Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1784/03.0PSLSB.L1.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: SOUTO DE MOURA
Descritores: CONCURSO DE INFRACÇÕES
CONHECIMENTO SUPERVENIENTE
CÚMULO JURÍDICO
BURLA
BEM JURÍDICO PROTEGIDO
PENA DE PRISÃO
PENA ÚNICA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
IMAGEM GLOBAL DO FACTO
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
Data do Acordão: 07/25/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Área Temática:
DIREITO PENAL - CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / PENAS / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA / PUNIÇÃO DO CONCURSO DE CRIMES.
Doutrina:
- Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, p. 291.
- Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do “Código Penal”, p. 244.
Legislação Nacional:
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 40.º, 44.º, 70.º, 77.º, N.º1.
Sumário :

I - Para as finalidades gerais preventivas interessa a imagem do ilícito global praticado e para a prevenção especial conta decisivamente o facto de se estar perante uma pluralidade desgarrada de crimes, ou pelo contrário, perante a expressão de um modo de vida. Interessa à prossecução do primeiro propósito a gravidade dos crimes, a frequência com que ocorrem na comunidade e o impacto que têm na sociedade, e à segunda finalidade, a idade, a integração familiar, as condicionantes económicas e sociais sobre o agente, tudo numa preocupação prospectiva, da reinserção social que se mostre possível.
II -Nos presentes autos, a arguida, em cúmulo jurídico, de conhecimento superveniente, foi condenada na pena única de 9 anos de prisão, por 1 crime de furto, 1 crime de violação de correspondência, 7 crimes de falsificação de documentos, e 17 crimes de burlas (das quais 16 qualificadas). Em termos de prevenção geral as necessidades de endurecimento penal fazem-se sentir, perante a reação da população em geral pelo tipo de criminalidade ora em apreço. As exigências de prevenção especial também têm relevo, na medida que a arguida procurava angariar rendimentos ilicitamente, induzindo em erro cidadãos bem intencionados que procuravam legalizar a sua situação em Portugal, lançou mão de cheques alheios e falsificou-os, dando-os como meio de pagamento, tudo em proveito próprio, com completo desprezo pelo prejuízo causado a outrem.
III -Desde os 23 anos que a arguida iniciou uma verdadeira carreira criminosa, traduzida num registo criminal pesado, que permitem enquadrar a arguida no tipo criminológico de burlona habitual. O cometimento de crimes pela arguida é expressão do modo de vida desta, entre 1993 e 2007, e encontra-se a cumprir pena desde 2007. Contudo, as condenações sofridas apontam para uma criminalidade média/baixa com a consequência de dever acrescer à parcelar mais grave, apenas uma parcela muito reduzida das restantes parcelares, na eleição da pena única conjunta, pelo que se considera justa a pena de 7 anos e 6 meses de prisão.



Decisão Texto Integral:

AA, nascida a --- em ---, ---, ---, residente em ---, e presentemente reclusa no estabelecimento prisional de Tires, foi julgada por tribunal coletivo e em processo comum, na 8ª Vara Criminal de Lisboa e, por acórdão de 18/12/2013, condenada pela prática dos seguintes crimes:
· 1 crime de furto, consumado, (p. e p. pelo artº 203º, nº 1 CP), na pena de 6 meses de prisão,
· 1 crime de violação de correspondência, consumado (p. e p. pelo artº 194º, nº 1 CP), na pena de 3 meses de prisão,
· 7 crimes de falsificação de documentos, consumados (p. e p. pelo artº 256º, nº 1, als. a), b), c) e nº 3 do CP), na pena de 12 meses de prisão por cada um deles,
· 1 crime de burla, consumado (p. e p. pelo artº 217º, nº 1 CP), na pena de 9 meses de prisão,
· 2 crimes de burla qualificada, consumados (p. e p. pelo artº 218º, nº 1 e 2, al. b) do CP – NUIPC 15/04.0ZCLSB e NUIPC 1330/04.8PCCSC), na pena de 2 anos de prisão por cada um deles,
· 14 crimes de burla qualificada, consumados (p. e p. pelo artº 218º, nº 1 e 2, al. b) do CP – NUIPCs 1588/04.2POLSB, 384/05.4POLSB, 719/05.0PULSB, 760/05.2PTLSB, 6614/05.5TDLSB, 531/05.6SDLDB, 513/05.8PELSB, 1418/05.8PTLSB, 9313/05.4TDLSB, 340/06.5POLSB, 1111/05.1PRLSB, 11958/05.3TDLSB, 23/07.8S5LSB e 453/07.6PBVIS), na pena de 2 anos de prisão por cada um deles;

Em cúmulo, foi condenada na pena conjunta de 9 anos de prisão, para além da condenação no pagamento de uma indemnização cível no valor de € 960.

Insatisfeita, a arguida interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, mas porque se verificou que era apenas em relação à pensa única de 9 anos de prisão, que a arguida manifestara a sua discordância, foi entendido que o tribunal competente para conhecer deste recurso era o STJ, e daí os autos terem sido remetidos a esta instância.

A  -  FACTOS

Deram-se por provados os seguintes factos:

 

"A - Dos cheques de BB

I – NUIPC ---, ---

(1) Em 1.10.2003, BB requisitou uma caderneta de cheques da sua conta nº --- da---, que deveriam ser remetidos, via CTT, para a sua morada (sita na---) em Lisboa.

(2) AA tinha acesso às partes comuns desse prédio, pois havia arrendado o 8º andar do mesmo;

(3) Apoderou-se do envelope contendo esses cheques, abriu-o e logo formulou o propósito de os utilizar em seu proveito.

(4) AA assinou-os (nalguns apôs a assinatura da titular dos cheques noutros a sua própria assinatura), preencheu-os e deu-lhes o seguinte destino:

a) cheque nº---, em 06.10.2003, no valor de €300,75, apôs o nome de BB, depositou-o na sua conta da ...

b) cheque nº 842458542, em 07.10.2003, no valor de €200,00, apôs o nome de BB, depositou-o na sua conta da ---;

c) cheque nº ---, em 07.10.2003, no valor de €24,25, apôs a sua própria assinatura, e apresentou-o como modo de pagamento;

                d) cheque nº ---, em 06.10.2003, no valor de €302,90, apôs a sua própria assinatura e apresentou-o como modo de pagamento na loja “ELLA LINGERIE”;

e) cheque nº ---, em 06.10.2003, no valor de €171,00, apôs a sua própria assinatura e apresentou-o como modo de pagamento na loja “HELLIOS”;

f) cheque nº ---, em 06.10.2003, no valor de €61,20, apôs a sua própria assinatura e apresentou-o como modo de pagamento;

g) cheque nº ---, em 06.10.2003, no valor de €262,50, apôs a sua própria assinatura e apresentou-o como modo de pagamento na loja “Lanidor”, sita nas Galerias Saldanha Residence, em Lisboa;

(5) Ao usar como modo de pagamento, a arguida AA conseguiu obter os bens assim adquiridos, bem como se apoderou dos valores titulados pelos cheques depositados na sua conta.

B - Da promessa a cidadãos estrangeiros de trabalho e legalização

(12) Em data concretamente não apurada, mas em momento anterior a 2004, a arguida AA engendrou um plano que lhe permitia auferir rendimentos, oferecendo a cidadãos estrangeiros, mormente brasileiros, empregos a par da possibilidade de se legalizarem, regularizando a sua situação em território nacional.

(13) De forma a incutir maior credibilidade perante as suas vítimas, a arguida AA intitulava-se advogada, juíza, funcionária da Polícia Judiciária, Inspectora da Polícia de Segurança Pública.

(14) E dizia ter um amigo no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras a quem pediria que tratasse da referida legalização.

(15) Apresentava-se como “Ângela”, “Cristina”, “Cristina Marisa” e outros nomes, deixava o seu contacto telefónico em locais frequentados por esses indivíduos de modo a atrai-los.

(16) Os indivíduos em causa contactavam-na telefonicamente e combinavam encontrar-se em locais de acesso público como terminais de transportes ou centros comerciais.

(17) A arguida prometia, então, tratar-lhes da legalização, regularização da sua situação em território português e/ou arranjar-lhes emprego.

(18) Para tanto, levava-as a entregar-lhes o passaporte e quantias monetárias – variáveis entre os €475,00 e €675,00 – a título de despesas com o processo de legalização.

(19) A partir desse momento, passava a estar incontactável para esses indivíduos.

Outros factos praticados pela arguida:

VI – NUIPC 15/04.0ZCLSB

(37) Em 16.09.2004, cerca das 12h00m, no Centro Comercial Vasco da Gama - Lisboa, a arguida AA apresentou-se como sendo inspectora da PSP e propôs a CC, de nacionalidade brasileira, tratar da sua situação, obtendo-lhe a nacionalidade portuguesa junto do SEF, através de um seu amigo que aí trabalhava.

(38) CC anuiu e a arguida solicitou-lhe, então, que lhe entregasse o seu passaporte pessoal, bem como a quantia de €475,00, necessários para suportar as despesas do processo.

(39) CC entregou-lhe o seu passaporte, emitido pela República Federativa do Brasil e a quantia de €250,00.

(40) Não obteve a prometida dupla nacionalidade, nem recuperou o dinheiro e o seu passaporte.

(41) Em 20.09.2004, cerca das 16h30m, na Gare do Oriente - Lisboa, a arguida AA apresentou-se como Cristina, intitulou-se como juíza e propôs a DD ir trabalhar como doméstica interna em casa de uma professora universitária sua amiga.

(42) Mais referiu a arguida que tinha uma amiga no SEF que trataria da sua legalização.

(43) DD anuiu e a arguida solicitou-lhe, então, que lhe entregasse o seu passaporte pessoal, bem como a quantia de €735,00, necessários para suportar as despesas de legalização.

(44) DD entregou-lhe o seu passaporte nº ---, emitido pela República Federativa do Brasil e a quantia de €700,00.

(45) Não obteve emprego nem a regularização da sua situação de estrangeira e não recuperou o dinheiro e o seu passaporte.

(46) Em 21.09.2004, cerca das 10h45m, na Gare do Oriente - Lisboa, a arguida AA apresentou-se como Cristina Santos e intitulou-se como juíza, propondo a EE ir trabalhar em sua casa como ama das suas duas filhas.

(47) Mais referiu a arguida que tinha um amigo no SEF que trataria da sua legalização.

(48) EE anuiu e a arguida solicitou-lhe, então, que lhe entregasse o seu passaporte pessoal, bem como a quantia de €660,00, necessários para suportar as despesas de legalização.

(49) EE entregou-lhe o seu passaporte nº ---, emitido pela República Federativa do Brasil e a quantia pedida.

(50) Não obteve emprego nem a regularização da sua situação de estrangeira e não recuperou o dinheiro e o seu passaporte.

VII – NUIPC 1330/04.8PCCSC

(51) Em 11.10.2004, cerca das 18h00m, no Centro Comercial Cascais Villa - Cascais, a arguida AA apresentou-se como Ângela Santos, intitulou-se como juíza e propôs a FF ir trabalhar como doméstica em sua casa.

(52) Mais referiu a arguida que tinha um amigo no SEF que trataria da sua legalização.

(53) FF anuiu e a arguida solicitou-lhe, então, que lhe entregasse a quantia de €475,00, necessários para suportar as despesas de legalização.

(54) FF entregou-lhe a quantia pedida.

(55) Não obteve emprego nem a regularização da sua situação de estrangeira e não recuperou o dinheiro.

C - Do arrendamento de casas em Lisboa

(60) A par da actividade que desenvolveu junto dos cidadãos estrangeiros, a arguida AA mantinha montado um esquema de promessa de arrendamentos de casas sitas em Lisboa, das quais não era proprietária, logrando obter dos interessados quantias em dinheiro depositadas a título de sinal de reserva de imóvel, caução ou primeira renda.

(61) A arguida AA conseguiu a disponibilidade dos imóveis através da celebração de contratos de arrendamento com os legítimos proprietários, que não cumpriu, e nem pretendia usufruir do locado senão para o mostrar a potenciais interessados no seu arrendamento, arrogando-se a qualidade de proprietária.

(62) A arguida anunciou os imóveis nos jornais “Correio da Manhã” e “Diário de Notícias”, aguardando o contacto pelos interessados para o seu telemóvel pessoal.

(63) Para incutir maior credibilidade junto dos interessados, a arguida dizia ser juíza, advogada ou médica, alegava estar destacada em serviço fora de Lisboa, o que, por vezes, inviabilizava que pudesse mostrar a casa àqueles.

(64) Conseguiu que os mesmos efectuassem depósitos a título de reserva do imóvel, mediante a promessa de que lhes enviaria a chave pelo correio ou através de um autocarro da REDE EXPRESSOS ou através de encontros que nunca ocorreram.

(65) A arguida AA instruía os interessados a efectuar os pagamentos em numerário, através do envio de vales postais ou através de depósitos/transferências nas contas bancárias:

- nº ---, do ---, e na conta nº ---, do ---, tituladas pela própria,

- nº---, da ---, titulada por ---, mãe da arguida, mas movimentada pela arguida AA,

- nº --- da ---, titulada por GG e pela arguida AA, e por esta usada em exclusivo,

- nº ---, da ---, titulada por HH (em duas ocasiões, como forma de a arguida pagar uma dívida que tinha para com este)

Assim,

   X – 1588/04.2POLSB

(78) Em 18.11.2004, II respondeu a um anúncio no jornal “Diário de Notícias”, relativo ao arrendamento de um apartamento sito na Avenida da Peregrinação (Lote 9 AB, 2ºF, 6º C, Parque das Nações) em Lisboa, ligando para o número de telefone associado.

(79) Combinou encontrar-se no dia seguinte com a arguida AA num café sito na Avenida Infante Santo, em Lisboa, onde celebraram o contrato de arrendamento,

(80) II entregou €500,00, em numerário, à arguida AA que lhe entregou um molho de chaves.

(81) Chegada à morada do dito apartamento, II verificou que as chaves que lhe foram entregues não correspondiam à porta.

(82) Contactou, então, a arguida que referiu ter-se tratado de um engano e combinou encontrar-se novamente com II para lhe dar as chaves e receber a quantia de €700,00 relativos ao remanescente do valor devido como primeiro mês de renda e caução, que deveriam totalizar €1.200,00.

(83) Encontraram-se no dia 26.11.2004, no café “Carrossel”, sito na Avenida Infante Santo, assinaram novo contrato, pois o primeiro continha uma incorreção quanto ao nome de II, esta entregou à arguida o cheque nº --- do Banco --- no valor de €700,00 e recebeu as chaves.

(84) Apurou-se que as novas chaves também não correspondiam à porta.

(85) O cheque não foi pago em virtude de ter sido apreendido aquando da intervenção policial.

XI – NUIPC 58/05.6PKLSB, 113/05.2PBFAR

(86) Em 28.12.2004, a arguida AA tomou de arrendamento a JJ e LL, proprietários, o apartamento sito na Travessa da Pereira (nº26, R/C Esq.) em Lisboa.

(87) O contrato celebrado produziria efeitos a partir de 01.01.2005, devendo a arguida entregar ao senhorio a renda mensal de €600,00.

(88) A arguida obteve a disponibilidade da casa, sem nunca ter efectuado o pagamento de qualquer quantia.

(89) Em 05.01.2005, fez publicar anúncios no jornal, oferecendo o arrendamento da referida casa, como se fosse sua proprietária.

XII – NUIPC 384/05.4POLSB

(98) Em Março de 2005, a arguida AA tomou de arrendamento a MM, proprietário, o apartamento sito Avenida Santo Condestável (Lote 10, 5º D - Chelas) em Lisboa.

(99) O contrato celebrado produziria efeitos imediatos, devendo a arguida entregar ao senhorio a renda mensal de €825,00.

(100) A arguida obteve a disponibilidade da casa, sem nunca ter efectuado o pagamento de qualquer quantia.

(101) Em 25.03.2005, fez publicar anúncios no jornal “Correio da Manhã”, oferecendo o arrendamento da referida casa, como se fosse sua proprietária.

(102) NN respondeu a esse anúncio contactando a arguida AA para o nº ---.

(103) Combinaram encontrar-se no dia 29.03.2005, junto ao Feira Nova - Chelas, e foram ver o apartamento sito na Avenida Santo Condestável (Lote 10, 5º D, em Chelas), cuja renda teria o preço de €600,00.

(104) NN mostrou-se interessada e entregou logo €500,00 à arguida para reserva do imóvel, e ficou de depositar a quantia de €700,00 na conta nº --- da ---, conforme instruções da arguida, o que aconteceu em 31.03.2005.

(105) Nunca recebeu a chave e a arguida, desde então, ficou incontactável.

XV – NUIPC 719/05.0PULSB

(118) No início de Maio de 2005, OO respondeu a anúncio feito publicar pela arguida AA, contactando-a para o nº ---, pois pretendia arrendar uma casa.

(119) Logo combinaram encontrar-se em frente ao edifício Twin Towers sito em Sete Rios, Lisboa para ver a casa.

(120) OO mostrou-se interessada e procedeu, em 06.05.05 ao depósito de €900,00 na conta nº --- do ---, a título de caução, tal como solicitado pela arguida.

(121) No dia 09.05.2005, a arguida contactou OO, dizendo-lhe que tinha encontrado uma casa maior e com móveis novos, que teria a mesma renda, e que a mudança de casa importaria o pagamento de uma caução adicional de €600,00 por causa desses móveis.

(122) OO aceitou e efectuou o depósito em 09.05.2005 na mesma conta, ficando acordado que efectuaria a mudança em 10.05.2005.

(123) A arguida, desde então, ficou incontactável.

XVII – NUIPC 760/05.2PTLSB

(129) PP fez publicar um anúncio no jornal Correio da Manhã “Universitária partilha apartamento novo, junto ao metro da Quinta das Conchas em Lisboa”, pois o valor da renda suportado pela sua filha era de €925,00 e pretendia partilhá-lo.

(130) Em 15.05.2005, pelas 13h00m, recebeu contacto telefónico da arguida em resposta a esse anúncio.

(131) A arguida referiu que era médica e que iria iniciar funções no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, mostrando-se interessada.

(132) PP esclareceu que não era o proprietário, mas que a sua filha era a inquilina e pretendia partilhar a casa e o valor da renda.

(133) A arguida sugeriu, então, ser a própria a assumir o contrato de arrendamento e que, em seguida, arrendava um quarto à filha daquele que lhe pagaria, mensalmente, a quantia de €200,00.

(134) Ficou acordado que a arguida apresentaria essa proposta à proprietária, aquando da visita ao apartamento que ocorreu em 17.05.2005.

(135) Após a visita, a arguida contactou PP, dizendo-lhe que não tinha, naquele momento, disponível a quantia necessária a pagar dois meses de renda à proprietária e solicitou-lhe que depositasse €400,00 na sua conta, dinheiro que seria descontado da parte da renda que caberia à sua filha.

(136) PP depositou a quantia de €300,00 na conta nº---do ---, titulada pela arguida, e QQ, filha daquele, depositou os restantes €100,00.

(137) A partir dessa data, a arguida ficou incontactável, não entregou qualquer dinheiro à proprietária e fez sua a quantia de €400,00.

XVIII – NUIPC 6614/05.5TDLSB

(138) Em 4.06.2005, RR, SS, TT e UU responderam a anúncio publicado no jornal “Público” em que se oferecia o arrendamento de um apartamento na zona das Laranjeiras, em Lisboa.

(139) Contactaram telefonicamente o número indicado ---.

(140) Acabaram por aceder a ir ver o apartamento, uma vez que a arguida AA referiu que o preço da renda seria de €650,00.

(141) No dia 06.06.2005, combinaram encontrar-se na casa sita na Rua António Albino Machado (Lote 37, 7º frt., Condomínio Solarium) em Lisboa.

(142) A arguida referiu que era advogada e o marido, juiz, e que não queria arrendar a casa a qualquer pessoa.

(143) Acordaram verbalmente o negócio, solicitando a arguida o depósito da quantia de €1.300,00 na conta nº --- do ---, referente à primeira renda e caução, o que as mesmas fizeram em 06.06.2005.

(144) A arguida combinou entregar-lhes a chave em 12.06.2005, contudo, não compareceu no local como combinado e permaneceu incontactável.

XIX – NUIPC 531/05.6SDLSB

(145) Em 14.06.2005, a arguida contactou VV, respondendo a um anúncio que este fizer publicar no jornal “Correio da Manhã” em que oferecia um apartamento para arrendar.

(146) A arguida disse ser advogada e mostrou-se interessada em arrendar tal imóvel, sito em Rua Domingos Sequeira (Vila Maia, Rua 1, porta 8, R/C dtº) em Lisboa, dizendo que aceitaria o arrendamento mesmo sem ver a casa.

(147) A arguida veio a receber a chave, em 18.06.2005, do empreiteiro que realizava obras no prédio.

(148) Não efectuou qualquer pagamento ao seu proprietário e logo tratou de fazer publicar anúncios em que, como se fosse a dona, oferecia o arrendamento de tal imóvel.

XX – NUIPC 513/05.8PELSB

(149) Em 24.06.2005, XX, respondeu a um anúncio, que a arguida AA fizera publicar no jornal, em que era oferecido o arrendamento do apartamento sito em Vila Maia (Porta 8, R/C, Lapa) em Lisboa.

(150) Combinaram encontrar-se no próprio dia, pelas 17h30m, na dita casa.

(151) Já depois da visita, XX contactou telefonicamente a arguida, manifestando o propósito de arrendar a casa.

(152) A arguida pediu-lhe, então, uma garantia e, como estava fora de Lisboa, pediu que fosse efectuado depósito no valor de €700,00, a título de primeira renda e renda caução, na conta titulada pela arguida.

(153) XX assim fez, efectuando dois depósitos de €350,00 cada, em 27.06.2005.

(154) Não recebeu a chave e não conseguiu contactar com a arguida.

XXII - NUIPC 1418/05.8PTLSB

(159) YY, em 09.08.2005, respondeu a anúncio que a arguida fez publicar no jornal “Correio da Manhã” relativo a arrendamento de um apartamento, contactando-a para nº 912108123.

(160) A arguida disse, então, ser juíza, chamar-se AA, e ter para arrendamento um apartamento sito junto às Tween Towers, em Sete Rios, Lisboa.

(161) Como estava interessada, e a arguida disse ter mais pessoas interessadas, YY efectuou, em 10.08.2005, um depósito de €650,00 na conta nº --- do ---, titulada pela arguida AA, a título de sinalização do contrato conforme instruções desta.

(162) A arguida referiu que iria enviar a chave e o comando da garagem pelo correio, mas nunca a enviou ou entregou e, a partir dessa data, ficou incontactável.

XXVII – NUIPC 9313/05.4TDLSB

(181) Em 31.08.2005, ZZ, AAA e BBB responderam a anúncio feito publicar pela arguida AA, no jornal “Correio da Manhã” desse dia, contactando-a para o nº---, pois pretendiam arrendar uma casa.

(182) A arguida disse, então, ser juíza e chamar-se ---, e ter para arrendamento um apartamento sito junto das TweenTowers, em Sete Rios, Lisboa, sendo a renda mensal de €700,00.

(183) Como estavam interessados, ZZ efectuou um depósito de €300,00 na conta nº --- do---, titulada pela arguida AA, conforme instruções desta, o que aconteceu em 02.09.2005.

(184) Não chegaram a ver a casa nem a reaver o dinheiro, ficando a arguida, desde então, incontactável.

XXX – NUIPC 340/06.5POLSB

(193) CCC, em 26.09.2005, respondeu a anúncio que a arguida fez publicar no jornal “Correio da Manhã” relativo a arrendamento de um apartamento, contactando-a para nº ---.

(194) A arguida disse, então, ser médica, chamar-se AA , encontrar-se destacada em serviço no Porto e ter para arrendamento um apartamento sito na Avenida de Berna, em Lisboa, mediante a renda mensal de €480,00.

(195) Como estava interessado, CCC efectuou, nesse dia, um depósito de €480,00 na conta nº --- do ---, titulada pela arguida AA, a título de caução, conforme instruções desta.

(196) A arguida combinou entregar a casa, as chaves e realizar o contrato no dia 01.10.2005, contudo não compareceu.

(197) Em 03.10.2005, contactou novamente com CCC, a quem solicitou o depósito da quantia de €480,00, a título de primeira renda, o que o mesmo logo efectuou na mesma conta, comprometendo-se a enviar a chave pelo correio.

(198) A arguida nunca enviou ou entregou a chave e, a partir dessa data, ficou incontactável.

XXXIII – NUIPC 1111/05.1PRLSB

(210) DDD, em 16.10.2005, respondeu a anúncio que a arguida fez publicar no jornal “Correio da Manhã” relativo a arrendamento de um apartamento, contactando-a para nº ---.

(211) A arguida disse, então, ser médica, chamar-se AA , encontrar-se destacada em serviço no Porto e ter para arrendamento um apartamento sito na zona da Expo.

(212) Como estava interessado, e a arguida disse ter mais pessoas interessadas, DDD efectuou um depósito de €700,00 na conta nº --- do --- titulada pela arguida AA, a título de sinalização do contrato conforme instruções desta.

(213) A arguida referiu que iria enviar a chave por Correio Azul.

(214) A arguida nunca enviou ou entregou a chave e, a partir dessa data, ficou incontactável.

XXXVI – NUIPC 11958/05.3TDLSB

(223) EEE, em 17.11.2005, respondeu a anúncio que a arguida fez publicar no jornal “Correio da Manhã” relativo a arrendamento de um apartamento, contactando-a para nº 917130521.

(224) A arguida disse, então, ser médica cardiologista destacada no Hospital de Guimarães, chamar-se AA , e ter para arrendamento um apartamento sito na Avenida de Berna (nº41, 4º andar) Lisboa.

(225) Como estava interessada, e a arguida disse ter mais pessoas interessadas, EEE remeteu um vale postal de €550,00 para GG, mãe da arguida AA, a título de sinalização do contrato conforme instruções desta.

(226) A arguida AA descontou o vale postal e fez sua a quantia pelo mesmo titulada.

(227) Referiu que iria enviar a chave através de autocarro da REDE EXPRESSOS, mas nunca a enviou ou entregou e, a partir dessa data, ficou incontactável.

LI – NUIPC 23/07.8S5LSB

(288) FFF, GGG e HHH, em 31.03.2007, responderam a anúncio que a arguida fez publicar no jornal “Correio da Manhã” relativo a arrendamento de um apartamento, contactando-a para o nº 911031679.

(289) A arguida AA disse chamar-se GG, ser advogada, e ter para arrendamento um apartamento sito na zona da Expo, em Lisboa.

(290) Como estavam interessadas, e a arguida disse ter outras pessoas interessadas, FFF, GGG e HHH efectuaram, cada uma, transferência bancária de €400,00, a título de sinal, conforme instruções desta, para a conta nº --- da ---, titulada por GG e pela arguida.

(291) A arguida referiu que iria enviar a chave através de autocarro da RODOMAIL, mas nunca a enviou ou entregou e, a partir dessa data, ficou incontactável.

LIII – NUIPC 453/07.6PBVIS

(296) III, em 24.04.2007, respondeu a anúncio que a arguida fez publicar no jornal “Correio da Manhã” relativo a arrendamento de um apartamento, contactando-a para o nº 911033083.

(297) A arguida AA disse chamar-se Maria Isabel, ser advogada, e ter para arrendamento um apartamento sito na zona da Expo - Lisboa, mediante a renda mensal de €400,00.

(298) Como estava interessada, III efectuou transferência bancária, em 25.04.2007, da quantia de €1.000,00, a título de primeira renda, caução e despesas de água, luz e tv cabo, conforme instruções desta, para a conta nº --- da ---, titulada por GG e pela arguida.

(299) A arguida referiu que iria enviar a chave através de correio, mas nunca a enviou ou entregou e, a partir dessa data, ficou incontactável.

(304) A arguida agiu de modo livre, deliberado e voluntário, em todas as ocasiões.

(305) Sabia que se apropriava de uma carta que lhe não era dirigida nem lhe pertencia, fazendo-a sua, bem como ao seu conteúdo, ciente de que o fazia sem autorização e contra a vontade da sua dona.

(306) Na posse dos cheques de Branca, a arguida neles apôs assinaturas – quer da titular da conta quer dela própria – preencheu-os e logo tratou de deles retirar benefício económico, depositando-os na sua conta e usando-os como modo de pagamento.

(307) Deste modo, logrou obter dos empregados da loja Lanidor, propriedade da DOCMODA, Moda, Vestuário e Acessórios, LDA., produtos que fez seus, fazendo-os crer que lhes apresentava um meio de pagamento legítimo, causando-lhes o prejuízo correspondente ao seu valor.

(308) Causou, ainda, prejuízo ao Estado, decorrente da desconfiança sobre a titularidade dos cheques, abalando a credibilidade que os títulos de crédito devem merecer para a generalidade das pessoas.

(311) Em todas as circunstâncias descritas em B. a arguida agiu de modo livre, voluntário e deliberado, querendo criar junto dos cidadãos estrangeiros que a procuraram a convicção de que não só lhes obteria emprego como conseguiria diligenciar pela sua legalização no nosso país.

(312) A arguida muniu o seu plano dos elementos necessários a alcançar tal desiderato, quer invocando uma profissão socialmente conotada com a rectidão e honestidade quer revelando conhecimentos técnicos no âmbito dos processos de legalização, para além de invocar ter conhecimentos pessoais no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, o que facilitaria os procedimentos, quer pelo próprio facto de lhes pedir a entrega dos seus passaportes.

(313) Deste modo, conseguiu que os seus interlocutores – cidadãos estrangeiros cuja situação não estava regular e desempregados – acreditassem que iniciavam um processo de legalização e de obtenção de emprego, gerador de despesas que tinham de custear, levando-os a entregar as quantias monetárias que a arguida lhes pediu.

(314) A par desse esquema, a arguida procurou proprietários que pretendessem arrendar casas, neles criando a convicção que estavam a celebrar um contrato de arrendamento e por esse modo lhe entregando as chaves, sem a intenção de lhes pagar qualquer renda ou outro valor pela casa.

(315) Apenas quis a arguida ter a disponibilidade desses móveis para poder, ela própria, arrogar-se a qualidade de proprietária e, desse modo, levar a efeito arrendamentos fraudulentos.

(316) Para isso, a arguida AA aliciou cidadãos que procuravam arrendar uma casa, fazendo-os crer que era proprietária e que, para além disso, tinha uma qualidade profissional associada a uma imagem de honestidade e rectidão.

(317) Ao gerar expectativas nos ofendidos de estar a arrendar uma casa na qual pretendiam residir, conseguiu levá-los a avançar com o pagamento de sinal, primeira renda ou caução, entregando-lhes quantias monetárias.

(318) A arguida nunca quis tratar de qualquer processo de legalização, nunca quis empregar nenhuma pessoa, nem nunca quis arrendar qualquer casa, seja como arrendatária seja como senhoria,

(319) Apenas actuou movida pelo propósito concretizado em quase todos os casos – nos casos enumerados – de auferir rendimentos à custa do empobrecimento das pessoas que lhe entregaram as quantias monetárias.

(320) A arguida vive, em exclusividade, dos rendimentos que lhe advêm dos esquemas referidos em B. e C., não lhe sendo conhecida qualquer outra fonte de rendimento que seja lícita.

(321) Bem sabia serem todas as suas condutas proibidas e punidas por lei.

Mais  se  provou  que,

A arguida compareceu a julgamento, não prestando declarações de início.

Posteriormente, após a produção de parte da prova, a arguida pretendeu falar, dizendo que confessava os factos, muito embora os não tivesse praticado todos, mas para se ver livre do processo, declaração que não foi aceite pelo Tribunal como confissão integral dos factos.

A arguida tem antecedentes criminais, constando do seu CRC condenações por crimes de: furto, falsificação e burla (factos de Janeiro de 1993 e outra condenação por factos de 1995 e outra por factos de 1996), emissão de cheque sem provisão (factos de Junho de 1994, e outra por factos de Julho de 1994, e outra por factos de 1998 e outra por factos de Abril de 2002), falsificação e burla (factos de Dezembro de 1993), burla simples e qualificada (factos de 1998, e outra por factos de 2002, e outra por factos de Outubro de 2003 e outra por factos de Maio e Novembro de 2005, outra por factos de Dezembro de 2005, outra por factos de Agosto de 2005, e outra por factos de 2001, e outra por factos de Agosto de 2004, e outra por factos de Janeiro de 2006, e outra por factos de Janeiro de 2007), abuso de designação de sinal ou uniforme (factos de Março de 2002), falsificação (factos de 2001, outra por factos de 2002 e outra por factos de Março de 2004, outra por factos de Agosto de 2004 e outra por factos de Junho de 2003), condução ilegal (factos de Abril de 2002), abuso de confiança (factos de Abril de 2004), burla e falsidade de depoimento ou declaração (factos de Setembro de 2001), finalmente condenada em cúmulo jurídico no processo 1146/04.1PRLSB destas Varas, na pena de 11 anos de prisão que se encontra a cumprir. 

Segundo apurou a DGRS: a arguida vem de um agregado familiar inscrito em padrões de normalidade a nível educacional e económico, tendo engravidado aos 15 anos mas tendo os seus pais assumido as responsabilidades relativamente ao neto que criaram, iniciando a arguida um percurso de instabilidade pessoal, dando-se nota de uma fase depressiva (que não está medicamente atestada nos autos no entanto); a arguida teve percurso escolar com normalidade, completando o 11º ano de escolaridade e iniciando a sua vida profissional como escriturária; uniu-se de facto a pessoa que referencia também com comportamentos delinquentes, iniciando o seu percurso pelo sistema de Justiça, relação que interrompeu e retomou tempos mais tarde, tendo desse interregno nascido uma filha de outro companheiro e que vive ao cuidado do pai; foi presa em 2007 para cumprimento da pena à ordem de que está actualmente; concluiu o 12º ano de escolaridade em reclusão e tem comportamento normativo em reclusão."

B  -  RECURSO

Foram as seguintes as conclusões da motivação do recurso interposto pela arguida:

"1. À ora recorrente foi aplicada uma pena de prisão de nove anos, pela prática, em concurso real, por um crime de furto, um crime de violação de correspondência, sete crimes de falsificação de documentos e dezasseis crimes de burla qualificada.

2. Não pode concordar a ora requerente com a pena que lhe foi aplicada, considerando demasiado elevada.

3. O critério de escolha da pena, encontra-se previsto no artigo 70° do CP, sendo que nele se estabelece, uma preferência pelas penas não detentivas, sempre que tal se mostre possível.

4. O tribunal a quo não levou em conta o relatório social daquela, que é bastante favorável e plasma a sua situação real.

5. A arguida encontra-se atualmente a cumprir uma pena de 13 anos de prisão, em que todos os tipos de crime são semelhantes a estes, tendo já cumprido sete anos e meio de prisão (sendo 14 meses de prisão domiciliária), encontrando-se no Estabelecimento Prisional de Tires há cerca de seis anos e meio, sem quaisquer castigos ou repreensões.

6. A arguida tem apoio familiar, é filha única e pode contar com a total ajuda da sua mãe.

7. A requerente mostrou o seu arrependimento em julgamento, sendo certo que a mesma já interiorizou toda a situação por que passou e passa presentemente e tem total consciência que no seu futuro se irá manter longe de qualquer actividade criminosa.

8. Entende a arguida ser excessiva, a pena que lhe foi aplicada e requer que tal seja reduzida para cinco anos de prisão, devendo a mesma ser suspensa na sua execução, uma vez que, a pena pode ser suspensa quando a censura do facto e a ameaça da pena de prisão bastem para afastar o condenado da criminalidade.

9. A pena suspensa tem como pressuposto material o prognóstico favorável quanto ao comportamento do delinquente que em determinadas circunstâncias torna crível a possibilidade de se afastar do crime. Este juízo reporta-se sempre ao momento da decisão e não ao momento da prática do crime.

10. Com este pretende-se obter o "conteúdo mínimo da ideia de socialização," traduzida na "prevenção da reincidência" (cf Direito Penal Português -consequências jurídicas do crime - do Professor Figueiredo Dias).

11. A existência de condenação ou condenações anteriores não é impeditiva a priori da concessão da suspensão;

12. Considera-se haver um prognóstico favorável centrado na pessoa da arguida e no seu comportamento futuro - à luz de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização, devendo ser decretada a suspensão da execução da prisão.

13. Caso não se entenda pela redução da pena de prisão aplicada à arguida, deverá o remanescente da pena de prisão ser cumprida em prisão domiciliária, uma vez que a arguida apresenta todas as condições e requisitos necessários a esse fim.

14. A arguida encontra-se totalmente disposta, a ressarcir os lesados, caso lhe seja imposta essa condição.

Nestes termos e nos demais de Direito, que o Douto Tribunal Superior certamente suprirá, se requer a redução da pena de prisão, suspensa na sua execução. Caso não se entenda, a arguida requer a aplicação do remanescente da pena de prisão a ser cumprida em prisão domiciliária, por todo o exposto anteriormente, com todas as consequências legais, (…)."

O Mº Pª respondeu e concluiu assim:

"1 - Carece de razão a recorrente, nos fundamentos de facto e de direito aduzidos na sua douta motivação;

2 - Com efeito, a decisão recorrida fez uma criteriosa apreciação e valoração da matéria de facto e uma judiciosa aplicação do direito, encontra-se devidamente fundamentada e tendo a escolha da medida concreta da pena obedecido aos critérios legais;

3 - Mormente, dos normativos dimanados dos art.°s 40°,50°, 70°, 71° e 77°, todos do Código Penal, e sendo que a situação objeto dos presentes autos revela um elevado grau de ilicitude, que reclama um acrescido juízo de censura jurídico-penal, e exacerba as necessidades de prevenção especial;

4 - Por esse motivo não é excessivamente dura a pena concretamente aplicada, não se mostrando viável in casu a aplicação do instituto da suspensão da execução da pena ou de qualquer outra medida substitutiva da pena de prisão;

5 - E sendo que a arguida não confessou integralmente os factos, o que deixa muitas reservas no concernente a uma séria interiorização do desvalor das suas condutas, tanto mais que as inúmeras condenações anteriormente sofridas não produziram suficiente efeito ressocializador;

6 - Acrescendo que a arguida não indica nas suas conclusões, como lhe era exigível, as normas jurídicas violadas, em conformidade com o disposto no artº 412° n°s 1 e 2 al. a) do C.P.P.;

7 - Consequentemente, não nos merece censura a douta decisão recorrida, pelo que entendemos dever ser negado provimento ao recurso interposto."

Neste STJ, o Mº Pº reviu-se na resposta do colega no Tribunal da Relação, nada tendo a acrescentar.

Colhidos os vistos foram os autos levados à conferência.

C  -  APRECIAÇÃO

É entendido consensualmente que o objeto do recurso se delimita através das questões que são levadas às conclusões. Lidas estas, não oferece dúvida alguma que a recorrente se insurge contra a medida da pena conjunta aplicada, de nove anos de prisão, pretendendo, com base no disposto no art. 70.º do CP, que a pena a aplicar em cúmulo seja não detentiva. Concretamente, uma pena de cinco anos de prisão suspensa na sua execução, ou que "o remanescente da pena de prisão seja cumprida em prisão domiciliária".

1. A pena conjunta a aplicar em cúmulo deve ser encontrada entre 2 anos e 25 anos de prisão, certo que a soma aritmética das penas aplicadas ascende 40 anos e 6 meses de prisão.

Retomemos então, tal como temos feito noutros acórdãos, o fundamental das considerações a tecer, sobre os critérios a usar para se chegar a essa pena conjunta.
À luz do nº 1 do art. 77.º do CP, para escolha da medida da pena única, importará ter em conta “em conjunto, os factos e a personalidade do agente”. E é isto, apenas isto, que diretamente a lei nos dá como critérios de individualização.
A doutrina tem procurado concretizar um pouco mais os critérios de determinação da pena conjunta e defendido, nas palavras de Figueiredo Dias, que, com tal asserção, se deve ter em conta, “a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão, e o tipo de conexão, que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade - unitária - do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma “carreira”) criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).” (in “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, pag. 291).
Apesar destas indicações da doutrina mais autorizada, não faltou quem defendesse que o ponto de partida para determinação da pena conjunta deveria ser o meio da sub-moldura disponível para efeito de cúmulo. Ou seja, metade da diferença entre a parcelar mais grave e a soma total das penas que entram no cúmulo. Este modo de proceder persiste, como nos dá a entender P.P. Albuquerque, com a eleição de 1/2 ou 1/3 da diferença apontada, em função da personalidade revelada, é dizer, da maior (1/2) ou menor (1/3) desconformidade ao direito da personalidade do agente (in “Comentário do Código Penal” pág. 244). Tudo com a preocupação de adoção de critérios que se revelassem o menos vagos possível, em face da lei que temos.
Ora, para evitar uma aplicação de pena que resultasse de uma operação aritmética simplista, tem-se defendido já, um caminho que também procura ter em conta o seguinte:
A pena conjunta situar-se-á até onde a empurrar um efeito “expansivo” da parcelar mais grave, por ação das outras penas, e um efeito “repulsivo” que se faz sentir a partir do limite da soma aritmética de todas as penas. Ora, este efeito “repulsivo” prende-se necessariamente com uma preocupação de proporcionalidade, que surge como variante com alguma autonomia, em relação aos já aludidos critérios da “imagem global do ilícito” e da “personalidade do arguido”. Proporcionalidade entre o peso relativo de cada parcelar no conjunto de todas elas.
Se a pena parcelar é uma entre muitas outras semelhantes, o peso relativo do crime que traduz é diminuto em relação ao ilícito global, e portanto, só uma fração menor dessa pena parcelar deverá contar para a pena conjunta.
É aqui que deve aflorar uma abordagem diferente da pequena e média criminalidade, face à grande criminalidade, para efeitos de determinação da pena conjunta, e que se traduzirá, na prática, no acrescentamento à parcelar mais grave de uma fração menor das outras.
A opção legislativa por uma pena conjunta pretendeu por certo traduzir, também a este nível, a orientação base ditada pelo art. 40º do C.P., em matéria de fins das penas. 
Assim, a proteção dos bens jurídicos surge, no art. 40.º, como a finalidade primeira da pena, e como essa proteção se refere necessariamente ao futuro, daí uma abordagem da pena exclusivamente utilitária. Por isso deverão ser convocadas finalidades gerais preventivas (sobretudo a positiva mas também a intimidatória), e especiais preventivas (intimidação pessoal, neutralização temporária e reinserção social, esta última, aliás, especialmente mencionada no preceito).
Do retributivismo ficou-nos, como herança importante, o imperativo de se escolher uma pena proporcionada ao crime(s) cometido(s), o que é representado pelo chamado princípio da culpa. Porque não há pena sem culpa não pode haver pena para além da culpa, o que nos leva a atribuir, a esta, a função de pressuposto e limite da medida da pena.
Sem que nenhum destes vetores se constitua em compartimento estanque, é certo que para o propósito geral-preventivo interessará antes do mais a imagem do ilícito global praticado, e, para a prevenção especial, contará decisivamente o facto de se estar perante uma pluralidade desgarrada de crimes, ou, pelo contrário, perante a expressão de um modo de vida.
Interessará à prossecução do primeiro propósito a gravidade dos crimes, a frequência com que ocorrem na comunidade e o impacto que têm na sociedade, e à segunda finalidade, a idade, a integração familiar, as condicionantes económicas e sociais que pesaram sobre o agente, tudo numa preocupação prospetiva, da reinserção social que se mostre possível.
E nada disto significará qualquer dupla valoração, tendo em conta o caminho traçado para escolher as parcelares, porque tudo passa a ser ponderado, só na perspetiva do ilícito global, e só na perspetiva de uma personalidade, que se revela, agora, polo aglutinador de um conjunto de crimes, e não enquanto personalidade manifestada em cada um deles.

2. Em termos de prevenção geral, tanto intimidatória, como sobretudo positiva, as necessidades de endurecimento da reação penal fazem-se sentir, perante a reação da população em geral pelo tipo de criminalidade ora em apreço. Estamos confrontados, no essencial, com uma arguida que procurava angariar rendimentos ilicitamente, induzindo em erro cidadãos bem-intencionados que procuravam legalizar a sua situação em Portugal, facto aliado, ou não, à necessidade de ter um emprego, ou então precisavam simplesmente de arranjar casa. Arguida que também não perdeu a oportunidade de lançar mão de cheques alheios e falsificá-los, dando-os como meio de pagamento. Tudo em proveito próprio, tudo explicável pela sua labilidade, tudo com completo desprezo pelo prejuízo causado a outrem.  
As exigências da prevenção especial têm, também, no caso, relevo.
A arguida nasceu em 1970, e tanto quanto se sabe foi pelos seus 23 anos que iniciou uma verdadeira carreira criminosa, traduzida num registo criminal pesado, que conta com o cometimento de crimes em 1993, 1994, 1995, 1996, 1998, 2001, 2002, 2003, 2004, 2005 e 2006. Os factos pelos quais a arguida está a ser julgada neste processo decorreram também em 2003, 2004 e 2005, bem como em 2007.
Ressalta do seu percurso a criminalidade económica praticada acompanhada de falsidades, que permitam enquadrar a arguida no tipo criminológico da burlona habitual. As expetativas de que o apoio da mãe seja suficiente para que se reinsira socialmente, no caso de não lhe ser aplicada pena detentiva, mostram-se evidentemente remotas. A arguida não confessou integralmente os factos, e o que confessou ocorreu "para se ver livre do processo", o que leva a desconfiar da sua alegação de arrependimento.
Não custa afirmar que o cometimento de crimes é expressão do modo de vida, que foi o da arguida, entre 1993 e 2007. E encontra-se a cumprir pena desde 2007.
De qualquer modo, as condenações sofridas apontam para uma criminalidade média/baixa, com a consequência de dever acrescer à parcelar mais grave, apenas uma parcela muito reduzida das restantes parcelares, na eleição da pena única conjunta. Acresce que a arguida cumpre neste momento pena, por crimes cometidos, a maior parte deles, antes dos que agora se apreciam.
A pena conjunta a aplicar em cúmulo, de nove anos de prisão, está a nosso ver algo inflacionada, pelo que consideramos que a pena justa é, no caso, de sete anos e seis meses de prisão.
Fica prejudicada a pretensão de suspensão de execução da pena, e não se vê como possa aplicar-se, no caso, o disposto no art. 44.º do CP, relativo à execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação.   


D – DECISÃO

Pelo exposto, se decide em conferência conceder provimento parcial ao recurso, aplicando à recorrente, em cúmulo, a pena conjunta de sete anos e seis meses de prisão. Nessa medida se revogando o acórdão recorrido, em tudo o mais se mantendo o decidido.
Sem custas.

Lisboa, 25 de julho de 2014


Souto Moura (relator)**
Oliveira Mendes