Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
16/18.0YFLSB
Nº Convencional: SECÇÃO DE CONTENCIOSO
Relator: ALEXANDRE REIS
Descritores: ACÇÃO DE ANULAÇÃO
AÇÃO DE ANULAÇÃO
ACTO ADMINISTRATIVO
ATO ADMINISTRATIVO
VENCIMENTO
LEGITIMIDADE ADJECTIVA
LEGITIMIDADE ADJETIVA
LEGITIMIDADE PASSIVA
LEI ESPECIAL
DELIBERAÇÃO DO PLENÁRIO
CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
PRINCÍPIO DO VOTO SECRETO
PROCESSO DISCIPLINAR
OFICIAL DE JUSTIÇA
Data do Acordão: 10/09/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE CONTENCIOSO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Área Temática:
DIREITO ADMINISTRATIVO – SUJEITOS / ÓRGÃOS ADMINISTRATIVOS / COMPETÊNCIA / QUESTÕES PREJUDICIAIS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PARTES / LEGITIMIDADE DAS PARTES – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / ARTICULADOS / CONTESTAÇÃO / EXCEÇÕES.
Doutrina:
- Mário Esteves de Oliveira e outros, Código do Procedimento Administrativo-Comentado, 2.ª Edição, Almedina, p. 177.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO (CPA): - ARTIGO 31.º N.º 2.
CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS (CPTA): - ARTIGOS 1.º, 10.º E 89.º, N.º 4, ALÍNEA E).
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 30.º, 576.º, N.º 2 E 577.º, ALÍNEA E).
ESTATUTO DOS MAGISTRADOS JUDICIAIS (EMJ), APROVADO PELA LEI N.º 21/85, DE 30 DE JULHO: - ARTIGOS 168.º E 169.º.
LEI ORGÂNICA DA SECRETARIAS JUDICIAIS (LOSJ), APROVADA PELO DL 376/87, DE 11/12: - ARTIGOS 95.º E 107.º, ALÍNEA A).
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 218.º, N.º 3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 14-02-2002, PROCESSO N.º 262/02;
- DE 19-02-2004, PROCESSO N.º 03A394;
- DE 06-10-2005, PROCESSO N.º 04B4342;.
- DE 27-09-2011, PROCESSO N.º 43/11.9YFLSB;
- DE 15-12-2011, PROCESSO N.º 53/11.6YFLSB;
- DE 05-06-2012, PROCESSO N.º 118/11.4YFLSB;
- DE 19-02-2013, PROCESSO N.º 113/11.3YFLSB;
- DE 16-12-2014, PROCESSO N.º 24/14.0YFLSB;
- DE 16-12-2014, PROCESSO N.º 116/14.6YLSB;
- DE 18‑10‑2012, PROCESSO N.º 125/11.7YFLSB.


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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:


- ACÓRDÃO N.º 347/97;
- ACÓRDÃO N.º 687/98;
- ACÓRDÃO N.º 40/99;
- ACÓRDÃO N.º 373/99;
- ACÓRDÃO N.º 7/2002, DE 20-02;
- ACÓRDÃO N.º 277/2011;
- ACÓRDÃO N.º 327/2013;
- ACÓRDÃO N.º 345/15, DE 23-06-2015.
Sumário :

I - A todas as impugnações judiciais de actos materialmente administrativos do CSM deduzidas por juízes ou não juízes perante o STJ, aplica-se o regime especialmente preceituado pela Lei 21/85 nos seus arts. 168.° e subsequentes, nomeadamente, o da estipulação do prazo de 30 dias «para a interposição do recurso» (art. 169.º).
II - É absolutamente pacífico o entendimento de que o legislador quis atribuir apenas ao STJ, subtraindo-a à jurisdição administrativa, a competência para a fiscalização/apreciação de toda a actuação materialmente administrativa do CSM, que subjaza a qualquer pretensão que contra a mesma seja judicialmente deduzida, independentemente da concreta configuração que o demandante lhe ofereça.
III - A DGAJ e o MJ não têm interesse directo em contradizer e, por isso, não dispõem de legitimidade para esta acção, em que vem formulada a pretensão de anulação de acto administrativo da exclusiva competência do CSM - que, por isso, é a única parte na relação material controvertida -, sendo o processamento dos vencimentos do A que adviesse da eventual procedência daquela pretensão um mero reflexo ou corolário processual a extrair de tal procedência.
IV - O regime especial previsto na Lei 21/85 derroga a regra geral contida no art. 24.°, n.º 2 da anterior versão do CPA (a que corresponde o art. 31.º n.º 2 do CPA actual) e dele resulta que as deliberações do CSM não têm que ser tomadas por escrutínio secreto, designadamente quanto aos processos disciplinares em apreciação.


Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

AA, oficial de justiça (escrivão auxiliar), intentou esta acção especial no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra contra o Conselho Superior da Magistratura (CSM), Direcção-Geral da Administração da Justiça (DGAJ) e Ministério da Justiça (MJ), pedindo: (i) a anulação da deliberação tomada em 9-12-2014 pelo Plenário do CSM, mediante a qual lhe foi aplicada a pena disciplinar de suspensão pelo período de 240 dias; (ii) e, em consequência, a condenação dos RR DGAJ e MJ a pagar-lhe, solidariamente, todos os vencimentos, relativos a tal período, acrescidos de juros de mora.

Para tanto, alegou que: aquela deliberação do CSM foi tomada por escrutínio nominal, e não por escrutínio secreto, sendo, por isso, inválida (anulável) por vício de forma – incumprimento da formalidade essencial prevista no art. 24º, nº 2, do CPA à data em vigor (perante o disposto no art. 135º do mesmo código); na sequência da deliberação ora impugnada, a DGAJ suspendeu o pagamento do seu vencimento, para cumprimento da pena disciplinar.

O CSM contestou, invocando a incompetência do Tribunal Administrativo e sustentando não dispor o A de fundamento para a pretendida anulação. Também a R DGAJ apresentou contestação – a que o R MJ aderiu na íntegra – arguindo, para além da incompetência do Tribunal, que apenas ao demandado CSM assiste legitimidade passiva para esta acção e que o pedido do A foi intempestivamente apresentado e não tem fundamento.

O A pronunciou-se sobre as excepções deduzidas pelos demandados.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, julgando excluída do âmbito da jurisdição administrativa a competência para apreciar (fiscalizar) os actos materialmente administrativos praticados pelo CSM, declarou a sua incompetência absoluta para conhecer da matéria suscitada nos presentes autos e, por consequência, absolveu os RR da instância.

A decisão de 1ª instância foi confirmada pelo Tribunal Central Administrativo Norte, por acórdão proferido no recurso que o A daquela interpusera.

Na sequência de tal acórdão, os autos foram remetidos para este Supremo Tribunal, a pedido do A.


*

Cumpre apreciar e decidir as questões suscitadas nos autos, para o que relevam os seguintes elementos fácticos deles extraídos:
1. Por deliberação do Conselho dos Oficiais de Justiça (COJ), foi aplicada ao A, oficial de justiça com a categoria profissional de escrivão auxiliar, a pena disciplinar de demissão, nos termos dos artigos 3º, nºs 1 e 2, als. a) e f), 3 e 11, 9º, nº 1, alínea d), 10º, nº 5, e 18º, todos do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas.
2. Ao abrigo do artigo 118º do Estatuto dos Funcionários Judiciais, o A interpôs recurso hierárquico dessa decisão para o Conselho Superior da Magistratura,
3. em cujo âmbito o plenário deste Órgão, em 09/12/2014, deliberou por unanimidade, aprovar o projecto apresentado pela Exma. Vogal Relatora a quem os autos haviam sido distribuídos, do que resultou o seguinte trecho decisório:
«Tendo em atenção as considerações expendidas e o quadro legal aplicável, deliberam os membros que constituem o Plenário do Conselho Superior da Magistratura: 1. Declarar prescrito o procedimento disciplinar quanto aos factos subjacentes aos processos 106015/13 e 123015/13 (artigo 6.º, n.º 6, da Lei n.º 58/2008, de 9 de setembro); 2. Conceder parcial provimento ao recurso, determinando a aplicação ao arguido AA, escrivão auxiliar com o n.º mecanográfico 47060, a pena de suspensão pelo período de 240 dias (duzentos e quarenta dias), nos termos das disposições conjugadas dos artigos 89.º, do Estatuto dos Oficiais de Justiça, 3.º, n.º 1 e 2 alíneas a) e i), 3 e 11.º, 9.º, n.º 1 alíneas d) e c), 10.º, n.º 3 e 4, 11.º, n.º 3, 18.º e 23.º, estes do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9 de setembro
4. O A foi notificado de tal deliberação, por ofício de 9/01/2015,
5. e, através de ofício de 15/01/2015, a DGAJ informou-o de que o seu vencimento se encontrava suspenso em cumprimento da pena disciplinar de 240 dias de suspensão.
6. A presente acção deu entrada no Tribunal Administrativo em 4/03/2015.

*

O direito.

1. A competência.

Como flui das normas entre si conjugadas dos arts. 168º e 178º da Lei 21/85, de 30/7, e 4º, nº 4, c), e 24º, nº 1, a) – esta última, a contrario – do ETAF ([1]), a competência para conhecer a pretensão formulada pelo A nesta acção – apreciação (fiscalização) e subsequente anulação da deliberação tomada pelo CSM de lhe aplicar a pena de suspensão pelo período de 240 dias – cabe apenas a este Supremo Tribunal.

Quando o T. Constitucional, no seu Ac. 7/2002 (de 20/2), declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes dos artigos 95º e 107º, a), do DL 376/87, de 11/12 (Lei Orgânica da Secretarias Judiciais), por violação do art. 218º, nº 3, da CRP ([2]), considerou constitucionalmente inadmissível que a lei ordinária excluísse de todo a competência do CSM para apreciar impugnações administrativas de decisões do COJ sobre as matérias do mérito profissional e da disciplina relativas aos oficiais de justiça, o que vale por dizer que aquelas normas eram materialmente inconstitucionais, ao excluírem, por completo, qualquer competência do CSM nesse domínio, atribuindo-a, em definitivo, ao COJ.

Foi essa compreensão que também permitiu ao legislador, com a alteração que conferiu pelo DL 96/2002 (de 12/04) ao art. 118º do DL 343/99, de 26/08 (que aprovou o Estatuto dos Funcionários de Justiça), estabelecer em todos os casos a possibilidade de recurso (hierárquico) das decisões do COJ para o CSM, assim conformando esta novo regime aos princípios constitucionais ([3]).

Assim, o CSM é o órgão constitucionalmente autónomo com «a última competência, hierarquicamente superior e definitiva, relativamente ao exercício das matérias sobre a apreciação do mérito profissional e ao exercício da função disciplinar sobre os funcionários, sendo a competência do COJ preliminar e não exclusiva» ([4]): «O CSM é um órgão administrativo ao qual competem poderes de avocação e revogação das deliberações do COJ (art. 111.º, n.º 1, al. a) e n.º 2 do EFJ) e a prática de actos de natureza administrativa destinados a exercitar as competências de interesse público que lhe estão atribuídas» ([5]).

Ora, é absolutamente pacífico o entendimento de que o legislador quis atribuir apenas ao STJ, subtraindo-a à jurisdição administrativa, a competência para a fiscalização/apreciação de toda a actuação materialmente administrativa do CSM, que subjaza a qualquer pretensão que contra a mesma seja judicialmente deduzida, independentemente da concreta configuração que o demandante lhe ofereça.

Com efeito, essa é a jurisprudência abundantemente reiterada por esta Secção ([6]) e, aliás, também pelos tribunais que integram a jurisdição administrativa, como se retira das decisões profusamente citadas no supra mencionado acórdão do TCAN.

Acresce que a conformidade à Constituição da aqui assumida interpretação de tais normativos tem sido asseverada pelo Tribunal com competência específica sobre a matéria, por não comportar violação do art. 212º, nº 3, da CRP, ainda que assim se arrede «a competência comum ou genérica dos tribunais administrativos para a apreciação dos litígios jurídico-administrativos»: uma vez que se considera que com aquele preceito constitucional não se pretendeu consagrar uma reserva material absoluta de competência, «não existe impedimento constitucional à atribuição pontual da competência aos tribunais judiciais para a apreciação de determinadas questões de natureza administrativa» ([7]).

E, por fim, observamos que à competência deste Tribunal para apreciar toda a actuação materialmente administrativa do CSM não obsta o facto de o A ser, não um juiz, mas um oficial de justiça: não colhe a sua objecção de que a norma do art. 168º da Lei 21/85 seria, supostamente, uma regra própria do Estatuto dos juízes que formam o corpo único dos titulares dos tribunais judiciais, que, por isso, não lhe seria aplicável.

Realmente, contra o que o A parece defender, não é verdade que a Lei 21/85 tenha aprovado (instituído) apenas o estatuto dos juízes, este sim, naturalmente, apenas a estes aplicável: o legislador dedicou a tal estatuto somente os capítulos I a IX do diploma, tendo consagrado os demais a disciplinar assuntos completamente estranhos a tal matéria, como são a estrutura, a organização, a competência e o funcionamento do CSM (capítulo X), a tramitação das reclamações (artigos 164º a 167º-A do capítulo XI) e dos procedimentos atinentes às impugnações judiciais de deliberações daquele Órgão, a observar especialmente na apreciação cometida a este Tribunal (artigos 164º e 168º e ss do capítulo XI).

Por conseguinte, a todas as impugnações judiciais de actos materialmente administrativos do CSM, deduzidas por juízes ou não juízes perante o STJ, aplica-se o regime especialmente preceituado pela Lei 21/85 nos seus artigos 168º e subsequentes, nomeadamente, o da estipulação do prazo de 30 dias «para a interposição do recurso» (art. 169º) ([8]).

2. A legitimidade.

Segundo os RR DGAJ e MJ, o acto impugnado que deu origem ao litígio foi praticado pelo demandado CSM, pelo que apenas a este assiste legitimidade passiva para a acção, uma vez que aqueles são partes exteriores à relação material nela controvertida e, por isso, ilegítimas, devendo ser absolvidos da instância.

Como se viu, o A pediu, para além da anulação da deliberação impugnada, a condenação dos RR DGAJ e MJ no pagamento dos vencimentos relativos ao período da decretada suspensão. É também certo ser a R DGAJ a estrutura organizativa do R MJ responsável pelo processamento dos salários devidos aos oficiais de justiça, na gestão que lhe cabe de parte das receitas gerais do Estado.

 Porém, o prejuízo que adviria da contingente procedência do pedido de anulação da deliberação, especificamente, para a Direcção Geral do R MJ incumbida de tal processamento seria virtual, uma vez que a real repercussão dessa possibilidade recairia na globalidade dos tributos cobrados, directa e indirectamente, pelo Estado a todos os cidadãos, bem como um mero reflexo ou corolário processual a extrair de tal eventual procedência, nesta acção de anulação do acto administrativo da exclusiva competência do CSM, que, por isso, é a única parte na relação material controvertida.

O que basta para reconhecer que os RR DGAJ e MJ não têm interesse directo em contradizer e, por isso, não dispõem de legitimidade para a acção, devendo, por consequência, ser absolvidos da instância (cf. artigos 1º, 10º e 89º, nº 4, al. e) do CPTA, e 30º, 576º, nº 2, e 577º, e), do CPC).

3. A formalidade da deliberação impugnada.

O A invocou a invalidade (anulabilidade) da deliberação do CSM que impugna por nela não ter sido observada a formalidade, que reputa de essencial, prevista no art. 24º, nº 2, do CPA à data em vigor, uma vez que foi tomada por escrutínio nominal, e não por escrutínio secreto.

Está em crise a deliberação do CSM, tomada por unanimidade no respectivo Plenário, que aprovou o projecto apresentado pela Relatora a quem os autos haviam sido distribuídos e que redundou, em suma, na aplicação ao A da pena disciplinar de suspensão pelo período de 240 dias.

Ora, também quanto a esta questão, este Tribunal se vem pronunciando, repetida e uniformemente, no sentido de que não tem fundamento a invocação de tal vício de forma em relação às deliberações do CSM sobre as matérias do mérito profissional e da disciplina relativas a juízes ou a oficiais de justiça.

Vejamos.

É certo que, na data da deliberação, dispunha o artigo 24º da anterior versão do CPA ([9]) que, sendo as deliberações, em regra, tomadas por votação nominal, as «que envolvam a apreciação de comportamentos ou das qualidades de qualquer pessoa são tomadas por escrutínio secreto», deliberando o órgão colegial, em caso de dúvida, sobre a forma de votação.

Conforme tem sido tradicionalmente salientado, a regra da formação por escrutínio secreto de deliberações colegiais que se prendam com a apreciação de comportamentos ou qualidades de qualquer pessoa radica «na protecção de interesses e valores de intimidade e de sociabilidade dos indivíduos» ([10]), bem como nas vantagens que se podem colher da inteira liberdade de voto dos membros do órgão, para assim evitar todas as causas de condicionamento da decisão.

Realmente, em determinadas situações, poderá ser conveniente que não se saiba qual o sentido de voto de cada um dos membros do órgão colegial, tanto para a mais adequada formação da deliberação, como para o próprio destinatário directo desta. Mas não mais do que isso: a regra da confidencialidade do voto, em si mesma, não cuida de qualquer valor absoluto, razão pela qua haverá que ser sopesada no confronto com outros princípios ou regras legais, particularmente as que determinem a estrutura e funcionamento do órgão colegial.

A deliberação em causa, uma vez que foi unanimemente adoptada, ainda que o tivesse sido por escrutínio secreto – melhor dizendo, por votação secreta do projecto de decisão apresentado –, sempre facultaria o conhecimento da identidade, constante da acta respectiva, de cada um dos membros do colégio que então constituía o Órgão – e não apenas da Relatora – e que contribuíram para a formação de tal deliberação. Por isso, no caso concreto, sempre se mostraria difícil a substanciação de uma qualquer alternativa à formulação da decisão mediante acórdão com vista a assegurar os valores que, tendencialmente, a referida confidencialidade visa ([11]).

De todo o modo, mesmo que diferente fosse o circunstancialismo da formação da deliberação impugnada, reiteramos o que este Tribunal já ponderou no acórdão de 05-06-2012 (p. 118/11.4YFLSB), quanto à regulamentação legal do modo de funcionamento do CSM, enquanto órgão competente para proferir decisões disciplinares:

O CSM é um órgão colegial, com a composição indicada no art. 137.° do EMJ, competindo-lhe, além do mais, o exercício da acção disciplinar (al. a) do art. 149.° do EMJ). Funciona em plenário e em conselho permanente (art. 150.° do EMJ); as reuniões do plenário têm lugar ordinariamente uma vez por mês e extraordinariamente sempre que convocadas pelo presidente e o conselho permanente reúne, também, ordinariamente uma vez por mês e extraordinariamente sempre que convocado pelo presidente (arts. 156.°, n.º 1, e 157.°, n.º 1, do EMJ). Segundo as regras de distribuição de processos, contidas no art. 159.° do EMJ, os processos são distribuídos por sorteio, e o vogal a quem o processo for distribuído é o seu relator; o relator pode requisitar os documentos, processos e diligências que considere necessários, sendo que, se ficar vencido, a redacção da deliberação cabe ao vogal que for designado pelo presidente.

(…) Mas deve, também, ter-se presente a norma do n.º 3 do mesmo artigo [24º do ACPA], segundo a qual, «Quando exigida, a fundamentação das deliberações tomadas por escrutínio secreto será feita pelo presidente do órgão colegial após a votação, tendo presente a discussão que a tiver precedido. A votação versa, portanto sobre uma ou mais propostas de deliberação formuladas adrede por qualquer membro do órgão colegial ou conforme lhes são propostas pelos serviços encarregados da sua instrução e informação» e «estipulou-se [no n.º 3 do artigo 24.°] que a fundamentação das deliberações tomadas por escrutínio secreto seja escrita pelo presidente do órgão colegial, “após a votação” e em função “da discussão que a tiver precedido”. Assinala-se já que essa fundamentação deve ser vazada na acta da respectiva reunião, não havendo lugar à aplicação do art. 126.° do Código».

Ora, a forma de votação tomada por escrutínio secreto e o procedimento de fundamentação para ela previsto, contidos no art. 24.°, n.ºs 2 e 3, do CPA, não se adequa ao regime especial de estrutura, composição e funcionamento do CSM, nomeadamente, no que se refere às deliberações proferidas em processos de inspecção e processos disciplinares, como decorre, especialmente, do art. 159.° do EMJ.

Não é, pois, no art. 13.° do Regulamento Interno do CSM (aprovado na Sessão Plenária de 30-03-93 e publicado no DR, II Série, de 27-04-93, alterado por deliberação do Plenário publicada no DR, II Série, de 27-03-2008) que se encontra definitivamente a solução da questão colocada mas no próprio EMJ que, quanto aos processos de inspecção e aos processos disciplinares mimetiza as previstas formalidades, como se de actos judiciários se tratassem. Ora, (…) nos termos do EMJ, as deliberações do CSM, no âmbito disciplinar, estão sujeitas a uma disciplina que não se adequa à regra contida no art. 24.°, n.º 2, do CPA. Improcede, consequentemente, a questão de se verificar o vício de violação de lei, por votação nominal, na decisão do procedimento disciplinar.

Concluímos, pois, que o regime especial previsto na Lei 21/85 derroga a regra geral contida no art. 24º, nº 2 da anterior versão do CPA (a que corresponde o art. 31º nº 2 do CPA actual) e dele resulta que as deliberações do CSM não têm que ser tomadas por escrutínio secreto, designadamente quanto aos processos disciplinares em apreciação ([12]). E, por assim ser, a deliberação impugnada pelo A não sofre do vício formal que o mesmo lhe assaca.

Por conseguinte, improcede a pretensão formulada pelo A e mostra-se prejudicado o conhecimento da questão da intempestividade da acção que fora invocada pelos demandados.


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Síntese conclusiva:

1. A todas as impugnações judiciais de actos materialmente administrativos do CSM deduzidas por juízes ou não juízes perante o STJ aplica-se o regime especialmente preceituado pela Lei 21/85 nos seus artigos 168º e subsequentes, nomeadamente, o da estipulação do prazo de 30 dias «para a interposição do recurso» (art. 169º).

2. É absolutamente pacífico o entendimento de que o legislador quis atribuir apenas ao STJ, subtraindo-a à jurisdição administrativa, a competência para a fiscalização/apreciação de toda a actuação materialmente administrativa do CSM, que subjaza a qualquer pretensão que contra a mesma seja judicialmente deduzida, independentemente da concreta configuração que o demandante lhe ofereça.

3. A DGAJ e o MJ não têm interesse directo em contradizer e, por isso, não dispõem de legitimidade para esta acção, em que vem formulada a pretensão de anulação de acto administrativo da exclusiva competência do CSM – que, por isso, é a única parte na relação material controvertida –, sendo o processamento dos vencimentos do A que adviesse da eventual procedência daquela pretensão um mero reflexo ou corolário processual a extrair de tal procedência.

4. O regime especial previsto na Lei 21/85 derroga a regra geral contida no art. 24º, nº 2 da anterior versão do CPA (a que corresponde o art. 31º nº 2 do CPA actual) e dele resulta que as deliberações do CSM não têm que ser tomadas por escrutínio secreto, designadamente quanto aos processos disciplinares em apreciação.

Decisão:

Pelo exposto, acordam os juízes que constituem a Secção de Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça em:

a) declarar a ilegitimidade processual dos demandados Ministério da Justiça e Direcção-Geral da Administração da Justiça e, por consequência, absolvê-los da instância:

b) negar provimento ao recurso da deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura de 9-12-2014 que aplicou ao demandante, AA, a pena disciplinar de suspensão pelo período de 240 dias.

Custas pelo A, fixando-se à causa o valor de € 30.000,01.

                                                          

Lisboa, 9/10/2018

Alexandre Reis (Relator)

Tomé Gomes

Raul Borges

Ferreira Pinto

Isabel São Marcos

José Raínho

Olindo Geraldes

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[1] Aprovado pela Lei 13/2002, de 19/2 e sucessivamente alterado pela Lei 4-A/2003, de 19/2, pela Lei 107-D/2003, de 31/12, pela Lei 1/2008, de 14/1, pela Lei 2/2008, de 14/1, pela Lei 26/2008, de 27/6, pela Lei 52/2008, de 28/8, pela Lei 59/2008, de 11/9, pelo DL 166/2009, de 31/7, pela Lei 55-A/2010, de 31/12, pela Lei 20/2012, de 14/5, e pelo DL 214-G/2015, de 2/10.
Segundo a citada norma do art. 4º do ETAF, fica excluída «do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal (…) a apreciação de atos materialmente administrativos praticados pelo Conselho Superior da Magistratura (…)».
[2] Norma alusiva à competência do CSM sobre as matérias relativas à apreciação do mérito profissional e ao exercício da função disciplinar sobre os funcionários de justiça.
[3] V., neste sentido, o acórdão deste STJ de 06-10-2005 (p. 04B4342).
[4] Acórdão do STJ de 27-09-2011 (p. 43/11.9YFLSB).
[5] Acórdão do STJ de 16-12-2014 (p. 24/14.0YFLSB).
[6] V., p. ex., os acórdãos de 14-02-2002 (p. 262/02), 19-02-2004 (p. 03A394), 06-10-2005 (p. 04B4342) e 16-12-2014 (p. 116/14.6YLSB.
[7] Cf., por ex., o Ac. do Tribunal Constitucional nº 345/15, de 23-06-2015, depois de reafirmar essa doutrina (que já sustentara as anteriores decisões dos Acs. nºs 347/97, 687/98, 40/99, 373/99, 277/2011 e 327/2013), decidiu «Não julgar inconstitucional a norma extraída dos artigos 168.º, n.º 1, e 178.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado pela Lei n.º 21/85, de 30 de julho, na redação que lhes foi dada pela Lei n.º 143/99, de 31 de agosto, segundo a qual, a Secção do Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça é instância jurisdicional única de decisão dos recursos interpostos de atos administrativos, maxime sancionatórios, praticados pelo Conselho Superior da Magistratura».
[8] Aos aspectos não especialmente previstos em tal regime «são subsidiariamente aplicáveis as normas que regem os trâmites processuais dos recursos de contencioso administrativo interpostos para o Supremo Tribunal Administrativo» (art. 178º).
[9] A que corresponde o art. 31º nº 2 do CPA actual.
[10] Mário Esteves de Oliveira e outros, em “Código do Procedimento Administrativo-Comentado”, 2ª ed., Almedina, p. 177, em que também se opina: «questiona-se se são deliberações dessas apenas aquelas em que o comportamento ou qualidades tidas em vista constituem o próprio objecto da apreciação a fazer ou se incluem também aquelas hipóteses em que eles funcionam como pressuposto de um acto com objecto diverso. A regra deve valer para ambos os casos – quer para o caso de decisão disciplinar (que versa sobre o comportamento de uma pessoa) quer para o caso de uma adjudicação ou de uma autorização em que o seu comportamento ou qualidades são pressupostos da referida decisão – interpretação que, de resto, é corroborada pela letra do preceito».
[11] Como pertinentemente se observa na ob. citada na anterior nota, «basta que a deliberação seja votada unanimemente pelos presentes, para se saber como votou cada um».
[12] Neste sentido, cf., p. ex., para além do já citado (de 05-06-2012), os acórdãos de 15-12-2011 (p. 53/11.6YFLSB), de 18‑10‑2012 (p. 125/11.7YFLSB, concluindo que a previsão da existência de voto de qualidade e de voto de vencido necessariamente é incompatível com o secretismo de uma votação e que do EMJ resulta que as votações no CSM não têm que ser necessariamente por escrutínio secreto) e de 19-02-2013 (p. 113/11.3YFLSB, reafirmando que o regime expressamente definido pela Lei 21/85 é claramente inconciliável com uma votação por escrutínio secreto).