Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
172724/12.6YIPRT.L1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: NUNO CAMEIRA
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
ACÇÕES PARA COBRANÇA DE DÍVIDAS
SUSPENSÃO DE ACÇÕES
EXTINÇÃO DE ACÇÕES
INTERPRETAÇÃO DA LEI
Data do Acordão: 01/05/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO FALIMENTAR - RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS / PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO.
DIREITO CIVIL - LEIS, SUA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO.
Doutrina:
- Alexandre de Soveral Martins, Um Curso de Direito da Insolvência, p. 471.
- Ana Prata, Jorge Morais de Carvalho e Rui Simões, “C.I.R.E.” Anotado (2013), p. 64.
- Catarina Serra, “Revitalização – A designação e o misterioso objecto designado. O processo homónimo (PER) e as suas ligações com a insolvência (situação e processo) e com o SIREVE”, I Congresso de Direito da Insolvência, Almedina, 2013, p. 99.
- Isabel Alexandre, Efeitos Processuais da Abertura do Processo de Revitalização, II Congresso de Direito da Insolvência, coordenação de Catarina Serra, p. 246.
- João Aveiro Pereira, “A revitalização económica do devedor”, Revista O Direito, Ano 145/2013, tomos I/II, p. 37.
- Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, “C.I.R.E.” Anotado, 2.ª edição, Lisboa, 2013, p. 164.
- Madalena Perestrelo Oliveira, Limites da Autonomia dos Credores na Recuperação da Empresa Insolvente, pág. 47.
- Maria do Rosário Epifânio, O Processo Especial de Revitalização, pp. 10 (nota 2), 33.
- Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis, PER, o Processo Especial de Revitalização, Coimbra Editora, 2014, p. 97.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGOS 1.º, N.º2, 17.º-B, 17.º-C, N.ºS 1 E 3, AL. A), 17.º-D, NºS 1 E 5, 17.º-E, N.º1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 4.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC): - ARTIGO10.º
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 8.º, N.º1, 9.º, N.ºS 1 A 3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 17/11/2015, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT .

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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:

-DE 22/10/2015, PROC. N.º 37.332/13.0YIPRT.E1.

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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:

-DE 3/03/2015, PROC. N.º 1075/13.8TBVIS.C1;
-DE 19/05/2015, PROC. N.º 3105/13.4TBLRA.C1.

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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:

-DE 21/11/2012, PROC. N.º 1290/13.4TBCLD.L1-2;
-DE 11/07/2013, PROC. N.º 1190/12.5TTLSB.L1-4;
-DE 21/11/2013, PROC. N.º 1290/13.4TBCLD.L1-2;
-DE 18/06/2014, PROC. N.º 899/12.8TTVFX.L1-4;
-DE 25/06/2015, PROC. N.º 7452/13.7TBCSC-B.L1-8.

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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

-DE 18/12/2013, PROC. N.º 407/12.0TTBRG.P1 E PROC. N.º 7613/12.6YYPRT.P1;
-DE 7/04/2014, PROC. N.º 344/13.1TTMAI.P1;
-DE 11/05/2015, PROC. N.º 440/07.4TVPRT-B.P1.
Sumário :
A expressão “acções para cobrança de dívidas” que consta do art.º 17.º-E, n.º 1, do CIRE deve ser interpretada no sentido de que abrange quer as acções executivas quer as acções declarativas que tenham por finalidade obter a condenação do devedor numa prestação pecuniária.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. Relatório

AA - …, SA, apresentou requerimento de injunção nos termos do Dec-Lei nº 32/2003, de 17 de Fevereiro, respeitante a obrigações emergentes de transacção comercial, contra BB - ..., SA, pedindo o pagamento do preço dos serviços por si prestados em favor desta, relativos ao desenvolvimento de projectos e soluções informáticas.

A requerida opôs-se, deduzindo pedido reconvencional contra a requerente, e esta replicou, contestando o pedido reconvencional. 

Procedeu-se ao saneamento do processo (fIs 142 a 145).

Por requerimento de 10/2/14 - fIs 268 a 269 - a requerida pediu a suspensão do presente processo de injunção até à conclusão do processo especial de revitalização (PER) que informou ter requerido.

Por despacho de fIs. 276 foi ordenada a suspensão da presente instância, nos termos do artigo 17º-E, do CIRE.

Através do requerimento de fIs 307/308, entrado em juízo em 5/12/14, a requerida veio informar que no processo especial de revitalização da Ré o plano de recuperação foi aprovado em 28/2/14, com 96,72% de votos favoráveis, e que por decisão de 9/5/14, publicada em 15/5/14, o plano de revitalização aprovado pelos credores foi homologado judicialmente, tendo transitado em julgado, pelo que requereu a extinção da presente instância nos termos ao artigo 17° E, nº 1 do CIRE.

Em 13/1/15 foi proferida  a seguinte decisão:

“Da certidão junta em 05.12.2014, pela ré, resulta que o plano de recuperação apresentado no Processo Especial de Revitalização N° 245556/13.9T2SNT a correr termos no Juízo do Comércio de Sintra foi aprovado pelos credores e homologado judicialmente por decisão que transitou em julgado. O plano de recuperação aprovado não prevê a continuação de qualquer acção judicial contra a ré, designadamente, nos presentes autos.

A autora, notificada do requerimento da ré, não se pronunciou.

Os efeitos da aprovação e homologação do plano de recuperação estão previstos no artigo 17°-E nº 1 aditado ao Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, pela Lei nº 16/2012 (de 20/04), extinguindo-se as acções em curso para cobrança de dívidas contra o devedor, salvo quando o plano estabeleça a sua continuação.

Face ao exposto, declaro extinta a presente instância por impossibilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277º, alínea e) do CPCivil”.

A requerente apelou e a Relação de Lisboa, por acórdão unânime de 21/4/15, julgou o recurso procedente, revogando a decisão recorrida e ordenando o prosseguimento dos autos.

Agora é a apelada BBs - ..., SA, que, inconformada, pede revista, sustentando a reposição da decisão da 1ª instância com base nas seguintes conclusões:

1ª) O acórdão recorrido considerou que a expressão “acções para cobrança de dívidas/acções com idêntica finalidade” constante do artigo 17º-E do Processo Especial de Revitalização (PER), aditado ao CIRE pela Lei 16/2012, de 20 de Abril, se circunscreve às acções de natureza para pagamento de quantia certa, com exclusão das acções declarativas de condenação;

2ª) O entendimento do tribunal a quo vai em sentido contrário àquele que tem sido defendido pela grande maioria das decisões judiciais dos tribunais superiores;

3ª) Conforme se defende nos referidos acórdãos, o artigo 17º-E nº 1 do CIRE não faz qualquer distinção entre acções declarativas e executivas instauradas contra o devedor, não devendo também o intérprete distinguir onde o legislador não distinguiu;

4ª) De acordo com as regras de interpretação da lei, consagradas no artº 9º do Código Civil, a suspensão e extinção das acções prevista no nº 1 do artº 17º-E do CIRE é aplicável a qualquer ação judicial destinada a exigir o cumprimento de um direito de crédito, resultante do exercício da atividade económica do devedor;

5ª) Destinando-se o processo especial de revitalização a obter um acordo do devedor com os credores, de modo a possibilitar a recuperação económica, esta finalidade ficaria seriamente comprometida, se qualquer credor pudesse continuar a exigir judicialmente os seus créditos;

6ª) O acordo obtido com os credores, depois de homologado judicialmente, vincula todos os credores, mesmo que não hajam participado nas negociações com o devedor (artº 17º-F, nº 6, do CIRE);

7ª) Se qualquer ação contra o devedor não fosse suspensa ou extinta, estar-­se-ia a privilegiar, sem razão justificativa, um credor que tinha instaurado uma acção declarativa relativamente a outro que não o tivesse ainda feito;

8ª) Seguindo o entendimento do Tribunal a quo, um credor que tivesse instaurado uma acção declarativa ficaria em “melhor” situação que um outro que já tivesse instaurado uma acção executiva. No primeiro caso a acção prosseguia, no segundo extinguia-se;

9ª) Também a doutrina maioritária vai no sentido de que o artigo 17º-E, nº 1, do CIRE não faz qualquer distinção entre acções declarativas e executivas instauradas contra o devedor;

10ª) Nos termos do artigo 17º- E, nº 1, do CIRE, a presente acção deverá ser extinta em consequência da aprovação e homologação do plano de revitalização da Ré, porquanto no mesmo não ficou prevista a sua continuação.

A recorrida contra alegou, defendendo a confirmação do julgado pela Relação.

O recurso foi admitido neste STJ por se ter entendido estar demonstrada a contradição jurisprudencial sobre a mesma questão fundamental de direito de que a lei – artº 14º, nº 1, do CIRE – o faz depender.

Cumpre decidir.

II. Fundamentação

Os factos a ter em conta são os mencionados no precedente relatório.

A única questão a decidir é a de saber se o artigo 17.º-E, n.º 1, do CIRE se aplica ao caso dos autos, isto é, se por força desta norma legal deveria ter sido decretada a extinção da instância, como se decidiu na sentença e a recorrente sustenta na revista interposta, ou se, como julgou a Relação e a recorrida defende, a acção deveria ter prosseguido os seus termos até final.

A Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril, procedeu à sexta alteração ao Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), e teve em vista, com especial interesse para a questão aqui em análise, a introdução no nosso ordenamento jurídico do processo especial de revitalização (de ora em diante, PER), que ficou regulado nos artºs 17º-A a 17º-I do CIRE.

Sob a epígrafe “finalidade do processo de insolvência”, o artº 1º, nº 2, do CIRE, na redacção que lhe foi conferida pela referida Lei 16/2012, de 20 de Abril, passou a dispor que, “estando em situação económica difícil, ou em situação de insolvência meramente iminente, o devedor pode requerer ao tribunal a instauração de processo especial de revitalização, de acordo com o previsto nos artigos 17º-A a 17º-I”

A noção de situação económica difícil encontra-se no artº 17º -B:

“Para efeitos do presente Código, encontra-se em situação económica difícil o devedor que enfrentar dificuldade séria para cumprir pontualmente as suas obrigações, designadamente por ter falta de liquidez ou por não conseguir obter crédito”.

O processo especial de revitalização inicia-se pela manifestação de vontade do devedor e de, pelo menos, um dos seus credores, através de declaração escrita, iniciarem negociações conducentes à sua revitalização por meio da aprovação de um plano de recuperação (artº 17º-C, nº 1). De posse desta declaração deve o devedor, de imediato, comunicar ao juiz do tribunal competente para declarar a  insolvência  que pretende dar início às negociações tendentes à sua recuperação, devendo este nomear, também de imediato, por despacho, administrador judicial provisório, (artº 17.º-C, nº 3, a). Logo que notificado deste despacho, o devedor comunica a todos os seus credores que não hajam subscrito a declaração inicial que iniciou as negociações para a sua revitalização e convida-os a participar nelas (artº 17.º-D, nº 1). E nos termos do artº 17º-E, que trata dos efeitos processuais da  decisão a que se refere a alínea a) do nº 3 do artº 17.º-C, esta “ obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as acções em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação”.

Ora, no caso dos autos está precisamente em causa apurar o alcance desta norma legal, no segmento em que alude às acções para cobrança de dívidas; está em causa, dito doutro modo, determinar que acções em concreto estão incluídas na previsão legal, devendo, por isso, ser suspensas durante o período das negociações, ou extintas quando haja aprovação e homologação do PER.

Trata-se de questão que tem dividido, e continua a dividir a doutrina e a jurisprudência nacionais, a ponto de já se ter sustentado, por se considerar a lei dúbia e pouco clara, a conveniência duma “intervenção do legislador para esclarecer aquele sentido” [1].

Enquanto tal não sucede, porém, há que tomar posição, desde logo porque o tribunal não pode abster-se de julgar, invocando a falta ou obscuridade da lei ou dúvida insanável acerca dos factos em litígio (artº 8º, nº 1, do CC).

Na doutrina, Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis consideram que a “expressão acções para cobrança de dívidas a que se refere o artigo 17.º-E, n.º 1, abrange apenas as acções executivas para pagamento de quantia certa (e as demais execuções sempre e quando se verifique a conversão das mesmas nos termos previstos no artigo 867.º ou 869.º do Código de Processo Civil) e os procedimentos cautelares antecipatórios das acções que deveriam ser suspensas ao abrigo do citado normativo legal. Encontram-se excluídas, pois, do âmbito de aplicação do nº 1 do artigo 17.º-E, as acções declarativas, as acções executivas para entrega de coisa certa, as acções executivas para prestação de facto e a generalidade dos procedimentos cautelares”. No entendimento destes autores, “a expressão utilizada – cobrança de dívidas – remete-nos imediatamente para uma acção destinada a obter o pagamento coercivo duma quantia pecuniária. Aliás, a expressão cobrança de dívidas é habitualmente utilizada ou encontra-se associada à realização coactiva de uma prestação em dinheiro”. E acrescentam que a diferente redacção utilizada nos artigos 17º-E e 88º do CIRE (mais restritiva no primeiro caso), leva a concluir que se pretendeu limitar a aplicação da norma aqui em apreço às acções executivas para cobrança de dívida, deixando de fora as acções declarativas, até porque “apenas as acções executivas para pagamento de quantia certa podem ser consideradas como verdadeiras acções para cobrança de dívida para os efeitos do artº 17º-E, nº 1” (PER, o Processo Especial de Revitalização”, Coimbra Editora, 2014, pags 97 e sgs) [2].

Em sentido diverso, Luís Carvalho Fernandes e João Labareda entendem que  “o despacho em questão obsta à instauração de quaisquer novas acções dirigidas à cobrança de dívidas pelas quais responde o devedor; além disso, importa a suspensão das que estiverem em curso com idêntica finalidade, incluindo os processos em que tenha já sido proferida sentença declaratória. Apesar das similitudes com as soluções do artigo 88.º, n.º 1, são manifestas, várias e significativas as diferenças, para que importa advertir”. E mais à frente: “... diferentemente do que ocorre em sede de processo de insolvência, a paralisação aqui determinada deve abranger todas as ações para cobrança de dívidas e não apenas as executivas, incluindo-se, assim, as ações declarativas condenatórias. Mas comunga com ele o facto de se abrangerem também ações com processo especial e procedimentos cautelares” (CIRE Anotado, 2ª edição, Lisboa, 2013, página 164) [3].

Na jurisprudência, é amplamente dominante o entendimento de que a expressão “acções para cobranças de dívidas” abrange qualquer acção judicial – declarativa ou executiva – destinada a exigir o cumprimento de um direito de crédito resultante da actividade económica do devedor e que, por isso, contenda com o seu património [4].  No sentido adoptado pelo acórdão recorrido, pode referir-se o Ac. TRL de 11/7/13 (Pº1190/12.5TTLSB.L1-4), com o seguinte sumário: “Para efeitos do disposto no nº 1º do artigo 17º-E do CIRE, na redacção que lhe foi conferida pela Lei nº 16/2012, de 20 de Abril, não se deve considerar que as acções declarativas consubstanciam acções para cobrança de dívidas contra o devedor”.

Tudo ponderado, entendemos não haver razões suficientemente convincentes para nos afastarmos do entendimento maioritário que tem sido seguido pela jurisprudência nacional.

Assim, e desde logo, parece-nos claro que esta interpretação é a única que se adequa e mostra inteiramente compatível com o objectivo do legislador ao instituir o PER, já acima posto em relevo, e que se traduziu, como bem explica Maria Rosário Epifânio, citando a exposição de motivos da Proposta de Lei nº 39/XII, de 30/Dezembro/11, na pretensão de este mecanismo legal se assumir como “uma solução, em si mesma, eficiente no combate ao desaparecimento de agentes económicos, visto que cada agente que desaparece representa um custo apreciável para a economia, contribuindo para o empobrecimento do tecido económico português, uma vez que gera desemprego e extingue oportunidades comerciais que, dificilmente se podem recuperar pelo surgimento de novas empresas” [5]. Sendo este o objectivo fundamental do PER, é lógico e perfeitamente razoável que durante o período das negociações para a revitalização - período, de resto, muito curto, por imposição do artº 17º-D, nº 5, já que não pode exceder três meses, prazo este peremptório e preclusivo, conforme decidiu o STJ no seu acórdão de 17/11/15, acessível em www.dgsi.pt - os credores fiquem impedidos de propôr ou fazer prosseguir quaisquer acções, sejam elas declarativas ou executivas, contra o devedor, e que essas acções se extingam logo que seja aprovado e homologado o PER (dentro do referido prazo, bem entendido.

Depois, e como bem se pondera no acórdão da Relação de Lisboa de 21/11/12 (Procº 1290/13.4TBCLD.L1-2), “Nos termos da norma legal que prevê a suspensão das ações em curso, por efeito da comunicação da pretensão do início das negociações do devedor com os credores, para a recuperação económica daquele, não se surpreende qualquer distinção entre acções declarativas e executivas instauradas contra o devedor, não devendo também o intérprete distinguir onde o legislador não distinguiu. Para além do legislador não poder ignorar a existência das espécies de ações, consoante o seu fim, também, por outro lado, não pode o intérprete desprezar o efeito na vida do devedor, nomeadamente de uma sociedade comercial, provocado pela negação da suspensão da acção, depois de iniciado o processo especial de revitalização. Destinando-se este processo a concluir um acordo do devedor com os credores, de modo a possibilitar a recuperação económica do primeiro, esta finalidade ficaria seriamente comprometida se qualquer credor pudesse continuar a exigir judicialmente os seus créditos. Com efeito, não será prudente olvidar a intenção declarada do legislador, ao instituir o processo especial de revitalização, de permitir ao devedor, com o acordo total ou maioritário dos credores, a sua recuperação da situação económica difícil, caracterizada pela dificuldade séria em cumprir pontualmente as suas obrigações. Por outro lado, tal acordo, depois de homologado judicialmente, vincula todos os credores, mesmo que não hajam participado nas negociações com o devedor (art. 17.º-F, n.º 6, do CIRE). Ora, se qualquer acção contra o devedor não fosse suspensa, estar-se-ia privilegiar, sem razão justificativa, um credor, sendo certo que o objetivo do legislador consistiu em proporcionar condições para a recuperação económica da empresa, com um tratamento igualitário dos credores. Se a pretensão da recuperação económica do devedor, encontrado numa situação económica difícil ou de insolvência meramente iminente, é iniciativa daquele, já a viabilização da recuperação cabe aos credores, sendo certo que, pelas relações económicas estabelecidas com o devedor, estão em condições privilegiadas para o fazerem e, por essa via, poderem salvaguardar, porventura de forma mais eficaz, a solvabilidade dos seus créditos, para além de outras vantagens sociais relevantes. Nestes termos, e levando em consideração as regras de interpretação da lei, consagradas no art. 9.º do Código Civil, a suspensão das ações prevista no n.º 1 do art. 17.º-E do CIRE prevê qualquer acção judicial destinada a exigir o cumprimento de um direito de crédito, resultante do exercício da atividade económica do devedor”.

Claro está que as precedentes considerações, expostas a propósito das acções – declarativas e executivas – que se suspendem, valem inteiramente, mutatis mutandis, para aquelas que se extinguem, conforme previsto na norma em análise (tal é, aliás, o caso dos autos, como ficou descrito no relatório).

Em terceiro lugar, embora se reconheça que o legislador não foi muito feliz na formulação que adoptou, e que se impunha uma redacção menos ambígua do preceito, também se afigura claro que a circunstância de não ter distinguido entre acções declarativas e executivas, nos moldes previstos no artº 4º do CPC então em vigor (a que corresponde o artº 10º do CPC actual), indicia, por si só, que no artº 17º-E, nº 1, houve a pretensão de incluir ambos os tipos de acções, desde que visem a cobrança de dívidas contra o devedor (como, manifestamente, se verifica na hipótese dos autos). É de notar, aliás, que o preceito fala na sua segunda parte em “acções com idêntica finalidade” sem se referir à espécie de acção, mas à sua finalidade concreta – “cobrança de dívidas” – o que bem se compreende porque são as acções com este objectivo aquelas que, sem qualquer dúvida, podem atingir mais profunda e irreversivelmente o património do devedor que com o PER se pretende “resgatar” da insolvência iminente.

Finalmente, sem prejuízo do que antecede, deve ainda dizer-se que não é necessário um grande esforço do intérprete – quer dizer, não se lhe exige que, contra as regras fundamentais da interpretação das leis contidas no artº 9º, nºs 1 a 3, do CC, chegue ao ponto de considerar um pensamento legislativo sem um mínimo de ressonância na letra da lei – para se poder afirmar com relativa segurança que nas acções para cobrança de dívidas se incluem acções declarativas, além das executivas; pelo menos aquelas cuja finalidade é a de obter a condenação do devedor numa prestação pecuniária cabem sem dificuldade na designação que o legislador adoptou no artº 17º-E, nº 1, do CIRE, na exacta medida em que, ao fim e ao cabo, obtida sentença favorável, seguir-se-á, logicamente, o pagamento/cobrança - voluntário ou coercivo - do crédito reconhecido.

Procedem, em face do exposto, as conclusões do recurso, o que implica a revogação do acórdão recorrido e a reposição da decisão da 1ª instância.

3. Decisão

Acorda-se em conceder a revista pedida e, consequentemente, revoga-se o acórdão recorrido para ficar a prevalecer a decisão da 1ª instância, que decretou a extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide.

Custas pela recorrida.

Lisboa,  05 /01/2016

Nuno Cameira (Relator)

Salreta Pereira

João Camilo

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[1] Isabel Alexandre, Efeitos Processuais da Abertura do Processo de Revitalização, II Congresso de Direito da Insolvência, coordenação de Catarina Serra, pág. 246.

[2] No sentido de que apenas as acções executivas estão incluídas na previsão do artº 17º-E, nº 1, cfr ainda:: Isabel Alexandre, Efeitos Processuais da Abertura do Processo de Revitalização, obra e loc citados na nota anterior; Maria do Rosário Epifânio, O Processo Especial de Revitalização, pág. 33; e Madalena Perestrelo Oliveira, Limites da Autonomia dos Credores na Recuperação da Empresa Insolvente, pág. 47.

[3] Cfr, em sentido idêntico ao destes autores: Ana Prata, Jorge Morais de Carvalho e Rui Simões, CIRE Anotado (2013) pág 64; João Aveiro Pereira, “A revitalização económica do devedor”, Revista O Direito, Ano 145/2013, tomos I/II, pag 37; Alexandre de Soveral Martins, Um Curso de Direito da Insolvência, pág. 471; e Catarina Serra, “Revitalização – A designação e o misterioso objecto designado. O processo homónimo (PER) e as suas ligações com a insolvência (situação e processo) e com o SIREVE”, I Congresso de Direito da Insolvência, Almedina, 2013, página 99. 

[4] Entre muitos outros, mencionam-se apenas alguns dos mais recentes, todos acessíveis em www.dgsi.pt: TRL-21.11.13 (Pº1290/13.4TBCLD.L1-2);  TRP-18.12.13 (Pº 407/12.0TTBRG.P1 e Pº 7613/12.6YYPRT.P1); TRP-7.4.14 (Pº 344/13.1TTMAI.P1); TRL-18.6.14 (Pº 899/12.8TTVFX.L1-4); TRC-3/3/15 (Pº1075/13.8TBVIS.C1); TRP-11.5.15 (Pº 440/07.4TVPRT-B.P1); TRC 19.5.15 (Pº 3105/13.4TBLRA.C1); TRL 25.6.15 (Pº 7452/13.7TBCSC-B.L1-8); TRE 22.10.15 Pº 37.332/13.0YIPRT.E1.
[5] Cfr. obra e loc. citados na nota 2), pág.10