não podia esta matéria ser alegada em sede de ampliação da matéria de facto ordenada pela Relação para ser carreada para os autos matéria de facto com vista a esclarecer se tinha havido violação das regras de segurança no trabalho por parte da entidade empregadora. Além disso, acresce que a Relação, no aresto que determinou a ampliação da matéria de facto, já havia concluído que perante a matéria de facto apurada era impossível considerar verificada a negligência grosseira na produção do acidente, decisão que, nesta parte, transitou em julgado.

  

Decisão Texto Integral:

           

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

1----

A seguradora “SEGURO AA, S.A” participou ao extinto Tribunal do Trabalho de Faro, a ocorrência, em 18 de Maio de 2010, de um acidente de trabalho de que veio a resultar a morte do sinistrado BB.

No decurso da fase conciliatória do processo procedeu-se à realização da tentativa de conciliação nos termos do artigo 108º do C.P.T, que se frustrou, porquanto a entidade empregadora do sinistrado, embora aceitasse a existência e caracterização do acidente como de trabalho, bem como o valor do salário do sinistrado declarado pelos beneficiários, não aceitou assumir qualquer responsabilidade pelo acidente por ter transferido essa responsabilidade para a seguradora, e por considerar não ter havido desrespeito, da sua parte, pelas normas de segurança no trabalho.

Por sua vez, a seguradora, embora tivesse aceitado a existência e a caracterização do acidente como acidente de trabalho, bem como o valor do salário do sinistrado declarado pelos beneficiários, não aceitou a responsabilidade pelo acidente, porquanto, de acordo com o relatório da ACT, o sinistrado não se encontrava habilitado a conduzir o equipamento que manobrava na altura do acidente, nem tinha formação, para além de que não terem sido colocadas à sua disposição as medidas de segurança adequadas de forma que o trabalho fosse efectuado (largura da via era estreita, ausência de grua no estaleiro; carga transportada de forma desadequada face à largura da via e à estabilidade do equipamento), não aceitando por isso, pagar aos beneficiários qualquer pensão ou indemnização.

Na sequência desta não conciliação e com o patrocínio do Ministério Público, vieram

CC, viúva, e

DD, apresentar petição inicial contra

EE, Lda., com sede Tavira, e

SEGURO AA, S. A., com sede em Lisboa, pedindo a declaração do acidente de que foi vítima mortal BB como acidente de trabalho e a condenação da Ré que vier a ser considerada responsável, a pagar:

I. À Autora CC, enquanto viúva do sinistrado:

a) A pensão anual e vitalícia de 3.070,20 euros desde o dia seguinte ao da morte do sinistrado até perfazer a idade de reforma por velhice e, a partir daquela idade, ou no caso de doença física ou mental que afecte sensivelmente a sua capacidade de trabalho, a pensão anual e vitalícia de 4.093,60 euros;

b) A importância de 3.689,12 euros respeitante ao subsídio por morte por ter havido transladação;

c) A importância de 2.766,84 euros respeitante ao subsídio por morte (metade);

d) A importância de 15 euros respeitante a despesas com deslocações obrigatórias ao Tribunal;

e) Juros de mora sobre as prestações em dívida, à taxa legal, desde o respectivo vencimento, até efectivo e integral pagamento.

II. Ao Autor DD, enquanto filho do sinistrado:

a) A pensão anual e temporária de 2.046,80 euros até o mesmo perfazer 25 anos, enquanto frequentar o ensino superior ou sem limite de idade quando afectado de doença física ou mental que o afecte sensivelmente para o trabalho;

b) A importância de 2.766,84 euros respeitante a subsídio por morte (metade);

c) A importância de 15 euros respeitante a despesas com deslocações obrigatórias ao Tribunal;

d) Juros de mora sobre todas as prestações em dívida, à taxa legal, desde o respectivo vencimento, até efectivo e integral pagamento.

Para tanto e no essencial, alegaram que BB, casado com a Autora CC e pai do Autor DD, no dia 18 de Maio de 2010, quando trabalhava para a Ré EE, Lda., mediante o salário anual de 731 euros x 14 meses, foi vítima de um acidente que lhe provocou a morte.

Alegaram também que a Ré empregadora não aceitou responsabilizar-se por considerar que a sua responsabilidade por acidentes de trabalho se encontrava integral e validamente transferida para a Ré seguradora, enquanto esta enjeitou também qualquer responsabilidade em relação ao acidente em virtude do sinistrado não se encontrar habilitado a conduzir o equipamento que manobrava, nem ter formação e por não terem sido colocadas à disposição do mesmo as medidas de segurança adequadas a que o trabalho fosse efectuado.

Ambas as Ré contestaram.

Ré seguradora pugnou pela improcedência da acção contra si movida e que deve ser reconhecida a responsabilidade agravada da Ré empregadora, alegando que, embora à data do sinistro vigorasse entre ela e a Ré EE, Lda. um contrato de seguro de acidentes de trabalho titulado pela apólice 00000019 que abrangia o sinistrado, o acidente ocorreu quando a vítima manobrava um empilhador sem que tivesse recebido formação para tal e sem que tivessem sido adoptadas medidas de segurança que evitassem o acidente, tendo a entidade empregadora violado culposamente as mais elementares regras de segurança a que, por lei, estava obrigada a cumprir, assim dando causa ao sinistro e tornando-se responsável pela respectiva reparação e de forma agravada.

Também a Ré EE, Lda. contestou para pugnar pela sua absolvição do pedido e pela condenação da seguradora, sustentando que que todas as medidas de segurança tendentes a evitar acidentes de trabalho foram tomadas, tanto mais que o sinistrado estava habilitado a conduzir aquele equipamento por ser possuidor de carta de condução e não ser exigível aos condutores destas máquinas qualquer certificado de aptidão profissional de condutor-manobrador de equipamentos industriais.

O Instituto da Segurança Social, I. P., por sua vez, veio pedir a condenação das Rés no reembolso das prestações sociais pagas aos Autores, no montante de 1.940,64 euros, bem como das pensões que se vencerem e forem pagas na pendência da acção e respectivos juros de mora, já que em virtude do falecimento de BB foram pagas à viúva CC, no período de Outubro de 2010 a 7 Outubro de 2011, pensões de sobrevivência no montante de 1.455,52 euros, sendo o respectivo valor mensal actual de 181,94 euros, e no mesmo período foi pago ao filho do sinistrado e aqui Autor DD, o montante de 485,12 euros, sendo o valor mensal actual de 60,64 euros, continuando a pagar à viúva e ao filho do sinistrado a pensão de sobrevivência enquanto não transitar e julgado a decisão dos presentes autos, com inclusão de um 13º mês de pensão em Dezembro e de um 14º mês de pensão em Julho de cada ano.

Considera-se, por isso, com direito ao reembolso das quantias pagas, por força da sub-rogação legal prevista no artigo 70º da Lei nº 4/2007 de 16 de Janeiro e nos termos do Decreto-Lei nº 59/89, de 22 de Fevereiro.

Foi proferido despacho saneador, com a selecção da matéria assente e elaboração da base instrutória da causa.

E realizada a audiência de discussão e julgamento, foi seguidamente proferida sentença que decidiu nos seguintes termos:

1 - Declaro:

a) Que o acidente descrito nos autos é um acidente de trabalho;

b) Que existe um nexo de causalidade entre esse mesmo acidente as lesões sofridas pelo Autor que foram causa directa e necessária da sua morte;

c) Que à data do acidente de trabalho a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho se encontrava validamente transferida para a Ré Seguradora, pelo salário anual auferido pelo sinistrado de 731,00 euros x 14 meses;

d) Que o acidente de trabalho resultou como consequência directa e necessária da falta de observância por parte da Ré «EE, Lda» de regras sobre a segurança no trabalho, mormente as constantes do artigo 33º, nº s 1, alíneas a) e b) e nº 5, alínea a) conjugado com o artigo 3º, alíneas a) e b), do Decreto-lei nº 50/2005, de 25 de Fevereiro; do artigo 8º do Decreto-lei nº 144/91, de 14 de Novembro e dos artigos 20º, alínea a) e 22º, nº 1, alínea d), do Decreto-lei nº 273/2003, de 29 de Outubro;

f) Que à data do acidente o sinistrado BB era casado com a Autora CC;

g) Que o Autor DD é filho do sinistrado BB e da Autora CC.

2. E em consequência condeno a Ré «EE, Lda» a pagar à Autora CC, as seguintes prestações:

2.1.1. A pensão anual e vitalícia no montante de 3.070,20 euros (três mil e setenta euros e vinte cêntimos) devida desde o dia 19 de Maio de 2010 (dia seguinte ao da morte do sinistrado) até perfazer a idade da reforma por velhice e, a partir daquela idade, ou no caso de doença física ou mental que afecte sensivelmente a sua capacidade de trabalho, a pensão anual e vitalícia no montante de 4.093,60 euros (quatro mil e noventa e três euros e sessenta cêntimos), paga mensal e adiantadamente até ao dia 03 de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 daquela, acrescida de mais uma prestação nos meses de Maio e Novembro, a título de subsídios de férias e de Natal, respectivamente, devendo o pagamento das vencidas ocorrer com o da primeira que entretanto se vencer;

2.1.2. O montante de 3.689,14 euros (três mil seiscentos e oitenta e nove euros e catorze cêntimos) relativo ao subsídio de funeral;

2.1.3. O montante de 5.533,70 euros (cinco mil quinhentos e trinta e três euros e setenta cêntimos) relativo ao subsídio por morte;

2.1.4. O montante de 15,00 euros (quinze euros) respeitante às despesas efectuadas com deslocações obrigatórias a este Tribunal;

2.1.5. Juros de mora sobre as prestações devidas e as despesas de deslocação, à taxa legal, desde o respectivo vencimento, até efectivo e integral pagamento;

2.2 Condeno a Ré «EE, Lda» a pagar ao Autor DD:

2.2.1 O montante de 15,00 euros (quinze euros) respeitante às despesas efectuadas com deslocações obrigatórias a este Tribunal;

2.2.1. Juros de mora sobre as despesas de deslocação, à taxa legal, desde a respectiva realização até efetivo e integral pagamento;

3 - Absolvo as Rés do demais peticionado pelo Autor DD;

4 - Condeno a Ré «EE, Lda» a pagar ao «Instituto da Segurança Social, I. P» os montantes relativos às pensões de sobrevivência pagas à Autora CC, acrescidas de juros de mora à taxa legal contados desde a citação até pagamento efectivo e integral, autorizando-a a compensar esses montantes no pagamento a efectuar à Autora relativamente às prestações já vencidas;

5 - Absolvo as Rés do demais peticionado pelo Instituto da Segurança Social, I. P»;

6 - Condeno a Ré «EE, Lda» o Interveniente «Instituto da Segurança Social, I. P» e o Autor DD no pagamento das custas na proporção do respectivo decaimento, sem prejuízo da isenção de que goza o Autor DD;

7 - Determino que a Ré «SEGURO AA S. A» satisfaça o pagamento dos montantes arbitrados aos Autores CC e DD e ao Interveniente «Instituto da Segurança Social, I. P», caso o pagamento não seja satisfeito pela Ré «EE, Lda», sem prejuízo do direito de regresso.

Registe e notifique”.

Inconformada com esta sentença, apelou a Ré EE, Lda, tendo o Tribunal da Relação de Évora proferido a seguinte decisão:

«Termos em que acordam os juízes na Secção Social desta Relação em anular a decisão recorrida com vista à ampliação da matéria de facto pela forma que se deixou referida e, na repetição do julgamento, fiquem esclarecidas as questões fáticas suscitadas, após o que nova sentença será proferida.

Custas conforme se fixar a final.».

Remetidos os autos à 1ª instância, foi a Ré seguradora convidada a alegar factos concretos com vista ao esclarecimento das questões suscitadas no aludido Acórdão da Relação, vindo articular que o equipamento “...” utilizado para o transporte da carga em questão, atado de ferro com 12 metros de comprimento e um peso de 12 toneladas e tendo em consideração as características do local, largura, configuração e declive da via a utilizar, era manifestamente desadequado, constituindo apenas uma solução de recurso face à ausência de uma grua, equipamento este que era o adequado para o efeito mas que não existia no local, pelo que não foram adoptadas quaisquer medidas de segurança no sentido de serem minimizados os riscos de utilização do referido equipamento. Alegou também que o sinistrado não tinha recebido qualquer formação sobre a condução do referido equipamento e que, após o acidente, a entidade empregadora alargou a via e instalou uma grua na obra para elevação e transporte de cargas, tendo alterado, nesse sentido, o plano de segurança e saúde da obra.

Alegou ainda que a simples violação das condições de segurança é fundamento suficiente para descaracterizar o acidente dado que essa violação se verificou sem que tenha ocorrido qualquer causa justificativa, vindo a concluir no sentido da improcedência da acção.

Também a Ré empregadora “EE, Lda.” foi convidada a alegar factos e a juntar ao processo o plano de segurança e saúde implementado na obra em causa antes da ocorrência do sinistro e eventuais alterações ao mesmo após o acidente.

Correspondendo a tal convite a Ré empregadora alegou, no essencial, que o acidente se ficou a dever apenas a negligência grosseira do sinistrado, porquanto, muito embora estivesse autorizado a fazer o transporte de atados de ferro do exterior para o interior do estaleiro, no dia em causa e por motivos desconhecidos da Ré, o sinistrado decidiu, por sua exclusiva vontade e contra ordens expressas desta, efectuar uma manobra que, até então, nunca o próprio nem ninguém tinha realizado, a de transporte dos atados de ferro para a fundação da obra o que, para além de desnecessário, só atrapalha os trabalhos da execução da obra.

Esclareceu que os atados de ferro ficam na denominada “área para receber materiais” onde existe uma bancada para trabalhar o ferro – cortar, moldar e montar as estruturas – que depois seriam levadas à mão pela rampa de acesso para as fundações e aí instaladas, como previsto no plano de segurança.

Alegou ainda que o sinistrado arrastou o atado de ferro com o “...”, o qual ao aproximar-se de uma curva em declive se desequilibrou, circunstância que levou o sinistrado a sair do mesmo a avaliar a situação e, tendo concluído que o equipamento não estava estável, pese embora a advertência de um colega de trabalho que o auxiliava, no sentido de parar com a manobra dado que não era seguro prosseguir com a mesma naquelas condições, o sinistrado, contra as mais elementares regras de prudência, voltou a entrar no “...” e prosseguiu a manobra sem, sequer, ter accionado os mecanismos de que dispunha para estabilizar o equipamento, nomeadamente utilizando as “sapatas” extensíveis, tudo medidas previstas no plano de segurança.

Relativamente ao equipamento em causa “...” multifunções, embora seja adequado ao transporte de cargas, designadamente de atados de ferro para a “área de receber materiais”, não é adequado para a realização da tarefa específica que o sinistrado realizou nas condições existentes em estaleiro, sendo que no plano de segurança não estava prevista a realização de tal tarefa porque absolutamente desnecessária.

No estaleiro não existia grua, nem tinha que existir face ao equipamento escolhido “...” multifunções que era o adequado aos trabalhos de transporte a realizar face ao tipo de obra, de estaleiro e de duração dos trabalhos.

O caminho era adequado para a movimentação de todo o tipo de carga que devesse ser transportada com o referido “...” tinha uma largura suficiente para manobra deste em segurança.

Após o acidente o caminho foi parcialmente alargado e foi instalada uma grua no lote contíguo em obediência ao que foi determinado pela ACT, caso contrário não seria levantado o embargo (suspensão) da obra. No entanto, isso não significa que tais medidas fossem necessárias ou que, se implementadas antes do acidente, o tivessem evitado, porquanto este não ocorreu por falta de condições de segurança mas por negligência do sinistrado.

E não existindo nexo de causalidade entre a alegada violação das regras de segurança e a morte do sinistrado, nas circunstâncias em que ocorreu, concluiu que a acção deve ser julgada improcedente e a Ré absolvida dos pedidos.

Após ampliação da matéria de facto, procedeu-se à realização de audiência de discussão e julgamento, vindo a ser proferida a seguinte sentença:

«Nestes termos e por tudo o exposto, julga-se parcialmente procedente a presente acção e, em consequência:

A) Declara-se que o acidente descrito nos autos é um acidente de trabalho;

B) Declara-se que existe um nexo de causalidade entre esse mesmo acidente e as lesões sofridas pelo sinistrado que foram causa directa e necessária da sua morte;

C) À data do acidente de trabalho a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho encontrava-se validamente transferida para a Ré Seguradora, pelo salário anual auferido pelo sinistrado de € 731,00 x 14 meses;

D) Que o acidente de trabalho resultou como consequência directa e necessária da falta de observância por parte da Ré EE, Ldª. de regras sobre a segurança no trabalho, nomeadamente as constantes do artigo 33º, nº s 1, alíneas a) e b) e nº 5, alínea a) conjugado com o artigo 3º, alíneas a) e b), do Decreto-lei nº 50/2005, de 25 de Fevereiro; do artigo 8º do Decreto-lei nº 144/91, de 14 de Novembro e dos artigos 20º, alínea a) e 22º, nº 1, alínea d), do Decreto-lei nº 273/2003, de 29 de Outubro;

E) Que à data do acidente o sinistrado BB era casado com a Autora CC;

F) Que o Autor DD é filho do sinistrado BB e da Autora CC;

G) E em consequência, condena-se a Ré EE, Ldª. a pagar à Autora CC, a pensão anual e vitalícia no montante de 3.070,20 euros (três mil e setenta euros e vinte cêntimos) devida desde o dia 19 de Maio de 2010 (dia seguinte ao da morte do sinistrado) até perfazer a idade da reforma por velhice e, a partir daquela idade, ou no caso de doença física ou mental que afecte sensivelmente a sua capacidade de trabalho, a pensão anual e vitalícia no montante de € 4.093,60 (quatro mil e noventa e três euros e sessenta cêntimos), paga mensal e adiantadamente até ao dia 03 de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 daquela, acrescida de mais uma prestação nos meses de Maio e Novembro, a título de subsídios de férias e de natal, respectivamente, devendo o pagamento das vencidas ocorrer com o da primeira que entretanto se vencer; o montante de € 3.689,14 (três mil seiscentos e oitenta e nove euros e catorze cêntimos) relativo ao subsídio de funeral; o montante de € 5.533,70 (cinco mil quinhentos e trinta e três euros e setenta cêntimos) relativo ao subsídio por morte e o montante de € 15,00 (quinze euros) respeitante às despesas efectuadas com deslocações obrigatórias a este Tribunal, acrescidos de juros de mora sobre as prestações devidas, à taxa legal, desde o respectivo vencimento, até efectivo e integral pagamento e sobre as despesas de deslocação à taxa legal, desde 27 de Janeiro de 2011 e até efectivo e integral pagamento;

H) Em consequência, condena-se a Ré EE, Ldª. a pagar ao Autor DD o montante de € 15,00 (quinze euros) respeitante às despesas efectuadas com deslocações obrigatórias a este Tribunal, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde 27 de Janeiro de 2011 e até efectivo e integral pagamento;

I) Absolvo as Rés do demais peticionado pelo Autor DD;

J) Condeno a Ré EE, Ldª. a pagar ao Instituto da Segurança Social, I.P. os montantes relativos às pensões de sobrevivência pagas à Autora CC, no valor de € 6.413,38 e as que se venceram na pendência da acção ou se vierem a vencer até ao transito em julgado da presente decisão, acrescidas de juros de mora à taxa legal contados desde a citação até pagamento efectivo e integral, autorizando-a a compensar esses montantes no pagamento a efectuar à Autora relativamente às prestações já vencidas;

K) Absolvo as Rés do demais peticionado pelo Instituto da Segurança Social, I. P;

L) Determino que a Ré SEGURO AA S.A. satisfaça o pagamento dos montantes arbitrados aos Autores CC e DD e ao Interveniente Instituto da Segurança Social, I. P, caso o pagamento não seja satisfeito pela Ré EE, Ldª., sem prejuízo do direito de regresso.

Fixa-se o valor da causa em € 52.211,08.

Custas pela Ré EE, Ldª., Instituto da Segurança Social, I.P. e Autor DD na proporção do respectivo decaimento, sem prejuízo da isenção de que goza o Autor DD.

Registe e notifique”.

Inconformada com esta sentença, dela apelou a Ré EE, Lda., tendo o Tribunal da Relação de Évora julgado a apelação procedente, pelo que e, alterando a sentença recorrida, decidiu:

A) Absolver a Ré EE, Lda. da totalidade dos pedidos contra si formulados;

B) Condenar a Ré SEGURO AA, S.A., a pagar à Autora CC:

i. A pensão anual e vitalícia no montante de € 3.070,20 (três mil e setenta euros e vinte cêntimos) a partir de 19 de Maio de 2010 até perfazer a idade da reforma por velhice, pensão que, a partir desta idade, ou no caso de doença física ou mental que afecte sensivelmente a sua capacidade de trabalho, passará para o montante anual de € 4.093,60 (quatro mil e noventa e três euros e sessenta cêntimos), a pagar mensal e adiantadamente até ao dia 03 de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 daquela, acrescida de mais uma prestação nos meses de Maio e Novembro, a título de subsídios de férias e de Natal, devendo o pagamento das vencidas ocorrer com o da primeira que entretanto se vencer;

ii. O montante de € 3.689,14 (três mil seiscentos e oitenta e nove euros e catorze cêntimos) relativo ao subsídio de funeral;

iii. O montante de € 5.533,70 (cinco mil quinhentos e trinta e três euros e setenta cêntimos) relativo ao subsídio por morte;

iv. O montante de € 15,00 (quinze euros) respeitante às despesas efectuadas com deslocações obrigatórias a Tribunal;

v. Juros de mora sobre as prestações em atraso, à taxa legal, desde o respectivo vencimento e até efectivo e integral pagamento.

C)   Condenar a Ré SEGURO AA, S.A., a pagar ao Autor DD o montante de 15,00 euros (quinze euros) respeitante às despesas efectuadas com deslocações obrigatórias a Tribunal, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a respectiva realização até efectivo e integral pagamento;

D) Condenar a Ré SEGURO AA, S.A. a pagar ao Instituto da Segurança Social, I. P. os montantes relativos às pensões de sobrevivência pagas à Autora CC, acrescidas de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento, ficando, no entanto, autorizada a compensar esses montantes no pagamento a efectuar à Autora relativamente às prestações já vencidas;

E) Absolver a Ré SEGURO AA, S.A. do mais que contra si foi pedido e não contemplado nas precedentes alíneas B), C) e D).

Custas:

- As da apelação são suportadas pela Ré SEGURO AA, S.A..

- As da 1ª instância são suportadas pela Ré SEGURO AA, S.A., bem como pelo interveniente Instituto da Segurança Social, I.P. na proporção do respectivo decaimento. Os Autores estão isentos de custas na medida em que patrocinados pelo Ministério Público [artº 4º, al. h) do R.C.P.] e daí que o Autor DD, filho do sinistrado, as não pague pelo respectivo decaimento.

Inconformada com esta decisão recorreu a seguradora, tendo rematado a sua alegação com as seguintes conclusões:

I. Vem o presente recurso interposto do Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Évora, na parte em que condenou a SEGURO AA, S.A.

II. No essencial, o que está aqui em causa é o entendimento desse Tribunal de que, perante a declaração de aceitação da existência e caracterização do acidente (dos autos) como acidente de trabalho, não era possível às partes envolvidas no presente litígio discutirem, na fase contenciosa do processo, a existência do acidente dos autos como um típico acidente de trabalho, tal como definido no n° 1 do artigo 8º da LAT aqui aplicável [Lei n.° 98/2009 de 04-09], assim como lhes não era possível discutir a eventual descaracterização do mesmo enquanto acidente de trabalho.

III. Deste modo e perante a referida declaração, julga o Acórdão Recorrido que não poderia deixar de improceder a questão da descaracterização do acidente em causa como acidente de trabalho quanto mais não fosse por representar um autêntico "venire contra factum proprium".

IV. Entende a Recorrente que o Tribunal da Relação fez errada interpretação e aplicação da lei de processo, designadamente da aplicação e alcance dos artigos 111º e 112º do Código de Processo de Trabalho.

V. As questões colocadas à apreciação deste Tribunal são, assim, as seguintes:

-           Saber qual o âmbito da vinculação factual decorrente do auto de tentativa de conciliação realizada perante o Ministério Público, nomeadamente qual o alcance processual do relato da aceitação pela Ré/empregadora e Ré/Seguradora da "existência e caracterização do acidente como sendo de trabalho";

-           Saber se o sinistrado violou as normas de segurança no trabalho e se o acidente resultou da violação dessas normas;

VI. No que respeita à primeira questão, seguindo a jurisprudência maioritária emanada por este Supremo Tribunal de Justiça, deverá considerar-se que, ao contrário do que é defendido pelo Acórdão recorrido, a mera aceitação, na tentativa de conciliação, da caracterização do acidente como de trabalho, não obsta a que se discuta a questão da caracterização do acidente na fase contenciosa do processo.

VII Afirmar ou negar a caracterização de um desastre como acidente de trabalho supõe a elaboração de um juízo de valor que envolve o enquadramento de realidades factuais num conceito jurídico - o conceito legal de acidente de trabalho.

VIII. É, pois, incorrecta a afirmação do Tribunal da Relação de Évora de que "perante a referida declaração, a qual consta das alíneas m) e n) da matéria de facto considerada assente, não poderia deixar de improceder questão da descaracterização do acidente em causa como acidente de trabalho..."

IX. Deve, assim, na fase contenciosa do processo, ser admissível às partes discutir a existência do acidente dos autos como típico acidente de trabalho, tal como definido no n.º 1 do artigo 8º da LAT (Lei n.º 98/2009 de 04-09), assim como a descaracterização do mesmo enquanto acidente de trabalho.

X. Pelo que, no que a esta matéria diz respeito, aqui se dá por integralmente reproduzido o alegado no recurso de apelação a que a Recorrente aderiu.

XI. Chegados aqui, importa analisar a 2º questão colocada à apreciação deste Tribunal.

XII. Salvo o devido respeito, resulta claramente do Acórdão recorrido que o sinistrado violou, sem causa justificativa, as normas de segurança, agindo com negligência grosseira, tendo o acidente resultado exclusivamente dessa violação.

XIII. Conclui-se ainda que a questão da descaracterização do acidente de trabalho não procedeu apenas e só pelo facto do Tribunal entender que não era possível nesta fase discuti-la, conforme já exposto.

XIV. Extrai-se da fundamentação do Acórdão (para a qual se remete) que se reconhece a violação por parte do sinistrado de regras de segurança elementares, a negligência da sua actuação, porquanto ficou provado que o sinistrado decidiu por sua iniciativa efectuar uma manobra que até então nunca havia sido efectuada e que não estava relacionada com trabalhos que devessem ser realizados por trabalhadores ao serviço da sua entidade empregadora.

XV. Ficou ainda provado que não obstante ter imobilizado o equipamento e saído do mesmo para verificar as circunstâncias de estabilidade em que se encontrava, tendo-se apercebido de que o mesmo não se encontrava estável, não obstante ter sido avisado pelo colega de trabalho que o auxiliava de que não era seguro continuar com tal manobra, ainda assim decidiu retomar a mesma.

XVI. Acresce que o sinistrado prosseguiu a manobra sem mesmo ter accionado os mecanismos que tinha ao seu alcance para estabilizar o equipamento, nomeadamente usando as sapatas extensíveis, tudo medidas previstas nos plano de segurança em obra.

XVII. Perante o factualismo provado nos autos, resulta que o comportamento do sinistrado integra a previsão constante do n.º 1 do artigo 14º da Lei nº 98/2009 de 4 de Setembro, que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho (LAT/09), isto é, verificou-se que a conduta do sinistrado é susceptível de descaracterizar o acidente nos termos prescritos pelo referido artigo.

XVIII.            Neste contexto, o sinistrado não podia ignorar os riscos, tanto mais que, salvo o devido respeito, são óbvios de acordo com o senso comum.

XIX. Tanto assim é que o Tribunal da Relação caracteriza o comportamento do sinistrado como tendo sido arriscado.

XX. Por outro lado, não ficou provada a verificação de nenhuma das causas justificativas para a violação das condições de segurança previstas no n.º 2 do artigo 14º da LAT/09, que pudesse afastar a previsão do n.º 1 da alínea a) da mesma norma legal.

XXI.   Pelo exposto, dúvidas não restam que sendo possível, na fase contenciosa, discutir a descaracterização do acidente de trabalho, esta terá necessariamente que proceder com fundamento no incumprimento, sem causa justificativa, de condições de

segurança estabelecidas pelo empregador, a que se refere a alínea a) do artigo 14º da LAT/09, não sendo devido o direito à reparação.

XXII.  Atentas as circunstâncias em que ocorreu o acidente em causa, este poderia ter sido evitado caso o sinistrado tivesse sido minimamente prudente.

XXIII. Ao optar por continuar a manobra, o sinistrado desconsiderou e descuidou riscos e perigos previsíveis, violando, desta forma, um dever de cuidado que devia ter acautelado.

XXIV. O sinistrado colocou-se, de forma voluntária, mas desnecessária, numa situação de perigo, com manifesto desprezo pelo risco mais que evidente e absolutamente previsível para um ser humano de mediana cautela.

XXV.  Desta forma, a conduta do sinistrado foi temerária e adequada à produção do acidente e violou, sem causa justificativa, regras e condições de segurança óbvias e elementares.

XXVI. Sendo certo que, conforme já exposto, é entendimento da Ré Recorrente que a descaracterização do acidente com fundamento na violação das regras de segurança não depende da intensidade da violação por parte do sinistrado, bastando que a mesma tenha ocorrido sem causa justificativa.

XXVII. Desta forma, além da violação, sem causa justificativa de normas de segurança, a conduta do sinistrado foi negligente.

XXVIII. Em referência ao critério do homo diligentissimus ou bónus pater-familias, o acidente em questão resulta de negligência grosseira do sinistrado.

XXIX. O caso em análise não traduz qualquer situação excepcional ou de urgência que justificasse a violação das regras de segurança.

XXX.  Inexistiu uma causa justificativa, sendo que os Autores nunca tal alegaram e que os factos provados nenhum contributo fornecem nesse sentido.

XXXI. Tendo o equipamento ficado em desequilíbrio, com uma roda no ar, ao aproximar-se da curva e do início do declive, deixando o atado de ferro que arrastava em vão, facilmente se podiam adivinhar que tipo de acidentes e consequências podiam resultar da sua utilização, sendo a mais óbvia a que se veio a verificar.

XXXII. Perante as referidas circunstâncias e sem mais considerações, o nexo de causalidade entre a violação das normas de segurança pelo sinistrado e o acidente era discussão existe e está demonstrado.

XXXIII. Nesta conformidade, a conduta do sinistrado é causa de exclusão do direito à reparação, nos termos das previsões das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 14º da LAT/09, devendo, em consequência, ter-se tido por descaracterizado o acidente em discussão nos autos.

XXXIV. Este entendimento tem acolhimento na jurisprudência.

XXXV. A descaracterização do acidente nos termos referidos não dá direito a reparação e implica, naturalmente, a absolvição da Ré Recorrente do pedido e, por conseguinte, a exclusão da sua responsabilidade prevista no artigo 79º, nº1 da LAT/09.

Pede assim que o recurso seja julgado procedente, pelo que, e revogando-se o acórdão recorrido, deve a R, SEGURO AA, S.A., ser absolvida da totalidade dos pedidos contra si formulados.

Os AA também alegaram, pugnando pela manutenção do decidido.

Recebido o recurso neste Supremo Tribunal, cumpre decidir.

2---

Para tanto, as instâncias deram como provada a seguinte matéria de facto:

A) O sinistrado BB faleceu no dia 18 de Maio de 2010, no estado de casado com a Autora CC (certidão de óbito de fls. 16 a 17);

B) DD nasceu em 00 de … de 1988 e é filho de BB e de CC (certidão do assento de nascimento de fls. 85 a 87);

C) No dia 18 de Maio de 2010 o sinistrado BB prestava a sua actividade profissional de encarregado de 1ª para a Ré EE, Ld.ª, sob as ordens, direcção e fiscalização desta, auferindo o salário anual de 731,00 € (setecentos e trinta e um euros) por 14 (catorze) meses;

D) Nesse dia, 18 de Maio de 2010, pelas 14 horas e 50 minutos o sinistrado BB encontrava-se no estaleiro da obra de construção de uma moradia sita na Urbanização ..., em ..., onde se realizavam trabalhos de cofragem nas fundações, 3,22 metros abaixo do nível de cota;

E) Procedia-se aos trabalhos de recepção, elevação e transporte, do exterior para o interior do estaleiro, de cinco “atados de ferro”, com 12 metros de comprimento e 2 toneladas de peso, cada;

F) Para o efeito, o sinistrado BB, manobrava o empilhador todo-o-terreno, ..., que tinha acoplado um acessório de elevação de cargas;

G) Tendo sido engatadas as correntes do empilhador num dos atados de ferro, o sinistrado BB, elevou a carga, a cerca de 30 cms do solo, iniciando, em marcha atrás, o transporte do atado de ferro para o interior do estaleiro;

H) O percurso para aceder ao local onde o material deveria ser depositado era feito através de um caminho com cerca de 4 metros de largura, em linha recta, com cerca de 30 metros, seguido de uma curva apertada e com um declive de 16%;

I) Quando efectuava o referido percurso o empilhador desequilibrou-se e capotou, caindo na laje de fundações da moradia, de uma altura de cerca de 3 metros;

J) O sinistrado BB foi atingido pelo canto inferior esquerdo da cabina do empilhador;

K) Em consequência do referido acidente, o sinistrado BB sofreu as lesões examinadas e descritas no relatório da autópsia de fls. 69 a 82, nomeadamente traumatismo Toracoabdominal e schock com sinais de compressão externa e asfixia, e que foram a causa directa e necessária da sua morte;

L) Em 18 de Maio de 2010, a Ré EE, Ld.ª tinha a sua responsabilidade emergente de acidente de trabalho integralmente transferida para a Ré SEGURO AA, S.A. mediante contrato de seguro titulado pela apólice nº. 00000019, na modalidade de seguro a prémio variável;

M) Na tentativa de conciliação realizada em 27 de Janeiro de 2011, a Ré EE, Lda. aceitou a existência e caracterização do acidente como de trabalho, o nexo de causalidade entre o acidente, as lesões e a morte e o montante do salário auferido pelo sinistrado, não aceitando qualquer responsabilidade em relação ao acidente, nem o consequente pagamento de quaisquer pensões ou subsídios, por considerar que a sua responsabilidade por acidentes de trabalho se encontrava integral e validamente transferida para a Ré SEGURO AA, S. A.;

N) Na referida tentativa de conciliação, a Ré SEGURO AA, S.A. aceitou a existência e caracterização do acidente como de trabalho e o montante do salário auferido pelo sinistrado, mas não qualquer responsabilidade em relação ao acidente por “o sinistrado não se encontrar habilitado a conduzir o equipamento, nem a ter formação, não terem sido colocadas à disposição do sinistrado as medidas de segurança adequadas a que o trabalho fosse efectuado (largura da via estreita; ausência de grua no estaleiro; carga transportada desadequada à largura da via e à estabilidade do equipamento”;

O) Na sequência do sinistro que vitimou o sinistrado BB, a Autoridade para as Condições do Trabalho realizou inquérito para apurar as circunstâncias em que ocorreu o sinistro, tendo sido elaborado o escrito de fls. 29 a 39, no qual, além do mais, se pode ler “Conclusão. O local onde ocorreu o acidente é um estaleiro de construção civil, sendo por isso aplicável o Decreto-lei nº 273/03, de 29/10, o qual estabelece as regras orientadoras em matéria de Segurança e Saúde no Trabalho, bem como o Decreto nº 41821/1958 de 11/08 e a Portaria nº 101/95, de 03/04. É ainda aplicável o DL nº 50/2005, de 25/02, que regula as prescrições mínimas de segurança e saúde dos trabalhadores na utilização de equipamentos de trabalho. Assim, à luz dos referidos diplomas legais e de acordo com os factos apurados foi possível concluir que: Aquando da visita inspectiva, realizada no dia 18 de Maio de 2010, ao local do acidente, verificou-se que se encontrava em estaleiro o plano de segurança e saúde, o qual continha, relativamente às vias de circulação, a menção dos riscos que lhe são inerentes, referidos apenas de forma genérica e das medidas de prevenção a adoptar; O empilhador todo-o-terreno, ... de 14/01/2005 é detentor da declaração CE de conformidade, cuja cópia se juntou como documento nº 1, nos termos do artigo 5º, nº 1, do DL nº 320/2001, de 12/12;

O equipamento de trabalho em referência foi objecto de verificação periódica, no dia 26 de Março de 2010, levada a cabo pela empresa FF, Lda, conforme documento nº 4 (vide disposições conjugadas dos artigos 6º, nº 2, 7º do DL nº 50/2005, de 25/02 sendo que no dia do acidente, o equipamento de trabalho possuía 992 horas de funcionamento; O empilhador todo-o-terreno ..., de 14/01/2005 possui manual de instruções em português, em conformidade com o disposto no Anexo V, nº 3, al. a) do DL nº 320/2001, de 12/12; O trabalhador sinistrado não tinha recebido qualquer formação sobre a condução de equipamentos; Não existia no local qualquer grua, pelo que a elevação e transporte de cargas era obrigatoriamente realizada com recurso ao equipamento já identificado; A largura da via por onde circulava o equipamento era estreita e o mesmo circulava em marcha-atrás; A dimensão da carga (12 metros) era desadequada quer à via, quer à estabilidade do equipamento. Assim, o acidente ocorreu devido a uma conjugação de factores, ou seja: Via sem dimensão adequada ao tipo de carga a transportar (atado de ferro com 12 metros); Circulação do equipamento em marcha-atrás; inclinação do traçado da via; Utilização do equipamento em incumprimento do disposto no artigo 33º, nº 1 “Os equipamentos de trabalho desmontáveis ou móveis de elevação de cargas devem ser utilizados de modo a garantir a sua estabilidade durante a utilização e em todas as condições previsíveis, tendo em conta a natureza do solo”; Elevação de cargas em incumprimento do disposto no artigo 33º, nº 5 “Os acessórios de elevação de carga devem: a) ser escolhidos em função das cargas a manipular, dos pontos de preensão, do dispositivo de fixação e das condições atmosféricas (...)”; ausência de grua no estaleiro (…)”;

P) O sinistrado BB era o beneficiário nº. 00000000077 da Segurança Social;

Q) Com base no falecimento de BB, os Autores CC e DD requereram no ISS, I.P./CNP as respectivas pensões por morte;

R) O Instituto da Segurança Social, I. P./Centro Nacional de Pensões, deferiu os pedidos e pagou à Autora CC, a título de pensões de sobrevivência, de Outubro de 2010 a Novembro de 2011 o montante de 1.455,52 € (mil quatrocentos e cinquenta e cinco euros e cinquenta e dois cêntimos), sendo o valor actual da pensão de 181,94 € (cento e oitenta e um euros e noventa e quatro cêntimos) e pagou ao autor DD, a título de pensões de sobrevivência de Outubro de 2010 a Novembro de 2011, o montante de 485,12 € (quatrocentos e oitenta e cinco euros e doze cêntimos), sendo o valor actual da pensão de 60,64 € (sessenta euros e sessenta e quatro cêntimos);

S) O empilhador ... tem cerca de 2,40 metros de largura;

T) No estaleiro da obra não existia nenhuma grua;

U) A Autora CC gastou a quantia de € 15,00 (quinze euros) com deslocações obrigatórias entre a sua residência e o Tribunal do Trabalho de Faro;

V) O Autor DD despendeu a quantia de € 15,00 (quinze euros) com deslocações obrigatórias entre a sua residência e o Tribunal do Trabalho de Faro;

W) Do documento de fls. 56 consta o seguinte: “Instituto do Emprego e Formação Profissional. Delegação Regional do Algarve Centro de Emprego de Vila Real de Stº António. Declaração. Declara-se para efeitos de entrega de documentação numa empresa de seguros, que DD, nascido a 00-00-1988, portador do Bilhete de Identidade nº 00000069, emitido a 28-11-2007, pelo Arquivo de Identificação de Faro encontra-se a frequentar o Pólo de Formação Profissional de Vila Real de Santo António o 1º Ano do Curso de Aprendizagem de Alternância, regulamentado pelo Decreto-lei nº 396/07, de 31 de Dezembro e pela Portaria 1497/08, de 19 de Dezembro, na área de formação de Construção Civil e Engenharia Civil, com o itinerário de formação de Desenho e Projecto da Construção Civil e Saída profissional de Técnico de Desenho da Construção Civil. O referido curso de Nível III, confere equivalência ao 12º Ano de Escolaridade, teve início em 12/11/2009 e fim previsto a 05/08/2011. Vila Real de Stº António, 9 de Junho de 2010. O Director do Centro (…)”;

X) O empilhador circulava de marcha atrás;

Y) Em papel com o timbre de FF, Ldª. foi elaborado o escrito de fls. 301 dos autos, o qual não está datado, e tem o seguinte teor: “Certificado de Entrega de Equipamento. Cliente: EE, Lda. Marca Equipamento: …. Nº de Série: 000097. Nº EPL 0023. FF Lda, certifica que BB, nascido a 0 de … de 1957 residente no Sitio da …, em …, Tavira, NIF 000000080, participou na explicação acerca do equipamento acima mencionado, no dia 11 de Abril de 2005, na qual foram explicadas as normas de, utilização, operação, manutenção e segurança. FF (…) O responsável. Certificado nº 0001

Z) Quando o empilhador efectuou a curva apertada, o atado de ferros tombou para o declive e arrastou o empilhador que perdeu a sua estabilidade e caiu para o declive aí existente;

AA) O sinistrado BB ficou preso entre o equipamento e a laje;

BB) Por não existir no local nenhuma grua a elevação e transporte de cargas apenas podia ser realizada pelo referido ...;

CC) A grua é o equipamento adequado à elevação e transporte deste tipo de carga;

DD) Após a comparência dos inspectores da ACT – Autoridade para as Condições do Trabalho na obra onde ocorreu o sinistro, foi dada ordem de suspensão imediata da obra e foi proibida a circulação de quaisquer máquinas no interior do estaleiro;

EE) Em todas as obras com a envergadura da obra dos autos, faz-se a movimentação destes tipos de cargas com equipamentos empilhadores multifunções como o ... que era operado pelo sinistrado;

FF) Na obra foi implementado um plano de segurança;

GG) No estaleiro existia uma área delineada, designada como “área para receber materiais”, a qual estava marcada e prevista no plano do estaleiro e se destinava a receber os materiais a usar na obra;

HH) Na fase em que a obra se encontrava, o material que aí se armazenava era quase exclusivamente o ferro;

II) O ferro era levado para a fundação, pelos trabalhadores ao serviço do subempreiteiro, que o transportavam à mão;

JJ) O atado de ferro ficou apenas elevado, a cerca de 30 cm do solo, no extremo que estava agarrado pela ..., pelo que a maior extensão do atado de ferro [com 12 metros de comprimento] continuou em contacto com o solo e foi arrastado pela ...;

KK) O atado de ferro encontrava-se na “área para receber materiais” e o sinistrado, manobrando a ..., arrastou o atado de ferro pelo caminho com cerca de 4 metros de largura, em linha recta, com cerca de 30 metros, seguido de uma curva apertada e com um declive de 16%;

LL) Ao aproximar-se da curva e do início do declive o equipamento levantou uma roda e balançou e o atado de ferro que arrastava ficou em vão, desequilibrando o ...;

MM) Perante este desequilíbrio o sinistrado imobilizou o equipamento, saiu do mesmo, avaliou a situação, tendo concluído que o equipamento não estava estável;

NN) Na altura em que realizava a manobra descrita supra, o sinistrado estava a ser auxiliado pelo trabalhador GG;

OO) Aquando da referida manobra, o mencionado funcionário, GG, também se apercebeu que a ..., ao aproximar-se da curva e do início do declive levantou uma roda balançou, tendo visto o sinistrado sair do mesmo para avaliar a situação;

PP) Nesse momento, o referido trabalhador, que auxiliava o sinistrado na tarefa, advertiu-o para que não entrasse na máquina, dizendo-lhe expressamente que parasse a manobra porque não era seguro prosseguir naquelas condições;

QQ) O sinistrado voltou a entrar na ... e persistiu em efetuar a manobra;

RR) Acresce que o sinistrado prosseguiu a manobra sem mesmo ter accionado os mecanismos que tinha ao seu alcance para estabilizar o equipamento, nomeadamente usando as sapatas extensíveis, tudo medidas previstas no Plano de Segurança em Obra;

SS) O referido equipamento, ... é idóneo ao transporte de carga, nomeadamente ao transporte de atados de ferro, para a "área de receber materiais";

TT) A manobra realizada naquele dia pelo sinistrado, nunca antes tinha sido efectuada;

UU) Na fase em que a obra se encontrava, a ... destinava-se a executar as funções de transporte dos atados de ferro do exterior para o interior do estaleiro para a zona de depósito desses materiais [a “área para receber materiais”]; de transporte de diversos materiais, nomeadamente terras [para fazer a reposição de terras no piso da cave], inertes [britas e areias]; a auxiliar em diversas outras tarefas, subsequentes, e já da responsabilidade da Entidade Patronal;

VV) O referido Plano de Segurança, existente e implementado na Obra, previa a utilização da ..., que é um equipamento tipo grua móvel, para a movimentação e transporte de carga;

WW) Para a correta utilização de tal equipamento, como de resto para utilização de qualquer equipamento, era obrigatório que se tomassem as precauções previstas no referido Plano de Segurança, nomeadamente:

a) Nas gruas móveis a grua deverá ficar devidamente estabilizada e nivelada;

b) Antes de se posicionar os estabilizadores avaliar a capacidade de resistência da superfície de apoio;

c) Em caso de confusão ou imprecisão nas indicações o manobrador deverá parar o equipamento e aguardar ordens precisas;

d) Antes da movimentação de uma carga deverá ser estudado todo o seu percurso;

YY) Este tipo de equipamento, como de resto muitos outros equipamentos utilizados em obra, estão preparados para manobrar de marcha atrás;

ZZ) O equipamento escolhido foi a ..., equipamento "multifunções" que foi considerado mais adequado ao tipo de obra, de estaleiro e de duração de trabalhos;

AAA) É justamente nas obras com a envergadura da obra dos autos que se faz a movimentação deste tipo de carga com equipamentos empilhadores multifunções, como a ... que estava a ser manobrada;

BBB) As gruas fixas são mais frequentemente utilizadas para obras em altura, dispersas no plano horizontal e de maior duração de tempo de execução, e não em vivendas, como era o caso da obra em questão;

CCC) A Entidade Patronal considerou o Plano de Segurança e Saúde, proposto pelo representante do Dono da Obra, como correto e daí não ter tomado a iniciativa de propor qualquer alteração, sendo que este apenas previa a utilização de uma grua móvel;

DDD) A ... transportava outros materiais pelo caminho em questão;

EEE) Face à ausência de uma grua, o empilhador ... já tinha sido utilizado antes na obra para movimentação de cargas;

FFF) Após a ocorrência do acidente, a R. EE instalou na obra uma grua para elevação e transporte de cargas.

3----

Sendo o objecto do recurso limitado pelas conclusões da recorrente, as questões colocadas à apreciação deste Tribunal são as seguintes:

Saber qual o âmbito da vinculação factual decorrente do auto de tentativa de conciliação realizada perante o Ministério Público, nomeadamente qual o alcance processual do relato da aceitação pela Ré/empregadora e Ré/Seguradora da "existência e caracterização do acidente como sendo de trabalho";

Saber se o sinistrado violou as normas de segurança no trabalho e se o acidente resultou da violação dessas normas.

Assim sendo, vejamos então cada uma destas questões.

3-1---

A questão da descaracterização do acidente foi suscitada perante a Relação, que a resolveu nos seguintes termos:

“Como resulta dos pontos 14 a 26 das conclusões do recurso interposto pela Ré/apelante “EE, Lda.” esta, com base na matéria de facto provada que consta da sentença recorrida, mais propriamente das alíneas KK) a RR) invoca, mais uma vez em sede de recurso, a descaracterização do acidente dos autos como acidente de trabalho, procurando, desse modo, demonstrar a não violação, por sua parte, de quaisquer regras de segurança que, porventura, pudessem estar na origem do aludido acidente de trabalho.

Dizemos mais uma vez, porquanto, a Ré/apelante “EE, Lda.” invocara já a descaracterização do acidente em causa, aquando do recurso por si igualmente interposto sobre a sentença proferida pelo Tribunal a quo em 26-09-2013 e que, posteriormente, viria a ser anulada pelo Acórdão desta Relação de 26-06-2014 para ampliação de matéria de facto, como fizemos referência no precedente relatório.

A descaracterização invocada pela Ré/apelante, porventura, em virtude da mesma ter sido objecto de apreciação na aludida sentença e não obstante a matéria de facto que aí se dera como provada e que constava dos pontos 13 e 14, volta agora a ser suscitada, porquanto, também na sentença agora recorrida, a mesma foi objecto de apreciação por parte da Mma. Juíza do Tribunal a quo, não obstante a matéria de facto que se mostra fixada nas alíneas M) e N) e que corresponde precisamente à que figurava dos mencionados pontos 13 e 14 da anterior sentença proferida nos autos, não obstante o que, a esse propósito, se referiu no aludido Acórdão desta Relação.

Sucede que em face da matéria de facto provada que consta das referidas alíneas e das quais resulta, claramente, que as aqui Rés/apelantes – A Ré/seguradora por adesão ao recurso da Ré/empregadora – e eventuais responsáveis pela reparação dos danos emergentes do acidente dos autos, na tentativa de conciliação que teve lugar em 27 de Janeiro de 2011 e com a qual se pôs fim à fase conciliatória do processo, declararam expressamente que aceitavam a existência e a caracterização do acidente (dos autos) como acidente de trabalho, sendo que a existência e caracterização do acidente dos autos como acidente de trabalho, também não foi posta em causa pelos beneficiários viúva e filho do sinistrado BB na aludida tentativa de conciliação nem posteriormente.

Ora, perante uma tal declaração de aceitação, nem sequer era possível às partes envolvidas no presente litígio discutirem, nesta fase contenciosa do processo, a existência do acidente dos autos como um típico acidente de trabalho, tal como definido no n.º 1 do art. 8º da LAT aqui aplicável (Lei n.º 98/2009 de 04-09), assim como lhes não era possível discutir a eventual descaracterização do mesmo enquanto acidente de trabalho.

As próprias Rés, aliás, tendo, porventura, a noção disso mesmo e apesar de a aludida descaracterização constituir nítida matéria de excepção já que impeditiva dos direitos reclamados pelos Autores na presente acção, não invocaram uma tal excepção nos articulados que produziram nesta fase contenciosa.

Daí que se não entenda por que razão a Mma. Juíza do Tribunal a quo, tal como já o fizera na primeira das sentenças proferidas nos autos e não obstante o que, sobre tal aspecto, se referiu no precedente Acórdão desta Relação, tenha, na sentença agora recorrida, insistido em apreciar a mesma questão da descaracterização do acidente em causa como acidente de trabalho, ainda que para concluir pela não verificação da mesma, apreciação que, no entanto, propiciou, mais uma vez, o suscitar dessa questão em sede de recurso por parte da Ré/apelante “EE, Lda.”, com a adesão da Ré SEGURO AA, S.A.

Deste modo e perante a referida declaração, a qual consta das alíneas M) e N) da matéria de facto considerada como assente, não poderia deixar de improceder a questão da descaracterização do acidente em causa como acidente de trabalho e que, de algum modo, surge suscitada no recurso em apreço, quanto mais não fosse por representar um autêntico “venire contra factum proprium” e que é inadmissível à face da lei.”

Face a esta argumentação, sustenta a recorrente que a jurisprudência maioritária emanada do Supremo Tribunal de Justiça é contrária ao que é defendido no acórdão recorrido, pois é no sentido de que a mera aceitação, na tentativa de conciliação, da caracterização do acidente como de trabalho, não obsta a que se discuta a questão da caracterização do acidente na fase contenciosa do processo

Advoga assim que lhe era permitido discutir na fase contenciosa do processo a existência do acidente dos autos como um típico acidente de trabalho, tal como definido no n.º 1 do artigo 8º da LAT (Lei n.º 98/2009 de 04-09), assim como a descaracterização do mesmo enquanto acidente de trabalho.

Equacionada a questão, vejamos então se a recorrente tem razão.

3.1.1---

Conforme resulta do artigo 100.º, nº 2 do CPT, recebida a participação do acidente de trabalho mortal, e instruído o processo com a certidão de óbito, o relatório da autópsia e certidões comprovativas do parentesco dos beneficiários com a vítima, o Ministério Público designa data para a tentativa de conciliação, se não tiver sido junto o acordo extrajudicial previsto na lei.

Por outro lado, e sob a epígrafe “conteúdo dos autos na falta de acordo”, diz-nos o nº 1 do artigo 112º que, se se frustrar a tentativa de conciliação, no respectivo auto são consignados os factos sobre os quais tenha havido acordo, referindo-se expressamente se houve ou não acordo acerca da existência e caracterização do acidente, do nexo causal entre a lesão e o acidente, da retribuição do sinistrado, da entidade responsável e da natureza e grau da incapacidade atribuída.

E acrescenta o nº 2 que o interessado que se recuse a tomar posição sobre cada um destes factos, estando já habilitado a fazê-lo, é, a final, condenado como litigante de má-fé.

Trata-se duma doutrina que já vinha dos Códigos anteriores, pois corresponde ao nº 1 do artigo 114º do CPT/81 e ao nº 1 do artigo 109º do CPT/63, embora o texto destes preceitos não seja totalmente coincidente com a letra actual da lei.

Assim impôs o legislador que, se se frustrar a tentativa de conciliação, deve consignar-se expressamente no auto, quais os factos sobre que tenha havido ou não acordo, devendo a(s) parte(s) eventualmente responsável (eis) declarar expressamente se aceita(m) ou não que o sinistrado foi vítima dum acidente de trabalho, se aceita(m) o nexo de causalidade entre as lesões e o acidente, e se aceita(m) a retribuição declarada pela vítima, bem como a sua qualidade de entidade responsável e o grau da incapacidade daquela.

Depreende-se daqui que o objectivo do legislador foi que as partes declarem qual a sua posição quanto a estas questões, com vista a definir quais delas vão constituir o objecto da fase contenciosa.

Por isso, foi-se firmando a jurisprudência no sentido de que as questões acordadas à luz daqueles preceitos devem considerar-se definitivamente arrumadas, ficando a parte vinculada às suas declarações, vendo-se neste sentido os acórdãos do STJ de 18/6/82, AD 251/1452 e 18/7/86, BMJ 359/596; e ainda os acórdãos do STA, de 22/2/72, AD 124/552 e de 25/11/75, AD 169/113; RC 9/12/93, CJ, 95/5; RL 13/1/93, CJ, 167/1 e 29/6/94, CJ, 183/3; RP, 20/1/03, CJ 228/3 e RE, 27/3/2007, CJ, 265/2.

No entanto, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça sobre esta matéria foi evoluindo no sentido de que na tentativa de conciliação as partes apenas acordam sobre factos, conforme se decidiu no acórdão de 18/2/2009, recurso nº 2590/08 (Pinto Hespanhol), orientação que tinha sido seguida também no acórdão de 14/12/2006, documento SJ20061214007894 (Vasques Dinis), ambos consultáveis em www.stj.pt, segundo o qual o acordo ou desacordo dos interessados que deve constar do auto de não conciliação incide sobre factos e não sobre juízos de valor, conclusões ou qualificações jurídicas.

É neste enquadramento que interpretamos ainda o acórdão da RE de 7/6/2006, CJ, 247/2 (Chambel Mourisco), onde se decidiu que tendo o empregador aceitado na tentativa de conciliação factos que levam à caracterização do acidente sofrido pelo sinistrado como acidente de trabalho, não pode depois pretender que não houve acidente de trabalho.

    

Descendo ao caso presente, constatamos que na tentativa de conciliação realizada em 27 de Janeiro de 2011, a recorrente aceitou expressamente a existência e caracterização do acidente dos autos como de trabalho, tendo colocado o cerne da lide na fase contenciosa na violação das regras de segurança pela empregadora.

Por isso se compreende que na sua contestação a recorrente tenha limitado a sua defesa a duas matérias:

 Ao direito a pensão do A, DD;

À atribuição da responsabilidade à entidade empregadora por violação das regras de segurança.

 Diga-se ainda que esta última também não suscitou na sua contestação a questão da descaracterização do acidente de trabalho sofrido pelo marido e pai dos AA, tendo-se limitado a pedir a sua absolvição por a responsabilidade do mesmo caber à seguradora, por não ter violado as regras de segurança no trabalho.

Ora, independentemente do valor das declarações das partes constantes do auto de não conciliação, é na contestação que o Réu tem que invocar os fundamentos da sua defesa, conforme consagra o artigo 129º, nº 1 do CPT.

E embora a contestação dum dos Réus aproveite aos outros, conforme consagra o seu nº 2, como nenhuma das demandadas invocou a excepção da descaracterização do acidente, jamais esta matéria podia ser discutida.

É certo que a primeira sentença que foi proferida apreciou (por excesso de pronúncia) esta questão, julgando-a improcedente.

Foi neste enquadramento que a apelante empregadora suscitou esta matéria no primeiro recurso de apelação que intentou para Relação, tendo esta acabado por concluir que perante a factualidade provada, “impossível é considerar verificada a referida negligência grosseira do sinistrado e muito menos o carácter exclusivo da mesma na produção do acidente, pelo que arredada fica também tal fundamento de descaracterização do acidente”.

E apesar de se ter mandado ampliar a matéria de facto com vista a apreciar se a empregadora tinha violado as regras de segurança no trabalho, não podiam as RR aproveitar esta situação para alegar factos tendentes a descaracterizar o acidente de trabalho dos autos, pois trata-se duma alegação manifestamente intempestiva, dado que em nenhuma das contestações tinha sido suscitada a questão.

E além do mais, não fora para este efeito que a Relação ordenou a ampliação da matéria de facto.

Diga-se por último, que tendo a Relação acabado por concluir que perante a factualidade provada, impossível era considerar verificada a negligência grosseira do sinistrado na produção do acidente, não tendo havido reacção contra esta decisão, temos também de concluir que ela transitou em julgado nesta parte.

Tudo para concluir que, embora por razões não totalmente coincidentes com as invocadas no acórdão recorrido, não podia a Relação apreciar a questão da pretensa descaracterização do acidente de trabalho dos autos suscitada pela apelante, pelo que o mesmo não merece qualquer censura.

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Termos em que se acorda nesta Secção Social em negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.       

 Custas pela recorrente.

Anexa-se sumário do acórdão.

Lisboa, 13 de Outubro de 2016

Gonçalves Rocha

Leones Dantas

Ana Luísa Geraldes