Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1709/18.8T8BRR.L1.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: RAMALHO PINTO
Descritores: CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO
PORTARIA DE EXTENSÃO
INTERPRETAÇÃO DE CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO
Data do Acordão: 07/14/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :

I- No caso dos autos,  verifica-se a aplicabilidade, em abstracto, do CCT entre a ACAP — Associação Automóvel de Portugal e outras e o SINDEL — Sindicato Nacional da Indústria e da Energia e outros,  e do Contrato Colectivo entre a Associação Nacional de Revendedores de Combustíveis - ANAREC e a FEPCES - Federação Portuguesa dos Sindicatos do Comércio, Escritórios e Serviços e outros.

II- Exercendo o empregador a sua actividade em dois sectores de actividade, o que releva para  efeitos da aplicação da Portaria de Extensão é a actividade económica principal a que se dedica segundo o seu objecto social e os factos provados, e já não que o trabalhador tenha trabalhado mais num sector do que noutro em determinados períodos da vigência do contrato.

Decisão Texto Integral:



Processo 1709/18.9TBRR.L1.S1
Revista
4/22

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

                                   

AA instaurou a presente acção com processo comum contra J..., Lda, peticionando a condenação da Ré a pagar-lhe as quantias de: € 94.099,14, a título de diferenças salariais; € 21.886,04, a título de subsídio de refeição; € 1.669,50, a título abono para falhas;  € 3.348,00, a título de diuturnidades; € 54.921,99, a título de trabalho suplementar;  € 22.099,01, a título de trabalho ao sábado;  € 2.021,60, a título de retribuição correspondente ao número mínimo anual de horas de formação não ministrada; a título de danos não patrimoniais, o valor de € 20.000,00; o valor que vier a ser apurado de acréscimo de remuneração devido pela substituição de trabalhadores de categoria profissional superior; a indemnização equivalente ao quádruplo da retribuição e o subsídio correspondente ao tempo de férias que a Autora deixar de gozar, caso tal venha a ocorrer no decurso desta acção; juros de mora devidos à taxa legal, desde a data do vencimento de cada uma das parcelas, até integral pagamento.

Para tanto alegou, em síntese e tal como consta do acórdão recorrido: que trabalha para a Ré desde 23 de Outubro de 1987, com a categoria profissional de ..., mas pelo menos desde 1997 que desempenha funções diferenciadas do conteúdo funcional de ...; que desde 1998 aufere o ordenado equivalente a € 798,08 e desde então este não sofreu qualquer actualização, nem a Autora foi promovida; que a Ré tem comunicado às entidades oficiais a categoria profissional e local de trabalho errados e CCT's indevidos; que desde 1997 desempenha funções administrativas de chefia ou de direcção de serviços, a que corresponde a categoria profissional de “Director de Serviços”; que, de acordo com a Convenção Colectiva de Trabalho da ACAP que lhe vem sendo aplicada, a esta categoria profissional corresponde uma retribuição mais elevada, sendo devidas à Autora diferenças salariais; que até Agosto de 2011 não recebeu subsídio de refeição e o que depois lhe foi pago, previsto no CCT da ACAP, é de valor inferior ao previsto no CCT da ANAREC em que a Ré está inscrita, pelo que se deve aplicar este como “lei mais favorável”, tendo direito a diferenças entre Outubro de 1985 e 30 de Abril de 2018; que desde Agosto de 2013 a Fevereiro de 2018 a Autora foi aos postos de combustível recolher dinheiro do cofre e depositá-lo nos bancos sem receber abono para falhas nos termos do CCTV da ACAP; que tem direito a diuturnidade por força da Portaria para os trabalhadores administrativos, uma vez que a Autora exercia funções administrativas; que laborou em termos médios 2 horas de trabalho suplementar por dia sem receber os acréscimos previstos no CCTV entre 1999 e Fevereiro de 2018; que de acordo com o CCTV da ACAP cada sábado trabalhado é remunerado com acréscimo de 2% do salário se laborar meio dia; que tem direito a formação profissional; que nas férias do gerente, era a Autora quem o substituía, pelo que nos termos do CCTV da ACAP tem direito a acréscimo de retribuição proporcional ao tempo de substituição; que, quando reivindicou as condições conforme às funções exercidas em 10 de Fevereiro de 2018, foi-lhe retirada a viatura de serviço e vedado o acesso à viatura de sua propriedade, que se encontrava nas instalações da Ré, com desconsideração e desrespeito pelo seu empenho e dedicação ao longo de 31 anos; que em 2018 a Ré não autorizou as férias no período escolhido pela Autora, violando o direito a férias, pelo que tem direito ao quádruplo da retribuição nos termos do CCTV da ACAP e, por fim, moveu à Autora um processo disciplinar com suspensão imediata, com vista ao seu despedimento com fundamento em factos falsos; que em resultado do que expôs a Autora se encontra em sofrimento psicológico e sofre danos não patrimoniais que devem ser indemnizados em valor não inferior a € 20.000,00.

Realizada a audiência de partes e não tendo havido conciliação foi ordenada a notificação da Ré para contestar, vindo esta no seu articulado a excepcionar a prescrição dos créditos invocados pela Autora vencidos há mais de cinco anos e há mais de vinte anos e, bem assim, dos juros de mora. Impugnou ainda a factualidade alegada na petição inicial e alegou, em suma: que a Autora foi admitida como ... no stand de gás da Ré e mais tarde passou a desempenhar as funções de secretária no stand de automóveis, dedicando-se a Ré às duas actividades, pelo que se encontra abrangida pelo CCT da ANAREC e da ACAP; que entre 2013 e 2017 a Ré cessou a actividade de venda e reparação de automóveis e em 2014 a Autora passou para o sector do gás; que a Ré é uma empresa familiar gerida por dois irmãos, por quem todas as decisões passam, e com um único director de serviços, filho de um deles e superior hierárquico de todos os funcionários; que o salário auferido pela Autora se situava acima do das funções de secretária previsto no anexo I ao Boletim do Trabalho e Emprego n.º 37/2010; que a Autora desempenhava as funções de secretária do gerente, fazendo cumprir as ordens deste e não tinha autonomia para tomar qualquer decisão por ele; que o subsídio de refeição foi pago segundo a CCT da ACAP; que a Autora apenas acompanhava o gerente da Ré na recolha de dinheiro dos postos e não o fazia sozinha; que a CCT da ACAP não prevê diuturnidades; que todo o trabalho suplementar prestado foi pago e, a haver algum fora do solicitado pela Ré, não é devido por não determinado pela Ré que tinha trabalhadores com horários diferentes para evitar a prestação de trabalho suplementar; que nada é devido por formação profissional e a Autora nunca substituiu o gerente ou director de serviços e que não ocorreu qualquer violação culposa dos direitos da Autora que fundamente uma indemnização pro danos não patrimoniais. Deduziu ainda reconvenção, peticionando a condenação da Autora no pagamento da quantia de € 34.014 a título de despesas com o parqueamento da sua viatura pessoal nas instalações da Ré.

Foi proferido despacho de aperfeiçoamento da petição inicial (fls. 192).

A A. veio responder à excepção deduzida e responder ao convite ao aperfeiçoamento, reduzindo o pedido de subsídio de refeição para a quantia de € 14.351,04 (considerando os subsídios de refeição de Maio de 1998 a Maio de 2018) e o pedido final para a quantia de € 212.510,28. Acrescentou que as horas de entrada e saída alegadas no artigo 52.º da petição inicial se verificaram todos os dias, que o alegado no artigo 63.º da petição inicial (a substituição do director de serviços nas férias deste) aconteceu desde Agosto de 2014, juntando os mapas de férias de 2015 a 2018 e requerendo a junção pela R. dos de 2014 a 2016, e alegou os rendimentos dos gerentes e do director de serviços da Ré.

A Ré respondeu ao aperfeiçoamento da petição inicial nos termos de fls. 212 e ss, reiterando que a acção deve ser julgada improcedente.

Foi proferido despacho saneador, no qual o pedido reconvencional foi admitido liminarmente e foi relegado o conhecimento da excepção de prescrição para a sentença a proferir. Foi ainda identificado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova. Fixou-se o valor da acção em € 261.882,50.
Efectuado o julgamento, foi proferida sentença, cuja parte dispositiva transcrevemos:

“Pelos fundamentos de facto e de direito supra expostos, o tribunal julga a acção parcialmente procedente porque provada e, consequentemente, decide:

1. Declarar que durante a vigência do contrato de trabalho entre a Autora e a Ré esta exerceu funções correspondentes à categoria profissional de ...;

2. Condenar a Ré no pagamento à Autora do trabalho suplementar prestado entre 01.01.2016 a 08.06.2018 no montante de € 1457,48;

3. Condenar a Ré no pagamento à Autora do trabalho suplementar prestado no ano de 2015 no montante diário de € 2,2, durante 251 dias a que deverão ser retirados os dias em que a Autora gozou férias, a liquidar em incidente próprio;

4. Condenar a Ré no pagamento à Autora dos juros de mora vencidos e vincendos sobre a quantia referida em 2. desde a data do respetivo vencimento até efetivo e integral pagamento;

5. Condenar a Ré no pagamento à Autora dos juros de mora vencidos e vincendos sobre a quantia referida em 3. desde o transito em julgado da liquidação até efetivo e integral pagamento.

6. Absolver a Ré do demais peticionado.

Custas a cargo de ambas as partes na proporção do respetivo decaimento, a qual se fixa no seguinte: Na ação: fixa-se o decaimento da Ré em 0,66% e o da Autora no remanescente; Na reconvenção: fixa-se o decaimento total da Ré.

A Autora, inconformada, interpôs recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação, por acórdão de 15/12/2021, proferido a seguinte decisão:
“Em face do exposto, decide-se:
5.1. julgar improcedente a invocada nulidade da decisão de facto;
5.2. rejeitar a impugnação da decisão com reapreciação da prova gravada:
5.2.1. quanto à matéria constate do ponto b., alínea 3) relativa ao gás, dos factos “não provados”;
5.2.2. quanto à matéria constante do ponto b., alíneas 1), 2), 5) e 6) relativa aos pagamentos de combustível à ..., dos factos “não provados”;
5.2.3. quanto à matéria constante do ponto b., alíneas 4), 9) e 10) relativas aos pagamentos de combustível à ...;
5.2.4. quanto aos pontos v., w., y. e z. dos factos “não provados”.
5.3. julgar parcialmente procedente a impugnação da decisão de facto e, em consequência:
5.3.1. aditar ao ponto I. dos factos provados, na parte referente ao gás, a alínea t) nos termos sobreditos;
5.3.2. eliminar  a primeira parte da alínea 1) do ponto b. não provado, com a consequente alteração da sua redacção nos termos sobreditos;
5.3.3. alterar a alínea a) ao facto I. [postos];
5.3.4. eliminar as alíneas 1) e 2)  do ponto b. não provado  [postos];
5.3.5. aditar ao ponto I. dos factos provados, na parte referente à Sonae, a alínea j) nos termos sobreditos;
5.3.6. alterar o ponto b. dos factos “não provados”, na parte referente à Sonae, nos termos sobreditos
5.3.7. eliminar o ponto j. dos factos “não provados”;
5.3.8. acrescentar ponto M-1. ao elenco de factos provados, nos termos sobreditos;
5.4. alterar oficiosamente os pontos L. e PP. da matéria de facto provada;
5.5. condenar a Ré no pagamento à Autora do trabalho suplementar prestado no ano de 2014 no montante diário de € 5,88, durante 251 dias, a que deverão ser retirados os dias em que a Autora gozou férias, a liquidar em incidente próprio, acrescido de juros vencidos e vincendos sobre o valor obtido desde o trânsito em julgado da liquidação até integral pagamento;
5.6. condenar a Ré no pagamento à Autora do trabalho suplementar prestado entre 01 de Janeiro de 2015 e 8 de Junho de 2018 no montante global de € 4.371,84, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos desde a data do respectivo vencimento até integral pagamento;
5.7. condenar a Ré no pagamento à Autora da quantia correspondente ao valor que se vier a apurar que lhe caberia receber entre Maio de 1998 e Maio de 2018 a título de subsídio de alimentação por cada dia útil de trabalho prestado nesse período, tendo em consideração os valores unitários acima enunciados e abatendo-se ao valor final do devido o montante já pago pela R., sendo a diferença alcançada acrescida de juros de mora desde a liquidação até integral pagamento;
5.8. no mais, manter a decisão final constante da sentença recorrida.
Condenam-se A. e R. nas custas de parte que haja a contar relativamente ao recurso, na proporção do respectivo decaimento, sendo todavia, até posterior liquidação, suportadas provisoriamente na proporção 3/4 para a A. e 1/4 para a R”.

Inconformada, a Ré interpôs o presente recurso de revista, apresentando as seguintes conclusões:

A. A inconformidade da Recorrente relativamente ao Acórdão recorrido prende-se com a decisão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa de considerar ser aplicável à relação laboral que vigorou entre a aqui Recorrente e Recorrida, ad initio, o Contrato Coletivo do Trabalho celebrado entre a ANAREC e a FEPCES, por via da Portaria de Extensão.

B. Resultou provado que a A. foi admitida em 1987 e esteve a exercer as seguintes funções no sector automóvel, durante mais de 20 anos, período durante o qual a Recorrente aplicou-lhe o CCT da ACAP – Associação do Comércio Automóvel de Portugal, entendimento que foi sufragado, corretamente, pela decisão da 1.ª Instância.

C. Em data que não ficou concretamente apurada, mas que se situa (nos autos) no ano de 2013, a A. deixou de trabalhar no ramo automóvel, uma vez que a Recorrente deixou de ser representante da marca ... e, consequentemente, de operar no sector de atividade do comércio automóvel, tendo passado a desempenhar funções no sector dos combustíveis/postos de abastecimento.

D. Ficou inequivocamente demonstrado que a Recorrente operava nestes dois sectores de atividade – automóvel e combustíveis a retalho (postos de abastecimento e gás) – durante toda a relação laboral mantida com a Recorrida e até 2013/14, altura em que passou a operar apenas neste último sector dos combustíveis.

E. O douto Acórdão recorrido, na questão de saber qual o IRCT aplicável a esta relação laboral, restringiu ou limitou a mesma à “atividade económica principal a que se dedica segundo o seu objeto social e os factos provados, irrelevando que o trabalhador tenha trabalhado mais num sector do que noutro em determinados períodos da vigência do contrato”, entendimento com o qual não podemos discordar mais.

F. Dispõe o artigo 514.º, n.º 1, do Código do Trabalho que “a convenção coletiva ou decisão arbitral em vigor pode ser aplicada, no todo ou em parte, por portaria de extensão a empregadores e a trabalhadores integrados no âmbito do sector de atividade e profissional definido naquele instrumento” (nosso negrito e sublinhado), resultando claro e inequívoco que um CCT pode ser aplicado por PE a empregadores e trabalhadores integrados no âmbito do sector de atividade e profissional definido naquele instrumento.

G. O CCT da ANAREC aplica-se ao sector de atividade do comércio de combustíveis a retalho, sector no qual a Recorrente, enquanto empregadora, estava integrada, mas no qual a Recorrida, trabalhadora, não estava, pelo menos até 2013.

H. Não obstante a sua categoria profissional poder ter enquadramento no CCT da ANAREC, o facto é que o sector de atividade em que a mesma estava integrada – sector automóvel – não estava definido no mesmo.

I. Que sentido faz aplicar um CCT que está todo ele criado e definido para os trabalhadores que prestam funções afetas ao comércio de combustíveis a retalho, entenda-se, postos de abastecimento e revenda de gás, a uma trabalhadora que presta funções num stand automóvel e está integrada num sector completamente distinto, como é o comércio automóvel? Não só não faz qualquer sentido, do ponto de vista do bom senso comum, como não encontra fundamento legal.

J. O legislador não quis, sem mais, afastar o sector de atividade em que cada trabalhador, em concreto, está integrado, restringindo a aplicação do IRCT à atividade que consta no CAE como sendo a principal, pelo que esta interpretação, sufragada pelo Acórdão recorrido, deturpa, por completo, o escopo e a finalidade da criação dos IRCT’s.

K. O artigo 575.º, n.º 1, do Código do Trabalho de 2003 (aplicável à relação entre Recorrente e Recorrida no período compreendido entre 1.12.2003 e 16.02.2009), tinha uma redação ainda mais clara neste sentido: “O ministro responsável pela área laboral, através da emissão de um regulamento, pode determinar a extensão, total ou parcial, de convenções coletivas ou decisões arbitrais a empregadores do mesmo sector de atividade e a trabalhadores da mesma profissão ou profissão análoga, desde que exerçam a sua atividade na área geográfica e no âmbito sectorial e profissional fixados naqueles instrumentos” (nosso negrito e sublinhado).

L. Já o artigo 29.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 29 de dezembro, na sua redação inicial, (aplicável à relação entre Recorrente e Recorrida desde o início e até 30.11.2003) dispunha da seguinte forma: “Ouvidas as associações sindicais e as associações ou entidades patronais interessadas, pode, por portaria conjunta dos Ministros do Trabalho, da tutela ou Ministro responsável pelo sector de atividade, ser determinada a extensão total ou parcial das convenções coletivas ou decisões arbitrais a entidades patronais do mesmo sector económico e a trabalhadores da mesma profissão ou profissão análoga, desde que exerçam a sua atividade na área e no âmbito naquelas fixados e não estejam filiados nas mesmas associações” (nosso negrito e sublinhado).

M. É indiscutível que, para a Portaria de Extensão do CCT da ANAREC ser aplicável à relação laboral vigente entre A. e R., aquela teria que exercer a sua atividade/funções no sector do comércio a retalho de combustíveis, o que não foi o caso, até ao ano de 2013.

N. A interpretação sufragada pelo Acórdão recorrido, de que “a qualificação do sector de atividade económica de uma empresa, para efeitos de aplicação de uma PE, deve fazer-se atendendo ao objeto social da empresa (ou seja, ao tipo de atividade que em termos estatutários lhe cabe exercer) e à atividade que ela efetivamente exerce” revela-se deveras restritiva, e por isso discordamos inteiramente da mesma, quando apenas releva a atividade económica principal, ou seja, aquela cujo CAE seja o principal, na medida em que, como sabemos, as empresas podem ter várias áreas de atividade, e só uma pode ser considerada como principal; só pode haver um CAE principal.

O. Considerar que é irrelevante, para aplicação da respetiva PE, se os trabalhadores estão afetos à atividade principal da empresa ou a uma das outras atividades prosseguidas pela mesma, para as quais existe também um IRCT expressamente aplicável é uma interpretação limitativa, que restringe o sentido e o alcance da norma jurídica em questão.

P. Nos doutos Acórdãos deste Supremo Tribunal, citados no Acórdão recorrido, foi analisada a aplicação de uma determinada PE a uma empresa de um ponto de vista totalmente diferente daquele que é abordado nos presentes autos, na medida em que se entendeu afastar a aplicação da PE por se considerar que o objeto social das empresas não se inseriam nos sectores de atividade visados nas respetivas PE’s.

Q. A questão tratada nos presentes autos é substancialmente diversa, dúvidas inexistindo que a Recorrente exercia, efetivamente, à data dos factos e na vigência da relação laboral mantida com a Recorrida as duas atividades (automóvel e combustíveis), abrangidas pelas duas PE’s em análise (CCT da ACAP e CCT da ANAREC).

R. Em suma, em nenhum dos Arestos citados no Acórdão recorrido foi analisada uma situação semelhante à dos presentes autos, em que a empresa atua e tem no seu objeto social várias atividades económicas, tendo trabalhadores afetos às várias atividades e aplicando, a cada um deles, o CCTV do sector de atividade em que cada um está integrado.

S. A contrario, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 15.02.2018, processo n.º 116/17.4T8PTG.E1, em que os Venerandos Juízes Desembargadores afastaram a aplicação da Portaria de Extensão a uma trabalhadora que não trabalhava no sector da limpeza abrangido pelo CCT do STAD (in www.dgsi.pt), trata de situação semelhante à dos presentes autos, porquanto afasta a aplicação de um determinado IRCT a uma trabalhadora que não estava integrada no sector de atividade do mesmo, não obstante a sua empregadora estar.

T. Assim, mal andou o Acórdão recorrido ao entender aplicar à relação laboral mantida entre Recorrente e Recorrida, ad initio, o CCT da ANAREC, por via da Portaria de Extensão, decisão sobre a qual recai expressamente o presente recurso.

U. O Acórdão ora recorrido incorreu em erro de interpretação e de aplicação da norma aplicável, ocorrendo, assim, a violação de lei substantiva, em concreto, as disposições já elencadas: artigo 514.º, n.º 1 do atual Código de Trabalho, aplicável à relação laboral desde 17.02.2009; artigo 575.º, n.º 1, do Código do Trabalho de 2003, aplicável à relação laboral entre 01.12.2003 e 16.02.2009; e artigo 29.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 29 de dezembro, aplicável à relação laboral desde o seu início e até 30.11.2003.

V. Sendo revogado o Acórdão recorrido nesta parte, substituindo-se por outro que tenha em consideração o expendido no presente recurso e que mantenha a decisão proferida na 1.ª Instância, no que respeita à PE aplicável, deve também revogar-se a parte que condenou a Recorrente ao pagamento à Recorrida do subsídio de refeição previsto no CCT da ANAREC.

W. No ano de 2014, estava em vigor a disposição do artigo 7.º, n.º 4, alínea a) da Lei n.º 23/2012, de 25 de junho, na redação dada pela Lei n.º 48-A/2014, de 31 de julho, que determinava a suspensão “até 31 de dezembro de 2014, (d)as disposições de instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho e as cláusulas de contratos de trabalho, que tenham entrado em vigor antes de 1 de agosto de 2012, e que disponham sobre:

a) Acréscimos de pagamento de trabalho suplementar superiores aos estabelecidos pelo Código do Trabalho”.

X. Tal determinava a aplicação do disposto no Código do Trabalho, estabelecendo o artigo 268.º, n,º 1, alínea a), do Código do Trabalho (na redação dada pela já mencionada Lei n.º 23/2012), que o trabalho suplementar devia ser pago pelo valor da retribuição horária com um acréscimo de “25% pela primeira hora”.

Y. Assim, deve igualmente ser revisto o Acórdão recorrido, porquanto incorreu em erro de aplicação da norma aplicável, devendo a decisão ser revogada e substituída por outra que condene corretamente a Recorrente a pagar à Recorrida o trabalho suplementar prestado no ano de 2014, nos seguintes termos: “durante o ano de 2014, a 4,60€ por cada dia trabalhado (3,68€ pelo trabalho normal na hora em causa, com o acréscimo de 0,92€ (25%), a fixar em incidente de liquidação de sentença”.

Não foram apresentadas contra-alegações.

A Exmª Procuradora-Geral Adjunta deu parecer no sentido de ser concedida a revista apenas no que toca ao pagamento do trabalho suplementar. 

x
Definindo-se o âmbito do recurso pelas suas conclusões, temos, como questões em discussão:
- qual o instrumento de regulamentação de trabalho aplicável, por via de Portaria de Extensão, à relação sub judice;

- se deve revogar-se o acórdão recorrido no que toca ao subsídio de alimentação previsto no CCT da Anarec;

- se o trabalho suplementar do ano de 2014 devia ser pago pelo valor da retribuição horária com um acréscimo de 25% pela primeira hora.

x

Estão fixados os seguintes factos (após a intervenção do Tribunal da Relação - destacam-se a traço mais grosso os que foram objecto de alteração):

A. Desde 23 de Outubro de 1987 que a Autora trabalha na Ré.

B. Desde essa altura até então, a Autora mantém a categoria profissional de “...”.

C. Em janeiro de 1998, a Autora passou a auferir o ordenado de 160.000$ (cento e sessenta mil escudos), equivalente a € 798,08.

D. Desde 1998 até então que o seu ordenado não sofreu qualquer aumento ou atualização, nem se registou qualquer promoção da Autora.

E. A Ré aplica à Autora o Contrato Coletivo de Trabalho da ACAP.

F. A Ré está inscrita também na ANAREC (Associação Nacional de Revendedores de Combustível) e na Associação do Comércio e Serviços do Distrito de Setúbal.

G. Desde 2013 que a Autora não está a trabalhar no ramo Automóvel, tendo iniciado as suas funções na Ré em 1987, não tendo iniciado no stand de automóveis.

H. Também não está nem nunca esteve a trabalhar no “Parque do Gás”.

I.  A Autora desempenha, entre outras, as seguintes tarefas:

Gás:

a) - Coordenação do serviço dos Técnicos da Assistência Técnica:

b) - Registo das reclamações dos Clientes;

c)-  Agendamento das intervenções;

d)-  Obtenção de orçamentos e pedido de material em falta no stock;

e) -Envio dos orçamentos aos Clientes;

f)-  Envio dos relatórios de intervenção/resolução aos Clientes;

g)-  Faturação dos serviços prestados e reporte das mesmas à contabilidade;

h) - Execução de todo o serviço que a ... solicita, desde suspensões, revogações, rescisões ou substituição de contadores de gás, fugas, passagem dos contratos para Gás Natural;

i) - Tratamento das reclamações de fornecimento de Gás, Piquetes e outro tipo de anomalias;
j) -Envio de toda a informação e expediente para a ...;

l) - Gestão de material em stock, pedidos e comunicação aos Técnicos;

m) - Organização das agendas dos funcionários que procedem às leituras do gás canalizado;

n) - Gestão de todo o economato, como compra ou encomenda de todo o tipo de material de escritório, envelopes, tinteiros/tonner, assim como, de livros de faturas manuais de Gás, livros de pedido de Gás, livros de guias de transporte;

o) - Gestão de aquisição de todo o material para funcionamento das Lojas, Parque, Escritório e Postos Combustível;

p) -Tratamento de toda a publicidade em panfletos e sua entrega em Lojas, Parque, Escritório e Postos Combustíveis; publicidade em revistas;
q) - Encomenda e gestão de stock de café e cervejas;

Lojas:

r) - Pedido de todo o material que se vende nas lojas (Almada, Cova da Piedade, Laranjeiro, Costa e Trafaria);

s) -Renovação das lojas: pedido de orçamentos e controlo da execução, como pinturas, colocação de chão, nova disposição de telas, quadros, reclames novos, entre outros efeitos decorativos;
t) -Recolher o dinheiro e cheques recebidos;

Postos:

1 – Laranjeiro

2 – Vale Figueira

a) -  Contar o dinheiro recolhido nas bombas de gasolina ou postos e fazer o seu depósito no banco, conjuntamente com o gerente;

b) - Abastecer máquinas de tabaco;
c) - Encomendas de tabaco e de material diverso;

d) - Gestão de resolução de todo o tipo de avarias, com empresas externas ou funcionários da firma;

e) -Gestão de stock e levar ou assegurar todo o material para os funcionários dos Postos (óleos/produtos higiene/produtos máquinas, lavagens/rolos térmicos entre outros);

f) -Pessoal (Secção Pessoal)

g) -Coordenação do pessoal dos postos e das lojas, troca de folgas, faltas, idas ao médico, baixas médicas e de substituição de funcionários sempre que seja necessário;

h) - Contratação de pessoal (Postos e gás);

i) - Despedimento de pessoal sempre que a entidade patronal o decida;

j) - Fazer entrevista e inscrições de novos trabalhadores;

l) -Resolução de diferendos ou de reclamações do pessoal;

m) - Advertência do pessoal para o cumprimento de deveres laborais e quanto a situações reclamadas pelos Clientes, por instrução da gerência;

Sonae

a) - Envio faturas por correio;

b) -Conferência de pagamentos;

c) - Tratamento de toda e documentação e dos assuntos relativos à venda de lojas e armazéns, com as agências e com os interessados; mostrar os imóveis, indicar valores;

d) - Resolução de problemas e danos nessas lojas com as administrações de condomínios, reuniões, idas às lojas para verificar as ocorrências, resolução das mesmas, contactos com Seguradoras;

e) - Tratamento de assuntos e documentação relacionados com assaltos aos Postos, com a Companhia de Seguros, GNR;

f) - A pedido da PSP – GNR de imagens das câmaras de vigilância, ir aos postos de combustível, retirá-las e enviar às entidades, em “Pen”;

g) - Coordenação das inspeções dos veículos ao serviço da firma;

h) - Tratamento dos seguros dos carros da firma;

i) - Atendimento de telefones e de Clientes que vão ao escritório, resolvendo os diversos assuntos que se iam colocando;

j) -A partir de 16 de Outubro de 2017, fazer a consulta diária ao portal da Sonae e respectivo reenvio da documentação e reporte à contabilidade dos respectivos recebimentos

No sector Automóvel (onde esteve mais de 20 anos)

a) - Tratava, desde a encomenda dos veículos ao importador, chegada dos veículos, distribuição para os stands, lavagem/verificações;

b) - Exposição, venda e toda a logística para entrega aos Clientes;

c) -Tratamento de toda a documentação inerente a todos os passos atrás descritos, bem como de todos os registos informáticos;

d) - Tratamento de todo o processo dos veículos: Documentação, faturação, declarações para a empresa e para o Cliente;

e) - Processo de frotas – abates – deficiências;

f) - Processos financeiros – crédito – ALD-leasing;

g) - Retomas –Mercado de Usados;

h) - Recebimento e entrega aos Clientes;

i)- Assegurava que o veículo estava em ordem e de toda a documentação para Cliente;

j)-  Verificação de Garantias e Manuais;

l)-  Veículos de Serviço – Frotas;

m) - Envio documentação para alfândega e respetivos documentos finais a Clientes;

n)  Assegurava o bom funcionamento dos Stands, vendedores, exposição de Veículos.

J. Muitos dos assuntos eram tratados ao telefone.

K. A Ré não atualizou a categoria da Autora.

L. Entre Agosto de 2011 e 30 de Abril de 2018 a R. pagou à A. um subsídio de refeição no valor diário de € 2,50, recebendo a A. um valor total de € 4.070 (€ 2,50 x 22 dias x 74 meses).

M. Acresce que data concretamente não apurada em 2013 até 2018, a Autora passou a ir aos Postos de Combustível recolher o dinheiro do cofre e depositá-lo em Bancos, sem que tivesse recebido o respetivo abono para falhas, o que fazia acompanhada pelo gerente.

M-1. Os valores movimentados ultrapassavam os € 5.000,00 por mês.”

N. A Autora tinha um telefone da empresa.

O. Por outro lado, o horário de trabalho da Autora é das 09.45 h às 13.00 h e das 15.00 h às 19.00 h de 2ª a 6ª feira e das 09.45 h às 13.30 h aos Sábados.

P. A sua hora de almoço nunca foi cumprida, mas antes gasta no tratamento de assuntos da empresa.

Q. Nunca fez uma hora de almoço superior a 1 hora, trabalhando a mais 1 hora no intervalo para almoço (que deveria ser entre as 13h e as 15h);

R. No ano de 2015, a Autora gozou férias de 15-06-2015 a 15-07-2015 e BB gozou de 16-07-2015 a 29-07-2015 e 17-08-2015 a 02-09-2015.

S. No ano de 2016, a Autora gozou férias de 07-06-2016 a 23-06-2016 e 18-07-2016 a 29-07-2018.

T. No ano de 2017, a Autora gozou férias de 26-06-2017 a 30-06-2017 e 18-08-2017 a 11-09-2017 e BB gozou de 03-07-2017 a 14-07-2017 e 01-08-2017 a 17-08-2017.

U. No ano de 2018, estava previsto a Autora gozar férias entre 29 de agosto e 27 de setembro e BB até 27 de agosto.

V. O gerente BB, aufere o rendimento de € 7.150,00.

W. O gerente CC, aufere o rendimento de € 6.957,33;

X. O trabalhador BB, aufere o rendimento de 5.000,00.

Y. No dia 10 de fevereiro de 2018 a Autora teve uma conversa com o gerente BB, dizendo-lhe que já não era aumentada há mais de 20 anos e que, proporcionalmente, um novo contratado para a distribuição de gás, apenas ganhava menos € 30 do que a Autora, que fazia um trabalho de muita responsabilidade.

Z. O gerente da Ré não gostou e disse à Autora que não poderia comparar o trabalho de estiva com o de escritório, ignorando as responsabilidades inerentes ao cargo.

AA. Quando a Autora comparou então o seu salário com os de colegas de escritório, de menor responsabilidade e conteúdo funcional, o gerente da R. retorquiu que a Autora tinha carro de serviço e nunca que haviam imputados os custos dos pneus que furou.

BB. Ao que a Autora respondeu que o usava, estritamente, para trabalhar (ir às lojas, aos Postos, aos Bancos) e que o incidente dos pneus aconteceu ao serviço da empresa, afirmando que nunca usara a viatura se serviço na sua vida pessoal.

CC. Foi, então, que passadas umas horas o gerente da Ré disse à Autora “como o carro não te faz falta, nem o valorizas então entrega-o”.

DD. A Ré vedou à Autora o acesso à sua própria viatura (-CI) que está guardada no armazém da empresa há cerca de 15 anos, altura em que lhe foi entregue uma viatura de serviço.

EE. E foi assim porque o gerente da Ré sempre pôs o armazém à disposição da Autora para lá a aparcar, o que já sucedia quando esta ia de férias.

FF. E, durante todos estes anos, sempre que a Autora ou o seu marido precisaram da viatura, tiveram acesso livre à mesma, sempre com o conhecimento da gerência.

GG. Aliás, muitas vezes, até foram feitas as revisões nas oficinas da R. e eram os Colegas da Autora que levavam a viatura às Inspeções.

HH. A Ré pretende imputar à Autora custos pelo parqueamento (€ 41.401,80).

II. O que nunca foi falado, acordado, imposto ou exigido pela Ré ao longo dos vários anos.

JJ. Nem a Autora teria deixado lá a sua viatura, se daí decorressem custos.

KK. Não obstante a Autora ter garagem própria, foi o gerente da empresa a oferecer o espaço em armazém para esse efeito.

LL. A Ré moveu à Autora um processo disciplinar, com suspensão imediata, com vista ao seu despedimento, tendo como fundamentos uso de expressões ofensivas, reportados pelo filho do Gerente (Trabalhador BB), o qual se encontra na fase de instrução.

MM. A Autora sente-se triste, ansiosa, desanimada, deprimida, vulnerável ao choro fácil, às insónias e ao isolamento, para o que lhe foi prescrita medicação, no sentido de lhe restituir o bem estar, mas a situação persiste e a Autora não melhora o ânimo.

NN. A Autora era pessoa muito dinâmica.

OO. Além dos vendedores trabalhavam no Stand a requerente e as funcionárias DD e EE.

PP. A Ré dedica-se à actividade de comércio de venda e distribuição de gás, há mais de sessenta anos, como revendedora autorizada da Galpgás, nas áreas por esta designadas de Almada e Seixal, de compra e venda de carburantes e lubrificantes e de venda e reparação de veículos automóveis e tem como CAE principal ...-R3, e como CAE’s secundários ...-R3, ...-R3 e ...-R3.

QQ. A Ré é uma média empresa que é gerida de forma familiar, por dois irmãos, BB, gerente, e por CC, diretor comercial e são estes que tomam todas as decisões relativas á vida da sociedade, das mais importantes á mais simples como a compra de um lápis, de uma caneta ou de papel. Tudo passa pelo gerente.

RR. O “parque de gás” a que se refere o documento é o chamado complexo M... referido no artigo 11º desta contestação, prédio urbano com área total de 10000 m2, com a área coberta de 1416,45 m2 e área descoberta de 8583,55 m2, composto pelas instalações da sede, escritório, e parque de gás, onde são armazenadas as bilhas de gás e as carrinhas de transporte.

SS. Foram pagas à Autora 105 horas em junho de 2018 por formação profissional.

TT. A Autora foi despedida, por justa causa, em 8 de junho de 2018, tendo demandante e demandada chegado a acordo para a cessação contrato de trabalho conforme se vê da ata relativa ao processo de procedimento cautelar de suspensão de despedimento que correu termos no Juíz 2, deste Tribunal do Trabalho do Barreiro, com o nº 1889/18.2T8BBR.

UU. A Autora tem o seu veículo automóvel marca ... SI, matrícula ..-..-CI, parqueado/depositado num armazém da ré, sito na Rua ..., nº 37, em ..., há mais de 15 anos.

VV. O dito veículo foi ali colocado por um funcionário da ré, a pedido da autora, com autorização do gerente.

WW A autora nada fez desde essa altura para retirar o veículo, levando-o nas férias e voltando lá a colocá-lo.

Factos não provados

Com relevância para a boa decisão resultou não provado que:

a. Que nas circunstâncias vertidas em G. a Autora tenha deixado de trabalhar no stand desde 19 de agosto.

b. Que as funções referidas em I. ocorram pelo menos desde 1997 e incluam:

No gás:

1) - Depósito de valores;

2) - Arquivo de toda a documentação;

3) - Gestão de aquisição de material de limpeza, incluindo de detergentes para os postos (chão/Máquina), de produtos higiénicos (WC), toalhetes.

Sonae (com ressalva do referido na alínea j) do ponto I. dos factos provados na parte referente à Sonae):

4) - Consulta diária do portal;

5) - Reenvio de documentação;

6) - Arquivo de toda a documentação e reporte à contabilidade dos recebimentos Desde 2015 que a Sonae tem um portal (entrega de gás nos Continentes – Modelos – Postos Combustível, etc), mas a empresa não havia conferido as operações, admitindo haver enganos contabilísticos. Foi pedido à Autora que tratasse do assunto. Ninguém da contabilidade, devidamente habilitado ou qualificado o fez, tendo ficado tudo resolvido junto da Sonae depois de muito trabalho, envio de toda a documentação/faturas, reclamações no portal e envio por correio.

Pagamentos combustível à ...

7) - Gestão com o gerente dos pagamentos à ... do combustível dos 3 Postos;

8) - Envio de correspondência à ... com os respetivos cheques;

9) - Apuramento do valor diário dos 3 Postos, por Posto;

10)- Controle do combustível vendido, a preço de custo; operação de dedução dos descontos (cartões Continente – Mais – Menos) e de frotas;

11) - Pagamentos a fornecedores e prestadores de serviços;

12) - Listagem para o gerente com os vencimentos e importâncias de tudo o que há a pagar (a nível de empresa em geral);

13) - Prestação de depoimento em Tribunal em assuntos relacionados com o pessoal;

14) - Acompanhamento do gerente nas escrituras;

15) - Dar baixa do combustível fornecido e colocado nos carros do gás;

16) - Assegurava o recebimento de bónus/comissões;

17)- Contactos e envio de documentação para contabilistas, advogados, solicitadores e tribunais.

c. Que a Autora procedesse à gestão de distribuição e preços nas lojas nos termos referidos em I.

d. Que nas circunstâncias vertidas em I., nos postos, a Autora procedesse ao tratamento dos respetivos documentos contabilísticos e envio dos mesmos de e para os postos Combustível e Contabilidade;

e. Que nas circunstâncias vertidas em I., nos postos, a Autora procedesse ao tratamento de assuntos com os advogados da firma, quanto a conflitos do pessoal.

f. Que o número da Autora da empresa fosse ...22, para onde ligavam fosse em dias de semana, fins de semana ou feriados.

g. Que as funções desempenhadas pela Autora nos termos referidos em K. correspondam a ... e que a Ré não tenha adequado a respetiva remuneração às funções realmente desempenhadas.

h. Que o facto vertido em L. tenha ocorrido a partir de agosto de 2011.

i. Que o facto vertido em M. tenha ocorrido em agosto de 2013.

j. Eliminado

k. Que a Autora entrava ao serviço, quase sempre, entre as 09.00 e as 09.15h, saindo, por exigência e necessidade da entidade patronal, por volta das 20.30 h (durante a semana) e aos Sábados nunca antes das 14.00 – 14.30 horas e que nunca tenha entrado ao serviço depois das 9:15, trabalhando a mais 30 minutos de manhã, nunca saiu antes das 20:00 durante a semana e às 14:00 ao Sábado, trabalhando a mais 1 hora no final da jornada.

l. Que no que respeita à Formação Profissional obrigatória de 35 horas por ano, a Autora nunca a teve ou lhe foi ministrada.

m. Que desde que o Stand de Automóveis encerrou e que a Autora foi trabalhar para os escritórios de ..., em agosto de 2014, que esta passou a assumir as funções do Trabalhador BB, que eram as de coordenação de serviços.

n. Que BB tenha gozado férias de 23-06-2016 a 18-07-2016 e em agosto de 2016.

o. Que no que respeita às férias, o Trabalhador BB (filho do gerente), bem como o gerente BB, ao longo dos anos tenham sempre coordenado com a Autora o gozo das suas férias, assumindo a trabalhadora aquelas funções.

p. Que para além dos valores referidos em V. a X. os referidos recebam despesas.

q. Que tenha sido dito à Autora “além de não seres qualificada, ganhas acima do que é de lei. És uma mera ...”; que a Autora ainda tenha respondido “como o Sr. BB sabe eu não faço trabalho de ...”, ao que este lhe disse “o trabalho que tu fazes qualquer um faz, o que há mais cá é funcionários para isso”; que vendo o rumo da conversa, a Autora nada mais disse e no dia seguinte entregou a viatura de serviço, passando o seu marido a ir levá-la e buscá-la todos os dias ao trabalho e que o local de trabalho atual não esteja servido de transportes públicos; que dito isto à Ré, o Trabalhador BB tenha “convidado” a Autora a comprar o passe e fazer os percursos da paragem até lá a pé.

r. Que a Ré não tenha autorizado o gozo das férias no período escolhido pela Autora, de 15 de julho a 15 de agosto de 2018 e que desde sempre que têm vindo a ser aplicadas as regras da alternância, que consistiam em cada um dos trabalhadores não marcar e gozar férias sempre no mesmo período de datas em cada ano, permitindo de junho a setembro irem alternando esses mesmos períodos.

s. Que a Ré colocou a Trabalhadora da limpeza (FF) no mapa de férias para substituir a Autora e as demais colegas do escritório nesses períodos.

t. Que a Autora tenha dado prioridade aos interesses da Ré muitas vezes em detrimento da vida pessoal, da sua saúde e até do filho (agora com 19 anos) que, desde a creche sempre teve o pai a acompanhá-lo, ao invés da Autora, sendo sempre o marido da Autora quem ia buscar o filho à creche, colégio e depois à escola; quem sempre assistiu às reuniões nestas instituições, quem o acompanhou em médicos, períodos de doença, atividades desportivas e de lazer e até os banhos e refeições era aquele quem os preparava e dava ao menor, pouco tempo estando com o filho até este ir dormir.

u. Que a Autora nunca tenha faltado ao serviço, senão aquando do falecimento do seu pai, falta que justificou.

v. Que a Autora, fruto de tudo quanto se passou, se sinta desprezada, não valorizada, desrespeitada, desmoralizada, frustrada, humilhada, injustiçada e muito magoada.

w. Que em resultado de tudo quanto se expôs a Autora está em sofrimento psicológico, tenha dificuldade em descansar, dormir, relacionar-se com terceiros, até porque se recusa dizer que não está a trabalhar e tudo tem feito para o omitir, até pela vergonha social que acarreta.

x. Que a Ré tem feito essa publicidade junto de terceiros, desacreditando a Autora perante Colegas, Fornecedores e Clientes, a quem apresenta apenas sua versão sobre os factos da nota de culpa, querendo pôr em causa o seu prestígio profissional e integridade moral o que para a Autora seja constrangedor e atentatório da sua honra e dignidade, incluindo, quanto ao seu percurso laboral, sem quaisquer incidentes até então.

y. Que a Autora não esteja a lidar bem com a desocupação (até porque desde os 16 anos que trabalha e não se consegue encarar sem estar trabalhar).

z. Que a Autora fosse uma pessoa alegre, efusiva e sociável.

aa. Que nas circunstâncias referidas em OO. as trabalhadoras tivessem horários de trabalho diferentes, das 09:30 ás 18:30, das 10:00 ás 19:00 e das 11:00 ás, 20:00, de modo a que não houvesse necessidade de fazerem horas extras.

bb. Que a Ré seja uma média empresa, com 56 trabalhadores.

cc. Que a Autora, em Agosto de 2014, em vez de também ela perder o posto de trabalho, tenha aceite transitar para o sector do gás, para o edifício sede da ré e parque do gás, denominado complexo M..., sito na Rua ..., ..., ..., ..., mantendo a sua ligação á firma como secretaria, passando a desempenhar funções da antiga funcionária DD.

dd. Que imediatamente abaixo dos referidos em QQ. se situe o único diretor de serviços da empresa, BB, filho do gerente, superior hierárquico de todos os funcionários, inclusive da autora.

ee. Que a diferença nos salários tenha resultado das diferentes categorias profissionais e que houve que fazer atualização a uma funcionária, com efeitos retroativos, pensando/imaginando a autora que esta funcionária teria sido aumentada, que não foi, mais lhe foi dito que ela até era e sempre foi a mais beneficiada das trabalhadoras e a que ganhava mais, o que lhe foi transmitido.

ff. Que tenha sido a atitude da autora que à revelia e sem conhecimento da ré (gerência) tenha resolvido aproveitar a ocasião de um colega dirigir-se ao armazém onde se encontrava a viatura dela, e que estava fechado, e a que a autora não tinha acesso nem chave, e retirar, sem qualquer autorização ou conhecimento do gerente ou do diretor de serviços, o carro do armazém e ainda por cima pretendendo utilizar um reboque que a firma requerida tinha contratado.

gg. Que o parqueamento fosse cobrado pela Ré.

hh. Que considerando os 15 anos em que o veículo esteve parqueado, e a data do seu levantamento, ou seja, um total de 5.669 dias a 6,00€ o dia, totaliza o montante global de parqueamento devido a quantia de 34.014€ mais IVA.

x

Cumpre apreciar e decidir:
- a primeira questão- qual o instrumento de regulamentação de trabalho aplicável, por via de Portaria de Extensão, à relação sub judice:

Não resultando da factualidade provada que a Autora estivesse filiada em qualquer sindicato subscritor das CCT’s em questão, as instâncias chegaram a conclusões diferentes no que toca à referida aplicabilidade.

Assim, a primeira instância concluiu, e uma vez que  resulta da factualidade provada que pelo menos desde 2013 a Autora não se encontra a trabalhar no comércio automóvel, sendo que até então a Ré tem aplicado o CCT celebrado pela ACAP, que a partir daquela data o CCT aplicável às relações entre as partes é o da ANAREC.

Por sua vez, o Tribunal da Relação, considerando que se não pode  concluir pela aplicação directa ao contrato de trabalho sub judice de qualquer das Convenções Colectivas de Trabalho a que a Autora fez referência na sua petição inicial e nas alegações da apelação, entendeu que, em princípio, se mostram preenchidos os pressupostos de que depende a aplicação do Contrato Colectivo de Trabalho da ACAP ao contrato de trabalho dos autos  nos períodos em que este instrumento de regulamentação colectiva foi objecto de extensão administrativa. E que o mesmo se diga quanto à aplicabilidade, em abstracto, do Contrato Colectivo entre a Associação Nacional de Revendedores de Combustíveis - ANAREC e a FEPCES - Federação Portuguesa dos Sindicatos do Comércio, Escritórios e Serviços e outros.

Remete-se, por correctamente feito pelo acórdão recorrido, para a enunciação e identificação dos referidos CCT’s, bem como das sucessivas Portarias de Extensão (PE’s) que sobre os mesmos incidiram.

Rematando, para decisão da supra-referida questão, o Tribunal da Relação com a seguinte argumentação e conclusão:
“Concluímos, pois, que a relação de trabalho estabelecida entre as partes parece cair, em simultâneo sob a alçada dos dois instrumentos de regulamentação colectiva: o CCT da ANAREC (sector dos combustíveis) e o CCT da ACAP (sector automóvel), o mesmo já não podendo dizer-se do Contrato Colectivo de Trabalho outorgado pela Associação do Comércio e Serviços do Distrito de Setúbal, pelo que haverá, de seguida, de enfrentar-se a questão de saber qual dos dois, daqueles primeiros instrumentos de regulamentação colectiva, logra aplicação ao caso sub judice.
A extensão de uma Convenção Colectiva de Trabalho a empregadores não inscritos nas associações subscritoras depende, antes de mais, de estas exercerem a sua actividade no mesmo sector de actividade a que a convenção se aplica, para além, naturalmente, dos termos concretos em que aquela extensão se mostra prescrita e admitida nas portarias de extensão. É o que resulta do preceituado no artigo 514.º, n.º 1 do Código do Trabalho.

Como tem decidido a jurisprudência, a qualificação do sector de actividade económica de uma empresa, para efeitos de aplicação de uma PE, deve fazer-se atendendo ao objecto social da empresa (ou seja, ao tipo de actividade que em termos estatutários lhe cabe exercer) e à actividade que ela efectivamente exerce[1].

No caso vertente, mostra-se assente nos factos provados que a R. se dedica à actividade de comércio de venda e distribuição de gás, há mais de sessenta anos, como revendedora autorizada da Galpgás, nas áreas por esta designadas de Almada e Seixal, de compra e venda de carburantes e lubrificantes e de venda e reparação de veículos automóveis e que tem como CAE “principal” ...-R3, e como CAE’s “secundários” ...-R3, ...-R3 e ...-R3 (facto PP.).

É aliás o que resulta das certidões permanentes juntas aos autos e já referenciadas na sede própria (fls. 28 e 174 e ss.), das quais resulta também que a R. foi constituída em 1970. Das mesmas certidões, e do que ficou provado, decorre que o CAE correspondente à actividade principal da R. é o ...-R3 (que corresponde ao comércio a retalho de combustível para veículos a motor, em estabelecimentos especializados).

Quanto aos CAE´s secundários: o ...-R3 corresponde ao comércio a retalho de combustíveis para uso doméstico, em estabelecimentos especializados; o ...-R3 corresponde ao comércio por grosso e a retalho de veículos automóveis ligeiros (até 3500 kg), novos ou usados, para transporte de passageiros (incluindo veículos especializados: ambulâncias, mini-autocarros, etc.), para transporte de mercadorias, mistos e veículos todo-o-terreno; e o ...-R3 corresponde ao comércio a retalho em outros estabelecimentos não especializados, com predominância de produtos alimentares, bebidas ou tabaco. 

Assim, sendo de considerar que a actividade principal da R. é a de comércio a retalho de combustíveis para uso doméstico, em estabelecimentos especializados, afirmação esta que os factos apurados confortam (vide o facto PP., mas também os factos I., G. e M.), deve afirmar-se a aplicabilidade ao contrato de trabalho sub judice, em concreto, do CCT da ANAREC (sector dos combustíveis), sempre que o mesmo foi objecto de PE, por o mesmo se reportar ao sector de actividade e profissional principal em que a R. empregadora exerce a sua actividade.

Deve dizer-se que, ao invés do afirmado na sentença, se nos afigura não ter qualquer relevo para estes efeitos que, dentro das actividades a que se dedica a R., a A. tenha trabalhado mais num sector do que noutro em determinados períodos da vigência do contrato.

Se quanto ao empregador releva efectivamente o sector económico em que desenvolve a sua actividade, quanto ao trabalhador não releva a actividade – entre as várias prosseguidas pelo empregador – a que está afecto em cada momento, mas, essencialmente, o seu enquadramento nas profissões e categorias profissionais definidas no instrumento. É essencialmente a este enquadramento que há que atender quando, uma vez preenchidos os pressupostos previstos na PE relativos ao empregador, se afere do preenchimento dos mesmos quanto ao trabalhador, a saber: se o trabalhador não representado pelas associações outorgantes se encontra ao serviço daquele empregador e se exerce uma profissão e categoria profissional previstas na convenção estendida (nada se referindo quanto à área de actividade).

Recorde-se o teor das últimas PE´s publicadas em relação aos instrumentos de regulamentação colectiva em cotejo, ambas colocando o enfoque na coincidência entre a actividade económica a que se dedica o empregador e o sector de actividade e profissional definido na Convenção Colectiva de Trabalho estendida.

É o que sucede no CCT da ACAP, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 1 de 2011, ao estabelecer que as condições de trabalho constantes do contrato colectivo entre a ACAP — Associação Automóvel de Portugal e outras e o SINDEL — Sindicato Nacional da Indústria e da Energia e outros, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 37, de 8 de Outubro de 2010, são estendidas no território do continente: “(…) b) Às relações de trabalho entre empregadores filiados nas associações de empregadores outorgantes que exerçam as actividades abrangidas pela convenção e trabalhadores ao seu serviço, das profissões e categorias profissionais nela previstas, não representados pelas associações sindicais outorgantes” (sublinhado nosso).

E o que igualmente sucede no CCT da ANAREC, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 2 de 2018, ao estabelecer que as condições de trabalho constantes das alterações do contrato c entre a Associação Nacional de Revendedores de Combustíveis - ANAREC e a FEPCES - Federação Portuguesa dos Sindicatos do Comércio, Escritórios e Serviços e outros, com publicação no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 44, de 29 de Novembro de 2017, são estendidas no território do Continente: “(…)“b) Às relações de trabalho entre empregadores filiados na associação de empregadores outorgante que se dediquem à atividade abrangida pela convenção e trabalhadores ao seu serviço, das profissões e categorias profissionais na convenção, não representados pelas associações sindicais outorgantes” (sublinhado nosso).

Assim, sendo a actividade principal ou predominante da R., de acordo com o seu objecto social e atendendo ao conjunto de actividades que resulta da decisão de facto que a mesma exerce, a actividade de comércio a retalho de combustíveis para uso doméstico, em estabelecimentos especializados, entendemos que deve a mesma igualmente prevalecer para efeitos de considerar-se aplicável ao contrato de trabalho sub judice  o CCT entre a Associação Nacional de Revendedores de Combustíveis - ANAREC e a FEPCES - Federação Portuguesa dos Sindicatos do Comércio, Escritórios e Serviços e outros, nos períodos em que, ao longo do contrato, o mesmo foi objecto das Portarias de Extensão acima assinaladas”.

Em sede de recuso de revista, a recorrente ataca esta conclusão, salientando que não pode aceita-se a aplicação, como faz o Tribunal da Relação, à relação laboral que vigorou entre a aqui Recorrente e Recorrida, ab initio, do Contrato Coletivo do Trabalho celebrado entre a ANAREC e a FEPCES, por via da Portaria de Extensão, uma vez que, a partir de 2014,  a Recorrida deixou de trabalhar no sector do comércio automóvel e passou a trabalhar no sector dos postos de abastecimento/combustíveis, só partir dessa altura passando a ser aplicável o CCT da ANAREC, como aliás decidiu a 1ª instância.

Não podendo aceitar a asserção de que se deve atender unicamente  à “atividade económica principal a que a Ré se dedica segundo o seu objeto social e os factos provados, irrelevando que o trabalhador tenha trabalhado mais num sector do que noutro em determinados períodos da vigência do contrato”.

Apreciando, diremos que subscrevemos as considerações expendidas pelo Tribunal da Relação, dado que a correcta leitura das diferentes PE’s não permite outra interpretação.

Ao delimitar o âmbito de aplicação pessoal das convenções colectivas, os preceitos do artº 7º e 8º DL nº 519-C1/79, de 29.12 (LRCT) , 552º, nº 1, do Código do Trabalho de 2003 e 496º, nº 1 do Código do Trabalho de 2009 sucessivamente em vigor, consagraram o princípio da dupla filiação: verificação, simultânea, da filiação do empregador e do trabalhador na respectiva entidade outorgante. Podendo verificar-se o alargamento da previsão normativa das convenções nos termos da legislação sucessivamente em vigor-  artigo 29.º, n.º 1, da LRCT,  573.º do Código do Trabalho de 2003 e 514.º do Código do Trabalho de 2009).
Resultando do n.º 1, do artigo 514.º do Código do Trabalho actualmente em vigor que a “convenção colectiva ou decisão arbitral em vigor pode ser aplicada, no todo ou em parte, por portaria de extensão a empregadores e a trabalhadores integrados no âmbito do sector de actividade e profissional definido naquele instrumento”. Nas palavras do Ac. do STJ de 09/03/2017, proc. 61/15.4T8VRL.G1.S1 , in www.dgsi.pt, na definição do âmbito pessoal de aplicação das convenções coletivas a regra base consiste no chamado princípio da dupla filiação consagrado no artigo 496.º do Código do Trabalho, nos termos do qual as convenções colectivas obrigam, em princípio, apenas aqueles que, durante a respectiva vigência, estiverem filiados ou se filiarem nas entidades outorgantes (associações patronais e sindicatos) e ainda as entidades patronais que neles outorguem diretamente. A extensão de um contrato colectivo de trabalho a entidades patronais não inscritas nas associações subscritoras depende de essas entidades exercerem a sua atividade no mesmo sector económico a que a convenção se aplica, nos termos do artigo 514.º, n.º 1, do Código do Trabalho e dos termos concretos em que aquela extensão se mostra prescrita nas portarias de extensão.
A concorrência entre instrumentos de regulamentação colectiva pressupõe a susceptibilidade de mais do que um instrumento de regulamentação colectiva ser aplicável ao mesmo trabalhador, mas tal aplicação há-de radicar no princípio da filiação ou na existência de Portaria de Extensão- Ac. do STJ de 25-03-2010, Recurso n.º 746/03.1TTALM.S1- 4.ª Secção.
Como se refere no acórdão recorrido, sendo a Ré associada da ACAP e da ANAREC, verifica-se que os Contratos Colectivos de Trabalho da ACAP e da ANAREC foram ao longo do tempo em análise nesta acção (desde Maio de 1998, data mas antiga a que se reporta o pedido), e por vezes, objecto de extensão administrativa.

Mais uma vez aqui se remete para o acórdão recorrido, com o fito de evitar repetições inúteis, a descrição e sucessão temporal dos IRCT’s em causa e respectivas portarias de extensão.

Também como se salienta nesse acórdão recorrido, segundo a PE do CCT da ANAREC, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 2 de 2018,  as condições de trabalho constantes das alterações do contrato entre a Associação Nacional de Revendedores de Combustíveis - ANAREC e a FEPCES - Federação Portuguesa dos Sindicatos do Comércio, Escritórios e Serviços e outros, com publicação no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 44, de 29 de Novembro de 2017, foram estendidas no território do Continente: “(…)“b) Às relações de trabalho entre empregadores filiados na associação de empregadores outorgante que se dediquem à atividade abrangida pela convenção e trabalhadores ao seu serviço, das profissões e categorias profissionais na convenção, não representados pelas associações sindicais outorgantes”

Trata-se de uma redacção em tudo idêntica às PE’s que a antecederam. E dessa redacção resulta, sem margem, em nossa opinião, para qualquer dúvida, que, por um lado, e como critério determinante, se pretendeu prever a actividade, desenvolvida pela entidade empregadora, abrangida pela convenção, e, por outro, e no que toca ao universo dos trabalhadores abrangidos, “as “profissões e categorias profissionais na convenção”.

Ou seja, e como se adverte no acórdão recorrido, há que colocar o enfoque na coincidência entre a actividade económica a que se dedica o empregador e o sector de actividade e profissional definido na convenção colectiva de trabalho estendida.
E tendo em conta os pressupostos claramente adpotados pelas PE’s, é irrepreensível que se quanto ao empregador o que releva é o sector económico em que desenvolve a sua actividade, quanto ao trabalhador o que efectivamente releva é o seu enquadramento nas profissões e categorias profissionais definidas no instrumento, e já não a actividade – entre as várias prosseguidas pelo empregador – a que o trabalhador está afecto em cada momento- veja-se, neste sentido e implicitamente, o Ac. do STJ de 09-03-2017, Proc. n.º 161/15.4T8VRL.G1.S1 (Revista - 4.ª Secção). Por outro lado, aparece como irrelevante, para estes efeitos, que, dentro das actividades a que se dedica a Ré, a Autora tenha trabalhado mais num sector do que noutro em determinados períodos da vigência do contrato.

Repete-se: outra interpretação não permite a redacção das sucessivas PE’s.
Segundo os Estatutos da ACAP - Associação do Comércio Automóvel de Portugal[2], verifica-se que esta é constituída pelas pessoas singulares ou colectivas que, agrupadas nos termos dos estatutos, se “dediquem ao comércio, reparação, serviços afins e construção de veículos automóveis, máquinas agrícolas, máquinas industriais, pneus, peças e acessórios, reboques, motociclos, assim como actividades conexas” (artigo 3.º, n.º 1).
Através destes Estatutos é possível concluir que o sector de actividade a que se reporta o instrumento é o do comércio, reparação, serviços afins e construção de veículos automóveis, máquinas agrícolas, máquinas industriais, pneus, peças e acessórios, reboques, motociclos e actividades conexas.

No caso concreto da Ré, a actividade principal subsume-se ao CAE ...-R3 (que corresponde ao comércio a retalho de combustível para veículos a motor, em estabelecimentos especializados).

Sendo que, e porque outro critério não é razoável acolher, há que apelar à actividade principal desenvolvida pelo empregador. Não faz qualquer sentido, até porque o regime legal o não permite, em termos de razoabilidade e aplicabilidade, um sistema “misto”, que acolhesse simultaneamente as actividades secundárias.

Assim, e tal como o acórdão recorrido, não temos dúvidas em afirmar que se deve considerar aplicável ao contrato de trabalho sub judice  o CCT entre a Associação Nacional de Revendedores de Combustíveis - ANAREC e a FEPCES - Federação Portuguesa dos Sindicatos do Comércio, Escritórios e Serviços e outros, nos períodos em que, ao longo do contrato, o mesmo foi objecto das Portarias de Extensão acima assinaladas.

Improcedendo, assim, e nesta parte, as conclusões do recurso de revista.

-  a segunda questão - se deve revogar-se o acórdão recorrido no que toca ao subsídio de alimentação previsto no CCT da Anarec:

Aqui o recurso tinha como pressuposto a não aplicação do referido CCT, o que não ocorre, de tanto resultando, sem mais, a improcedência do recurso também nesta parte;.
- a terceira questãose o trabalho suplementar do ano de 2014 devia ser pago pelo valor da retribuição horária com um acréscimo de 25% pela primeira hora:
Aqui a recorrente põe em causa a parte do acórdão que considerou devido, durante o ano de 2014, o valor de € 5,88 por cada dia trabalhado (€ 3,68 pelo trabalho normal na hora em causa, com o acréscimo de 2,2 (60%), a fixar em incidente de liquidação de sentença;
Sustenta que, tendo em conta a redacção dada ao artigo 268.º, n,º 1, alínea a), do Código do Trabalho,  pela Lei n.º 23/2012, de 25 de junho, o trabalho suplementar desse ano devia ser pago pelo valor da retribuição horária com um acréscimo de 25% pela primeira hora.

Todavia, a recorrente não teve em conta o afirmado, correspondendo à realidade, no seguinte segmento do acórdão recorrido:
Com efeito, nos termos do texto convencional identificado, o trabalho suplementar dá direito a uma retribuição especial, que será “igual à retribuição normal” sendo esta “acrescida” das percentagens expressas nas alíneas da cláusula respectiva, que para o caso vertente será de 60% no ano de 2014 e de 50% nos anos de 2015 a 2018 – a cláusula 17.º, n.º 1, alínea a), da Convenção Colectiva de Trabalho publicada nos BTE n.ºs 2 de 2006 e 13 de 2010 e cláusula 19.º, n.º 1, alínea a), da Convenção Colectiva de Trabalho publicada no BTE n.º 13 de 2015.
Assim, ainda que partindo do valor hora que em cada ano em causa constitui a base de cálculo indicado na sentença, e em conformidade com o que a sentença decidiu e não foi autonomamente posto em causa por qualquer das partes, é de reconhecer à recorrente o direito a que a retribuição especial por trabalho suplementar seja calculada tendo em consideração o valor da “retribuição normal”, acrescido das percentagens expressas nas alíneas a) das indicadas cláusulas convencionais, e não singelamente a este acréscimo, como decidiu a sentença, ou seja:
- durante o ano de 2014, a 5,88 por cada dia trabalhado (3,68 pelo trabalho normal na hora em causa, com o acréscimo de 2,2 (60%), a fixar em incidente de liquidação de sentença” (sublinhado nosso).

Ou seja, nesta parte, e independentemente do acerto do decidido, a sentença transitou em julgado, com a consequente impossibilidade, quer do Tribunal da Relação quer do Supremo Tribunal de Justiça, de proceder a qualquer alteração a tal parte.

x

Decisão:

Pelo exposto, acorda-se em negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.

                                                          

Lisboa, 14/07/2022

Ramalho Pinto (Relator)

Mário Belo Morgado

Júlio Vieira Gomes

                                                                      

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[1] Vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Março de 2006, processo n.º n.º 2653/05-4.ª Secção, e de 5 de Julho de 2007, processo n.º 07S538.
[2] Publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 3.ª série, n.º 22, de 30 de Novembro de 1996, com alterações publicadas no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 17, de 8 de Maio de 2001.